Open-access Mulheres do Mar: práticas performativas como crítica aos mitos coloniais patriarcais brasileiros

Mulheres do Mar: pratiques performatives comme critique des mythes coloniaux patriarcaux brésiliens

RESUMO

Mulheres do Mar: práticas performativas como crítica aos mitos coloniais patriarcais brasileiros – O texto analisa o projeto Mulheres do Mar, realizado com idosas da comunidade Serviluz em Fortaleza (CE). Através de oficinas de práticas performativas, questionou-se o mito colonial Iracema, de José de Alencar. Análises feministas articuladas com a abordagem dos arquivos e repertórios de Diana Taylor fundamentam a crítica do romance. Em seguida, compartilham-se aspectos da abordagem me-todológica de criação, com ênfase nas cartografias de si. Reflete-se como a elaboração coletiva de uma contranarrativa à herança patriarcal sintetizada em Iracema contribui para o debate sobre práticas artísti-co-pedagógicas decoloniais.

Palavras-chave: Práticas Performativas; Feminismo; Decolonial; Memória; Arquivo

RÉSUMÉ:

Mulheres do Mar: pratiques performatives comme critique des mythes coloniaux patriarcaux brésiliens – Le texte analyse le projet Mulheres do Mar, méné avec des femmes âgées de la communauté Serviluz à Fortaleza (CE). Par le biais d’ateliers de pratiques performatives, le mythe colo-nial Iracema, de José de Alencar, a été remis en question. Des analyses féministes articulées avec l’approche des archives et des répertoires de Diana Taylor étayent la critique du roman. Ensuite, des aspects de l’approche méthodologique de la création sont partagés, en mettant l’accent sur les car-tographies de soi. La réflexion porte sur la manière dont l’élaboration collective d’un contre-récit à l’héritage patriarcal résumé dans Iracema contribue au débat sur les pratiques artistico-pédagogiques décoloniales.

Mots-clés: Pratiques Performatives; Féminisme; Décolonial; Mémoire; Archives

ABSTRACT

Women of the Sea: performative practices as a critique of Brazilian patriarchal co-lonial myths – The text analyses the Mulheres do Mar (Women of the Sea) project, conducted with elderly women from the Serviluz community in Fortaleza (CE). Through performance workshops, the colonial myth Iracema, by José de Alencar, was challenged. Feminist analyses in conjunction with Diana Taylor’s approach to archives and repertoires underpin the critique of the novel. Next, aspects of the methodological approach to creation are shared, with an emphasis on cartographies of the self. It reflects on how the collective development of a counter-narrative to the patriarchal heritage summarised in Iracema contributes to the debate on decolonial artistic-pedagogical practices.

Keywords: Performative Practices; Feminism; Decolonial; Memory; Archive

Introdução

Processos de criação e aprendizagem das práticas performativas podem tensionar arquivos normatizados no imaginário contemporâneo que ainda revelam sombras de um passado colonial? Como estimular e viabilizar con-tranarrativas à herança patriarcal sintetizada em mitos coloniais? De que forma projetos da arte participativa realizados com mulheres em territórios atravessados por tensões sociais, econômicas e políticas podem questionar a estrutura patriarcal colonial e viabilizar dispositivos e plataformas para que essas contranarrativas sejam compartilhadas?

Esses questionamentos inspiraram a criação do projeto de oficinas de práticas performativas que resultaram na cartografia participativa Mulheres do Mar1, realizadas na comunidade do Serviluz, em Fortaleza/CE, entre 2019 e 2021, com mulheres2 na faixa etária entre 65 e 90 anos, iniciantes nas Artes Cênicas. Este artigo visa explorar alguns dos princípios teóricos e metodológicos dessas oficinas e seus desdobramentos, na tentativa de res-ponder a seguinte pergunta: como jogos performativos articulados com uma abordagem autobiográfica possibilitam a criação de uma contranarrativa cartográfica ao arquivo patriarcal colonial Iracema, escrito por José de Alen-car?

O romance e seu autor são elementos da cultura canônica nacional há décadas. A obra está presente no currículo da Educação Básica, foi adaptada para filmes, enredo de escola de samba, história em quadrinhos e a persona-gem principal dá origem a monumentos e nomes de ruas em cidades brasi-leiras. No Ceará, terra do autor, o encontro entre a indígena tabajara e o in-vasor português, Martim Soares Moreno, foi considerado o mito fundador da cultura local pelo governo do estado3. Porém, a constante repetição dessa narrativa, que simboliza o processo de colonização de forma romantizada, reitera políticas de gênero impostas às mulheres, marcadas pela perversidade da escravidão e da dominação patriarcal.

Inicialmente, discutimos as noções de patriarcado e colonialidade à luz de teorias feministas decoloniais, articuladas com as noções de arquivo e re-pertório de Diana Taylor (2013), para analisar o romance Iracema (2019). Em seguida, expomos os motivos da escolha do território do Serviluz e abordamos os principais procedimentos realizados nas oficinas de práticas performativas, com ênfase na abordagem das cartografias de si, além de co-mentar o resultado de entrevistas com as participantes do projeto.

A presença de estudos feministas e de gênero na pesquisa em Artes Cênicas desarticula a hegemonia epistemológica, questionando a submissão ao discurso patriarcal aos quais as mulheres foram submetidas nas atividades ligadas à produção do conhecimento. No Brasil, a interseção entre esses dois campos está presente nos estudos de Dodi Leal, Lúcia Romano, Marta Baião, Nina Caetano, Sarah Duarte, Stela Fischer e Yasmin Nogueira, den-tre outras. A multiplicidade das pesquisas resultou na criação do Grupo de Trabalho Mulheres da Cena, na Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (ABRACE).

Nossa intenção é contribuir para a reflexão sobre criação e aprendiza-gem das práticas performativas participativas realizadas no Nordeste por meio da análise de uma prática com mulheres que formularam uma contra-narrativa a um mito cearense que tomou dimensões nacionais. Nesse senti-do, destacamos ainda o enfoque do grupo de pesquisa Mito, Rito e Carto-grafias Feministas nas Artes (MOTIM), coordenado pela professora Luciana Lyra, que aborda a complexidade do poder do mito e busca diluir as fron-teiras que invisibilizam os trabalhos do Nordeste.

Iracema, mito de formação do Patriarcado Colonial

Iracema, romance publicado em 1865 pelo cearense José de Alencar, desvela, por meio do encontro de dois personagens, um enredo idealizado do processo de colonização ocorrido na costa brasileira. Em uma trama me-tafórica, somos apresentados a Martim Soares Moreno, “jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano” (Alencar, 2019, p. 15), colo-nizador português, trazendo em seu primeiro nome uma referência ao deus romano Marte, que tem como características a agressividade e a violência. Em seguida, surge Iracema, indígena tabajara, cujo nome, em guarani, sig-nifica saída do mel, “a virgem dos lábios de mel” (Alencar, 2019, p. 16), em explícita referência à sexualidade e personalidade doce das nativas brasileiras.

No início da obra, em um momento de descanso, Iracema percebe ser observada por um guerreiro estranho; ela, em sua vulnerabilidade nua, e ele, vestido não apenas de tecidos, mas também de armas. Sentindo-se ameaça-da, de pronto, ela se protege com a flecha de seu arco e o atinge. Alencar narra o desapontamento de Martim em relação a essa ação ter sido feita por uma mulher, na medida em que “o moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor” (Alencar, 2019, p. 17). Porém, como é esperado pela perspectiva do narrador, a personagem a quem cabia o afeto amoroso e a docilidade logo se configura em Iracema, que se padece do estrangeiro, cuidando de sua ferida e acolhendo-o à sua cultura.

Continuando a trama alencarina, ao se envolver amorosamente com o estrangeiro, Iracema quebra seu voto de castidade e necessita abandonar o povo Tabajara. Refugiados em uma praia deserta, ela se entristece ao notar as saudades de Martim de sua terra natal. Sozinha, Iracema dá à luz ao pri-meiro mestiço brasileiro: “Tu és Moacir, filho do meu sofrimento” (Alen-car, 2019, p. 76). Já no final da história, Iracema não consegue alimentar seu filho, afirmando que seus “seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe” (Alencar, 2019, p. 81), entregando a criança a Martim pouco antes de falecer. Simbolizado na morte de Iracema, percebemos que o destino dos povos originários, na perspectiva do homem branco colonizador, seria desa-parecer, e, para que a civilização vingasse, uma nova nação deveria ser fun-dada e guiada pela mão europeia.

O primeiro encontro entre Iracema e Martim, o nascimento de seu fi-lho Moacir e a morte de Iracema são três momentos que consideramos de-terminantes para dialogarmos acerca da obra ser um mito de formação que perpetua os interesses do patriarcado pelo sistema colonial moderno. O ro-mance em foco é uma publicação do período do Segundo Reinado, no qual

o imperador D. Pedro II financiou a formação de um indianismo que se alinhava às ideias nacionalistas da época, cujo projeto político envolvia a construção e consolidação de uma identidade cultural brasileira forjada na democracia racial4. A partir desses elementos, nosso objetivo é abordar o romance de Alencar à luz de algumas análises a respeito da violência coloni-al e patriarcal e os mascaramentos afincados nessa mitologia nacional.

No livro Sobre o autoritarismo brasileiro (2019), a historiadora e antro-póloga Lilia Schwarcz, ao nos apresentar uma das primeiras gravuras que representam o descobrimento da América, datada de cerca de 1580, aponta as intrínsecas relações entre raça e gênero, perpetuadas desde o momento da colonização. Na gravura, assim como relatado no primeiro trecho de Irace-ma, o europeu é retratado como um homem branco vestido, em contrapon-to a uma mulher nua, que é alegorizada como a América. Sentada em uma rede, ela gesticula em sua direção, disposta a se relacionar com o descobridor, que, por sua vez, segura em suas mãos símbolos que fazem referência à ideia de civilização: cajado com crucifixo, astrolábio e uma bandeira do Cruzeiro do Sul.

A gravura trata do encontro entre o explorador Américo Vespúcio com a América, que leva uma versão feminizada de seu nome. Enquanto o tre-cho extraído da obra de José de Alencar coloca Iracema também em encon-tro com o colonizador, sendo seu nome um anagrama de América. Assim, ambas as leituras se alinham a uma representação de Abya Yala5 como uma mulher que aguarda, deseja ou aceita esse encontro, em uma dominação do Velho Mundo sobre o Novo, do masculino sobre o feminino e da civilização sobre a natureza.

Esse processo de formação de identidade cultural do novo continente, por meio de diferentes processos arquivais, deu-se alinhado a uma perspec-tiva cristã, racista, patriarcal, heteronormativa e eurocêntrica, destacando uma dada narrativa temporal em detrimento à dos povos nativos. Nesse sen-tido, Schwarcz (2019) destaca a importância de iluminar criticamente esses arquivos, para compreendermos como estes criam um campo de batalha re-tórica ao inventarem e elevarem certos rituais de memória, qualificando-os como modelo autêntico e os demais como sombrios, não-civilizados, neces-sitando de controle ou de eliminação.

O pensamento do feminismo decolonial, negro e anticapitalista contri-bui para esta discussão ao problematizar as hierarquias de gênero atreladas às de raça como categorias ficcionais, criadas no embrião do colonialismo histó-rico, que consolidaram um regime patriarcal exercido com violência e inter-venção estatal contra mulheres. Além das autoras Aura Cumes, Silvia Federi-ci, Sueli Carneiro e Yuderkys Espinosa Miñoso, utilizadas neste texto, inspi-ramo-nos em Angela Davis, Julieta Paredes, Lélia Gonzalez, María Lugones, Ochy Curiel, Oyèrónke Oyewùmí, Rita Segato e Patricia Hill Collins.

Os estudos realizados pela filósofa Silvia Federici (2017; 2019) colabo-ram na compreensão de que o processo de colonização de Abya Yala traz consigo uma forma de patriarcado forjada das sociedades europeias. A auto-ra sustenta que a transição do feudalismo europeu para o capitalismo é um período primordial para entendermos a redefinição das tarefas produtivas e reprodutivas nas relações homem-mulher ocidentais, e o faz por meio de vasta pesquisa documental de momentos históricos. Um desses foi a perse-guição e execução de milhares de mulheres na caça às bruxas, que serviu de instrumento para subjugar seus corpos, trabalhos, capacidades sexuais e re-produtivas sob o controle do Estado, cabendo a elas uma função essencial para a continuidade do sistema: a reprodução e criação da força de trabalho.

Alinhado a essa dinâmica, o fechamento das terras comunais, seguido pelo processo de privatização e cercamento delas, teve como consequência simbólico-social o entendimento de que as mulheres se tornaram substitutas das terras que os homens haviam perdido: “seu meio de reprodução mais básico e um bem comum de que qualquer um podia se apropriar e usar se-gundo a sua vontade” (Federici, 2017, p. 191). Assim, gradualmente, foi se definindo um sistema de domínio em que os homens assumiram o controle político, econômico, social e cultural, não somente tendo mais acesso aos bens comuns, mas tornando as mulheres um desses bens.

A ativista e pesquisadora Aura Cumes (2019) defende e aprofunda essa perspectiva ao dialogar com os escritos contidos no Popol Wuj, um dos mais importantes documentos da antiguidade de Abya Yala, que guarda a cosmo-gonia, história e genealogia maia, da qual Cumes descende. Em sua análise, ela apresenta argumentos segundo os quais, na cultura maia, os gêneros eram tratados de forma a se completarem mutuamente, defendendo a importância do significado de paridade na horizontalidade. Tal compreensão surge tanto no resgate da expressão winaq, que significa pessoa ou gente sem atribuição de gênero, contrária à noção ocidental de homem, e na observação do mito de origem maia e sua ideia de pares que se relacionam – “homem e mulher, céu e terra, mãe e pai, animal e pessoas” (Cumes, 2019, p. 300, tradução nossa) – , que possuem a mesma capacidade de ação e relevância.

Segundo a autora, essas relações de paridade foram radicalmente modi-ficadas a partir da dominação colonial-patriarcal que instaurou um regime de subordinação das mulheres mediante uma hierarquização entre estas e os homens e o projeto de dominar a própria natureza. No pensamento coloni-al, “[...] a natureza é mulher, é selvagem, é caprichosa, ininteligível, irracio-nal, rebelde. Precisa de uma força superior para ser dominada, subjugada e colocada à disposição de quem sabe aproveitá-la” (Cumes, 2019, p. 303, tradução nossa). Assim, os colonizadores advertiram que os índios não ti-nham aprendido a dominar a natureza, pois não dominavam suas mulheres. Nessa relação, para afirmar a virilidade questionada, o sujeito masculino in-dígena começou a reproduzir e exibir sua capacidade de controle sobre as mulheres, debilitando a força do sentido maia de existência.

De maneira semelhante à dinâmica europeia que privatizou terras co-munais e o trabalho reprodutivo feminino, o processo colonial impôs uma forma de patriarcado que desapoderou e assassinou mulheres.

O patriarcado capitalista encarna a condição do predador humano, um status construído frente à expropriação de mulheres, camponeses, outros homens não-católicos e não-ocidentais de cor, e à dominação da natureza. Esse patriarca, em sua condição de colonizador, constitui-se dono das famílias e comunidades in-dígenas, bem como de negros e negras escravizados, e assume-se como dono e senhor da própria natureza. Esse patriarca colonial governa e exerce violência sob essa legitimidade (Cumes, 2019, p. 306, tradução nossa).

Em diálogo com essas autoras, percebemos Iracema como a história ro-mantizada de uma violenta estrutura que se perpetrou contra mulheres indí-genas e negras que foram escravizadas durante a colonização. Em sua tese, in-titulada Iracema, horizonte do mito incessante, o professor Tiago Parente (2019, p. 132), ao dialogar com o conceito de violência proposto por Helei-eth Saffioti, afirma “Iracema é um livro que narra uma história superviolenta. Uma violência colonial”. E alerta que a repetição dessa história, de maneira acrítica, exalta o processo “que estuprou mulheres e exterminou etnias não-brancas” (Parente, 2019, p. 28). Nesse sentido, a filósofa e ativista Sueli Car-neiro (2020) aponta que a violação colonial resultou na miscigenação, sendo a base para a formação do mito da cordialidade e da democracia racial:

Essa violência sexual colonial é, também, o ‘cimento’ de todas as hierarquias de gênero e raça presentes em nossas sociedades, configurando aquilo que Ângela Gilliam define como ‘a grande teoria do esperma em nossa formação nacional’, através da qual, segundo Gilliam: ‘O papel da mulher negra é ne-gado na formação da cultura nacional; a desigualdade entre homens e mu-lheres é erotizada; e a violência sexual contra as mulheres negras foi conver-tida em um romance’ (Carneiro, 2020, p. 1).

Haja vista uma colonização majoritariamente masculina, às mulheres indígenas e negras foram relegadas as funções de utilização na agricultura, casa-grande, cidades e mineração, mas também, “serviam a seus proprietá-rios como instrumentos de prazer e gozo” (Schwarcz, 2019, p. 203). Para as mulheres brancas, coube a imposição do modelo importado pelo coloniza-dor da delicada dona de casa, distanciada do trabalho produtivo e da políti-ca, restando-lhe a esfera doméstica. Ou seja, assim como a construção de gênero separou homens e mulheres, também houve uma construção racial e de classe que tornou possível a vida de mulheres brancas terem mais privilé-gios (Cumes, 2019).

Mesmo com a chamada independência jurídico-política, dada pelo fim da administração de territórios coloniais pelas metrópoles europeias – no ca-so do Brasil, em 1822 –, as relações de exploração, dominação e conflito por privilégios de raça-sexo-classe-gênero permaneceram nos aspectos da vida atual. É na crítica dessa continuidade, da transição do colonialismo moder-no para a colonialidade global, que o feminismo decolonial produz seu pen-samento e prática.

Em uma síntese explicativa, a filósofa e escritora Yuderkys Espinosa Miñoso (2017) aponta que o termo feminismo decolonial foi proposto pela socióloga argentina María Lugones. Sua proposta vem a partir do encontro da perspectiva interseccional – que constituía os trabalhos do feminismo negro e de mulheres do terceiro mundo – e os diálogos com o conceito de colonialidade, articulado por Aníbal Quijano (2009, p. 73), que, de forma sucinta, define:

A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular do referido pa-drão de poder e opera em cada um dos planos, meios e dimensões, materiais e subjetivos, da existência social quotidiana e da escala societal. Origina-se e mundializa-se a partir da América.

A artista e pesquisadora Stela Fischer (2017) explica que as coloniali-dades são categorizadas como do poder, do saber e do ser. Tais colonialida-des estabelecem processos discriminatórios a partir de relações dicotômicas (sujeito branco eurocêntrico civilizado sobre sujeito não branco, subalterno, não-civilizado), que “[...] tem a raça como principal maneira de outorgar le-gitimidade às relações de dominação e exploração” (Fischer, 2017, p. 18). María Lugones complexifica esta análise, propondo o que denomina de sis-tema moderno colonial de gênero, ao afirmar que as categorias de raça-gênero são “[...] constitutivas da episteme moderna colonial e não podem ser pen-sadas por fora dessa episteme nem tampouco de modo separado entre elas” (Miñoso, 2017, p. 8). Ou seja, a colonialidade também dita uma hierarquia de gênero, na qual os homens possuem mais poder e contaminam as rela-ções políticas, econômicas, sexuais, espirituais e epistemológicas com o ma-chismo e a misoginia.

Tomando a discussão sobre a permanência da colonialidade, Iracema revela o privilégio racial e de gênero atrelado ao epistêmico, pois reafirma um modelo valorizado e universal que é branco, eurocêntrico e patriarcal. Assim, ao considerarmos a memória arquival da obra como um dos mitos de formação do povo brasileiro, estamos privilegiando uma narrativa que subalterniza a mulher. Seguindo por esses estímulos, no processo do projeto Mulheres do Mar, apoiamo-nos na discussão de Diana Taylor (2013) acerca da distinção entre arquivo e repertório6, e como as práticas artísticas podem afetar os tecidos das partilhas normativas, ajudando-nos a pensar sobre o surgimento dos mitos e sua capacidade de servir à manutenção de poderes.

Taylor analisa como as sociedades produzem e transmitem conhecimen-to, a partir desses dois sistemas, que operam de maneiras distintas, trabalham em conjunto e são fontes de informação, seja em sociedades letradas ou semi-letradas. A problematização que percorre sua pesquisa se dá em relação ao grau de legitimação que a epistemologia ocidental investiu nos arquivos (es-crita) em relação às práticas incorporadas (repertório) dos povos originários da América. Assim, a autora nos provoca a mudarmos o foco de nossa trans-missão e produção dos documentos literários e históricos para o performati-vo, de modo a perceber outras memórias e lutas e também de questionar o que os arquivos normalizam em nossos modos de ver, fazer e ser.

Em conformidade com a noção de práticas performativas trabalhadas no Laboratório de Práticas Performativas (Universidade de São Paulo), que busca investigar modos coletivos de instaurar ilhas de desordem poéticas e críticas dentro e fora do sistema de arte, propomos compartilhar tais refle-xões decoloniais para o campo da aprendizagem e da criação artística. Foi a partir do questionamento do mito colonial, configurado no romance Irace-ma, que nasceu o projeto Mulheres do Mar, no qual foram propostos dispo-sitivos performativos, de natureza autobiográfica, trabalhados em parceria com um grupo de mulheres que habitam o território denominado Grande Mucuripe, na cidade de Fortaleza. A seguir, abordaremos os motivos norte-adores para a escolha desse território e partilharemos alguns dos aspectos da abordagem metodológica desenvolvida, assim como a implicação política de compreender que não apenas pessoas letradas e poderosas podem reivindicar a organização da cultura compartilhada.

Vicente Pinzón e Iracemas do Grande Mucuripe: escolha territorial e de gênero

Localizada entre os bairros Cais do Porto e Vicente Pinzón, a comuni-dade do Serviluz é rodeada pelas terras mais caras7 de Fortaleza. Sua localiza-ção a torna símbolo de resistência à crescente expansão hegemônica do mer-cado imobiliário da Avenida Beira-Mar, da dinâmica turística da Praia do Fu-turo, da atividade industrial que ocorre por trás dos contêineres do Porto do Mucuripe e do poder público focado na economia da competitividade.

Em sua tese sobre a produção do litoral de Fortaleza, Eider Cavalcante (2017) nos explica que, até o começo do século XX, os terrenos junto ao mar eram desvalorizados na dinâmica econômica-social, constituindo-se, principalmente, como refúgio de pescadores e retirantes. À medida que a elite fortalezense foi ensaiando seus encontros com a praia, o poder público instaurou medidas a fim de que essa área fosse residida por essa camada da população. A lógica do espaço litorâneo começou a se inverter e estratégias de zoneamento urbano e moral foram sendo aplicadas com o objetivo de forjar uma nova imagem àquela região.

Em um recorte nos territórios próximos ao Serviluz, temos a constru-ção da Avenida Beira Mar, com o objetivo de se tornar residencial de pa-drão médio alto, com comércio de luxo e hotéis. Para isso, desapropriaram os pescadores, impondo o deslocamento desta população para bairros mais afastados; quanto à zona de prostituição da faixa litorânea abarcada pela Av. Beira Mar e pela Praia de Iracema, ela foi compulsoriamente transferida pa-ra as imediações do Porto do Mucuripe.

Infelizmente, as tentativas de retirar as pessoas da comunidade do Ser-viluz são constantes. Em 2010, a disputa era em torno de um projeto que pretendia instalar um estaleiro, prevendo a remoção de mais de 400 famílias do Cais do Porto. O projeto não se concretizou devido às ações e mobiliza-ções da sociedade civil e coletivos artísticos. Como alternativa, a prefeitura de Fortaleza aprovou, em 2011, o orçamento para o projeto Aldeia da Praia, e desde então a população tem se unido para evitar a remoção de moradores da Rua General Titã, para a construção de uma praça8. Ao expor esses exemplos, percebemos que a estratégia de remoção das populações mais vulneráveis, pelo interesse econômico, é prática herdada do período colonial e, mesmo com a resistência das comunidades, continua a se perpetuar.

No campo simbólico, em visita realizada ao Acervo Mucuripe9, Diêgo de Paula apresentou-nos um mapa que inclui sete bairros que foram dividi-dos e renomeados, região que antes era conhecida como Mucuripe. Para o fundador do acervo, essa divisão da região por diferentes gestões públicas é uma estratégia planejada de segregar os povos que ali moravam, suas cultu-ras e identidades. Não por coincidência, parte do que antes era nomeado por uma etimologia indígena, hoje se chama Vicente Pinzón, navegador e explorador espanhol do século XVI. Ao observarmos o mapa, notamos que a proposta de Diêgo – ao pintar os bairros com a mesma cor – é instaurar possibilidades de cartografar a cidade pelo viés repertorial, contrapondo-se ao poder arquival. Nesse sentido, leva-se em conta a construção do territó-rio a partir da população, e essa escolha de narrativa guiou as discussões com as mulheres participantes do projeto.

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Mapa do Grande Mucuripe, Fortaleza (CE).

O projeto Mulheres do Mar ocorreu em diferentes bairros da cidade, mas foi uma escolha começar pela comunidade do Serviluz, pois, além do recorte territorial de ampla disputa com o sistema-mundo moderno capita-lista, seu histórico de formação foi permeado pelo protagonismo de mulhe-res. Conforme apresentado, há mais de cinco décadas chegavam mulheres transferidas compulsoriamente das zonas de prostituição de diferentes áreas da cidade. Em artigo que analisa a trajetória de ex-prostitutas idosas, Érika Pinho (2012) aponta a importância delas nas reivindicações para conseguir o mínimo de estrutura pública no bairro, que, junto a marisqueiras, pesca-dores, estivadores e trabalhadores das indústrias próximas, construíram a comunidade.

Além do processo de fundação, Pinho aborda a questão do comércio sexual que ocorria na região, impulsionado pela localização próxima à zona portuária. Através de entrevista, Pinho narra que, por conta das relações es-tabelecidas com estrangeiros – holandeses, dinamarqueses, norte-americanos, japoneses e alemães – essas mulheres acessaram inúmeros bens de consumo, destacando as décadas de 1960 e 1970 como a época do ouro do Serviluz. Porém, ao compreender o processo histórico da região, não po-demos deixar de notar que tal narrativa implica em uma continuidade da perspectiva alencarina impressa em Iracema. Pois, a representação da época de ouro, disponibilizada pelo encontro com o estrangeiro, sem proporcionar uma autonomia social e econômica para elas, a posteriori, reforça a “hierar-quização das relações que expropriam e promovem processos discriminató-rios”, como nos explica Fischer (2017, p. 17) sobre as colonialidades.

À medida que adentramos nas histórias locais, percebemos como o mi-to de Iracema vai se emaranhando em muitas dinâmicas que constam nos arquivos oficiais – teses, artigos, jornais. No entanto, por consequência, também vão se produzir e transmitir repertórios – cultura incorporada – alinhados a essa dinâmica. Inspirado na obra alencarina, o espetáculo Tudo passa sobre a terra, da artista Rosa Primo, apresenta em sinopse: “Todas so-mos. Nos tornamos. Vida após vida. [...] Foi uma invasão, não foi desco-brimento. Por isso somos. Um movimento que não cessa de repetir-se em diferenças. Iracemas somos muitas”10. Nesse sentido, nos tornamos, nos compomos, nos formamos Iracemas. De fato, nesse recorte histórico do li-toral, destacamos os rastros que dialogam com esse arquivo: a exploração se-xual de mulheres e a especulação imobiliária da faixa litorânea, que desapropriam comunidades.

Em contraponto, a proponente do projeto priorizou algumas questões: como poderia acessar o que permanece esquecido nas palavras não ditas por uma personagem que quase não fala, escrita por um homem? O que diriam as Iracemas que se espalham pela cidade de Fortaleza? Que repertórios po-deríamos criar para contrapor o que o arquivo hegemônico produziu em nossos corpos? Para isso, a propositora escolheu iniciar por este território e dialogar por meio de oficinas artísticas e entrevistas com mulheres que mo-ram no bairro, não necessariamente as ex-prostitutas, mas que vivenciaram o processo de formação do bairro e da comunidade.

Mulheres do Mar: as práticas performativas como abordagem metodo-lógica de criação e aprendizagem

Ao desenvolver um projeto de criação e aprendizagem de práticas per-formativas tendo como ponto de partida uma abordagem crítica do mito colonial de Iracema, de natureza participativa e contextual, no sentido atri-buído por Ardenne (2002), fora dos espaços institucionalizados, a pesquisa-dora enfrentou o desafio da flexibilização de suas premissas iniciais, assu-mindo uma atitude de constante porosidade em relação ao contexto do ter-ritório do Serviluz. Também se tornou necessário estabelecer espaços de es-cuta visando a instauração de uma relação colaborativa e não hierarquizada com o grupo de mulheres que atenderam ao seu chamado, no que diz res-peito ao planejamento das ações. A seguir, comentaremos algumas estraté-gias de aproximação e negociação com as participantes, além de algumas li-mitações, adaptações, procedimentos e desdobramentos do projeto.

A cartografia performativa Mulheres do Mar se iniciou através da cola-boração e acolhimento que três mulheres, trabalhadoras na comunidade, ti-veram em relação ao projeto que, naquele momento inicial, encontrava-se aberto do ponto de vista da exatidão das ações, possuindo apenas o argu-mento conceitual decolonial. Diversas instituições sociais e culturais que atuam no território foram contatadas, no sentido de viabilizar a conexão e o diálogo entre a artista e as mulheres da região. Porém, foi apenas por meio do encontro da proponente com a coordenadora Maria do Socorro, a assis-tente social Ivone Lima e a psicóloga Carolina Teles que a cartografia teve condições de se iniciar, no âmbito do Centro Comunitário Luíza Távora. As atividades junto ao grupo foram realizadas nos meses de janeiro e feverei-ro de 2019 e janeiro de 2020, em parceria com o grupo do serviço de con-vivência e fortalecimento de vínculo do idoso, composto por uma média de 60 idosos, na faixa etária entre 65 e 90 anos, sendo 85% mulheres.

No primeiro momento, a oficina proposta adaptou-se ao cronograma em andamento de atividades do grupo. Na época, uma das principais ativi-dades era a parceria do Centro Comunitário desenvolvida com estudantes de fisioterapia, incluindo palestras sobre saúde, além de algumas horas re-servadas a conversas com a coordenadora do grupo. Durante dois meses, duas vezes por semana, foi possível acompanhar essas atividades e estabele-cer os primeiros diálogos sobre as temáticas de discussão no arquivo colonial Iracema, como as características do território e as relações hierárquicas de gênero. Entretanto, antes de começar a cartografar possíveis repertórios através de suas memórias, foi importante construir uma relação de proximi-dade, afeto e segurança, que se deram não apenas nos encontros no Centro Comunitário, mas também nos momentos de café da manhã compartilha-dos, nas caronas de carro até o ponto de ônibus, nas conversas que não fo-ram gravadas, nos ensaios das músicas de carnaval e nas visitas realizadas nas casas das participantes.

Os primeiros encontros foram essenciais para estabelecer o local de es-cuta e compreender as estratégias que ajudariam no processo de des-hierarquização da figura da artista e de uma ruptura no privilégio racial-social-epistêmico que se mostrava na sua corporeidade branca, classe média e acadêmica. Um exemplo se deu em aula expositiva acerca do conteúdo da crítica feminista sobre o termo sororidade. Para a maioria das mulheres, o lé-xico soava estranho, além de demonstrarem pouco interesse pelo recorte his-toriográfico que foi feito. No diálogo sobre o significado do termo, contu-do, no que diz respeito à união entre mulheres, envolvendo empatia e soli-dariedade, percebeu-se em diversos relatos a ativação de uma teorização – não em termos acadêmicos – sobre a relação construída entre elas, de ma-neira que se aproximavam às teorias feministas.

Dessa maneira, conforme nos explica a professora Helena Vieira na au-la virtual Introdução à História dos Feminismos (2022), nem todas as lutas das mulheres serão pensadas no interior das lutas feministas. Pois há um conjunto de movimentos e saberes que circulam e se fortalecem para além da crítica e das práticas políticas feministas – apesar dos encontros discursi-vos entre ambos. Este enfoque se tornou um operador crítico no sentido de romper com o pensamento de uma epistemologia dominante que é vista como única, como Linda Alcoff evidencia em relação ao domínio da discur-sividade no ocidente:

A epistemologia presume o direito de julgar, por exemplo, o conhecimento reivindicado por parteiras, as ontologias de povos originários, a prática mé-dica de povos colonizados e até mesmo relatos de experiência em primeira pessoa de todos os tipos. É realístico acreditar que uma simples ‘epistemolo-gia mestre’ possa julgar todo tipo de conhecimento originado de diversas lo-calizações culturais e sociais? (Alcoff, 2016, p. 131).

Seguindo tal raciocínio, a propositora buscou desviar-se dessa lógica dominante, partindo para a disponibilidade de mudar estratégias. No se-gundo ano, já com a consolidação dos diálogos, a compreensão do contexto e de algumas limitações e desejos das participantes, os encontros se deram de maneira mais frequente. Foram repensadas as dinâmicas de aulas exposi-tivas e de montagem teatral, como elas estavam acostumadas, e priorizados os dispositivos específicos da arte da performance. Eleonora Fabião (2008, p. 237) nos provoca ao dizer que a força da performance está em “des-habituar, des-mecanizar, escovar à contra-pêlo”, ou seja, este potencial de subversão dos sistemas sociais normativos foi importante para instaurarmos uma contranarrativa à perspectiva de Iracema. Outro importante elemento dessa linguagem artística é o interesse em explorar características próprias por meio da autobiografia e/ou da corporeidade, permitindo que partici-pantes se posicionem como agentes de suas próprias narrativas.

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Aulas expositivas e exercício em performance, Mulheres do Mar.Fonte: Fotografias de Ivone Lima (2019).

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Exercícios em sala de aula, Mulheres do Mar.

Em vez de propor uma imagem cênica já formatada, a proponente as-sumiu o papel de produtora que partiria das relações estabelecidas no coleti-vo, como elementos para a formulação e a vivência de práticas performati-vas. Um dos primeiros motes surgiu quando foram observadas as estratégias de fortalecimento que se formavam entre as mulheres do grupo, mediante a precariedade que se estabelecia estruturalmente, por questões de gênero, eta-rismo e classe social. Em entrevistas realizadas com algumas das participan-tes, a proponente percebeu a importância dessas redes de apoio:

Francisca França: Há um respeito de toda a comunidade aqui, ninguém anda em casa de ninguém, mas, de qualquer maneira, se acontecer algo, todo mundo corre. Ninguém deixa ninguém, não. Ninguém precisa de ninguém, mas, na hora que precisar, vem todo mundo junto. É legal, eu gosto.

Maria Ester: Eu não gosto de tá em casa de ninguém, pra tá horas e horas conver-sando. Mas se eu precisar da Maria, de um negócio, eu vou lá e converso e tudo. Tem outra coisa, eu sou muito de visitar os doentes. Gosto de saber como eles es-tão, no que eu puder ajudar, eu ajudo. Eu sou muito de comunicar com o povo pra saber o que é que eles estão passando e poder ajudar. Vou na casa de um, na casa de outro pra saber como eles estão, esse dom eu tenho, que eu herdei da mi-nha mãe (Informação verbal)11.

Ivone Lima, assistente social que coordena o grupo, ao responder na entrevista à pergunta sobre qual a maior preocupação que notava em relação a essa fase do desenvolvimento da vida, explicou:

Na minha opinião, a maior preocupação do idoso é quando ele não tem mais a au-tonomia de sair de casa. Ele perde essa autonomia geralmente quando adoece, perde os vínculos de amizade, de sociedade, começa a entristecer. Quando ele per-de esse contato com os amigos, pode até ter um contato com a família, mas a gen-te encontra muito idoso solitário, sem muito contato com família, com os amigos. E esse elo de amizade faz muito bem. Quando eles adoecem, que não podem mais sair, frequentar grupos. [...] É uma perca de autonomia (Informação verbal)12.

O relato de Ivone veio a confirmar o processo de investigação que se estava desenvolvendo, sobre as redes de apoio que elas mantinham entre si, e a percepção de que o Centro Comunitário era um espaço que essas alian-ças podem se formar veio à tona. A satisfação que essas práticas integrativas conferem a muitas delas é exposta na fala de Maria do Carmo:

Eu gosto muito de lá. Lá é o divertimento que a gente tem. A gente lá tá ouvindo, sabendo da vida, depois que a gente sai de lá é pra cá (casa) e pronto. Aí a gente acha ruim quando não tem, porque eu sou uma pessoa que fico só dentro de casa (Informação verbal)13.

Por meio do debate, foram pensadas coletivamente as materialidades e as imagens que pudessem representar essa aliança entre elas. Dessa maneira, surgiu no grupo a ideia do uso performativo do objeto rede de pesca. No campo subjetivo, a rede traz o significado de trama e de redes de relações; e, em uma perspectiva histórica, a pescaria é atrelada à formação de identidade cultural do Grande Mucuripe. O território que já se constituiu como co-munidade pesqueira há muitas décadas, até os dias atuais, é local de moradia dos que vivem dessa atividade. Dessa maneira, a carga simbólica da rede de pesca é também atribuída a uma resistência em relação à especulação imobi-liária que ronda toda aquela região e que intenta retirar a comunidade, con-forme enfatizou a participante Maria Ester:

Porque ali (Serviluz) eles vão e pescam, tem o que comer, ali tem o siri, tem espada, tem camurupi, tudo isso. E para eles tirarem aquelas casas que estão marcadas, esse povo, quem é que sabe pra onde vão depois. Se for para um lugar longe que eles não tenham onde pescarem, não tem trabalho, do jeito que tá né? [...] Metade do povo do Serviluz vive da pesca. Eles têm aquela rede, eles pescam, tem tempo que dá tanta sar-dinha, tem tempo que dá espada, eles mesmo contam que não querem sair. Para eles saírem pra ir pra longe, eles não querem (Informação verbal)14.

Após firmarmos a materialidade da rede de pesca como imagem coletiva, foram organizadas estratégias para se recolher as memórias individuais das par-ticipantes. Duas abordagens metodológicas serviram de guia à prática perfor-mativa que foi realizada no final dos encontros, em janeiro de 2020. A primei-ra se refere ao sistema formativo Cartografias de si, desenvolvido pela professora Sumaya Mattar da Universidade de São Paulo, que propõe o desenvolvimento de um relato autobiográfico por meio da escrita reflexiva e criativa. O compar-tilhamento deste entre as participantes e a tomada desta cartografia de histórias atua como dispositivo para desenvolver obras ou ações artísticas.

Em artigo publicado em 2018, Mattar explica que, além da história oficializada, existem histórias que vão se construindo ao longo de uma vida, e que ganham relevância e dimensão social quando relatadas. A nosso ver, ao identificar no ato de cartografar histórias um ato político, a proposta do sistema Cartografias de si dialoga de forma complementar aos estudos de ar-quivo e repertório de Taylor (2013). Ambas compreendem a centralidade que se dá aos registros arquivais nas sociedades ocidentais, mas propõem uma mudança no foco ao promover uma discussão a partir das memórias pessoais. Dessa maneira, buscou-se adaptar essa perspectiva metodológica ao projeto Mulheres do Mar, com o objetivo de juntar narrativas outras em contraponto decolonial ao mito de Iracema.

A segunda abordagem surge como guia complementar da primeira, no sentido de aprofundar o aspecto do repertório. Ao compreender que muitas participantes não detinham a técnica da escrita, foi proposto outro proce-dimento de acesso às suas memórias. A arte da performance utiliza materiais autobiográficos para a construção de ações desde a década de 1960. Como inspiração, foi utilizado o procedimento do grupo La Pocha Nostra, coor-denado por Guillermo Gómez-Peña, que solicita aos participantes de seus workshops levar objetos propositivos – props – para serem utilizados na cria-ção de ações performativas.

Seguindo essa proposta, solicitou-se às participantes que levassem obje-tos de suas casas e, a partir desses objetos, escolhessem uma memória para compartilhar em grupo. Depois, foi pedido que colocassem os objetos dis-postos na rede de pesca, com o objetivo de unificar, em uma imagem, um caleidoscópio de narrativas. Antônia Alves Teixeira, Francisca França, Fran-cisca Almeida, Francisca Pereira, Francisca Rodrigues, Geralda Evangelista, Julia Agostinho, Libania Alves, Lourdes Leocadio, Marlucia Maia, Maria do Carmo, Maria das Graças, Maria Vidal, Maria de Lourdes, Quintela, Rai-munda Gonçalves, Raimunda Nonata e Rosa Muniz participaram desta ex-periência performativa.

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Organização exercício performativo, Mulheres do Mar.Fonte: Fotografia de Ivone Lima (2020).

Fotografias pessoais, assim como de filhos, filhas, maridos, registros de suas participações no maracatu, objetos de enfeite pessoal, agulhas de tecer rede de pesca, pelúcia dada por um filho que mora em Paris, troféus de me-lhor vendedora Avon, artesanatos que eram vendidos no calçadão da Beira Mar. Esses foram alguns objetos que materializaram e impulsionaram o iní-cio da partilha dos discursos da oralidade e de suas memórias. Para Schwarcz (2019), enquanto a história carrega lacunas e incompreensões so-bre o passado, sendo um campo de embates e desavenças, a memória traz uma dimensão subjetiva para a análise. A memória traduz o passado na primeira pessoa e coloca em foco a lembrança daquele que a produz, “assim, ela recupera o ‘presente do passado’ e faz com que o passado vire também presente” (Schwarcz, 2019, p. 13).

Ao apresentarem seu objeto, cada participante formulou um retorno ao passado, em uma tentativa de apresentar esse lugar imaginado no mo-mento presente através dos objetos; mesmo que fossem materiais individu-ais, estes dialogavam com a identidade cultural daquela comunidade. Con-forme nos explica a professora Gabriela Monteiro (2016), em artigo que aborda a escolha e apropriação de materiais autobiográficos e objetos pesso-ais no teatro contemporâneo,

[...] o caráter documental e a improvisação que surgem da lida com docu-mentos e objetos resgatam o sentido de pertencimento a uma determinada comunidade, deflagrado pela ideia de memória social, o que, em muitos ca-sos, expõe questões éticas prementes, como a apresentação de arquivos bio-gráficos que, além de revelar ‘imagens de si’, revelam imagens de Outro(s) que, indiretamente, fazem parte da narrativa, e nem sempre estão cientes de sua realização (Monteiro, 2016, p. 81).

Exemplos da prática performativa realizada no Centro Comunitário dialogam com a questão demonstrada acima. O primeiro se refere ao objeto trazido por Rosa Muniz: uma foto-pintura dela com sua mãe. Ao apresentar o objeto, narrou: “aqui está minha mãe e eu quando era mais nova... a mi-nha mãe me ensinou a me criar no mangue, assando coisa para vender, eu fui criada sem pai [...] e não criou só eu não, criou cinco, só no poder dela” (Informação verbal)15. Em entrevista realizada após o exercício, complemen-ta: “Meu pai me abandonou bem novinha. Ela foi quem me criou. Traba-lhando, lavando roupa, catando mandioca até uma hora da madrugada, chegava em casa com um dinheirim e ia comprar nosso comer” (Informação verbal)16. Ao compartilhar essa memória, Muniz dialoga com a questão do abandono parental que, segundo dados divulgados pelo IBGE (Caldas, 2023), atesta que mais de 11 milhões de mulheres não contam com a parti-cipação dos pais para cuidar e educar os filhos.

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Objetos, participantes e rede de pesca, Mulheres do Mar.

Tratando-se de um projeto que surge da vontade de recontar Fortaleza a partir da crítica a um dos seus mais importantes mitos coloniais de forma-ção, o mar surgiu em muitos relatos, tornando-se um marcador simbólico dos modos pelos quais os contextos estruturais patriarcais atravessaram as singularidades dessas mulheres. Abaixo, separamos fragmentos de relatos que convocaram memórias neste recorte:

Maria do Carmo, ao narrar a relação com as filhas e filhos:

Nesta foto eu tinha 25 anos na Praia do Mucuripe, já era mãe, tinha dois filhos. Tive 10 filhos, morreu dois novo, e depois outro, tinha 33 anos e mataram ele. Fi-quei só com sete. Cinco mulheres e dois homens. Nessa outra foto eles me chama-ram: ‘mãe, bora na praia’, aí eu fui, quando eu cheguei lá tinha um senhor que ba-teu essa foto deles (Informação verbal)17.

Lourdes Leocádio, ao contar sobre seu casamento:

Me casei com pescador, aqui estão as fotos dele, ele era mestre de barco, nos casa-mos e passamos 35 anos casada, só no civil, não casei no católico, mas casei no ci-vil, tenho meus documentos. Nessa convivência eu tive cinco filhos, tá aqui a pro-va (mostra foto) que ele era pescador, que ele trabalhava em barco de pesca, na época ele pescava o peixe, lagosta e também foi cozinheiro no barco pra tripulação dele. [...] 35 anos juntos, nós nunca nos separamos (Informação verbal)18.

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Mulheres com objetos levados para exercício performativo. Esq. para dir.: Rosa Muniz, Maria do Carmo, Lourdes Leocadio.

Assim como Lourdes, outras mulheres compartilharam sobre o traba-lho no mar exercido por seus companheiros. Por exigir longas temporadas de distância entre o casal, o trabalho acabava gerando conflitos, principal-mente por conta de ciúmes dos homens em relação às suas esposas. Con-forme algumas delas relataram, enquanto eles estivessem no mar, elas não podiam ter amizades com homens, nem passar muito tempo fora de casa, mesmo quando precisavam ir ao médico ou ao mercado.

Nessas narrativas, observamos a manutenção do sistema moderno co-lonial de gênero, que tornou o corpo das mulheres um bem comum, no qual o homem poderia exercer sua dominação sobre através de violências psicológicas e físicas. Em concordância com esse pensamento, as participan-tes Rosa Muniz e Geralda Evangelista denunciam:

A gente não tem valor para o homem, pode fazer o que você quiser, a gente não tem valor. Ele quer mandar, ele quer pisar, ele quer bater, ele quer matar. Nós não somos nada para homem (Informação verbal)19.

A coisa mais errada que tem no mundo são esses homens matando as mulheres to-do dia. [...] Estão matando muita mulher, umas mulheres tão jovens, bonitas, tra-balhando para sobreviver, eles querem ser o dono, quer ter direito, ser o dono da-quela pessoa [...] não deixa a mulher se erguer e viver sua vida. [...] ninguém tem o direito de ser dono de ninguém, não deu certo cada qual vai para seu caminho, é pra ser livre, não tem esse direito de matar não, é a coisa que eu acho mais errada é isso aí, os homens matando as mulheres, todo dia matam três, quatro (Informação Verbal)20.

As memórias resultantes das práticas performativas, assim como os re-latos das entrevistas que foram destacados aqui, demonstram que as singula-ridades dessas mulheres se aproximam – na violência territorial urbana que fazem com que mães percam seus filhos, no abandono parental e na violên-cia psicológica de gênero – ou se opõe – na denúncia do feminicídio – ao arquivo mnemônico alencarino, em relação ao patriarcado colonial que a obra revela.

A proposta inicial era de que, a partir dessa modalidade de procedi-mento, pudessem ser formuladas imagens e performances que unificassem essas memórias, todavia, infelizmente, a pandemia de Covid-19 paralisou todos os encontros no Centro Comunitário, por se tratar de um grupo de idosas, com alto risco de contaminação viral. Conseguimos, entretanto, produzir uma imagem que uniu os objetos, a rede de pesca e o mar na Praia do Titanzinho, como forma de fortificar os laços que elas tanto defendem em relação a pertencer a essa comunidade: “Eu moro aqui, dou valor aqui, [...] eu adoro morar aqui e construí minha casa aqui. [...] Só vou sair daqui quando deus me tirar” (Informação verbal)21.

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Imagem produzida a partir do exercício performativo.

No final de 2020, com produção da plataforma cearense de pesquisa e circulação de arte contemporânea Imaginários, realizamos a instalação per-formativa22 Mulheres do Mar em um container nas areias da Praia de Irace-ma. Esse território, além de nomeado de forma homônima à obra alencari-na, carrega em sua formação a desapropriação de uma comunidade pesquei-ra e constante especulação imobiliária por conta do turismo, que é um dos grandes atrativos da região. Assim, a decisão de fincar ali a instalação per-formativa foi uma tentativa de estranhar criticamente a narrativa extrativista estabelecida entre turismo e a população local.

O objetivo do projeto era fortalecer a capacidade de contarmos, por intermédio de nossas memórias, outras historicidades, para além das impos-tas socio-historicamente através de práticas performativas. Entretanto, me-diante limitações impostas pela pandemia, a discussão em torno da efemeri-dade e permanência das ações artísticas se colocaram de forma latente. Ape-sar da divergência entre autoras e autores, mais do que definir a ontologia da performance nesse aspecto, interessa-nos encarar os debates como fo-mentadores de um questionamento político. Diana Taylor (2013, p. 30), ao perguntar de quem são as reinvindicações à história, “se falta às práticas per-formáticas o poder de permanência para transmitir conhecimento vital?”, estimula-nos a pensar o projeto em uma nova dimensão. Se o arquivo opera como eixo central da epistemologia ocidental, a partir das práticas perfor-mativas podemos tecer estratégias críticas aos suportes arquivais que perpe-tuam essas histórias coloniais.

Das práticas performativas ao arquivo e repertório decolonial

Podemos pensar o conceito de decolonialidade a partir da luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos econômicos, epistêmicos e simbólicos. Como nos explica o filósofo Maldonado-Torres (2019, p. 36), sendo a co-lonialidade elemento constitutivo da modernidade capitalista, a proposta decolonial busca a criação de um mundo “onde muitos mundos possam existir”, inclusive, diferentes concepções de tempo, espaço e subjetividade que se relacionem produtivamente. Tal modo de agenciamento desempe-nhou importante papel na formulação das práticas performativas e suportes arquivais no projeto Mulheres do Mar.

Considerando a impossibilidade de realizar a ação corpórea junto às mulheres do Serviluz, em função das regras sanitárias impostas pela pande-mia, foi proposta a performance Pescaria. Durante seis dias, ao pôr do sol, em diversos pontos turísticos da Praia de Iracema, a pesquisadora se mante-ve sentada em uma cadeira de balanço ao lado de uma caixa de som que tra-zia as vozes de Francisca, Lourdes, Maria do Carmo e Geralda contando su-as memórias. A partir dessas oralidades, a performer preenchia pedaços de tecidos e os costurava na rede de pesca. A seu lado, uma outra cadeira ficava disponível, como convite para que mulheres moradoras e trabalhadoras da-quele território, se sentassem e dessem continuidade à cartografia. Assim, a ação se colocou como ato de rompimento com os modos de visibilidade construídos naquela paisagem.

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Performance Pescaria – Praia de Iracema, 2020.

Outro desdobramento do projeto, que dialoga com estratégias arqui-vais como poder de perdurar na história, foi a publicação da plataforma ex-positiva virtual. Partindo da ideia de mapa afetivo em contraponto ao mapa de GPS, a proposta foi relatar Fortaleza através da ficcionalidade proposta pelas participantes, possibilitando o acesso global a essas histórias.

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Site Mulheres do Mar.

Em dezembro de 2022, com o avanço da vacinação contra a Covid, a artista-pesquisadora conseguiu retornar para o Centro Comunitário do Ser-viluz e encontrar novamente o grupo de participantes. Na mesma sala que em 2020 foi realizado o primeiro exercício performativo do projeto, foram dispostas fotografias, recortes dos tecidos com memórias escritas e apresen-tado o site. Lourdes e Maria do Carmo levaram os tecidos que tinham suas histórias para suas casas. Ante o questionamento sobre as percepções de se-rem publicadas em um site, Francisca Rodrigues respondeu: “É ótimo, pois aí todo mundo fica sabendo quem foram as mulheres do Farol e vamos ser lembradas. Pois nunca o tema é sobre a história da gente” (Informação ver-bal)23. Geralda Evangelista complementa ao abordar sobre esquecimento: “Nossas atividades, nossos trabalhos não eram expostos, muita gente não sabia o que a gente fazia, ficou sabendo” (Informação verbal)24. Correspon-dendo às vozes delas, quando mulheres se colocam no poder de publicar su-as histórias, opõem-se a um sistema que efetivou um alto grau de valoriza-ção ao arquivo e exerceu seu domínio a partir de uma ordem branca, eu-rocêntrica e patriarcal.

Considerações finais

Arquivos coloniais e patriarcais são frutos de seleção e inscrição insti-tucional, servindo aos interesses de uma elite formada majoritariamente por homens brancos. Ao ser referendado até os dias atuais, o mito de Iracema contribui para manter uma narrativa idílica e apaziguada da formação do povo brasileiro. A romantização das inúmeras violências inerentes à coloni-zação contribui para a manutenção de abusos e desigualdades que intersec-cionam gênero-classe-raça-sexualidade, resultando, inclusive, na elevada taxa de feminicídio e assassinatos de pessoas LGBTQIA+ no Brasil.

Os relatos das participantes revelaram que o projeto conseguiu tensio-nar a lógica das narrativas que mascaram as relações de opressão. Nesse sen-tido, desenvolver processos de criação participativos e performativos com mulheres idosas iniciantes no campo artístico e excluídas na dinâmica das instituições culturais e acadêmicas foi fundamental para a construção e cria-ção de novas formas de compreender esse mito de formação, viabilizando contranarrativas. Por meio das narrativas autobiográficas, as participantes puderam se posicionar como agentes de suas memórias e trouxeram ques-tões de gênero, sexualidade, raça e classe.

A articulação entre jogos performativos e as cartografias de si revelou-se abordagem eficaz para que o projeto lançasse reflexões no sentido de es-tabelecer novas relações de autoria e compreensão de que não são apenas as pessoas letradas e poderosas que podem produzir e compartilhar narrativas e pontos de vista históricos. Mesmo que a proposta inicial, que incluía a fase com oficinas, seguidas de performances com as participantes, tenha sido atravessada pela pandemia e não tenha contemplado ações corporais, por conta do isolamento social, o estímulo em compartilhar as potentes narrati-vas resultou na ideia de uma plataforma expositiva.

Dessa maneira, ao realizar uma fratura no pensamento desse arquivo hegemônico como detentor de conhecimento, produziu-se, coletivamente, brechas e linhas de fuga, por meio de repertórios e arquivos decoloniais ge-rados através de práticas performativas, fazendo ser visto o que não cabia ser visto na história de Fortaleza. Acreditamos que esta reflexão sobre o proces-so de criação da cartografia Mulheres do Mar pode contribuir para os estu-dos das práticas artísticas participativas feministas e decoloniais assim como para a pedagogia das Artes Cênicas, área que se expande, cada vez mais, para além das fronteiras da linguagem teatral.

Notas

  • 1
    Este artigo resume aspectos desenvolvidos na dissertação em Artes Cênicas Mu-lheres do Mar: um olhar sobre práticas performativas participativas criadas com in-tersecção de discursos feministas, de Marie Araujo Auip (2022), orientada por Marcos Aurélio Bulhões Martins, na Universidade de São Paulo em 2022.
  • 2
    O grupo do Centro Comunitário Luíza Távora era composto por uma média de 60 idosas/os, dos quais 85% eram mulheres cisgênero. Por se tratar de um grupo que já mantinha relações estabelecidas e institucionalizadas, a proposito-ra não pôde fazer uma convocatória aberta que pudesse incluir outras mulheres cisgênero, pessoas transgenêro e não-binárias.
  • 3
    Informações em: https://www.casacivil.ce.gov.br/2011/04/25/palacio-iracema/. Acesso em: 02 set. 2023.
  • 4
    O mito da democracia racial está contido na ideia de que o Brasil se construiu a partir de sua capacidade de vincular diversas nações e culturas em perfeita igualdade e harmonia racial.
  • 5
    Termo que vem sendo utilizado por pesquisadoras/es como autodesignação dos povos originários em relação ao seu território, em contraponto à América, designação dada pelo colonizador.
  • 6
    Os padrões de expressão cultural do arquivo existem, na forma de textos, do-cumentos, cartas, em materiais que, prioritariamente, têm a capacidade de per-sistir ao longo do tempo; o repertório consiste na cultura incorporada através de performances, gestos, oralidades, dança, entre outros.
  • 7
    O turismo representa em média 36% do PIB de Fortaleza. A orla marítima é um dos principais motivos de atratividade dos turistas, haja vista os altos inves-timentos da gestão municipal em “requalificar” alguns trechos da orla.
  • 8
    Informações: https://serviluzquepermanece.wixsite.com/especial/serviluz. Aces-so em: 02 abr. 2023.
  • 9
    Projeto de história e memória das comunidades do Grande Mucuripe.
  • 10
    Disponível em: https://cargocollective.com/rosaprimo/Tudo-passa-sobre-a-terra. Acesso em: 02 abr. 2023.
  • 11
    FRANÇA, Francisca; NASCIMENTO, Maria Ester. Conversa 1. Fortaleza, jan. 2020. Vídeo 29 min.
  • 12
    LIMA, Ivone de Oliveira. Entrevista 1. Fortaleza, jan. 2020. Áudio 16:45min.
  • 13
    CARMO, Maria. Conversa 1, 2020.
  • 14
    NASCIMENTO, Maria Ester da Costa. Conversa 1, 2020.
  • 15
    MUNIZ, Rosa. Registro de exercício 1. Fortaleza, jan. 2020. Vídeo 2:02min.
  • 16
    MUNIZ, Rosa. Entrevista 1. Fortaleza, nov. 2020. Vídeo 9:52min.
  • 17
    CARMO, Maria. Registro de exercício 1. Fortaleza, jan. 2020. Vídeo 2:18 min.
  • 18
    LEOCADIO, Lourdes. Registro de exercício 1. Fortaleza, jan. 2020. Vídeo 2:56 min.
  • 19
    MUNIZ, Rosa. Entrevista 1, 2020.
  • 20
    EVANGELISTA, Geralda. Entrevista 1. Fortaleza, nov. 2020. Vídeo 10:50 min
  • 21
    EVANGELISTA, Geralda. Entrevista 1, 2020.
  • 22
    No Farol da Juventude (Instituto Cultural Iracema), houve obras de partici-pantes das residências do Serviluz e Centro Cultural Belchior. Produção e pro-vocação cênica de Eduardo Bruno Freitas e identidade visual de Kerensky Ba-rata pela Plataforma Imaginários.
  • 23
    RODRIGUES, Francisca. Entrevista 1. Fortaleza, mar. 2023. Áudio 16:47 min.
  • 24
    EVANGELISTA, Geralda. Entrevista 2. Fortaleza, mar. 2023. Áudio 14:50 min.

Disponiblidade de dados da pesquisa:

todo o conjunto de dados de apoio aos re-sultados deste estudo foi disponibilizado em Repositório da USP e site próprio e pode ser acessado em DOI: 10.11606/D.27.2022.tde-29112022-115532 e https://www.mulheresdomar.com/pescaria.

Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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  • Editora responsável: Fabiana de Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2023
  • Aceito
    27 Nov 2023
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