Resumo
Este artigo tem como objetivo minimizar a lacuna de sistematizações daquilo que Bourdieu chamou de “pragmática sociológica”, que pode ser entendida como uma abordagem de análise de práticas discursivas. Para tanto, duas frentes de trabalho são empreendidas visando a construção de quadro analítico conceitual: (i) revisão da literatura especializada em Análise do Discurso (AD), que confirma uma larga difusão de correntes pós-estruturalistas (por exemplo, Foucault e Pêcheux), feita a partir de uma análise bibliométrica de 159 artigos acadêmicos sobre AD na plataforma SciELO, publicados entre 1997 e 2020; (ii) um levantamento de categorias centrais a partir da obra de Bourdieu, considerando como central o livro A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. Como resultado principal, este trabalho esboça um quadro conceitual útil para aqueles interessados em analisar as práticas discursivas segundo essa perspectiva sociológica.
Palavras-chave:
Pierre Bourdieu; Metodologia; Pragmática; Sociolinguística; Análise do discurso
Abstract
This article aims to reduce the existing lack of systematizations of what Bourdieu called “sociological pragmatics” that can be understood as a discourse analysis approach. To that end, two analytical dimensions are developed seeking a construction of a conceptual analytical chart: (i) a review of the specialized literature on Discourse Analysis (DA) that confirms a wide diffusion of poststructuralist approaches (e.g., Foucault and Pêcheux), made from the bibliometric analysis of 159 academic papers on DA, in the SciELO platform published between 1997 and 2020; (ii) a survey of the central categories in Bourdieu’s works, considering the book Language and Symbolic Power as central. As a main result, this work outlines a useful conceptual framework for those interested in analyzing the discursive practices from this sociological point of view.
Keywords:
Pierre Bourdieu; Methodology; Pragmatics; Sociolinguistics; Discourse analysis
INTRODUÇÃO
Desde a década de 1960, diversas correntes da chamada Análise do Discurso (AD) surgem na Europa em espaços relativamente autônomos e nacionais, com destaque para a França, a Inglaterra e a Alemanha (Angermüller, 2007Angermüller, Johannes. (2007). L’Analyse du discours en Europe. In: Bonnafous, Simone & Temmar, Malika. Analyse du discours et sciences humaines et sociales. Paris: Ophrys, p. 9-22.). A tendência francesa foi alimentada por uma contraposição ao estruturalismo de Saussure e sua dicotomia teórica langue-parole, valorizando a análise das regras subjacentes em textos escritos de grande volume (por exemplo, obras inteiras de determinados autores). A tendência britânica se inspirou no pragmatismo americano e na filosofia analítica inglesa cujo principal expoente é Austin, o que levou a uma ênfase no agir linguístico em situações específicas. Já a tendência alemã priorizou, de início, uma teoria do discurso, com abordagens tais como a teoria da ação comunicativa de Habermas e, só depois dos anos 1990, agregou a linha fenomenológica-interpretativa de Berger e Luckmann e de Max Weber (Angermüller, 2007Angermüller, Johannes. (2007). L’Analyse du discours en Europe. In: Bonnafous, Simone & Temmar, Malika. Analyse du discours et sciences humaines et sociales. Paris: Ophrys, p. 9-22.). Além dessas três principais, há uma tendência eslavo-russa que surge com autores que enfatizaram o componente semiótico, dentre os quais, Bakhtin e Lotman são os expoentes.
Seja por temáticas, por afinidades teóricas ou por preferências nacionais, a partir dos anos 1970 começam a se consolidar na Europa quatro clusters, isto é, pontos nodais que organizam os analistas de discursos (Keller, 2007Keller, Reiner. (2007). L’Analyse de discours comme sociologie de la connaissance. Présentation d’un programme de recherche. Langage et Société, 120/2, p. 55-76.): (i) a escola francesa de AD, com destaque para as propostas de Pêcheux, Foucault, Maingueneau, Dubois, Barthes, Bourdieu, Michel de Certeau e Guilhaumou; (ii) a teoria do discurso pós-estruturalista, baseada especialmente em Althusser e Foucault, cujos principais expoentes são Laclau e Mouffe (1987Laclau, Ernesto & Mouffe, Chantal. (1987). Hegemonía y estrategia socialista. Madrid: Siglo XXI.); (iii) a Análise Crítica do Discurso (ACD), que também se baseia na perspectiva foucaultiana, mas tem como destaque Norman Fairclough (2001Fairclough, Norman. (2001). Critical discourse analysis as a method in social scientific research. In: Wodak, Ruth & Meyer, Michael. Methods of critical discourse analysis. Londres: Sage, p. 121-138.) e se apresenta como uma ciência social crítica de caráter reivindicatório, ou seja, direcionada à transformação social; (iv) a análise do discurso interpretativa, que se estrutura em torno da obra do sociólogo alemão Reiner Keller, combinando Foucault com a sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann (Keller, 2007Keller, Reiner. (2007). L’Analyse de discours comme sociologie de la connaissance. Présentation d’un programme de recherche. Langage et Société, 120/2, p. 55-76.).
Outra linha de mapeamento da literatura, diferente da de Angermüller (2007Angermüller, Johannes. (2007). L’Analyse du discours en Europe. In: Bonnafous, Simone & Temmar, Malika. Analyse du discours et sciences humaines et sociales. Paris: Ophrys, p. 9-22.) e de Keller (2007Keller, Reiner. (2007). L’Analyse de discours comme sociologie de la connaissance. Présentation d’un programme de recherche. Langage et Société, 120/2, p. 55-76.), foi adotada por Gill (2012Gill, Rosalind. (2012). Análise de discurso. In: Bauer, Martin & Gaskell, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 10. ed. Vozes: Petrópolis, p. 244-270.). Em um trabalho acerca do estado da arte do campo da análise de discurso, Gill (2012Gill, Rosalind. (2012). Análise de discurso. In: Bauer, Martin & Gaskell, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 10. ed. Vozes: Petrópolis, p. 244-270.) detectou 57 variedades, agrupando-as em tradições teóricas amplas, sendo as três principais: (i) uma linguística crítica, cujo destaque é Norman Fairclough; (ii) uma abordagem que combina a teoria do ato de fala, etnometodologia e a análise da conversação; (iii) o pós-estruturalismo, sendo o seu expoente Michel Foucault. Além disso, Gill (2012Gill, Rosalind. (2012). Análise de discurso. In: Bauer, Martin & Gaskell, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 10. ed. Vozes: Petrópolis, p. 244-270.) aponta quatro temas principais: (i) o discurso em si mesmo; (ii) a linguagem como criadora e como construída socialmente; (iii) o discurso como ação; (iv) a retórica do discurso.
Em seu estudo quanto a história das abordagens para a análise do discurso na Europa, Angermüller (2007Angermüller, Johannes. (2007). L’Analyse du discours en Europe. In: Bonnafous, Simone & Temmar, Malika. Analyse du discours et sciences humaines et sociales. Paris: Ophrys, p. 9-22.) constatou que a escola francesa é a mais influente, sobretudo por meio das obras de Michel Foucault. De certa forma, Keller (2007Keller, Reiner. (2007). L’Analyse de discours comme sociologie de la connaissance. Présentation d’un programme de recherche. Langage et Société, 120/2, p. 55-76.) e Gill (2012Gill, Rosalind. (2012). Análise de discurso. In: Bauer, Martin & Gaskell, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 10. ed. Vozes: Petrópolis, p. 244-270.) concordam com esse diagnóstico. Nesse subespaço acadêmico dominado pelos pós-estruturalistas, a abordagem bourdieusiana é marginal quando se trata de pesquisar sobre os discursos, mesmo entre sociólogos na França (Neveu, 2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.). Assim, investigadores dedicados a problemas de pesquisa que envolvem o terreno das trocas linguísticas, seja como dimensão analítica principal, seja como secundaria; e que partem da disciplina sociológica, carecem de estudos exemplares baseados na abordagem bourdieusiana.
Em um raro trabalho acerca disso, Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) apresentou um panorama da utilização da abordagem de Bourdieu nesse campo de estudos. Seu esforço envolveu um levantamento dos artigos acadêmicos publicados entre 1999 e 2009 em duas importantes revistas dedicadas à análise do discurso de escala internacional (a francófona Mots - Les langages du politique en France e a anglófona Discourse & Society). Os resultados de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) reforçam, principalmente, o caráter periférico da praxeologia bourdieusiana no mundo da AD: (i) 66 artigos, de um total de 550, citam Bourdieu; (ii) destes, apenas dez artigos que o citam (dois na revista Mots e oito na Discourse & Society) utilizam a abordagem bourdieusiana de forma estruturante ou como fundamentação principal, ao passo que os outros 56 não fazem referência a obras de Bourdieu dedicadas à análise das práticas discursivas; (iii) entre os que trabalham com a perspectiva bourdieusiana de análise dos discursos de forma estruturante, a obra mais referenciada do autor é Language and Symbolic Power (Bourdieu, 1991Bourdieu, Pierre. (1991). Language and Symbolic Power. Cambridge: Harvard University Press.).
A pretensão deste artigo é a de minimizar a lacuna de sistematizações sobre aquilo que seria analisar discursos em Bourdieu. De fato, organizar os princípios norteadores e o método de trabalho de Bourdieu no tocante à dimensão linguística não é uma tarefa simples. Em parte, isso se deve à relutância que as sistematizações provocam entre os que se inspiram na sociologia bourdieusiana. O texto de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) é um dos raros acerca do assunto e, nele, o autor constatou que pouquíssimos sociólogos compreendem todas as dimensões de análise dos discursos contempladas pela sociologia de Bourdieu. Podemos conjecturar aqui que isso também se relaciona com o processo de recepção e apropriação das suas obras, inclusive aquelas mais referenciadas. Por exemplo, A distinção: crítica social do julgamento, derivada de uma das principais pesquisas de Bourdieu, tardiamente traduzida para o português (quase trinta anos depois da publicação original), foi raramente lida e entendida como uma obra que apresenta uma teoria dos julgamentos de gostos, uma teoria da ação e uma teoria dos espaços sociais (Pinto, 2013Pinto, Louis. (2013). Du bon usage de la distinction. In: Coulangeon, Philippe & Duval, Julien (org.). Trente Ans après la distinction de Pierre Bourdieu. Paris: Recherche, p. 83-95.).
Chama a atenção uma certa negligência dos sociólogos leitores de Bourdieu em relação à dimensão linguística. Lahire (2018Lahire, Bernard. (2018). L’Interprétation sociologique des rêves. Paris: La Découverte.) também discutiu o assunto e apontou para um grande desinteresse dos sociólogos em considerar, como objetos de pesquisa, as dimensões linguísticas e psicológicas das atividades sociais de um modo mais geral. Para Lahire (2018Lahire, Bernard. (2018). L’Interprétation sociologique des rêves. Paris: La Découverte.), isso se explicaria pelo baixo grau de regularidade desses tipos de práticas, que não deveria ser um obstáculo, mas o ponto de partida analítico. As diferenças flagrantes entre manifestações tais como livros de romance, pronunciamentos públicos, conversas cotidianas e relatos de sonhos dificultam a tarefa de desenvolver uma sociologia das práticas linguísticas (Lahire, 2018Lahire, Bernard. (2018). L’Interprétation sociologique des rêves. Paris: La Découverte.).
Com o objetivo de minimizar esse tipo de lacuna, este artigo, ainda que de forma sucinta, contribui para despertar o interesse dos cientistas sociais para o que aqui podemos nomear como sociologia bourdieusiana das práticas discursivas ou, como ele mesmo nomeou, “pragmática sociológica” (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.: 130). O argumento central que o leitor encontra neste paper é o de que há, em Bourdieu, sobretudo em A economia das trocas linguísticas, uma abordagem sociológica para analisar discursos que não fica aquém de perspectivas pós-estruturalistas, as quais são mais estabelecidas na produção acadêmica. O esforço aqui, então, não é propriamente teórico, mas sim teórico-metodológico, visando facilitar a operacionalização de pesquisas nas ciências sociais.
Nesse sentido, este texto se organiza em quatro momentos: primeiramente, apresenta-se a análise bibliométrica da literatura nacional sobre AD; depois, são explicados, de modo geral, os pressupostos da sociologia bourdieusiana dos discursos; o terceiro momento do texto é dedicado à construção de um quadro analítico conceitual para analisar discursos a partir de Bourdieu; por fim, temos as considerações finais.
UMA ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA DA LITERATURA NACIONAL SOBRE AD
A partir da análise bibliométrica de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.), decidiu-se fazer um levantamento parecido acerca da produção brasileira sobre AD, com um recorte dedicado à plataforma SciELO. O mapeamento se concentrou no registro de citações a Pierre Bourdieu e a autores específicos associados à AD internacionalmente: Michel Foucault, Michel Pêcheux, Dominique Maingueneau, Norman Fairclough e Mikhail Bakhtin. Além desses autores recorrentemente citados, o levantamento também considerou Eni Orlandi, após se constatar a incidência de citações a essa autora que é uma das responsáveis pela disseminação da AD no Brasil. O objetivo do levantamento foi entender, comparativamente, a relevância de Pierre Bourdieu em relação às referências mais utilizadas quando se trabalha com o tema da “análise do discurso” no nosso país.
Foram encontrados 159 artigos publicados entre 1997 (junho) e 2020 (agosto) a partir da busca pelo assunto (“análise do discurso”) na plataforma SciELO (Tabela 1). Os artigos foram publicados em 50 periódicos diferentes, sendo que dois se sobressaem: Linguagem em (Dis)curso (22 artigos) e Ciência & Educação (14 artigos). Juntos, esses dois periódicos representam cerca de um em cada cinco papers dedicados à AD no Brasil. Já no que tange ao ano de publicação, o triênio de 2013-2015 concentra a maior fatia: 27,7%, ou 44 artigos.
A maioria (84%) dos artigos levantados cita ao menos um dos autores em foco - Foucault, Pêcheux, Maingueneau, Bourdieu, Fairclough, Bakhtin e Orlandi - o que confirma a importância dessa lista para quem trabalha sobre o tema da AD. Em termos de combinação de referências em um mesmo trabalho, a associação mais usual ocorre entre Pêcheux e Orlandi: cerca de um em cada cinco papers (20,7%) têm nas referências esses dois autores.
Quanto à frequência de citações especificas a cada um dos autores, o levantamento confirma os achados de Angermüller (2007Angermüller, Johannes. (2007). L’Analyse du discours en Europe. In: Bonnafous, Simone & Temmar, Malika. Analyse du discours et sciences humaines et sociales. Paris: Ophrys, p. 9-22.), Keller (2007Keller, Reiner. (2007). L’Analyse de discours comme sociologie de la connaissance. Présentation d’un programme de recherche. Langage et Société, 120/2, p. 55-76.), Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) e Gill (2012Gill, Rosalind. (2012). Análise de discurso. In: Bauer, Martin & Gaskell, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 10. ed. Vozes: Petrópolis, p. 244-270.) em relação ao predomínio foucaultiano. Foucault é a principal referência quando se trabalha com AD também entre os acadêmicos que produzem no Brasil, já que 40,3% dos artigos citam o autor de A Ordem do Discurso. Em seguida, verifica-se que cerca de um em cada três artigos (32,7%) faz referência a Michel Pêcheux, praticamente a mesma representatividade (32,1%) de citações a Eni Orlandi. Bakhtin é o quarto mais citado, presente em cerca de um em cada cinco artigos (19,5%), resultado um tanto semelhante ao de citações a Maingueneau (18,9%). Bourdieu ocupa um lugar marginal (6,9% ou 11 artigos) na sexta posição, mas supera sutilmente Norman Fairclough (5% ou oito artigos) em número de artigos que lhe fazem referência.
Dos 11 artigos que citam Bourdieu, apenas quatro o fazem de forma a fundamentar uma análise da linguagem ou do discurso (Tabela 2). A maior fatia (sete artigos) cita obras mais gerais, tais como A reprodução e Questões de sociologia, o que confirma o alerta de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.). Chama a atenção o fato de que nenhum dos autores desses quatro artigos está diretamente vinculado às ciências sociais: dois artigos são assinados por acadêmicos da área de Letras e Linguística, um por pesquisadores da Gestão (Administração e Engenharia de Produção) e um por profissionais vinculadas à área da Educação Física. Os artigos foram publicados no período histórico de maior produtividade da AD na plataforma SciELO (entre 2013 e 2015), sendo três deles pertencentes a publicações de revistas de destaque na temática da AD: Linguagem em (Dis)curso, Alfa: Revista de Linguística e Cadernos EBAPE.BR. Os quatro artigos que citam Bourdieu, utilizando sua sociologia como fundamento para compreender e analisar discursos, se apoiam em A economia das trocas linguísticas, o que também se alinha à constatação do estudo de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) junto aos periódicos internacionais. Geralmente, os autores desses artigos utilizam essa obra para destacar o tema da linguagem autorizada, isto é, a questão sobre quem está autorizado a falar.
Essa análise bibliométrica revela uma considerável escassez de estudos que se valem da “análise de discursos” ancorados em Bourdieu e a quase inexistência de trabalhos vinculados com a sociologia. Se agregarmos a esse diagnóstico de escassez o fato de que grande parte das pesquisas sociológicas utilizam como material empírico, de forma mais ou menos central, as falas ou textos dos agentes sociais, é difícil não ficar surpreso em relação a esse diagnóstico, mesmo se ponderarmos que provavelmente a AD se consolidou praticamente como uma subdisciplina linguística com seus próprios cânones teóricos.
Diante do predomínio de Foucault na AD de forma geral, precisamos explicar um pouco sobre sua perspectiva. Foucault apresentou, em sua aula de 1970 (L’ordre du discours), uma proposta com dois grandes pilares no que tange à análise das séries discursivas. O primeiro é a crítica, no sentido de “mostrar como se formaram, para responder a que necessidades, como se modificaram e se deslocaram, que força exerceram efetivamente, em que medida foram contornadas” (Foucault, 1996Foucault, Michel. (1996). A ordem do discurso. 3. ed. São Paulo: Loyola.: 60). O segundo pilar é a genealogia que confere uma certa historicidade às séries discursivas: “qual foi a norma específica de cada uma e quais foram suas condições de aparição, de crescimento, de variação” (Foucault, 1996Foucault, Michel. (1996). A ordem do discurso. 3. ed. São Paulo: Loyola.: 61).
Em Foucault (1996Foucault, Michel. (1996). A ordem do discurso. 3. ed. São Paulo: Loyola.), os discursos são caracterizados por uma vontade de verdade, a exemplo, a medicina e o seu discurso de verdade quanto aos corpos. Uma vez que existem diversos discursos nas sociedades, essa coexistência não é pacífica: os discursos disputam entre si, como, conflitos entre disciplinas, pelo status de mais verdadeiro. Outro aspecto importante da perspectiva foucaultiana é a ênfase na distinção entre o que pode e o que não pode ser dito ou escrito, traduzida nas noções de interdição, controle e separação, sendo o exemplo da oposição razão versus loucura uma das mais emblemáticas.
Talvez a principal diferença entre Foucault e Bourdieu esteja no apreço do último pelas estruturas sociais e pela ideia de que, mais importante do que o dito, é o agente social que enuncia e o mercado linguístico onde as trocas ocorrem. Ao contrário da ênfase foucaultiana (e da maior parte dos linguistas) nos discursos ou atos de fala, importa mais a Bourdieu a dimensão genético-estrutural, notadamente os campos relativamente autônomos, (por exemplo, campo econômico, campo cultural), as propriedades sociais dos enunciadores (isto é, quem fala ou escreve, sua origem social e trajetória de vida) e o contexto de enunciação (ou seja, como e quando o ato linguístico ocorre, enfatizando a dimensão relacional dos fenômenos linguísticos).
Poderíamos nos perguntar, será que a abordagem de Bourdieu fica aquém de suas concorrentes pós-estruturalistas para compreender e explicar os discursos, as práticas discursivas ou as trocas linguísticas?
OS PRESSUPOSTOS DA SOCIOLOGIA BOURDIEUSIANA DOS DISCURSOS
No processo de construção de sua abordagem sociológica, Bourdieu dedicou grande atenção à dimensão linguística, principalmente na virada dos anos 1970 e 1980. De fato, seu interesse pela linguagem já existia na pesquisa de fôlego que culminou com o livro La Distinction: critique sociale du jugement de 1979. A frente de trabalho acerca das trocas linguísticas se tornou mais nítida em palestras ou aulas sobre o marché linguistique, a exemplo de sua conferência na Universidade de Genebra em 1978, que foi posteriormente publicada no livro Questions de Sociologie de 1984.
O auge disso foi, sem dúvida, quando Bourdieu publicou uma obra inteira sobre o assunto: Ce que parler veut dire, de 1982, traduzida para o português apenas em 1996 como A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. Apesar de ter publicado Ce que parler veut dire, o método para analisar sociologicamente as trocas linguísticas permaneceu como um work in progress. Isso foi reconhecido pelo próprio Bourdieu: “para afirmar completamente o método e ao mesmo tempo depurá-lo, seria preciso multiplicar os estudos de caso e extrair assim progressivamente os princípios de uma verdadeira pragmática sociológica” (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.: 130).
Além de um sociólogo que dedicou atenção aos atos linguísticos, Bourdieu foi uma espécie de facilitador da difusão dos trabalhos de linguistas e filósofos da linguagem (Neveu, 2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.). Nesse sentido, convém destacar: (i) os diversos ataques que Bourdieu fez em sua carreira ao estruturalismo de Saussure - exemplo principal do que chamou de objetivismo - e sua propensão a apontar o poder das palavras nelas próprias; (ii) críticas à teoria dos atos de fala de Austin e a seus seguidores, perspectiva que mancaria de uma análise das instituições - “somente um soldado impossível (ou um linguista ‘puro’) pode conceber como possível dar uma ordem a seu capitão” (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.: 62); (iii) Wittgenstein, quem lhe serviu como inspiração ao propor que o uso das palavras ocorre tal como o uso de ferramentas nos jogos de linguagem (Wittgenstein, 1999Wittgenstein, Ludwig. (1999). Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.), contribuindo assim para que Bourdieu enxergasse os discursos como práticas sociais.
É válido destacar o diálogo de Bourdieu com Noam Chomsky. Um leitor que esteja habituado com a linguística de Chomsky pode identificar alguma semelhança entre o habitus linguístico de Bourdieu e a competência linguística chomskyana. Contudo, as diferenças são basilares e permitem entender essas perspectivas como divergentes: o habitus linguístico, uma disposição social estruturante e estruturada, é resultante das condições sociais de produção, sendo ainda contingente a um mercado linguístico e a uma situação específica (Bourdieu, 2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.). Em Chomsky (1997Chomsky, Noam. (1997). A linguística como uma ciência natural. Mana, 3/2, p. 183-198.), a noção de competência linguística é muito mais cognitiva (ligada ao que se sabe), ao passo que a performance linguística seria o comportamento (o que se faz com base no que se sabe). Há uma certa separação entre o cognitivo e o comportamental. Por outro lado, podemos assumir aqui que o habitus linguístico, tal como propõe Bourdieu (2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.), congrega tanto a competência como a performance chomskyanas, além de corpo e fala, estruturas mentais e estruturas sociais, objetividade e subjetividade.
Bourdieu também se inspirou - quando analisou as práticas linguísticas - em Pascal, Nietzsche e Marx. Em uma passagem de A economia das trocas linguísticas, ele afirma que “a ciência do discurso enquanto pragmática sociológica está situada numa posição hoje desocupada, a despeito de seus eminentes precursores, entre eles Pascal das Provinciais, o Nietzsche do Anticristo ou o Marx da Ideologia alemã” (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.: 129). O que ele assimila desses “precursores” é o empenho de investigação sobre as propriedades formais dos discursos e o impacto das condições sociais de produção e de circulação de falas e textos1 1 O trabalho acerca da circulação internacional de ideias (Bourdieu, 2002) é ilustrativo disso e abriu caminho para diversas pesquisas de seus seguidores, por exemplo Gisèle Sapiro, Pascale Casanova e Yves Dezalay. (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.).
Outras influências marcantes da sociologia bourdieusiana dos discursos são Durkheim e Mauss, Weber e Freud. A dimensão linguística em sua sociologia é muito importante na medida em que lembremos de uma tese de Durkheim e Mauss (2000Durkheim, Émile & Mauss, Marcel. (2000). Algumas formas primitivas de classificação. In: Rodrigues, José Albertino (org.). Émile Durkheim. 9. ed. São Paulo: Ática.), a qual teve ampla repercussão na abordagem de Bourdieu: as palavras constroem o social ao elaborar as classificações das pessoas e das coisas. Já a obra de Weber serviu a Bourdieu, em suas análises das trocas linguísticas, sobretudo com o conceito de legitimidade, por meio do qual ele pôde destacar as noções de língua, linguagem, enunciado e enunciador legítimos. Por fim, Freud lhe serviu para tratar das ambivalências mais fundamentais por intermédio da ideia de denegação2 2 Bourdieu (1996a) é explícito sobre sua inspiração em Freud a respeito do tema da denegação: “A formulação faz com que seja ao mesmo tempo justo e injustificado reduzir a denegação ao que ela denega, ao fantasma social que está em sua raiz. Pelo fato de que esta ‘Aufhebung do recalque’, como diz Freud, valendo-se de uma expressão hegeliana, nega e preserva tanto o recalque como também aquilo que é recalcado, ela acaba permitindo acumular todos os lucros, o lucro de dizer e o de desmentir o que é dito pela maneira de dizê-lo.” (Bourdieu, 1996a: 138) (verneinung) e do impasse entre o interesse expressivo de um agente e a censura imposta por um dado mercado linguístico: o resultado disso em Bourdieu (1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp., 2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.) é a eufemização dos discursos, numa linha de argumentação derivada da noção freudiana de “formação de compromisso”3 3 Essa categoria foi usada por Freud para se referir ao impasse provocado, em sonhos e em sintomas, pelos desejos inconscientes e pela censura moral da consciência: o resultado, em Freud, é a produção de símbolos, de conteúdos eufemizados, capazes de circular entre a inconsciência e a consciência de um indivíduo (Laplanche & Pontalis, 2016). .
Inspirado pelos debates e leituras desses autores, Bourdieu assume o pressuposto da indissociabilidade entre falar e fazer. As trocas linguísticas entram, assim, no terreno das práticas sociais, se situando, em termos conceituais, entre os agentes e as estruturas, não sendo então passíveis de serem compreendidas pelo exame restrito microssociológico (uma ação comunicativa) ou meramente comportamental (o indivíduo que discursa). Em Bourdieu, falar ou escrever nunca são atos totalmente conscientes ou resultantes de “escolha racional” de significantes: os atos linguísticos sempre envolvem um senso prático, que escapa consideravelmente das vontades conscientes dos indivíduos, guiados pelas disposições sociais (habitus). Tratar o discurso como prática social implica em retirá-lo do seu lugar no senso comum como um ato individual para reinscrevê-lo como algo fronteiriço entre o subjetivo e o objetivo, entre as pulsões mais intimas e as estruturas sociais mais amplas.
Para resumirmos a sociologia bourdieusiana, já que não seria possível uma maior profundidade em relação a isso neste texto, é útil recorrer à breve sistematização que Wacquant (2008Wacquant, Löic. (2008). Pierre Bourdieu. In: Stones, Rob (ed.). Key sociological thinkers. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, p. 261-277.) oferece. A partir de tal proposta, é possível estabelecer quatro aspectos centrais que falam acerca da ontologia, a epistemologia e a metodologia da abordagem sociológica bourdieusiana. Em primeiro lugar, há, em Bourdieu, uma concepção monista (antidualista) sobre as dinâmicas entre ação e estrutura social, entre a subjetividade e a objetividade. Em segundo lugar, tem-se uma posição de síntese disciplinar (combinação entre sociologia, antropologia, filosofia, história e linguística), metodológica (estudos marcados por diferentes métodos e técnicas, como em A distinção) e teórica (integração de construtos de Marx, Weber, Durkheim, Mauss e Elias). Em terceiro lugar, Bourdieu assume uma visão agonista de sociedade (as competições e as disputas estão sempre presentes nos diversos espaços sociais). Por fim, sua teoria apresenta uma antropologia filosófica que não está centrada na noção de autointeresse, mas sim na de reconhecimento (inspirada em Pascal para quem a motivação humana mais fundamental é a sede por dignidade) (Wacquant, 2008Wacquant, Löic. (2008). Pierre Bourdieu. In: Stones, Rob (ed.). Key sociological thinkers. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, p. 261-277.).
Também se baseando em Wacquant (2008Wacquant, Löic. (2008). Pierre Bourdieu. In: Stones, Rob (ed.). Key sociological thinkers. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, p. 261-277.), quatro categorias analíticas são centrais em Bourdieu: (i) habitus; (ii) capital; (iii) campo; (iv) doxa. O habitus pode ser entendido como o sistema de disposições transponíveis e duráveis que se organizam como esquemas semiconscientes e guiam nossas formas de julgar, perceber e agir no mundo. As disposições são adquiridas ao longo do itinerário de vida dos agentes. Os itinerários são caracterizados pelas posições ocupadas e pela acumulação de diferentes tipos de capital, sendo os principais o econômico, o cultural, o social e o simbólico. A disputa por posições e tipos de capital estruturam os campos, que são microcosmos mais ou menos autônomos, mais ou menos capazes de coagir os agentes participantes a atuar de acordo com as práticas mais legítimas. Isso ocorre principalmente porque cada campo tende a produzir a sua doxa, isto é, o conjunto de crenças compartilhadas e tidas como inquestionáveis, defendidas pelos ortodoxos e questionadas pelos heterodoxos (Wacquant, 2008Wacquant, Löic. (2008). Pierre Bourdieu. In: Stones, Rob (ed.). Key sociological thinkers. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, p. 261-277.).
Poderíamos explicar que o esquema teórico-metodológico de Bourdieu aplicado às práticas discursivas segue com as quatro categorias analíticas principais salientadas por Wacquant (2008Wacquant, Löic. (2008). Pierre Bourdieu. In: Stones, Rob (ed.). Key sociological thinkers. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, p. 261-277.), mas de forma adaptada. Assim, o habitus é trabalhado em sua variação como habitus linguístico, o que também ocorre com o capital, que é analisado como capital linguístico. Já campo e doxa passam por adaptações maiores: a noção de campo aparece nessas obras sobre os atos linguísticos, mas ganha força a ideia de mercado linguístico, que se estrutura tal como um campo, embora menos autônomo, apresentando certas condições sociogenéticas de produção, circulação e recepção de discursos; similarmente, a ideia de doxa também é presente nesses textos, mas com um destaque maior em relação aos constrangimentos sociais que os mercados linguísticos provocam, abrindo espaço para as noções de censura, sanções e regras linguísticas. Vamos esmiuçar e operacionalizar esse esquema teórico-metodológico na seção seguinte.
UMA PROPOSTA DE QUADRO CONCEITUAL PARA AD INSPIRADO EM BOURDIEU
Uma vez entendidos os pressupostos, podemos desenvolver um quadro de análise conceitual inspirado na sociologia bourdieusiana dos discursos. Este trabalho envolve a definição de categorias analíticas centrais e como elas se relacionam formando um quadro teórico-metodológico útil a pesquisadores interessados em compreender e explicar os discursos do ponto de vista sociológico. O sentido desta seção está direcionado aos que pretendem desenvolver estudos sociológicos empíricos e, em menor medida, àqueles que se detêm apenas à dimensão conceitual ou de teoria sociológica.
De certa forma, Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) trabalhou nessa direção, ainda que seu objetivo maior tenha sido o de apontar a lacuna de estudos sociológicos voltados à linguagem inspirados em Bourdieu. Na avaliação de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.), a abordagem bourdieusiana dos discursos é tridimensional: (i) análise do espaço de produção; (ii) consideração dos conteúdos e formas das mensagens; (iii) investigação dos modos de difusão e de recepção. Embora aponte esse esquema como o modelo teórico-metodológico geral, Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.) acredita que poucos são os sociólogos que contemplam as três dimensões em suas análises, sendo a mais negligenciada justamente a relativa ao conteúdo e à forma das mensagens.
Podemos nos inspirar na compreensão tridimensional de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.), mas com modificações. Falta-lhe uma consideração maior sobre o lugar do agente que enuncia (o enunciador). Em Bourdieu, o poder das palavras não está tanto nelas próprias (como em Austin) ou em discursos que possuem força capaz de atravessar os corpos (como em Foucault), mas sobretudo nas propriedades sociais que os enunciadores dispõem. Um retorno aos principais escritos de Bourdieu pode iluminar esse caminho de análise.
A partir da leitura de A economia das trocas linguísticas (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.), ainda que exista uma clara valorização do componente relacional, pode-se observar um esquema geral analítico que, em geral, procede das estruturas para as práticas. É por isso que o quadro de análise, proposto neste paper, parte da dimensão contextual, privilegiando as estruturas sociais; e culmina nos enunciados. As análises de Bourdieu ocorrem nesse sentido porque, geralmente, há uma necessidade de situar os atos de fala e de escrita em relações sociais e contextos mais amplos. A premissa básica é a seguinte: antes de examinarmos qualquer ato de fala específico, é preciso saber sobre o espaço social em que ocorrem as trocas linguísticas e os lugares específicos (posições sociais) dos agentes que enunciam. Podemos incluir na dimensão do contexto seis categorias analíticas: (i) campo; (ii) doxa; (iii) mercado linguístico; (iv) censura; (v) linguagem legítima; (vi) situação de enunciação (Figura 1).
Na tarefa de analisar os atos linguísticos, o sociólogo constrói, heuristicamente, o campo nos quais eles ocorrem e sua doxa correspondente. Isso implica na consideração de uma dimensão que está sempre presente nas análises bourdieusianas, ainda que de forma latente ou implícita: a história ou o tempo. Afinal, sua abordagem sociológica pode ser rotulada como um “estruturalismo genético” (Bourdieu, 2004Bourdieu, Pierre. (2004). Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense.: 26). Por exemplo, discursos proferidos por agentes participantes do campo econômico dos anos 1920 podem ser extremamente diferentes daqueles de agentes do campo econômico nos anos 2000. Nesse caso específico, as representações coletivas que caracterizam os sensos comuns dos dois períodos históricos do campo econômico tendem a ser consideravelmente distintas, além de que a própria linha do tempo comporta elementos tais como transições, tensões, mudanças e estabilizações relevantes a qualquer pesquisa4 4 Em relação às transformações na mentalidade coletiva do campo econômico ao longo do século XX, o trabalho de Boltanski e Chiapello (2009) é exemplar, ainda que tensione com a perspectiva de Bourdieu. .
Quando falamos em investigar as trocas linguísticas, traçar uma história do campo analisado é crucial para entender não apenas como certas estruturas sociais foram construídas, mas principalmente as condições de produção e de recepção dos discursos. Essas condições gerais, que estruturam um subcampo formado pelos produtores de discursos e, de outro, um subcampo composto pelos consumidores, desdobram um mercado linguístico, como uma propriedade social emergente. Este ocorre sempre que há agentes que produzem discursos e agentes receptores ou consumidores aptos a avaliá-los, conferindo-lhe preços) (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.). Um exemplo dado por Bourdieu (1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.) é o do campo filosófico, que apenas existe na medida em que filósofos produtores de textos e falas encontram consumidores aptos a conferir valores, isto é, preços aos seus discursos. Os enunciados são também signos de riqueza e de autoridade, possuindo diversos valores simbólicos (isto é, preços) nos mercados linguísticos.
A dinâmica é marcada por relações de poder, que estruturam o mercado linguístico tal como um campo de forças, porque “[…] nem todos os produtores de produtos linguísticos, de palavras, são iguais” (Bourdieu, 2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.: 132). A troca linguística é, assim, bastante semelhante à troca econômica: ocorre a partir de uma relação de força simbólica entre produtores e consumidores, envolvendo ainda disputas no subcampo da produção e no subcampo da recepção. Seguindo no exemplo do campo da filosofia, as enunciações escritas de Heidegger possuem um valor consideravelmente maior do que as de um filósofo em início de carreira.
Para que haja consumo de um discurso, é preciso que ele seja não apenas compreendido, mas também reconhecido e decodificado como um discurso de valor. Continuando no exemplo do mercado linguístico das produções filosóficas, o que seria dos filósofos sem os cursos de filosofia? Na perspectiva bourdieusiana, o preço ou o valor de um discurso pode ser inferido da relação de forças dos agentes que participam das trocas linguísticas e dos critérios de apreciação estabelecidos pelos agentes dominantes: é por isso que, no campo literário, os grandes editores e críticos de literatura possuem grande relevância analítica. Assim, entendemos o valor que a sociologia de Bourdieu confere ao mapeamento das mais diversas elites, grupos dominantes capazes de impor suas visões particulares como visões universais.
As relações de força também condicionam as lógicas específicas: aquelas coisas que são possíveis de serem ditas e as que são censuradas (Bourdieu, 2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.). O constrangimento imposto pelo mercado linguístico implica em regras, em sanções, em uma palavra: censura. Esse constrangimento trazido pela censura repercute na dificuldade de falar de modo espontâneo, culminando no que Bourdieu (1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.) chamou de eufemização dos discursos ou, de modo mais extremo, contribuindo para o silêncio, o não dito. As falas tendem a ser mais eufemizadas conforme aumenta o caráter oficial ou ritual da situação de enunciação.
As características situacionais também entram no radar da análise. Afinal, quais são as características da situação nas quais um determinado ato de fala ou de escrita ocorre e como isso repercutirá no ato analisado? Quanto mais oficial é a situação na qual um discurso ocorre, maior a exigência de capital linguístico, de uma linguagem legitima, porque as sanções e censuras são ainda mais constrangedoras. Proporcionalmente, também maiores as chances de lucro simbólico ao enunciador legitimo. Além do tipo de situação, por exemplo, cerimônias oficiais, conversas cotidianas, ritos institucionais; é importante, dessa forma, ao sociólogo analisar a influência de elementos do espaço físico, tais como as tribunas, os púlpitos, os palcos, os microfones, as câmeras, uma vez que tais objetos ou cenários denotam a necessidade de legitimidade do locutor e estruturam as interações entre os participantes dos mercados linguísticos (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.).
Quando analisamos as situações, importam “não só as palavras gramaticalmente corretas, mas também as palavras socialmente aceitas” (Bourdieu, 2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.: 129). Isso remete à noção de linguagem autorizada (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.), o que é incontornável principalmente quando analisamos situações oficiais, por exemplo, os pronunciamentos de um governante em solenidades. Sobre isso, a legitimidade linguística, ou seja, estar autorizado para falar em situações oficiais resulta de uma equação complexa que contempla todos os tipos de capital (cultural, linguístico, econômico, simbólico, social) e que possuem valor em um dado mercado linguístico.
Nesse ponto, é interessante fazermos uma ressalva da ordem de operacionalização de pesquisas: a própria entrevista, se utilizada pelo pesquisador, deve ser considerada como uma situação de enunciação. É pertinente atentar para o “efeito das características próprias da situação de inquérito” (Bourdieu, 2003Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.: 135). A situação de entrevista repercute na qualidade do material discursivo coletado, distinguindo-se do caso de falas e textos do mesmo agente obtidos a partir de observações ou registros de interações nativas do entrevistado com seus pares. Ademais, dois sociólogos que contem com disposições sociais divergentes tendem a obter respostas mais ou menos distintas quando entrevistam um mesmo indivíduo, o que tem a ver com uma maior ou menor afinidade eletiva entre pesquisador e entrevistado e com as peculiaridades de cada situação.
A próxima dimensão do quadro conceitual desloca a perspectiva do âmbito contextual para o dos agentes. Trata-se de mapear as propriedades sociais dos enunciadores, os quais estabelecem as trocas linguísticas. Aqui, entram em pauta outras seis categorias relevantes: (i) origens sociais; (ii) habitus; (iii) trajetórias de vida; (iv) tipos de capital; (v) posições atuais; (vi) interesses expressivos (Figura 2). Estas seis podem ser entendidas como categorias analíticas relativamente transversais ao conjunto da obra de Bourdieu. Para fins de uma melhor ilustração é possível destacar algumas obras que as mobilizam de forma evidente: A distinção: crítica social do julgamento (Bourdieu, 2008Bourdieu, Pierre. (2008). A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk.), Meditações pascalianas (Bourdieu, 2001Bourdieu, Pierre. (2001). Meditações Pascalianas. Rio de janeiro: Bertrand Brasil.), As regras da arte (Bourdieu, 1996bBourdieu, Pierre. (1996b). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras.), A ontologia política de Martin Heidegger (Bourdieu, 1989Bourdieu, Pierre. (1989). A ontologia política de Martin Heidegger. Campinas: Papirus.) e Le patronat (Bourdieu e Saint-Martin, 1978Bourdieu, Pierre & Saint-Martin, Monique de. (1978). Le Patronat. Actes de la Recherche en Science Sociales, 20/21, p. 3-82.).
Os quatro primeiros fatores (origem social, habitus, trajetórias de vida e tipos de capital) dizem respeito ao passado incorporado dos agentes, especialmente o habitus. Nessa frente de pesquisa, cabe estudar: (i) os pontos de partida (profissão dos pais, montantes de capital econômico e cultural herdados); (ii) as disposições sociais, tanto primárias (adquiridas especialmente via ambiente familiar) quanto secundárias (resultantes de uma transmutação do habitus primário operada sobretudo pelos sistemas de ensino); (iii) as trajetórias de vida (itinerários escolar, religioso, acadêmico, profissional, político); (iv) os tipos de capital acumulados (cultural, econômico, simbólico, linguístico). A investigação do passado incorporado dos agentes possibilita ao sociólogo uma compreensão sociogenética que contextualiza historicamente as práticas discursivas. Ademais, esse procedimento garante robustez analítica para explicar até mesmo o nível do agente e suas peculiaridades, que numa primeira impressão pode ser considerado como um aspecto puramente subjetivo.
Entender o passado incorporado dos agentes pesquisados é um requisito para explicar as posições sociais dos agentes quando as práticas discursivas são investigadas. Considerando a especificidade das trocas linguísticas, além da posição social atual, é útil o trabalho acerca do interesse expressivo dos agentes (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.). Essa categoria convida o sociólogo a um olhar mais próximo da situação de enunciação analisada, do ponto de vista relacional. Trata-se aqui de situar o lugar de fala atual do enunciador, que mantém relações simbióticas com o que pretende dizer (interesse expressivo) e a quem direciona suas enunciações.
O interesse expressivo, contudo, pode ser apreendido apenas parcialmente: ao passar pelo crivo da censura do mercado linguístico, ganha um caráter eufemizado no ato linguístico, o que garante a sua possibilidade prática. Por exemplo, os interesses expressivos de funcionários de uma indústria, quando se materializam em conversas junto a seus empregadores, resultam, geralmente, em falas eufemizadas, dado o caráter assimétrico de tal espaço social e da relação de dominação aí apresentada. Observa-se ainda que a compreensão sobre o interesse expressivo, do ponto de vista praxeológico, depende mais da avaliação da posição atual e da disposição social (habitus) do que do conteúdo da mensagem. Ainda, vale destacar, é no presente, no momento das trocas linguísticas, que o passado incorporado se atualiza, o que significa que, em Bourdieu, passado e presente são indissociáveis.
Sabendo o contexto e as propriedades sociais dos agentes pesquisados, é possível partir para a última dimensão da análise, as próprias práticas discursivas. Seis categorias centrais (Figura 3) podem ser apontadas aqui: (i) propriedades não linguísticas; (ii) estilo linguístico; (iii) valor ou preço do discurso; (iv) grau de performatividade; (v) nível de eufemização; (vi) enunciados ou argumentos (conteúdo das mensagens). As propriedades não linguísticas constituem o primeiro objeto de análise dessa dimensão, que podem ser investigados, segundo a perspectiva bourdieusiana, a partir de indicadores tais como a postura corporal, os gestos e, até mesmo, o vestuário. Em seguida, pode-se prestar atenção aos estilos linguísticos diferentes, como maneiras de falar, sotaques, anglicismos. Cada estilo, por sua vez, possui um valor diferente nos mercados linguísticos, adquirindo um preço que emerge como resultado das relações objetivas entre produtores e consumidores de discursos.
Propriedades não linguísticas que acompanham as falas e textos, estilos específicos, com valores distintos, denotam que as várias formas de falar possuem eficácias simbólicas desiguais, correspondendo à assimetria de poder própria à compreensão dos espaços sociais em Bourdieu. A eficácia simbólica de um discurso mostra como a linguagem se torna um instrumento de poder, na medida em que o agente que fala ou escreve não almeja apenas ser compreendido, mas também obedecido, acreditado e reconhecido (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.). Dessa forma, o sociólogo pode avaliar o grau de performatividade dos enunciados, que dependerá diretamente das propriedades sociais do enunciador, principalmente do seu montante de capital simbólico, que lhe garante a legitimidade para enunciar. Ainda, uma fala ou texto pode ser mais ou menos eufemizada, o que esconde estruturalmente o interesse expressivo do enunciador: o grau de eufemização do discurso dependerá da legitimidade do enunciador e da censura imposta pelo mercado linguístico.
Só depois de todo esse esforço, os enunciados ou conteúdos das mensagens podem ser reorganizados analiticamente pelo pesquisador como argumentos ou máximas e explicados como uma espécie de ponta do iceberg das práticas linguísticas. Nota-se, então, que o sentido analítico da praxeologia bourdieusiana segue numa direção oposta àquela geralmente trabalhada por linguistas. Além disso, possui ênfases de análise que tendem a ser negligenciadas pelas abordagens pós-estruturalistas (Foucault, Pêcheux, Maingueneau).
O quadro de análise conceitual aqui proposto (Figura 4) é um esboço, um work in progress. Assim como a proposta de Neveu (2010Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.), ele é tridimensional, mas destaca as seguintes dimensões analíticas: o contexto, os agentes e os discursos. A dimensão contextual opera no sentido mais estrutural - o campo e seu conjunto de crenças compartilhadas (a doxa) - para a categoria mais episódica (situação de enunciação) e suas regras fundamentais (a linguagem legítima). Por sua vez, a dimensão dos agentes comporta desde a categoria mais carregada do tempo passado - as origens sociais - até a categoria mais próxima do tempo presente ou do momento da enunciação, que é o interesse expressivo. Por fim, a dimensão discursiva se desenvolve dos aspectos mais formais - propriedades não linguísticas, estilos e valores dos discursos - até os conteúdos das mensagens, ou seja, os enunciados propriamente ditos. O eixo nodal entre as três dimensões é precisamente a encruzilhada formada entre uma situação de enunciação (dimensão de contexto), os interesses expressivos (dimensão dos agentes) e os enunciados proferidos (dimensão discursiva).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho pode trazer uma contribuição aos que se debruçam quanto às questões das trocas linguísticas. Foi mostrada aqui a fertilidade e a pertinência da abordagem praxeológica bourdieusiana para entender os atos de fala e escrita. Vimos, a partir de uma análise bibliométrica realizada na principal plataforma de periódicos acadêmicos do Brasil, como a área da AD não é povoada por sociólogos que partem dos aportes de Bourdieu. Isso contrasta com a saliência evidente de estudos que se fundamentam nessa abordagem na produção sociológica nacional, os quais dificilmente negligenciam uma problematização sobre os usos sociais das palavras.
Este artigo defendeu uma tese específica: há, em Bourdieu, uma sociologia dos discursos, que pode servir a todos os interessados em pesquisar as trocas linguísticas das mais diversas disciplinas ou áreas do conhecimento. Por outro lado, se essa abordagem não está sistematizada em Bourdieu (talvez um autor avesso a sistematizações), tampouco ele próprio a julgou como acabada ou pronta; foi oferecido aqui um quadro conceitual. Este serve tanto a operacionalizações de desenhos de pesquisa como a formas de análise, os quais são elementos relevantes tanto a pesquisadores iniciantes quanto aos mais veteranos.
Sem dúvida, tal empenho de sistematização, de raciocínio fundamentalmente analítico, pode incorrer em reduções ou vieses que tornam o trabalho pouco fiel à abordagem trabalhada, dada a complexidade e vastidão da sociologia bourdieusiana. Inevitavelmente, existem pontos cegos não contemplados pelo autor deste trabalho, que também são explicáveis pelo caráter breve de um paper. Trabalhos futuros poderão, por exemplo, aprofundar-se ainda mais na interrelação entre as categorias bourdieusianas aqui destacadas (por exemplo, capital, campo, mercado) e seu potencial heurístico para compreender e explicar discursos. Contudo, argumenta-se que a proposta de um work in progress é a de que essa sistematização abra terreno para outras possibilidades que se inspirem, testem e critiquem o quadro conceitual apresentado, aumentando assim a robustez de uma proposta de pragmática sociológica.
REFERÊNCIAS
- Angermüller, Johannes. (2007). L’Analyse du discours en Europe. In: Bonnafous, Simone & Temmar, Malika. Analyse du discours et sciences humaines et sociales. Paris: Ophrys, p. 9-22.
- Boltanski, Luc & Chiapello, Ève. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes.
- Bourdieu, Pierre. (1989). A ontologia política de Martin Heidegger. Campinas: Papirus.
- Bourdieu, Pierre. (1991). Language and Symbolic Power. Cambridge: Harvard University Press.
- Bourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.
- Bourdieu, Pierre. (1996b). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras.
- Bourdieu, Pierre. (2001). Meditações Pascalianas. Rio de janeiro: Bertrand Brasil.
- Bourdieu, Pierre. (2002). Les Conditions sociales de la circulation internationale des idées. Actes de la recherche en sciences sociales, 145, p. 3-8.
- Bourdieu, Pierre. (2003). Questões de sociologia. Lisboa: Fim de século.
- Bourdieu, Pierre. (2004). Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense.
- Bourdieu, Pierre. (2008). A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk.
- Bourdieu, Pierre & Saint-Martin, Monique de. (1978). Le Patronat. Actes de la Recherche en Science Sociales, 20/21, p. 3-82.
- Chomsky, Noam. (1997). A linguística como uma ciência natural. Mana, 3/2, p. 183-198.
- Durkheim, Émile & Mauss, Marcel. (2000). Algumas formas primitivas de classificação. In: Rodrigues, José Albertino (org.). Émile Durkheim. 9. ed. São Paulo: Ática.
- Fairclough, Norman. (2001). Critical discourse analysis as a method in social scientific research. In: Wodak, Ruth & Meyer, Michael. Methods of critical discourse analysis. Londres: Sage, p. 121-138.
- Foucault, Michel. (1996). A ordem do discurso. 3. ed. São Paulo: Loyola.
- Gill, Rosalind. (2012). Análise de discurso. In: Bauer, Martin & Gaskell, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 10. ed. Vozes: Petrópolis, p. 244-270.
- Keller, Reiner. (2007). L’Analyse de discours comme sociologie de la connaissance. Présentation d’un programme de recherche. Langage et Société, 120/2, p. 55-76.
- Laclau, Ernesto & Mouffe, Chantal. (1987). Hegemonía y estrategia socialista. Madrid: Siglo XXI.
- Lahire, Bernard. (2018). L’Interprétation sociologique des rêves. Paris: La Découverte.
- Laplanche, Jean & Pontalis, Jean-Bertrand Lefebvre. (2016). Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes.
- Neveu, Erik. (2010). L’Apport de Pierre Bourdieu à l’analyse du discours: d’un cadre théorique à des recherches empiriques. Mots - Les langages du politique, 94, p. 191-198.
- Pinto, Louis. (2013). Du bon usage de la distinction. In: Coulangeon, Philippe & Duval, Julien (org.). Trente Ans après la distinction de Pierre Bourdieu. Paris: Recherche, p. 83-95.
- Wacquant, Löic. (2008). Pierre Bourdieu. In: Stones, Rob (ed.). Key sociological thinkers. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, p. 261-277.
- Wittgenstein, Ludwig. (1999). Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.
-
1
O trabalho acerca da circulação internacional de ideias (Bourdieu, 2002Bourdieu, Pierre. (2002). Les Conditions sociales de la circulation internationale des idées. Actes de la recherche en sciences sociales, 145, p. 3-8.) é ilustrativo disso e abriu caminho para diversas pesquisas de seus seguidores, por exemplo Gisèle Sapiro, Pascale Casanova e Yves Dezalay.
-
2
Bourdieu (1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.) é explícito sobre sua inspiração em Freud a respeito do tema da denegação: “A formulação faz com que seja ao mesmo tempo justo e injustificado reduzir a denegação ao que ela denega, ao fantasma social que está em sua raiz. Pelo fato de que esta ‘Aufhebung do recalque’, como diz Freud, valendo-se de uma expressão hegeliana, nega e preserva tanto o recalque como também aquilo que é recalcado, ela acaba permitindo acumular todos os lucros, o lucro de dizer e o de desmentir o que é dito pela maneira de dizê-lo.” (Bourdieu, 1996aBourdieu, Pierre. (1996a). A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp.: 138)
-
3
Essa categoria foi usada por Freud para se referir ao impasse provocado, em sonhos e em sintomas, pelos desejos inconscientes e pela censura moral da consciência: o resultado, em Freud, é a produção de símbolos, de conteúdos eufemizados, capazes de circular entre a inconsciência e a consciência de um indivíduo (Laplanche & Pontalis, 2016Laplanche, Jean & Pontalis, Jean-Bertrand Lefebvre. (2016). Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes.).
-
4
Em relação às transformações na mentalidade coletiva do campo econômico ao longo do século XX, o trabalho de Boltanski e Chiapello (2009Boltanski, Luc & Chiapello, Ève. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes.) é exemplar, ainda que tensione com a perspectiva de Bourdieu.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
01 Set 2020 -
Revisado
28 Fev 2022 -
Aceito
11 Abr 2022