RESUMO
O Teatro se Antecipa: Ludovina Soares da Costa e O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée – Este artigo investiga a encenação da peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée, de Jean-Nicolas Bouilly, no período imperial. O objetivo foi analisar como os múltiplos discursos que circularam na mídia sobre a surdez, somados à atuação da atriz portuguesa Ludovina Soares da Costa como um jovem surdo-mudo, serviram de motivação para fundar a primeira instituição brasileira para surdos no Rio de Janeiro. A pesquisa documental foi realizada por meio de varredura nos periódicos de 1810 a 1860 da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, buscando mapear anúncios, notas e críticas das apresentações. Os resultados destacam o trânsito de concepções sobre a surdez na sociedade fluminense por meio do teatro.
Palavras-chave:
Performance; Gênero; História do Teatro Brasileiro; Estudos Surdos; História da Educação de Surdos
RÉSUMÉ
Le Théâtre Devancé: Ludovina Soares da Costa et L’Abbé de l’Épée, comédie historique, en cinq actes – Cet article étudie la mise en scène de la pièce L’Abbé de l’Épée de Jean-Nicolas Bouilly, dans la période impériale. L’objectif était d’analyser comment les multiples discours sur la surdité qui circulaient dans les médias, ajoutés à la performance de l’actrice portugaise Ludovina Soares da Costa en tant que sourd-muet, ont motivé la fondation de la première institution brésilienne pour les sourds. La recherche documentaire a été effectuée par balayage de 1810 à 1860 dans l’Héméothèque de la Bibliothèque Nationale, cherchant les annonces, les notes et les critiques des présentations. Les résultats montrent le transit des conceptions sur la surdité dans la société fluminense au théâtre.
Mots-clés:
Performance; Genre; Histoire du Théâtre Brésilien; Études sur les Sourds; Histoire de l’Éducation des Sourds
ABSTRACT
When Theater is at the Vanguard: Ludovina Soares da Costa and The Deaf and Dumb or the Abbé de l’Épée: an Historical Drama – This article investigates the staging of Jean-Nicolas Bouilly’s play L’Abbé de l’Épée, [The deaf-mute or the Abbot de l’Épée] during Brazil's imperial period. The objective was to analyze how multiple discourses on deafness that circulated in the media, combined with the performance of the Portuguese actress Ludovina Soares da Costa as a deaf-mute young man motivated the founding of Brazil's first institution for the deaf, in Rio de Janeiro. The documentary study surveyed material from the newspaper collection at the Hemeroteca da Biblioteca Nacional, for periodicals from 1810 through 1860, reviewing ads, news and reviews of the performances. The results highlight the transmission of conceptions about deafness in the local society through theater.
Keywords:
Performance; Gender; History of Brazilian Theater; Deaf Studies; History of Deaf Education
‘Imperial Theatro de S. Pedro de Alcantara’
Domingo 7 do corrente, a companhia Portugueza reprezentará o novo, e optimo Drama, dividido em 5 actos, e que tem por titulo O SURDO E MUDO OU O ABBADE DE L’EPEE. Esta Peça pelo seu bom enredo, excellente locução, Scenas delicadas, util moral, há merecido decisiva approvação em os Theatros da Europa.
A exemplo desses mesmos Theatros, o caracter do Surdo, e Mudo, foi destribuido á primeira Dama Ludovina Soares, o qual he hum tanto difficil; porém a Actriz confia na indulgencia de hum Publico generozo, e na falta de perfeição espera merecer aquella desculpa, que ella já mais denega, a quem solicito no dezempenho de suas obrigações, ardentemente deseja, e firma toda a sua gloria em agradar.
A Direcção nada omittio para que o Drama subisse á Scena com propriedade e decência, sempre devida a hum Publico Illustrado’ (Imperial..., 1830c, p. 8IMPERIAL Theatro de S. Pedro de Alcantara. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 8, 3 nov. 1830c.).
Esse é o comentário que lemos no anúncio de 7 de novembro de 1830 sobre a primeira exibição da peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée no Imperial Teatro S. Pedro de Alcântara, com a atriz portuguesa Ludovina Soares da Costa no papel de um jovem surdo. A nota aguçou nossa curiosidade sobre a peça que tematizava Charles-Michel de l’Épée, figura conhecida como o pai da educação dos surdos na França (Rée, 1999RÉE, Jonathan. I See a Voice: a history of deafness, language and the senses. Nova York: Metropolitan Books/Henry Holt, 1999.), e sobre a atuação de Ludovina Soares da Costa, desempenhando o papel nada convencional de um jovem surdo e mudo.
Como aconteceu de essa peça aparecer no cenário social do Rio de Janeiro antes mesmo da fundação de uma instituição especializada para surdos no Brasil, que aconteceu somente em 18561 1 Neste artigo, em alguns trechos, mantivemos a expressão surdo-mudo respeitando a forma de se referir às pessoas surdas nos documentos do século XIX. Atualmente, usamos a designação surdo(a), com base no Decreto-Lei n. 5.626 (Brasil, 2005). ? Como a peça foi recebida no Rio de Janeiro à época? E quem foi Ludovina Soares da Costa?
Diante desses questionamentos, o objetivo do presente estudo foi compreender como os múltiplos discursos que circularam na mídia sobre a surdez no período imperial, somados à atuação da atriz portuguesa Ludovina Soares da Costa como um jovem surdo-mudo na peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée, serviram de motivação para fundar a primeira instituição brasileira para surdos no Rio de Janeiro. O estudo segue abordagem qualitativa do tipo documental. Utilizamos documentos de primeira mão que, de acordo com Gil (2002, p. 46), são aqueles “que não receberam nenhum tratamento analítico”. O corpus foi constituído a partir de inúmeros periódicos do Rio de Janeiro2 2 No Almanak Laemmert (1856), consta a notificação da fundação do Collegio Nacional pra Surdos-Mudos de ambos os sexos, primeiro nome dado à instituição de educação de surdos no Brasil. No ano de 1857, houve a mudança de prédio e de nome, que ficou como Imperial Instituto para Surdos-Mudos de ambos os sexos. . Foram utilizados ainda os seguintes documentos: publicação original da peça em francês (Bouilly, 1799BOUILLY, Jean-Nicolas. L’Abbé de l’Épée: comédie historique, en cinq actes. Paris: André, Imprimeur-Libraire, 1799.) e suas traduções em espanhol (Bouilly, 1800BOUILLY, Jean Nicolás. El Abate de l’Epee, y Su Discípulo el Sordo Mudo de Nacimiento, Conde de Harancour: comedia en cinco actos. Tradução: Don Juan de Estrada e D. Laas-Litzos. Madrid: Oficina de d. Benito García, y compañía, 1800.) e português (Bouilly, 1828BOUILLY, Jean-Nicolas. O Surdo-Mudo ou o Abbade de l’Epée. Tradução: Antonio Soares de Azevedo. Coimbra: Imprensa de Trovão e Companhia, 1828.), além do texto memorial do autor Jean-Nicolas Bouilly (1836)BOUILLY, Jean-Nicolas. Mes Récapitulations: deuxième époque – 1791-1812. Paris: Louis Janet, Libraire-Éditeur, 1836..
A pesquisa documental foi realizada por meio de varredura nos periódicos mencionados na nota anterior alojados na Hemeroteca Digital nas décadas de 1810-1819 até 1850-1859, com os seguintes indexadores: Ludovina Soares (atriz), abade de l’Épée, Sicard, E. Huet (educadores de surdos), Bouilly (autor da peça), surdo, surdez e surdo-mudo. Buscamos mapear anúncios, notas e críticas das apresentações da peça no Rio de Janeiro3 3 Os periódicos usados para mapear as performances foram: O Jornal do Commercio, Diário do Rio de Janeiro, O Despertador, O Sete d’Abril, Correio Mercantil, O Moderador, Courrier du Brésil: Politique - Litterature - Revue des Theatres - Sciences et Arts - Industrie - Commerce e Marmota Fluminense. Os artigos gerais sobre surdez, saúde e educação foram levantados primordialmente no Novo Correio do Brasil, Brasil: Ministério do Império: Relatório da Repartição dos Negócios do Império e nos Annaes de Medicina Brasiliense: Jornal da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro. .
Esses materiais forneceram indícios que possibilitaram que fizéssemos inferências para preencher lacunas narrativas importantes e compreender como Ludovina construiu uma personagem surda e muda no palco num período em que a língua de sinais ainda não circulava no Brasil. Buscamos analisar de quais maneiras a peça oportunizou o trânsito de concepções sobre a surdez na sociedade fluminense por meio do teatro numa época em que ainda não existiam instituições que acolhessem e educassem alunos com deficiência, até então excluídos de toda e qualquer iniciativa escolar. Encontramos mais de 20 menções sobre a peça em anúncios de jornais disponíveis pelo sistema da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, os quais nos permitiram descortinar um capítulo da história cultural relacionado à conscientização da sociedade fluminense de que era possível promover a educação de pessoas com surdez – ideias essas que estimularam diálogos entre os campos da cultura e da ciência.
Neste estudo, entendemos o teatro na perspectiva de Becker (2008)BECKER, Howard. Art Worlds. 25. ed. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2008., para quem o mundo do teatro não se limita ao dramaturgo e aos atores diretamente envolvidos na encenação da peça. Funcionários do teatro, divulgadores do evento e o público também são agentes significativos que movimentam os sentidos da arte e os seus impactos na sociedade. No decorrer do texto, buscamos evidenciar e valorizar a participação de múltiplos agentes culturais nos seus diferentes papéis de mobilizar as falas e os gestos das personagens para além dos limites do palco.
Teatros fluminenses: primeira metade do século XIX
A importação de uma companhia de teatro com todo o seu repertório não objetivava apenas satisfazer o desejo da família real por entretenimento. O processo colonizador, que trouxe ao Brasil valores religiosos, modelos estéticos e projetos de desenvolvimento urbanístico, pretendia levar as luzes do conhecimento ao mundo selvagem e não civilizado dos trópicos. Nesse sentido, a peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée trazida na bagagem da companhia de teatro de Ludovina Soares da Costa compôs, juntamente com outros discursos que circulavam em diferentes esferas sociais, uma perspectiva que iluminou possibilidades de educação para pessoas surdas tendo como base o modelo francês.
Para dimensionar o impacto da peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée na sociedade do Rio de Janeiro e o papel de Ludovina Soares na construção da personagem surda, cabe contextualizar historicamente a cena teatral fluminense na primeira metade do século XIX. Os teatros do Rio de Janeiro foram renomeados diversas vezes devido a reformas de grande envergadura, novas gestões ou questões de ordem política, gerando certa confusão no acompanhamento dos locais onde as apresentações ocorreram. Segundo os anúncios encontrados nos jornais locais, a peça foco do presente artigo foi encenada em dois espaços teatrais: (1) o Imperial Teatro de São Pedro Alcântara/Teatro Constitucional Fluminense/Teatro de São Pedro de Alcântara e (2) o Teatro da Praia de Dom Manuel/Teatro de São Januário.
O maior teatro à época era o Real Teatro de São João, inaugurado em 1813, na gestão de Dom João VI. Com casa cheia, havia lugar para 1.020 espectadores na plateia, além de 300 pessoas nos camarotes (Rondinelli, 2010RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.). O edifício que ficava na praça Tiradentes sofreu um incêndio em 1824; foi reformado e abriu para o público em 1826 com o nome de Imperial Teatro de São Pedro Alcântara (Dias, 2012DIAS, José da Silva. Teatros do Rio: do século XVIII ao século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 2012.). Foi fechado temporariamente em 1831 devido a disputas políticas, marcadas por um episódio de confronto entre polícia e grupos de oposição no período pós-independência do Brasil, que resultou em mortes. Passou a ser administrado, então, por José Fernando de Almeida, filho do proprietário anterior. Reabriu com o nome de Teatro Constitucional Fluminense e foi reinaugurado em 1939 como Teatro de São Pedro de Alcântara. Atualmente, esse centro cultural, administrado pela Fundação de Artes do Rio de Janeiro (Funarj), é conhecido como Teatro João Caetano, em homenagem ao dramaturgo João Caetano dos Santos (1808-1863), que atuou na capital do Império entre 1831 e 1863.
Ludovina Soares da Costa (1802-1868), famosa atriz portuguesa, aportou no Brasil em 1829 com sua companhia dramática composta de seu marido João Evangelista da Costa e de vários familiares, todos contratados pelo proprietário do Imperial Teatro de S. Pedro Alcântara, Fernando José de Almeida. Segundo Dias (2012)DIAS, José da Silva. Teatros do Rio: do século XVIII ao século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 2012., o empresário morreu no mesmo dia em que a companhia chegou ao Rio, e assim Dom Pedro I assumiu o mecenato do grupo. Depois que o monarca voltou a Portugal em 1832, a companhia perdeu sua subvenção e se dividiu em três subgrupos. Ludovina e João Evangelista obtiveram apoio do governo imperial para a construção de um novo teatro na Rua do Cotovelo, entre a Praia de Dom Manuel e a Rua Dom Manoel (hoje área do centro do Rio, nas proximidades da Praça XV de Novembro), inaugurado em 1834 como Teatro da Praia de Dom Manuel. Azevedo explica:
O teatro ficava no final da rua do Cotovelo, entre o pé do Morro do Castelo (hoje desaparecido) e a praia, próximo do porto das barcas para Niterói, local sempre considerado fora de mão e distante do centro da cidade. O contrato entre o grupo de artistas e o governo estabelecia que, como a edificação fora erguida em terreno cedido pelo poder público, o teatro deveria passar ao governo depois de cerca de três anos, como foi feito (Azevedo, 2016, p. 8AZEVEDO, Elizabeth R. Presença Lusitana nos Palcos Cariocas: Ludovina Soares da Costa. In: COLÓQUIO DO POLO DE PESQUISAS LUSOBRASILEIRAS, 8., 2016, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 2016.).
O Teatro da Praia de Dom Manuel (cujo nome foi alterado em 1838 para São Januário) coube ao grupo de Ludovina Soares e seu irmão Manuel. Segundo Rondinelli (2017, p. 39)RONDINELLI, Bruna G. da Silva. Lágrimas e Mitos: traduções e apropriações do melodrama francês no Brasil (1830-1910). 2017. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) – Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017., “[...] ao lado de seu esposo, o ator e ensaiador João Evangelista da Costa (?-1840), foi responsável por introduzir, mais sistematicamente, a dramaturgia francesa da cena romântica nos palcos da corte”.
Sobre o teatro, Souza (2007, p. 1-2)SOUZA, Silvia Cristina Martins de. O Teatro de São Januário e o “Corpo Caixeiral”: teatro, cidadania e construção de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo. Anais [...]. São Leopoldo: ANPUH, 2007. P. 1-9. comenta:
Apesar de ser uma sala cômoda e de proporções razoáveis, o teatro de São Januário apresentava um inconveniente, de acordo com as avaliações de alguns contemporâneos: o local onde foi construído, em uma região tida como perigosa e distante da freguesia do Sacramento, na qual se concentravam os teatros do Rio. Em função desta localização, este teatro carregou o estigma de ser freqüentado por espectadores pouco ‘polidos’ e de ser evitado pelas ‘boas famílias’, servindo apenas para abrigar companhias teatrais ambulantes ou desalojadas, ou ainda como um último ‘recurso gêneros [sic] a artistas desempregados’.
Já o Teatro de São Francisco de Paula fora construído em 1832 pela colônia francesa presente no Rio de Janeiro (Dias, 2012DIAS, José da Silva. Teatros do Rio: do século XVIII ao século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 2012.). Ela foi ampliada, inclusive culturalmente, quando Dom João VI subvencionou a vinda de um grupo de artistas franceses e suas famílias para instaurar uma academia de Belas Artes na capital com vistas à formação de um corpo de profissionais qualificados (Coustet, 2022COUSTET, Robert. A Missão Francesa no Brasil. Revista de História da Arte e da Cultura, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, n. 4, p. 75-84, fev. 2022.).
Foi ali que o artista João Caetano dos Santos resolveu se instalar e construir sua carreira. Ele aparecera na cena teatral do Rio de Janeiro no começo da década de 1830 (Dias, 2012DIAS, José da Silva. Teatros do Rio: do século XVIII ao século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 2012.); depois de atuar em vários palcos, decidiu-se por vincular seu nome ao drama francês e ali “revitalizou a cena teatral da corte, oferecendo diversos espetáculos semanais” (Rondinelli, 2010, p. 82RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.). Havia uma disputa de território devido a certa discriminação contra a companhia de Ludovina Soares por sua origem portuguesa, não nacional. Porém, depois da morte do marido, a atriz também passou a contracenar frequentemente com João Caetano da Silva no Teatro de São Francisco e em outros palcos (Azevedo, 2016AZEVEDO, Elizabeth R. Presença Lusitana nos Palcos Cariocas: Ludovina Soares da Costa. In: COLÓQUIO DO POLO DE PESQUISAS LUSOBRASILEIRAS, 8., 2016, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 2016.).
Os teatros se mantinham graças aos ingressos pagos pelo público e também, no caso de teatros oficialmente apoiados – como o Teatro de São Pedro de Alcântara e o Teatro de São Francisco –, havia apoio do governo, bem como permissão para arrecadar verba por meio de loterias (Rondinelli, 2010RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.). À medida que o grupo de Ludovina e João Evangelista se consolidou, eles passaram a receber subvenção oficial.
Rondinelli destaca a variedade de gêneros de entretenimento disponíveis para o público carioca, tendo em vista o interesse em atingir um público bastante amplo, como constatamos nos anúncios analisados.
O repertório desses teatros constituía-se por uma diversidade de gêneros dramáticos, tais como dramas românticos, dramas-sacros apresentados em período da Quaresma, dramas históricos, melodramas, tragédias neoclássicas, comédias, entremezes, vaudevilles e óperas. Entretanto, os espetáculos não se restringiam às exibições de peças dramáticas. Os anúncios também divulgavam apresentações de mágicas, ilusionismo e ventriloquia (Rondinelli, 2010, p. 85RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.).
A autora ainda explica que as cortinas se abriam costumeiramente às 19h304 4 Fora publicado em 1824 um edital interventivo pela polícia da corte estabelecendo normas regulando os deveres dos teatros e a conduta do público. Entre os 19 itens, constava a pontualidade conforme o anunciado (Rondinelli, 2010). para encenar as peças anunciadas, que geralmente tinham entre três e cinco atos. Nos entreatos ou ao final, o público era brindado com apresentações curtas de música, dança ou mágica. “Com frequência, cantava-se a ária de uma ópera italiana. O encerramento dava-se com a exibição de peças breves, como um vaudeville, uma farsa ou um entremez” (Rondinelli, 2010, p. 85RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.).
Tratava-se de uma forma de cativar um público mais amplo, incluindo, no intervalo ou ao final da peça principal, a participação de artistas, cantores, instrumentistas ou dançarinos locais e outras apresentações leves. Segundo Souza (2007, p. 2)SOUZA, Silvia Cristina Martins de. O Teatro de São Januário e o “Corpo Caixeiral”: teatro, cidadania e construção de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo. Anais [...]. São Leopoldo: ANPUH, 2007. P. 1-9.:
[...] afinal, as plateias fluminenses eram bastante heterogêneas e tomavam assento nas mais diferentes salas de espetáculos da cidade sendo possível, por exemplo, constatar-se a presença de caixeiros no teatro Lírico Fluminense, supostamente um reduto das elites, ou a dos imperadores no teatro de São Januário e até mesmo em circos.
Os estudos de Rondinelli (2010RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.; 2017RONDINELLI, Bruna G. da Silva. Lágrimas e Mitos: traduções e apropriações do melodrama francês no Brasil (1830-1910). 2017. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) – Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017.) oferecem subsídios para a hipótese de que a peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée e as versões adaptadas dela, que esteve em cartaz com inúmeras apresentações entre 1830 e 1855 (segundo levantamos na Hemeroteca Digital), atingiram um público bastante amplo, e não apenas a elite fluminense.
Sobre a peça
Jean-Nicolas Bouilly, autor da peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée, apresentou sua obra como uma comédia histórica em cinco atos. Cabe destacar que o sentido de comédia na dramaturgia à época não é o mesmo que utilizamos na atualidade. Trata-se de um enredo romântico com desenlace positivo para a maioria das personagens, mas não é um texto que leva ao riso. Para situar o sentido do gênero comédia, emprestamos a diferenciação elaborada por Ribeiro (2017, p. 57)RIBEIRO, Andréa Sannazzaro. Presença e Comédia: o teatro de Martins Pena e a busca da nacionalidade (1838-1847). 2017. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e Música, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2017. na sua dissertação:
Supostamente nascidas do mesmo culto dionisíaco, Tragédia e Comédia são sentenciadas em A Poética de Aristóteles, referência essa primordial para as práticas teatrais ao longo de toda tradição. Obedecendo às regras da mimesis, os dois gêneros apresentam diferenças: a tragédia ‘imita’ homens melhores do que realmente são, já a comédia reflete o mediano, o grosseiro, o banal e o ordinário, imitando os homens piores do que são. Definição que está ligada também à elevada e à baixa índole; no sentido grego clássico, homens de elevada índole são os heróis tal como os personagens de Homero, e os de baixa índole são aqueles que pertencem à multidão.
Dessa forma, entende-se que as personagens, incluindo o abade de l’Épée, não são representadas como heróis de elevada índole, e sim como pessoas comuns. Já o termo histórico refere-se à contextualização no tempo.
Para McDonagh (2013)MCDONAGH, Patrick. The Mute’s Voice: the dramatic transformations of the mute and deaf-mute in early nineteenth-century France. Criticism, Detroit, Wayne State University, v. 55, n. 4, p. 655-675, set. 2013., mais do que uma comédia histórica, a peça desempenha papel importante na inauguração de um novo gênero, o melodrama francês, que surge como um gênero posterior à Revolução Francesa (1789) no qual o teatro busca se distanciar do tradicional e do sagrado caracterizado pelo poder do Estado e da Igreja, que forjaram em conjunto uma sociedade altamente hierarquizada e coesa. A peça escapa da estrutura maniqueísta ao representar o conflito entre o bem e o mal no complexo jogo de personagens e de enredo. Sem final milagroso, a peça assume que as qualidades individuais podem vencer obstáculos como a autoridade herdada e o dinheiro, transmitindo a noção de que “Os surdos-mudos não poderão ser curados de sua condição, mas seu estado – moral, intelectual e espiritual – pode ser amenizado, trazendo-os mais plenamente para dentro do seio como cidadãos da República” (McDonagh, 2013, p. 659MCDONAGH, Patrick. The Mute’s Voice: the dramatic transformations of the mute and deaf-mute in early nineteenth-century France. Criticism, Detroit, Wayne State University, v. 55, n. 4, p. 655-675, set. 2013.).
Quando nos deparamos com os anúncios sobre a peça durante nossa investigação, pensamos inicialmente que o enredo versaria sobre os trabalhos do abade de l’Épée com crianças e jovens surdos em Paris durante os anos de 1760 até sua morte em 1789 (Rée, 1999RÉE, Jonathan. I See a Voice: a history of deafness, language and the senses. Nova York: Metropolitan Books/Henry Holt, 1999.). Na realidade, a adaptação ficcional sobre a personagem do abade de l’Épée encaminhou-se de outra maneira.
Na peça, em resumo, duas histórias concomitantes se entrelaçam. De um lado, o abade acompanha um jovem aluno surdo (o conde d’Harancourt) na busca por seu legítimo patrimônio. Há oito anos, ele fora recolhido nas ruas de Paris e se encontrava sob os cuidados do abade. Só conseguiu se comunicar depois de vários anos de estudo com o abade na Institution Nationale des Sourds-Muets de Paris; até então, por falta de meio de comunicação efetivo, ele não fora capaz de contar sua história nem sabia indicar o local onde vivera anteriormente. Todavia, o abade havia percebido por seu comportamento que ele provinha de uma família nobre. Na peça, o abade tem como missão encontrar as origens de Theodoro (nome atribuído na escola de surdos ao menino Julio) e resolve buscar nas cidades próximas a Paris alguma pista sobre as origens do jovem, partindo do portão sul que Julio havia reconhecido como entrada para a cidade.
Por outro lado, temos o filho de Darlemont (um homem imperioso e violento), Saint-Alme, que está apaixonado por Clemência, mas não pode se declarar porque seu pai impedirá o casamento, sendo a amada pobre. Franval, irmão de Clemência, é um advogado célebre em Toulouse, amigo de Saint-Alme, que gostaria de ajudá-lo a ser feliz. Quando pequeno, Saint-Alme fora muito amigo do seu primo, o menino Julio, surdo. Contudo, este foi levado pelo tio para curar a surdez, mas não resistiu ao tratamento. As duas histórias se encontram quando Theodoro reconhece pontos de referência em Toulouse e, a partir de suas memórias, identifica o palácio onde morava. Descobre-se então que, quando o pai de Julio morreu, o tio do menino, o malvado Darlemont que cuidara do espólio, o abandonara em Paris para ficar com seu título de nobreza e seu patrimônio. Com a ajuda de Franval, Julio recupera sua herança e, como gesto de amizade, oferece metade de seus bens a Saint-Alme, que pode então se casar com Clemência.
Nas suas memórias (Bouilly, 1836BOUILLY, Jean-Nicolas. Mes Récapitulations: deuxième époque – 1791-1812. Paris: Louis Janet, Libraire-Éditeur, 1836.), o dramaturgo sustenta a narrativa que desenvolveu na peça, sobre a veracidade da busca pessoal do abade de l’Épée que teria caminhado incansavelmente por estradas em direção ao sul da França até Theodore reconhecer em Toulouse o palácio de sua família. Relata que soube da missão do abade de reclamar os direitos do jovem surdo roubado de seu legítimo nome e patrimônio por meio do advogado Tronçon-Ducoudray – o mesmo que defendera a rainha Maria Antonieta e acabou pagando por esse serviço com sua vida em 1798. Todos os esforços do advogado na defesa do jovem foram em vão, mas no processo ele ficou convencido da veracidade da reivindicação.
A obra francesa acessada on-line no sítio da Biblioteca Nacional da França abre com uma dedicatória, seguida de um prefácio escrito por JeanNicolas Bouilly, em que constam algumas explicações valiosas. Além desses segmentos, a edição conta com uma caracterização das personagens elaborada pelo diretor da peça, também bastante reveladora. Essas três seções não constam das traduções que acessamos em espanhol (Bouilly, 1800BOUILLY, Jean Nicolás. El Abate de l’Epee, y Su Discípulo el Sordo Mudo de Nacimiento, Conde de Harancour: comedia en cinco actos. Tradução: Don Juan de Estrada e D. Laas-Litzos. Madrid: Oficina de d. Benito García, y compañía, 1800.) nem em português (Bouilly, 1828BOUILLY, Jean-Nicolas. O Surdo-Mudo ou o Abbade de l’Epée. Tradução: Antonio Soares de Azevedo. Coimbra: Imprensa de Trovão e Companhia, 1828.). Não sabemos se a companhia de Ludovina se apoiou no texto original em francês, fazendo sua própria tradução, ou se trouxe na bagagem a versão em português recém-publicada.
No primeiro parágrafo, Bouilly comenta que essa obra, entre todas que criou, foi a mais desafiadora pela dificuldade de desenvolver com propriedade o papel do surdo-mudo no quadro geral da peça e pela responsabilidade de honrar a memória do abade de l’Épée. Ao recolher argumentos para comprovar a valorização do homem de Deus que se doou aos surdos, ele reconta três benfeitorias do estilo que compõem muitas histórias de vidas de santos, também presentes em diversas biografias do abade de l’Épée. Na primeira situação, durante o rigoroso inverno de 1788, já bastante fragilizado, em vez de comprar lenha para se aquecer, o abade preferiu usar do seu patrimônio para as necessidades dos seus 40 alunos. Quando os alunos se preocuparam com a saúde do mestre, às lágrimas, imploraram que se preservasse por eles. No segundo episódio, um embaixador da imperatriz russa lhe fez uma visita em 1780 a fim de parabenizá-lo e oferecer apoio financeiro para o seu trabalho; o abade agradeceu a gentileza, mas respondeu que não aceitaria ouro; gostaria, sim, que ela lhe enviasse um surdo-mudo de nascença.
A última é justamente a história que motivou a elaboração da comédia histórica. “De todas as suas benfeitorias, a que me pareceu a mais adequada para produzir efeitos dramáticos é o fato histórico que narro nessa obra e que gerou o espanto e a admiração de toda a Europa” (Bouilly, 1799, p. viiiBOUILLY, Jean-Nicolas. L’Abbé de l’Épée: comédie historique, en cinq actes. Paris: André, Imprimeur-Libraire, 1799.)5 5 Neste prefácio, Bouilly (1799) narra eventos que ocorreram depois da estreia da peça, o que nos leva a deduzir que a edição a que tivemos acesso não foi a primeira ou que ele trabalhou com texto manuscrito nas primeiras encenações públicas. . O autor não explicita a relação da sua peça com o caso jurídico, mas indica que não enfrentou a empreitada com ingenuidade. Ele não ignorava que haviam ocorrido disputas de poderosos em torno do caso, com perseguição por parte do arcebispo de Paris, além de calúnias dirigidas ao abade de l’Épée. Sabendo disso, ele agiu com prudência e evitou revelar desavenças, nomes e brigas para não instigar ressentimentos. Mesmo assim, Bouilly lamentou, sem nomear ninguém, que ocorreram tentativas de impedir as apresentações por parte de pessoas que se sentiram atingidas na sua honra.
Finalizou o prefácio confirmando que o aluno do abade foi reconhecido como o Comte de Solar em 8 de junho de 1781 pelo juiz de Châtelet em Paris, mas essa sentença foi revogada em 1792 após recurso. Para Bouilly, mais importante que essa derrota seria o fato de o abade de l’Épée ter morrido convicto de que seu aluno pertencia a uma família honrada e que fora “vítima da mais criminosa ambição”. E ainda mais gratificante para seus esforços como dramaturgo foi o fato de a peça ter sido aclamada pelo público a ponto de o abade Roch-Ambroise Sicard, substituto de l’Épée, poder finalmente reassumir seu posto na Institution Nationale des Sourds-Muets depois de ter sido deposto por desavenças políticas. Nas suas memórias, Bouilly (1936) relembra o emocionante encontro depois que Josephine Bonaparte determinou sua soltura após 28 meses de prisão. Outras fontes não indicam que houve prisão, mas sim afastamento do instituto (Rée, 1999RÉE, Jonathan. I See a Voice: a history of deafness, language and the senses. Nova York: Metropolitan Books/Henry Holt, 1999.).
Segundo Rosenfeld (1997), a peça de Jean-Nicolas Bouilly sobre o jovem surdo-mudo injustiçado que retoma seu legado por meio dos esforços do abnegado abade de l’Épée recolocou diante do público de Paris o caso Solar, que fora julgado na sociedade francesa, gerando maior interesse do que o julgamento do caso real que ocorrera 20 anos antes. Foi um sucesso de bilheteria, sendo traduzida e encenada em muitos países da Europa.
O drama de Bouilly incentivou uma voga crescente de personagens surdas e mudas no palco, a quem foram atribuídos cada vez mais papéis de vítimas inocentes incapazes de usar a linguagem para se expressarem, a não ser por meio de uma linguagem idealizada de mímica e sinais. Mais importante, ‘L’Abée de l’Épée’, ao estimular novas discussões sobre a validade da língua de sinais como meio de transmitir conceitos legais, levantou mais uma vez questões importantes sobre a relação entre a língua francesa e a lei francesa e sobre o status do homme de la nature pré-linguístico (Rosenfeld, 1997, p. 166-167, tradução nossa).
A autora destaca que casos envolvendo a surdez no período do pósiluminismo e pós-Revolução Francesa geraram fascínio numa época em que as causes célèbres – as novidades e curiosidades humanas – mobilizavam grande interesse social. Vale notar que o autor anônimo de uma crítica sobre a peça em O Moderador também denomina o caso de causa célebre, evidenciando que ao menos a elite já tinha ouvido falar do trabalho de l’Épée.
Domingo os Srs. Directores do theatro nos mimozearão com a primeira representação do ABBADE de l’Epée. Este facto histórico tirado das cauzas celebres he muito conhecido, comtudo rapidamente o exporemos. O ABBADE de l’Epée, cuja alma beneficiente nunca deixou de ser sensível á aflicção de seus semelhantes, depois das mais profundas indagações, sustentado pela sua generosidade, e infatigável paciência, conseguio fazer-se entender por meio de rápidos sinaes, pelos surdos e mudos de nascimento. Nelles os olhos suprem as duas faculdades que lhes faltão, e este homem virtuoso chegou a abrir-lhes a porta de todas as sciencias, a aperfeiçoar e desenvolver todos os seus thezouros intelectuais. No momento em que o bom êxito de seus disvellos lhe permitia estender a aplicação deles sobre hum maior numero de seus filhos adoptivos, foi-lhe trazido hum joven, achado errante nas ruas de Paris. Era ele surdo e mudo, e só foi depois de muito tempo que, graças a sua inteligência e á arte admirável do seu protector, lhe pôde dar huma relação circunstancida sobre o seu nascimento, e as circunstancias que o havião trazido a Paris (Imperial..., 1830a, p. 3IMPERIAL Theatro. O Moderador: novo correio do Brasil, Rio de Janeiro, variedades, p. 3, 10 nov. 1830a., grifo nosso).
Citando a historiadora Sarah Maza, Rosenfeld (1997, p. 159) salienta que os casos desse tipo levados a julgamento muitas vezes “[...] assumiam características de espetáculos dramáticos contemporâneos, incluindo enredos complexos, gestualidade hiperbólica e um tom de didatismo moral”. Nesse sentido, o caso Harancourt6 6 Utilizamos a grafia da peça traduzida para o português nos nomes de Julio (Jules) e d’Harancourt (d’Arancour ou d’Arancourt), exceto em citações do texto francês ou de artigos de jornal. /Solar trazia todos os elementos necessários para a construção de um melodrama, o que Bouilly soube explorar com maestria.
Na França, os julgamentos de surdos, tanto no papel de vítimas como no de acusados, ofereciam um fórum social privilegiado para o debate filosófico sobre os ditos filhos da natureza, o bom selvagem, enfim, o papel da linguagem na constituição do homem, no confronto com a legitimidade das alternativas de comunicação na ausência da fala.
A peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée aparece no cenário cultural de Paris na virada do século XVIII, na mesma época em que um garoto selvagem é encontrado vagando pelas florestas de Aveyron. Além da dramaticidade do texto da peça e dos relatórios de Jean Itard, os dois eventos têm em comum “[...] a preocupação com o lugar do mudo na sociedade e a apresentação do professor como defensor heroico dos desfavorecidos” (McDonagh, 2013, p. 656MCDONAGH, Patrick. The Mute’s Voice: the dramatic transformations of the mute and deaf-mute in early nineteenth-century France. Criticism, Detroit, Wayne State University, v. 55, n. 4, p. 655-675, set. 2013.).
Segundo McDonagh (2013)MCDONAGH, Patrick. The Mute’s Voice: the dramatic transformations of the mute and deaf-mute in early nineteenth-century France. Criticism, Detroit, Wayne State University, v. 55, n. 4, p. 655-675, set. 2013., na Europa e especificamente na França, a questão da mudez mobilizou, por um lado, filósofos e cientistas que buscavam entender as possibilidades de constituição do humano diante da ausência da fala e, por outro, escritores e dramaturgos que criaram um discurso teatral e narrativas explicativas para entender a mudez, o mudo e o que ele tinha a dizer, numa dinâmica em que as ideias circulavam entre as esferas científica e cultural, moldando como a sociedade interpretava o fenômeno.
A peça de Bouilly foi traduzida e apresentada em muitos palcos da Europa e também nos Estados Unidos, gerando em alguns países motivação para instaurar propostas de educação de surdos, como se vê no caso da Suécia, com desdobramentos para Portugal.
Segundo Brita Bergman, Per Aron Borg (1776-1839) é considerado o fundador da educação de surdos na Suécia; desde o início dos seus trabalhos com surdos em 1808, preconizava a língua de sinais como a base do ensino dos surdos. A autora defende que a língua de sinais sueca teve origem entre os próprios surdos, mas há evidências de que Borg assistiu à peça de Bouilly na primeira década de 1800 e foi então estimulado a estudar os relatórios de l’Épée, como se constata nos seus manuscritos preservados na Biblioteca Real de Estocolmo. Sobre sua trajetória no campo da surdez, seu filho Ossian comentou:
Uma noite Borg foi à Ópera em Estocolmo e assistiu uma peça que representava o Abade de l’Epée recolhendo um menino surdo-mudo maltrapilho que havia encontrado vagando pela estrada na França, e cujas habilidades mentais ele desenvolveu de forma maravilhosa, restituindo-lhe os direitos de que tinha sido privado (Borg, [1876] apud Bergman, 1979, p. 7BERGMAN, Brita. Signed Swedish. Estocolmo: National Swedish Board of Education, 1979.).
O sucesso de Borg na educação de surdos na Suécia se disseminou na Europa, e ele foi então convidado em 1823 pelo rei Dom João VI a criar uma instituição similar em Lisboa: “[...] em 1823 foi chamado de Suecia o Cavalheiro Pedro Aron Borg, Director do Instituto de surdos-mudos e cegos de Stockholmo para fundar aqui um estabelecimento desta natureza” (Cunha, 1835, p. 11CUNHA, José Crispim da. História do Instituto dos Surdos-Mudos e Cegos de Lisboa: desde a sua Fundação à sua incorporação na Casa Pia de Lisboa. Lisboa: Tip. de Filipe Nery, 1835.). Borg passou cinco anos organizando e gerenciando o que viria a ser o Instituto dos Surdo-Mudos e Cegos em Lisboa.
Nota-se que, apesar do envolvimento direto da monarquia portuguesa na criação de uma instituição para a educação de surdos em Portugal, no momento em que foi fundada a primeira instituição no Brasil, o modelo da metrópole foi preterido em favor do modelo francês, possivelmente devido ao protagonismo na corte do sanitarista francês José Francisco Xavier Sigaud, médico particular de Dom Pedro II, como defensor da fundação de instituições para atendimento de necessitados (Ferreira, 2013FERREIRA, Luiz Otávio. O Viajante Estático: José Francisco Xavier Sigaud e a circulação das ideias higienistas no Brasil oitocentista (1830-1844). In: BASTOS, Cristiana; BARRETO, Renilda. A Circulação do Conhecimento Medicina, Redes e Impérios. 2. ed. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2013. P. 71-89.). Influente na corte, na comunidade científica e na imprensa, Sigaud abraçou a ideia da criação de instituições especiais, publicando em 1846 um apelo diretamente dirigido a Dom Pedro II para seguir adiante com seu projeto de modernizar o país.
Esta tarefa [...] comprehende a creação de novas instituições que ainda faltam ao paiz, e cuja fundação deve harmonisar o systema de estudos scientificos posto em pratica desde o reinado do Imperador o Sr. D. Pedro 2º. Um complexo de novas instituições taes como os dispensatorios, as enfermarias especiais, os estabelecimentos de caridade ou hospicios para os surdos-mudos, meninos cegos, velhos enfermos; a creação de novas sociedades, e mais que nemuma, a das sciencias naturaes, são o meio mais formidavel de salvação para o paiz contra a invasão do charlatanismo (Sigaud, 1846, p. 66SIGAUD. Discurso do Sr. Dr. Sigaud, sobre as instituições medicas que se devem crear. Annaes de Medicina Brasiliense: Jornal da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 65-68, ago. 1846.).
Atrizes e os papéis masculinos nos séculos XVIII e XIX
Segundo Russell (1996)RUSSELL, Anne. Tragedy, Gender, Performance: women as tragic heroes on the nineteenth-century stage. Comparative Drama, Kalamazoo, Western Michigan University, v. 30, n. 2, p. 135-157, jul./set. 1996., desde meados do século XVII, as mulheres substituíram os rapazes que assumiam anteriormente os papéis femininos nas peças de teatro. A partir da abertura para a participação feminina no palco, as possibilidades de troca de papéis tornaram-se cada vez mais aceitas no teatro, inicialmente em gêneros leves, como a comédia, a pantomima, o melodrama e a dança, para depois incluir as tragédias. A prática de troca de papéis (crossdressing) no teatro europeu nos gêneros cômico e trágico consolidou-se durante o século XIX, mas passou a ser vista como demodé à medida que o teatro realista, naturalista, começou a ocupar os palcos.
Na primeira metade do século XIX, havia boa aceitação do público para a troca de papéis; as atrizes assumiam a representação principalmente no caso de personagens de papéis de meninos e rapazes jovens, como foi o caso da peça em questão. Russell (1996, p. 137)RUSSELL, Anne. Tragedy, Gender, Performance: women as tragic heroes on the nineteenth-century stage. Comparative Drama, Kalamazoo, Western Michigan University, v. 30, n. 2, p. 135-157, jul./set. 1996. observa que “fragilidade, beleza, e instabilidade emocional (e até mesmo debilidade mental)” correspondiam a qualidades femininas, o que também poderia determinar a decisão de colocar atrizes para fazer as vezes de meninos com tais características. Vimos que, tanto na peça original encenada na França pelo dramaturgo Bouilly quanto na apresentação no Brasil, atrizes desempenharam o papel de Jules/Theodore, o jovem surdo e mudo.
Rondinelli (2017)RONDINELLI, Bruna G. da Silva. Lágrimas e Mitos: traduções e apropriações do melodrama francês no Brasil (1830-1910). 2017. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) – Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. esclarece que:
[...] no século XIX, o teatro não era mais reservado apenas aos atores do sexo masculino, como o foi por um longo período na história mundial do teatro. Apreciadas pela beleza e graciosidade em cena, as atrizes davam vida às personagens femininas, e, a depender do grau de dinamismo do jogo cênico que possuíam, criavam também papéis masculinos, a exemplo da atriz portuguesa Ludovina Soares da Costa.
O crítico de O Moderador (1830b) elogiou a capacidade de Ludovina de esconder sua feminilidade sob o figurino do jovem Julio d’Arancourt e também destacou a qualidade interpretativa da atriz.
Nas suas memórias, Bouilly relata o processo de seleção dos atores para cada papel. Madame Talma-Vanhove, no papel de Jules, mostrou-se muito sensível e empenhou-se para aprender os sinais metódicos7 7 Os sinais metódicos foram desenvolvidos pelo abade de l’Épée e eram um “sistema que usava a língua gestual (língua de sinais) na ordem gramatical do francês” (Carvalho, 2007, p. 24). Segundo o autor, dessa forma, os alunos surdos “conseguiam ler e escrever qualquer texto em francês”. a fim de melhor encarnar sua personagem: ela parecia lhe dizer, “[...] com seu olhar penetrante que ninguém seria tão capaz quanto ela de dar ao meu jovem surdomudo tal expressão, tal jogo de fisionomia, tal interpretação de todos os movimentos da alma, sem o benefício da palavra” (Bouilly, 1836, p. 142-143BOUILLY, Jean-Nicolas. Mes Récapitulations: deuxième époque – 1791-1812. Paris: Louis Janet, Libraire-Éditeur, 1836.). Rée (1999)RÉE, Jonathan. I See a Voice: a history of deafness, language and the senses. Nova York: Metropolitan Books/Henry Holt, 1999. afirma que ela esteve na Institution Nationale des Sourds-Muets para aprender sinais com Jean Massieu e ensaiar a sua representação em sinais. Berthier (2021)BERTHIER, Ferdinand. História do Suposto Conde de Solar. Organização: Regina Maria de Souza. Curitiba: CRV, 2021. também confirma tal informação.
Coincidentemente, Ludovina também teve a oportunidade de aprender a se comunicar gestualmente para melhor representar a personagem do surdo-mudo. Essa informação consta em uma nota anônima de O Moderador (1830b), na qual se lê que chegou ao Brasil pouco antes da estreia um educador de surdos que se prestou a ajudá-la:
O Abbade de l’Épée, offerece as maiores difficuldades para se reprezentar. He necessario para dezempenhar o papel de surdo e mudo muita flexibilidade e destreza de talento. Interessar sem fallar, e justamente porque se não falla, he huma penoza tarefa. Nas pantomimas ordinárias isso he talvez mais facil, porque são quazi sempre peças de estrondo, em que todos os sentimentos são levados a excesso. Não acontece o mesmo neste drama, nelle deve empregar-se a expressão verdadeira e ingenua da simples natureza; mas aonde achar modelo no Rio de Janeiro? Comtudo por hum singular acazo chegou, poucos dias antes da representação da peça, o primeiro discípulo do sucessor do Abbade Sicard, que tem dezembarcado, assim o julgamos, nas nossas praias (Imperial..., 1830b, p. 4IMPERIAL Theatro. O Moderador: novo correio do Brasil. Rio de Janeiro, variedades, p. 4, 13 nov. 1830b., grifo nosso).
Não foi possível identificar quem seria esse discípulo que teria vindo ao Brasil. Poderíamos especular se seria um aluno de Jean Massieu, de Ferdinand Berthier ou de Roch-Ambroise August Bébian, mas o autor não forneceu dados suficientes. A informação aparece uma única vez nas notas e críticas consultadas.
No original, Bouilly indica quais papéis cada ator e cada atriz representaria, com definição do respectivo figurino. As personagens são descritas detalhadamente pelo dramaturgo, com indicação sobre os modos de falar, as atitudes e as características da presença no palco.
Bouilly afirma que o abade é a figura mais importante da peça. Quanto à presença no palco, o papel requer do ator uma expressão simples e patriarcal, docemente piedosa, mas sem afetação. “Ele deve deixar brilhar uma penetração da qual nada pode escapar” (Bouilly, 1799, p. xiBOUILLY, Jean-Nicolas. L’Abbé de l’Épée: comédie historique, en cinq actes. Paris: André, Imprimeur-Libraire, 1799.). O papel do abade ficou para o ator Manvel, que Bouilly considerou um encaixe perfeito.
Sobre Theodore, Bouilly (1799, p. xii)BOUILLY, Jean-Nicolas. L’Abbé de l’Épée: comédie historique, en cinq actes. Paris: André, Imprimeur-Libraire, 1799. indica que “esse papel exige grande inteligência e sensibilidade extrema”. Além do olhar vivo e penetrante, a sua gestualidade deve indicar tanto aquilo que ele vê quanto aquilo que lhe explicam. Talma-Vanhove foi escolhida para enfrentar o desafio desse complexo papel de protagonizar uma personagem surda. A sugestão de Bouilly é que a atriz “[...] aproveite os momentos em que as outras personagens se entregam aos seus próprios infortúnios para fixá-los com beatitude e um sorriso gentil que comprove sua surdez” (Bouilly, 1799, p. xiiBOUILLY, Jean-Nicolas. L’Abbé de l’Épée: comédie historique, en cinq actes. Paris: André, Imprimeur-Libraire, 1799., tradução nossa).
Interpretação com sinais metódicos e gestualidade
O crítico de O Moderador (1830b) destacou a eloquência da comunicação de Ludovina no papel do surdo; mas efetivamente, em nossa análise das instruções aos atores na peça, havia mais gestualidade do que sinalização convencional. O surdo aponta, agradece, reconhece pessoas e lugares, demonstra alegria e excitação. Contudo, apesar dos comentários sobre a representação de sentidos por meio de gestos e postura feitos pelo crítico de O Moderador, identificamos poucas menções nas críticas e nos comentários sobre a comunicação em língua de sinais.
A língua de sinais, mesmo não sendo reconhecida como uma língua naquele período histórico, sempre esteve presente nas narrativas que englobam a educação de surdos em diferentes contextos e períodos. Desde o século XVI, quando as primeiras iniciativas de trabalhos relacionados à educação para o público em questão surgiram, observa-se a sua existência, mas não o seu ensino, devido ao entendimento que se tinha à época de que aquela era uma forma rudimentar de comunicação. Apesar disso, a partir do século XVIII, o abade de l’Épée reconheceu a importância desse meio de comunicação utilizado pelos surdos no contexto francês e passou a utilizar a língua de sinais em suas atividades educativas. Obteve êxito com tal feito, e a metodologia criada por ele (os sinais metódicos) repercutiu em outros países e atravessou continentes. Em suas aulas públicas, destacava a importância dos sinais metódicos para o desenvolvimento dos surdos (Carvalho, 2007CARVALHO, Paulo Vaz de. História dos Surdos I: no mundo e em Portugal. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2007.). Em relação à peça, ao que tudo indica, foram utilizados também sinais metódicos adaptados para o espaço cênico.
O crítico citado anteriormente também tece comentários sobre outro aspecto desafiador do papel do surdo, chave para o enredo, que são as cenas em que o surdo tem de demonstrar que reconhecia lugares e pessoas sem usar da palavra.
A maior parte da peça é composta de scenas de reconhecimento. Este meio tão uzado na scena era, neste assumpto, hum escolho inevitável. O heroe do drama com effeito reconhece sucessivamente o palácio de seu pai, hum velho porteiro, seu primo, seu tio, e Dupré seu creado e seu cumplice. Para variar situações, que tanto se assemelhão, nada menos era necessário que toda a diversidade de talentos, de que a Srª Ludovina deu provas (Imperial..., 1830b, p. 4IMPERIAL Theatro. O Moderador: novo correio do Brasil. Rio de Janeiro, variedades, p. 4, 13 nov. 1830b.).
McDonagh (2013, p. 660)MCDONAGH, Patrick. The Mute’s Voice: the dramatic transformations of the mute and deaf-mute in early nineteenth-century France. Criticism, Detroit, Wayne State University, v. 55, n. 4, p. 655-675, set. 2013. esclarece que Bouilly:
[...] adotou uma estratégia interessante para realizar a fusão do surdo mudo histórico e teatral, adaptando a performance tradicional do papel do mudo para refletir as complexidades do sistema de sinais de l’Épée. Ao invés de seguir a convenção do palco de fazer o mudo se comunicar por meio da mímica com gestos exagerados e expressões faciais, de l’Épée e Theodore usam gestos manuais criteriosamente descritos no texto da peça (tradução nossa).
Ou seja, os gestos parecem pertencer ao léxico dos sinais metódicos, mas são alterados para funcionar no palco. No seu texto autobiográfico, Bouilly conta que a Mme. Talma-Vanhove, atriz que fez o papel de Theodore, estudou sinais no Institution Nationale des Sourds-Muets com Jean Massieu, aluno surdo de Sicard (Bouilly, 1836BOUILLY, Jean-Nicolas. Mes Récapitulations: deuxième époque – 1791-1812. Paris: Louis Janet, Libraire-Éditeur, 1836.).
À luz das experiências anteriores de consultoria sobre como melhor realizar a comunicação usando sinais convencionais, foi interessante perceber uma inversão do encontro entre o teatro e a educação de surdos. Em 1838, entra em cartaz no Teatro S. Pedro de Alcântara a peça francesa Simão: o velho cabo de esquadra, de D’Ennery e Dumanoir, na qual a personagem principal fica muda em razão de um forte trauma. João Caetano dos Santos atua no papel de “um infeliz que emudecera diante de uma emoção fortíssima” (Silva, 1932, p. 523) e é muito elogiado pela crítica ao sustentar três dos cinco atos com expressiva gestualidade. “O seu trabalho mímico era notável nos detalhes” (Silva, 1932, p. 523). Ludovina Soares da Costa teve um papel secundário na peça, juntamente com outros atores e atrizes.
Edouard Huet, surdo e diretor do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, o primeiro especializado para surdos no Brasil, fundado em 1856 no Rio de Janeiro, aproveitou a oportunidade da peça em cartaz para levar um grupo de educandos de tal instituição para assistir à apresentação, enviando posteriormente uma carta elogiosa a João Caetano a respeito de sua performance que foi perfeitamente compreendida, dizendo “elles vos têm tanto melhor compreendido quanto a mimica natural é sua linguagem nativa” (Silva, 1932, p. 524).
O teatro e a educação de surdos
Não há dados que relacionem diretamente a encenação de O SurdoMudo ou o Abade de l’Épée à fundação, 25 anos depois, do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos no Rio de Janeiro em 1856. Vários autores sugeriram que o público do teatro no Rio de Janeiro no período não se limitava apenas às elites, como vimos. Entretanto, não temos subsídios consistentes para saber o impacto da peça na sociedade fluminense em geral. Sabemos, todavia, que uma pessoa ligada à fundação do referido Instituto assistiu à peça: Dom Pedro II.
Príncipe regente do Brasil, Dom Pedro II comemorou no dia 2 de dezembro de 1938 seus 13 anos de idade. A data foi celebrada com ampla programação, incluindo a ida ao Teatro de S. Januário para assistir à peça O Surdo-Mudo ou o Abade de L’Épée. O evento foi anunciado por vários jornais.
O Jornal do Commercio de 30/11/1838 comentou: “Este drama, por sua boa moral, mereceu toda a preferencia para este faustoso dia”. Os intervalos prometiam “magnificas ouverturas” e uma pintura numa cortina com a “figura de Apollo protegendo a tragedia e a commedia” (S. Januario, 1838, p. 3S. JANUARIO. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, sessão Theatros, p. 3, 30 nov. 1838.).
Em 5/12/1838, publicou-se a seguinte nota no jornal O Sete d’Abril:
À noite o Imperador e Augustas Princezas honraram o Theatro de S. Januário com sua presença. O concurso foi explendido; os camarotes se achavam apinhados de senhoras todas em grande gala, differente do que temos visto em outros annos, em que muitas pessoas se apresentavam como em qualquer dia ordinario. Lamentamos porém que aí não houvesse escolha de peça mais analoga; “O Abbade L’Epée ou o Surdo Mudo” certamente é interessante; mas não era proprio para a solemnidade de tão Fausto Dia (O Dia..., 1838, p. 3O DIA 2 de dezembro. O Sete d’Abril, Rio de Janeiro, p. 3, 5 dez. 1838.; grifo nosso).
O autor não elucida por que ele não considerava a peça apropriada para o príncipe. Seria pela personagem com deficiência? Seria pelo gênero melodramático?
Não é possível alquilar o quanto essa experiência foi memorável para o futuro imperador por meio das diversas fontes consultadas. No entanto, Dom Pedro II teve contato com a narrativa sobre o abade de l’Épée em várias ocasiões. Conforme ele evidencia nos seus diários, era frequentador assíduo do teatro; chegava a citar alguns espetáculos aos quais tinha assistido e tecia comentários sobre eles, o que permite supor que ele sabia o que estava em cartaz. Considerando o número de encenações contabilizadas, a peça O Surdo-Mudo ou o Abade de L’Épée foi encenado por pelo menos treze anos.
Quando ele foi interpelado por Edouard Huet e por outros membros do governo a fundar uma instituição para educar meninos e meninas surdas, não teriam vindo à tona as suas lembranças do Fausto Dia em que foi ao Teatro de S. Januário e viu Ludovina Soares no papel de surdo, contracenando com o abade de l’Épée?
Certamente, as múltiplas exibições da peça sobre o abade de l’Épée tiveram a função de sensibilizar a sociedade da época para a causa dos surdos. Ao enaltecer o trabalho dos primeiros educadores europeus, lograram mostrar, implicitamente, que os surdos do Brasil também mereciam oportunidades de educação no Brasil8 8 Ver o artigo Invento dos Portugueses, de autor anônimo, publicado no Jornal do Comércio em 1842 que destaca as iniciativas de educação de surdos no século XIX do português Jacob Rodrigues Pereira e de Charles Michel de l’Épée (Inventos..., 1842). . Em solo brasileiro, o médico sanitarista José Francisco Xavier Sigaud e o professor cego José Álvares de Azevedo já haviam fundado, em 1854, um instituto especializado na educação de pessoas com deficiência visual com a anuência de Dom Pedro II.
Tal episódio abriu a possibilidade do trabalho com pessoas com deficiências sensoriais, o que conferia ao Brasil uma situação de paridade perante outros países que já haviam iniciado essas práticas, guardadas as devidas proporções. Ademais, possibilitar a formação intelectual dos surdos e prepará-los para o exercício de um ofício condizente com as condições da época e com seu status social era essencial para que não “onerassem” a sociedade com a sua presença “incômoda” (Leite, 1869LEITE, Tobias Rabello. Instituto dos Surdos-Mudos: relatório do diretor. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1869.). Esse era o pensamento vigente e, ao que parece, fortaleceu a iniciativa de fundar um instituto especializado direcionado a esse público, somado aos aspectos colocados anteriormente.
Conforme já mencionado, a peça foi encenada consistentemente entre 1830 e 1843. Depois de um intervalo de 12 anos no circuito teatral do Rio de Janeiro, voltou aos palcos no dia 6 de outubro de 1855, no Teatro de S. Januário, não na versão original, mas como uma adaptação em três atos – O Assassino e a Orphã ou o Abbade de l’Epée.
Coincidentemente, E. Huet desembarcou no Rio de Janeiro no dia 9 de maio de 1855, vindo do Havre pela galera Imperatriz do Brasil (Registro..., 1855, p. 4REGISTRO do porto. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 4, 10 maio 1855.), com a missão de fundar uma escola para a educação de surdos ou, como ele colocou em múltiplos anúncios, “destinée à la régénération morlal [sic] et intellectuelle des sourds-muets du Brésil” (Annonce, 1856, p. 7ANNONCE. Collége National pour les sourds-muets des deux sexes. Courrier du Brésil: Politique - Litterature - Revue des Theatres - Sciences et Arts - Industrie - Commerce, Rio de Janeiro, p. 7, 17 fev. 1856.). Em 22 de junho do mesmo ano, ele apresentou um projeto detalhado ao imperador Dom Pedro II para a fundação de um instituto de educação de surdos seguindo o molde de outros institutos franceses do gênero. Ao que parece, só foi possível encaminhar uma proposta tão rapidamente porque o projeto já estaria pronto e já havia uma sensibilização a respeito da instrução de pessoas com deficiências sensoriais, algo que foi se constituindo em anos anteriores.
Alguns meses mais tarde, especificamente em outubro, a peça sobre o abade de l’Épée voltou ao palco do S. Januário. Não encontramos dados diretos ligando o retorno de uma peça sobre o abade com a fundação do Imperial Instituto dos Surdos Mudos. Todavia, outras evidências surgiram mostrando articulações entre o teatro e o professor francês surdo que foi protagonista na criação de tal instituição no Rio de Janeiro. Em maio de 1856, como resultado de uma campanha pública do Marquês de Abrantes, o Teatro de S. Januário, onde tantas vezes Ludovina Soares representou o papel do surdo-mudo, respondeu ao apelo público com uma doação para o Imperial Instituto de Surdos Mudos (Brasil, 1856, p. 70-72BRASIL. Ministério do Império. Relatório da Repartição dos Negócios do Imperio (RJ). Rio de Janeiro, RJ, 1856.). Não nos parece que a mobilização do teatro com tal contribuição tenha sido aleatória.
Conclusão
A incursão nas fontes documentais nos permitiu compreender a exibição da peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée a partir de múltiplos aspectos, considerando as esferas culturais, sociais e educacionais. O estudo das variadas fontes nos possibilitou constituir uma narrativa englobando o teatro na sociedade fluminense na primeira metade do século XIX, destacando a performance da atriz portuguesa Ludovina Soares da Costa, que assumiu o papel do jovem surdo na peça quando exibida no Brasil. Além disso, evidenciamos o complexo processo de desenvolvimento da peça em si e as escolhas de Jean-Nicolas Bouilly.
A peça nos faz refletir sobre a potência do teatro, tendo em vista que o contexto da educação de surdos em outros países e, ao que tudo indica, no Brasil foi impactado pela performance dos atores e atrizes que, por meio de seu trabalho, puderam mostrar a forma de comunicação dessas pessoas em funcionamento. Usando como referência a personagem do abade de l’Épée, muito reconhecido na educação de surdos, foi possível compor com a circulação de ideias sobre a possibilidade de instrução de pessoas surdas.
Pode-se dizer que a mobilização de ideias sobre a surdez foi efetiva no campo social, tanto que vários jornais na década de 1850 apontavam para a iminência da fundação de um instituto para surdos no Rio de Janeiro nos moldes da iniciativa do abade de l’Épée e do abade Sicard. Em alguns países da Europa, tais como França e Portugal, isso já era uma realidade e o Brasil precisava acompanhar essa tendência, considerando o processo de urbanização do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX.
Entretanto, no Brasil, tivemos uma inversão da cronologia em comparação com a França. Lá, o instituto de educação de crianças surdas foi instaurado antes da peça, que buscou justamente iluminar e – por que não dizer – mitificar as benfeitorias do abade de l’Épée. Já na trajetória histórica brasileira, aconteceu o contrário. Primeiro veio a peça, que atravessou o Atlântico para mobilizar o imaginário social quanto à possibilidade de traçar outros caminhos para esse grupo sem acesso à instrução e marginalizado socialmente. Sabe-se que a França era considerada modelo cultural para o Brasil, e acreditamos que essa peça, além de entreter a população, comportava uma cause célèbre, que aguçava a curiosidade social e fazia circular ideias sobre a surdez e a possibilidade de educação das pessoas surdas, explicitadas por meio dos feitos do abade de l’Epée.
Durante os trinta anos que antecederam a fundação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, homens articulados da ciência e da elite da sociedade imperial alertaram a população sobre os riscos de produzir um exército de vagabundos e mendicantes capaz de contaminar a todos com sua degeneração moral caso não se resolvesse o problema de crianças com limitações, fragilidades, deficiências. Clamaram por instituições que pudessem retirá-las dos espaços comuns para instrui-las em separado. Fizeram apelos a Dom Pedro II para que ele estabelecesse outras instituições de instrução voltadas aos meninos cegos, aos surdos-mudos, assim como já havia feito no caso do Hospício de Pedro II em 1841 para resolver o problema dos loucos cuidados nos porões da Santa Casa. Voltaram-se para os exemplos bem-sucedidos e consolidados das instituições francesas e alemãs para surdos. Disputaram sobre quem foi mais importante na invenção do método de instruir os surdos – o português Jacob Rodrigues Pereira, o alemão Samuel Heinicke ou o abade Charles Michel de l’Épée. Argumentaram que o empenho em atender às necessidades desses grupos se alinhava com o processo de modernização do Brasil perseguido pelo imperador. E mobilizaram a população a se engajar na assistência aos necessitados.
Enquanto os homens da elite publicavam seus ideários e suas propostas na mídia, Ludovina fez algo de concreto: colocou um surdo no palco. Por meio do seu corpo e gestualidade, deu visibilidade a um jovem que se mostrou capaz de aprender e conseguiu defender seu patrimônio, porque teve um professor que lhe mostrou o caminho dos sinais metódicos. A sociedade fluminense pôde conhecer um surdo inteligente, articulado, temente a Deus e agradecido ao abnegado abade de l’Épée.
Claro está que houve uma confluência de fatores que mobilizaram a fundação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos no Brasil. Diante das evidências expostas ao longo deste artigo, gostaríamos de destacar a importância da exibição da peça O Surdo-Mudo ou o Abade de l’Épée e a pujança da vertente cultural nesse processo que, juntamente com outras forças, propiciou a fundação de uma instituição especializada para alunos surdos que, ao longo do século XIX, estabeleceu os fundamentos para a educação desse público, alicerces estes até hoje debatidos para a construção de uma história brasileira de escolarização de surdos.
Notas
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1
Neste artigo, em alguns trechos, mantivemos a expressão surdo-mudo respeitando a forma de se referir às pessoas surdas nos documentos do século XIX. Atualmente, usamos a designação surdo(a), com base no Decreto-Lei n. 5.626 (Brasil, 2005BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 2005.).
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2
No Almanak Laemmert (1856)ALMANAK Laemmert (1844-1889). United States: Center for Research Libraries/Global Resources Network, 1856., consta a notificação da fundação do Collegio Nacional pra Surdos-Mudos de ambos os sexos, primeiro nome dado à instituição de educação de surdos no Brasil. No ano de 1857, houve a mudança de prédio e de nome, que ficou como Imperial Instituto para Surdos-Mudos de ambos os sexos.
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3
Os periódicos usados para mapear as performances foram: O Jornal do Commercio, Diário do Rio de Janeiro, O Despertador, O Sete d’Abril, Correio Mercantil, O Moderador, Courrier du Brésil: Politique - Litterature - Revue des Theatres - Sciences et Arts - Industrie - Commerce e Marmota Fluminense. Os artigos gerais sobre surdez, saúde e educação foram levantados primordialmente no Novo Correio do Brasil, Brasil: Ministério do Império: Relatório da Repartição dos Negócios do Império e nos Annaes de Medicina Brasiliense: Jornal da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro.
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4
Fora publicado em 1824 um edital interventivo pela polícia da corte estabelecendo normas regulando os deveres dos teatros e a conduta do público. Entre os 19 itens, constava a pontualidade conforme o anunciado (Rondinelli, 2010RONDINELLI, Bruna Silva. O Teatro e a Imprensa: os anúncios das estreias de Martins Pena. Miscelânea, Assis, Unesp, v. 8, p. 81-95, jul./dez. 2010.).
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5
Neste prefácio, Bouilly (1799)BOUILLY, Jean-Nicolas. L’Abbé de l’Épée: comédie historique, en cinq actes. Paris: André, Imprimeur-Libraire, 1799. narra eventos que ocorreram depois da estreia da peça, o que nos leva a deduzir que a edição a que tivemos acesso não foi a primeira ou que ele trabalhou com texto manuscrito nas primeiras encenações públicas.
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6
Utilizamos a grafia da peça traduzida para o português nos nomes de Julio (Jules) e d’Harancourt (d’Arancour ou d’Arancourt), exceto em citações do texto francês ou de artigos de jornal.
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7
Os sinais metódicos foram desenvolvidos pelo abade de l’Épée e eram um “sistema que usava a língua gestual (língua de sinais) na ordem gramatical do francês” (Carvalho, 2007, p. 24CARVALHO, Paulo Vaz de. História dos Surdos I: no mundo e em Portugal. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2007.). Segundo o autor, dessa forma, os alunos surdos “conseguiam ler e escrever qualquer texto em francês”.
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8
Ver o artigo Invento dos Portugueses, de autor anônimo, publicado no Jornal do Comércio em 1842 que destaca as iniciativas de educação de surdos no século XIX do português Jacob Rodrigues Pereira e de Charles Michel de l’Épée (Inventos..., 1842INVENTOS dos Portuguezes. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 18, p. 1, 19 jan. 1842.).
Disponiblidade de dados da pesquisa:
o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.
Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
Referências
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- ANNONCE. Collége National pour les sourds-muets des deux sexes. Courrier du Brésil: Politique - Litterature - Revue des Theatres - Sciences et Arts - Industrie - Commerce, Rio de Janeiro, p. 7, 17 fev. 1856.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Abr 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
25 Abr 2023 -
Aceito
06 Nov 2023