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Conflitos socioambientais da mineração: entre os corpos-territórios das mulheres e as disputas no campo do/no Direito

Resumo

O artigo analisa as violações de direitos e os movimentos de resistência das mulheres atingidas pela mineração. A revisão bibliográfica relaciona os extrativismos do modelo de desenvolvimento hegemônico e seus arranjos político-jurídicos com as formas de apropriação do espaço pelas grandes corporações. Seu objetivo geral é o de demonstrar que, as violações de direitos se materializam no corpo-território e são cotidianamente enfrentadas pelas mulheres. Uma das estratégias de resistência são as arpilleras, telas por meio das quais as mulheres expõem seus valores, os da comunidade e abordam os problemas que enfrentam. Entre costuras e bordados, entendemos que as mulheres disputam não só o lugar de produção normativa, mas a garantia de participação ativa nos espaços de tomada de decisão. Suas ações revelam outras epistemes, conectando a arte e a memória produzidas nos territórios com a busca por respostas político-institucionais efetivas às violações sofridas e por justiça socioambiental.

Palavras-chave:
Arpilleras; Mulheres; Mineração; Violações de Direitos; Justiça Socioambiental

Abstract

This article investigates the rights violations and resistance movements of women affected by mining. A literature review relates the extractivisms of the hegemonic development model and its political and legal arrangements with the forms by which large companies appropriate space. The general objective is to demonstrate that rights violations materialize in the body-territory and are faced by women on a daily basis. One of their resistance strategies is the arpilleras, which are embroidered canvases through which women expose their values, and those of the community, and address the problems they face. Between stitches and embroidering, it is our understanding that the women are not only fighting over the place of normative production but also to guarantee their active participation in decision-making spaces. Their actions reveal other epistemes, connecting art and memory produced in the territories in their search for effective political-institutional responses to the violations suffered and to obtain socio-environmental justice.

Keywords:
Arpilleras; Women; Mining; Rights Violations; Socio-Environmental Justice

Introdução

Partimos de uma concepção de direito enquanto campo, e que, portanto, está inserido nas relações sociais que compõem a sociedade, submetido às disputas de poder dentro dela (Bourdieu, 1989BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução de: Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989.). Tal visão nos permite compreender o fenômeno do direito em sua especificidade concreta e não apenas como o produto de um trabalho legislativo e da aplicação normativa. Nos interessa ressaltar esta perspectiva porque nos permite compreender o papel que o direito (e as disputas no campo do direito) tem na constituição das formas autoritárias do Estado e das corporações minerárias nos territórios.

Nesta linha de raciocínio é que entenderemos como as violações de direitos produzidas afetam corpos e territórios das mulheres atingidas pela mineração.

A mineração na América Latina, se integra ao contexto dos extrativismos produzidos pelo modelo dominante de desenvolvimento. Utilizamos as perspectivas da de(s)colonialidade e da ecologia política latino-americana para esse olhar para o território, no sentido de entendê-lo como categoria da prática (Haesbaert, 2021HAESBAERT, R. Território e descolonialidade: sobre o giro (multi)territorial/de(s)colonial na América Latina. Buenos Aires, Niterói: Clacso; Programa de Pós-Graduação em Geografia; Universidade Federal Fluminense, 2021.) e, assim, destacar não apenas as violações, como também as resistências produzidas ao longo dos conflitos socioambientais.

As mulheres, pela reprodução social, se encontram na linha de frente da construção de resistências. O impacto que a mineração exerce sobre os territórios, desfazendo laços comunitários, expropriando terras, águas e fontes de produção de renda das famílias afeta sobremaneira as suas vidas. Em situações dramáticas, como os rompimentos de barragem, as atividades de busca por água, alimento, cuidado da saúde se tornam mais custosas, e este universo de trabalho não pago, da economia do cuidado, recai sobre os corpos-territórios das mulheres.

A ecologia política feminista vem destacando os impactos diferenciados que as mulheres sofrem quando da destruição dos territórios (Ulloa, 2020ULLOA, A. Ecología política feminista latinoamericana. In: ZURIA, A. L. et al. (Coord.). Feminismo socioambiental. Revitalizando el debate desde América Latina. Cuernavaca: UNAM, 2020, p. 75-104. Disponível em: https://libros.crim.unam.mx/index.php/lc/catalog/view/17/10/100-1. 29 p.
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). Muitas autoras propõem, como chave desta leitura, a noção de corpo-território, advinda do feminismo comunitário (Cabnal, 2010CABNAL, L. Acercamiento a la construcción de la propuesta de pensamiento epistémico de las mujeres indígenas feministas comunitarias de Abya Yala. Feminismos diversos: el feminismo comunitario, p. 11-25. Guatemala: ACSUR-Las Segovias, 2010. Disponível em: https://porunavidavivible.files.wordpress.com/2012/09/feminismos-comunitario-lorena-cabnal.pdf.
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; Paredes, 2010PAREDES, J. Hilando fino desde el feminismo comunitario. La Paz: Cooperativa El Rebozo, 2010.), que, como o próprio nome sugere, demonstra a interação entre o corpo físico com o território que ocupa. Assim, corpo-território “é um conceito político que evidencia como a exploração dos territórios comuns e comunitários (urbanos, suburbanos, camponeses e indígenas) implica violentar o corpo de cada um e o corpo coletivo por meio da espoliação” (Gago, 2020GAGO, V. A potência feminista ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020., p. 107).

A pesquisa adota o conceito de corpo-território como uma categoria expressa nas telas, nas costuras e nos bordados produzidos pelas mulheres atingidas pela mineração. As arpilleras como expressões de arte, política e memória vão estar relacionadas com as disputas, por dizer o direito, desafiando a construção moderna que coloca o estado como fonte única de legitimação. Algumas fotografias das arpilleras produzidas pelas mulheres atingidas foram inseridas ao longo do artigo, representando a arte e a memória que se cria na resistência aos conflitos vivenciados nos territórios. As fotografias são do acervo pessoal das autoras e também fazem parte do acervo virtual que o Movimento de Atingidos por Barragens disponibiliza publicamente em seu site.1 1 O acervo virtual pode ser visualizado em https://mab.org.br.

Metodologicamente a pesquisa se vale da revisão bibliográfica e da observação participante. A observação participante tem influência da pedagogia de Paulo Freire, destacando a construção coletiva do conhecimento, que envolve o reconhecimento da realidade que nos cerca (Freire, 2005FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.). Brandão e Streck (2006BRANDÃO, C.R; STRECK, D. Pesquisa participante: a partilha do saber. Uma introdução. In: BRANDÃO, C.R; STRECK, D. (Org.). Pesquisa participante: a partilha do saber. Aparecida: Ideias e Letras, 2006. ) reforçam que a observação exige a troca, a interação com o outro, com as comunidades, para um saber que é coletivo. Fals Borda (1981BORDA, F. Aspectos Técnicos da pesquisa participante. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981. ) ensina como a/o pesquisadora/or aprende por meio da observação do próprio trabalho com as pessoas com quem se identifica.

O artigo resgata parte desta vivência desenvolvida pelas autoras em atuações junto ao Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragem (MAB)2 2 Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragem (MAB) é um movimento social fundado em 1991 nas lutas por resistência à construção de barragens hidroelétricas. A partir de 2000, o movimento se reorganiza e assume a luta pela construção de um modelo energético popular, atuando nos temas da mineração e impactos de energias renováveis. Desde 2010 organiza as mulheres atingidas no Coletivo Nacional de Mulheres, espaço auto-organizado com o fim de fortalecer a participação política das mulheres na organização, produzir denúncias, construir agendas de incidência política. Um dos instrumentos utilizados pelo MAB para o trabalho de educação popular feminista é a técnica das arpilleras(Maso; Maso, 2020). , nas escalas nacional e estadual (Paraná). A primeira autora, enquanto assessora jurídica popular vinculada MAB, acompanhou as ações do Movimento dos anos 2013 a 2021, como assessora jurídica popular (AJUP)3 3 A Assessoria Jurídica Universitária Popular (Ajup) é uma metodologia de trabalho da advocacia popular junto aos movimentos sociais. . Ao longo destes anos, construiu a metodologia para a realização das oficinas das arpilleras e as cartilhas de denúncia/incidência sobre as violações às mulheres atingidas. De 2013 a 2015, a autora realizou mais de 96 oficinas de formação de gênero e construção de arpilleras. Ao todo foram produzidas mais de 215 peças. Neste processo, as mulheres atingidas construíram mesas de diálogo nas universidades públicas e realizaram exposições de seus trabalhos. O trabalho resultou ainda na publicação de um dossiê das violações às mulheres atingidas. Durante os anos de 2015-2021, a primeira autora acompanhou o trabalho de base junto às mulheres atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, na bacia do Rio Doce, realizando reuniões de formação política, identificação dos danos e propostas de reparação. Parte deste trabalho pedagógico com as mulheres atingidas era feito com base nas oficinas de arpilleras. A sistematização desta experiência foi apresentada pela Defensoria Pública do Espírito Santo, no Relatório de Diagnóstico das violações às mulheres atingidas do estado (Sobral, 2018SOBRAL, M. A. Relatório Preliminar sobre a situação da mulher atingida pelo desastre do Rio Doce no Estado do Espírito Santo. Vitória: DPES, 2018.).

A segunda autora coordena projetos de pesquisa e extensão junto à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, que atuam na defesa dos direitos das populações vulneráveis diante dos conflitos socioambientais por terra e território. A proximidade com o MAB começou em 2020, em uma parceria das autoras (orientadora e orientanda) para discutir uma metodologia para avaliação dos danos sofridos pela população atingida. De 2020 a 2022, as autoras desenvolveram atividades de pesquisa e de extensão para analisar potenciais desafios da implementação das Políticas Nacional e Estadual de Direitos da População Atingida por Barragens. Para esse objetivo foram organizadas rodas de conversa para identificar os danos sofridos, e elaborados estudos com a participação em audiências públicas que discutiram o tema. Ao longo da participação nesses espaços de discussão, destacou-se a vulnerabilidade das mulheres atingidas e suas ações interligando arte e memória enquanto forma de denúncia e reivindicação por direitos.

No ano de 2022, como resultado dessas atividades, surgiu a iniciativa de organização de uma exposição dos trabalhos das mulheres atingidas, como forma de dialogar criticamente sobre os impactos socioambientais e a necessidade de reparação justa e integral dos danos. Em 2023, foi formado um coletivo de pesquisadoras (es) e estudantes que, em conjunto com as mulheres atingidas do MAB, realizou a curadoria compartilhada para a exposição “Tecidos de luta: águas para a vida”, com abertura ao público no mês de outubro daquele mesmo ano.

Nas atividades de assessoria jurídica e de extensão/pesquisa universitária sempre houve a participação ativa das mulheres do MAB e, em suas falas, destaca-se a marca que a violência da desterritorialização causa diretamente em seus corpos. As narrativas de violência física e psíquica decorrente do rompimento das barragens evidencia a destruição de suas vidas pelos grandes projetos de desenvolvimento. No entanto, seja na vivência nos territórios, ou nos encontros para discussão dos projetos de lei para a população atingida, é perceptível a força dessas mulheres e a importância da reprodução social para a reconstrução das formas vida nas comunidades.

Silvia Federici ressalta a estratégica invisibilidade da reprodução social em contradição à importância das mulheres enquanto produtoras e reprodutoras da força de trabalho, a mercadoria mais essencial do capital (Federici, 2017 [2004]FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante , 2017. (Versão original traduzida por Coletivo Sycorax em 2004). Disponível em: https://encurtador.com.br/jmqV4
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, p. 6). Aliado ao racismo, o sexismo consolidou o sistema capitalista, com a apropriação do corpo das mulheres pelo Estado e pelos homens para funcionar como um meio para a reprodução e acumulação de trabalho (Federici, 2017 [2004]FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante , 2017. (Versão original traduzida por Coletivo Sycorax em 2004). Disponível em: https://encurtador.com.br/jmqV4
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, p. 34). Nesse sentido, afirma a autora que a categoria do corpo para as mulheres é tanto um elemento de identidade como também uma prisão, residindo aqui a problemática da sua valoração (Federici, 2017 [2004]FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante , 2017. (Versão original traduzida por Coletivo Sycorax em 2004). Disponível em: https://encurtador.com.br/jmqV4
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, p. 34). Destacamos a contribuição da autora no sentido de demarcar a historicidade da opressão às mulheres e para ressaltar que, em contextos neoextrativistas, as mulheres se encontram ainda mais vulnerabilizadas.

Na análise das políticas do “comum”, Sílvia Federici explica a relação de dependência estreita das mulheres aos bens ambientais que se ligam à reprodução da vida. Justamente é essa dependência que as coloca como mais comprometidas com sua própria defesa (Federici, 2014FEDERICI, S. O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva. In: MORENO, R. (Org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres. São Paulo: SOF - Sempre Viva Organização Feminista, 2014. Disponível em: https://encurtador.com.br/owRTU . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 151). Na observação participante identificamos que as mulheres do MAB, por estarem na linha de frente dos conflitos socioambientais, realizam importantes ações de denúncia e movimentos de reconstrução conectados com a recuperação das noções de comum e de coletivo. Em razão da observação ativa, analisamos, como objetivo geral, a relação corpo-território e seus reflexos na organização das mulheres atingidas para tratar das violações de direitos decorrentes dos extrativismos e da captura corporativa. Neste ponto destacamos as arpilleras, das mulheres atingidas, como a arte e a memória que surge dos conflitos socioambientais, e as utilizamos para refletir sobre as contribuições do ativismo artístico enquanto formas de produção de outras epistemes, que provocam o direito a olhar os territórios vividos, conectando território e subjetividades, para a busca por respostas político-institucionais efetivas às violações sofridas e por justiça socioambiental.

1. Mecanismos de captura corporativa no/do direito

As profundas alterações na organização do capitalismo desencadeadas pelo neoliberalismo e a financeirização das grandes corporações irá repercutir na organização do direito. Durante os anos 1950, 1960, 1970 e 1980, emergiram movimentos de contestação ao neocolonialismo, trazendo críticas profundas às formas totalitárias de Estado. Após a Segunda Guerra Mundial, as brutalidades das ditaduras militares, refletiram em diferentes lutas por direitos humanos, libertação, e pela responsabilização das corporações.

A derrota destes projetos políticos emancipatórios coincidiu com uma mudança na forma de organização das corporações em resposta às contestações dos conflitos socioambientais. A etapa de financeirização das grandes corporações já não permitia a insegurança jurídica aos acionistas de serem associados a crimes ambientais, ao trabalho escravo, infantil, e a expropriação de territórios. Tornou-se inaceitável a marca das empresas serem associadas à violação aos direitos humanos. No entanto, deixar de violar os direitos significaria o aumento dos custos de produção com a devida reparação social e ambiental, e em alguns casos até mesmo a paralisação da atividade econômica. Diante disso, as corporações passaram a produzir uma reconfiguração de sua estrutura de governança, criando os setores de responsabilidade social corporativa.

Em 1976 a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) criou o “Guia para Empresas Multinacionais” visando facilitar o investimento estrangeiro direto destas empresas em países do Sul Global. Também, em 1977, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou a “Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social”. Em paralelo, no discurso das corporações, surgem orientações internas para justificar discursos social ou ecologicamente corretos, mas que muitas vezes vão estar em contradição com suas práticas, o que se conhece por social ou green washing. Estas diretrizes são voluntárias, e tem como centro de criação do “que-fazer” as próprias corporações. Assim, vai se povoando o imaginário social da perda da autoridade do Estado em dizer e fazer cumprir normas de direitos sociais e ambientais.

Há, portanto, uma profunda inversão no papel de dizer e fazer no direito. No qual aquilo que se refere a norma protetiva, social e ambiental, se translada da esfera da efetividade para a voluntariedade. Além do efeito perverso de transferir o papel de fiscalização e cumprimento da proteção à corporação. Deste modo, a corporação já não é parte do problema, e sim ator fundante da “solução” aos conflitos. O impacto perverso é nos tornar ainda mais dependentes das empresas transnacionais.

Como destaca Kirsch (2014KIRSCH, S. Mining Capitalism: The Relationship Between Corporations and Their Critics. Oakland, CA.: University of California Press, 2014.) não há qualquer sensibilização das corporações sobre as questões sociais e ambientais. A reconfiguração da responsabilidade social corporativa nada mais é que um instrumento para recolocar o conflito nos mesmos trilhos. Logo, não se trata de uma solução aos problemas estruturais da atuação das empresas transnacionais, no sentido que efetivamente as corporações estão revendo suas práticas, mas apenas uma reorganização de narrativas. Ou nas palavras do autor os problemas “não se resolvem, eles são renegociados em novas formas” (Kirsch, 2014KIRSCH, S. Mining Capitalism: The Relationship Between Corporations and Their Critics. Oakland, CA.: University of California Press, 2014., p. 3, tradução nossa).

Com isso, podemos reconhecer que a responsabilidade social corporativa é mais uma forma de controle autoritário do território, especialmente das situações de conflito, mas que se apresenta pulverizada e ocultada por uma narrativa falaciosa de “conscientização” das grandes corporações. Na mineração isso é bem marcante, quando, apesar de toda a “máscara social e verde”, não há alterações profundas no modo de extrair e circular os metais. Pelo contrário, o “lavado verde” do discurso das mineradoras é o que permite o avanço de uma extração predatória por metais da transição energética.

Ao incorporar “valores sociais e ambientais” a corporação confere um maior valor agregado às negociações de suas ações. Não à toa, importantes bolsas de valores preveem, para negócios de maiores fluxos de capitais, que haja certos padrões de qualidade, como a elaboração de relatórios de sustentabilidade mediante índices de certificadoras, por exemplo, GRI e SASB.4 4 Global Report Index (GRI) e Sustainability Accounting Standards Board (SASB) são metodologias utilizadas para construir relatórios corporativos a fim de atender critérios de transparência e conteúdo. São usados como indicadores de sustentabilidade e desempenho. Para isso se desenvolve, no âmbito das Nações Unidas, toda a agenda de empresas e direitos humanos, com marcos internacionais como o Pacto Global (1999) e os Princípios Orientadores de Empresas e Direitos Humanos (2011), que demarcam este novo momento das corporações como atores chave da concretização de direitos sociais, ambientais, econômicos e culturais.

Importante ainda a noção que passa a se desenvolver no cenário internacional das “múltiplas partes interessadas” (multistakholders) na qual empresas, governos, “atores-chave” e comunidades são partes da construção de soluções aos problemas. Tendo como noção de fundo a política de “consenso” em oposição ao conflito. Este movimento de organização das narrativas dilui a potencialidade dos conflitos para organização de atores e sujeitos históricos, e constitui espaços autoritários de construção de “consensos”. Movimentos de luta pela terra, sindicatos, e, portanto, coletividades históricas, são reduzidos a pessoas em mesas de negociação. Nesta esteira, o indivíduo renomado é mais importante do que a coletividade.

Este imaginário irá invadir o campo do direito, que sempre foi marcado pelo uso abusivo das figuras de autoridade. Assim, o campo torna-se mais permeável a corporação e suas narrativas, que ao garantismo normativista de direitos e seus sujeitos concretos. Desta forma, todas as decisões que efetivam direitos sociais, ambientais e culturais esbarram nos interesses econômicos, tem seus efeitos modulados para interpretar-se pelo mínimo existencial possível que não afete a continuidade da atividade econômica. O discurso que sempre ecoa entre as autoridades públicas, quando se preconiza a responsabilização das empresas mineradoras, é a defesa da mineração como importante atividade econômica no país. É precisamente neste sistema fechado, que direitos como à consulta prévia, livre e informada nunca serão efetivados à medida que colidem com interesses econômicos.

Quando olhamos para mineração, também observamos que os anos 1990 são marcados pela pressão das instituições econômicas multilaterais, como o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI), que condicionam os empréstimos financeiros a desregulamentação de setores (Aráoz, 2019ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre. São Paulo: Elefante, 2019.). E não apenas, mas também, reformas do sistema de justiça que tornem a justiça mais “eficiente”. Essa noção de “eficiência” advém da influência da análise econômica no direito, que define que os processos com soluções rápidas são mais eficazes, de modo que, terminar com o conflito é mais importante que os resultados adquiridos no processo. Por isso, nos casos de conflitos socioambientais envolvendo mineração, é comum a utilização de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), as chamadas soluções negociadas, em detrimento de sentenças mais rígidas de cumprimento de direitos.

O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ)CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números, 2004-2023. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/.
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, em seu anuário “Justiça em Números” (2004-2023), fornece mais informações quantitativas sobre estas ações que dados sobre a efetividade do acesso à justiça. Assim, reformas no sistema de justiça, permitiram manter uma estrutura verticalizada e autoritária dos tribunais, que até hoje não contam com mecanismos de controle externo que não seja corporativista, nem instâncias de participação popular, favorecendo o alinhamento com linguagens e narrativas corporativas.

A desregulamentação criou agências e instâncias descentralizadas no Estado para o controle de atividades econômicas estratégicas (que também podemos nomear como de grandes impactos). Outro efeito, foi a precarização das estruturas fiscalizatórias existentes, em geral, os órgãos de controle não possuem o número de funcionários adequados e não contam com condições materiais necessárias (Ângelo, 2020ÂNGELO, M. Sem fiscais e responsável por gerenciar bilhões, Agência Nacional de mineração passa por “desmonte estrutural”. Observatório da Mineração, 21 de outubro de 2020. Disponível em: https://observatoriodamineracao.com.br/sem-fiscais-e-responsavel-por-gerenciar-bilhoes-agencia-nacional-de-mineracao-passa-por-desmonte-estrutural /. Acesso em: 15 de maio de 2023.
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; Inesc; INA, 2022INESC. Instituto de Estudos Socioeconômicos; INA. Indigenistas Associados. Fundação Anti-Indígena. Um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro. Brasília: Inesc; INA, 2022. Disponível em: https://inesc.org.br/wp-content/uploads/2022/07/Fundacao-anti-indigena_Inesc_INA.pdf?x59185.
https://inesc.org.br/wp-content/uploads/...
; Agência Brasil, 2023AGÊNCIA BRASIL. Marina Silva denuncia desmonte na fiscalização ambiental. Agência Brasil, 17 de abril de 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/marina-silva-denuncia-desmonte-na-fiscalizacao-ambiental . Acesso em: 15 de maio de 2023.
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). Diante de estruturas ineficientes transfere-se as competências para as próprias empresas em seu “autorregular” e “autofiscalizar”.

Recordemos que, em meio ao cenário autoritário do golpe de 20165 5 Em 2016 a Presidenta eleita Dilma Rousseff sofreu um processo de impeachment no Congresso Nacional, identificado como um golpe. , se gestou a transferência da fiscalização minerária do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para a Agência Nacional de Mineração (ANM), criada pela Medida Provisória nº. 791 de julho de 2017 (Brasil, 2017BRASIL. Medida Provisória n. 791, de 25 de julho de 2017. Cria a Agência Nacional de Mineração e Extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral. Diário Oficial da União, Brasília, 26 de julho de 2017, p. 4. Disponível em: https://encurtador.com.br/bfjUV. (Convertida com alteração na Lei 13.575, de 26 de dezembro de 2017).
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). O discurso da urgência da descentralização para uma agência reguladora é pautado na autonomia e eficiência, duas palavras que dialogam muito mais com a concretização da atividade econômica minerária, que com o papel do Estado na promoção de direitos sociais e ambientais.

Nos territórios, o efeito da política de descentralização, voluntarismo e “consensos” pode ser identificado na gravidade das violações que vem ocorrendo nos desastres da mineração. Após 8 anos do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, as comunidades atingidas não se sentem devidamente indenizadas (MAB, 2022MAB. Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragem. Rio Doce sete anos de luta por justiça. MAB, 06 de novembro de 2022. Disponível em: https://mab.org.br/2022/11/06/nota-rio-doce-sete-anos-de-luta-por-justica /. Acesso em: 15 de maio de 2023.
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), porque foram alvo de uma política reparatória pensada e gestada privadamente pela Fundação Renova. Uma consequência da privatização da reparação é tratar as comunidades atingidas não como sujeitos de direitos, mas como beneficiários das políticas da empresa.

As soluções negociadas, expressas nos termos de ajustamento de conduta, têm sido a resposta das instituições de justiça à complexidade dos conflitos socioambientais envolvendo as mineradoras. O conteúdo expresso nas cláusulas de tais acordos é preenchido em uma série de reuniões de gabinetes entre atores do sistema de justiça e empresas, realizadas em territórios muito distantes da realidade dos territórios atingidos. As vítimas podem participar, somente em determinados momentos, como na realização de audiências públicas, reduzindo a participação popular a um evento e não um processo. Geralmente, a participação dos atingidos e das atingidas é construída mais como um momento simbólico de legitimação do já pactuado, do que de efetiva contribuição das vítimas a solução dos litígios.

Os termos de ajustamento de conduta (TAC) foram instrumento criados, a partir do Estatuto da Criança e Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor - para permitir que os atores legitimados para a proposição da tutela coletiva - Ministério Público, Advocacia-Geral da União (AGU), Defensorias Públicas, pudessem elaborar ajustamento de conduta para evitar que casos complexos se estendam na morosidade do Judiciário diante do interesse tutelado. Durante os anos 1990, o Banco Mundial, passou a promover as reformas do Poder Judiciário na América Latina, difundindo a ampliação do uso das soluções negociais. A abertura do sistema judicial a outros mecanismos não representou a ampliação do Judiciário para atendimento das demandas represadas da Constituição Federal de 1988, como, por exemplo, a demarcação de terras indígenas, titulação quilombola, nem mesmo a ampliação da participação popular no uso desses outros mecanismos.

Não há qualquer obrigatoriedade de participação das vítimas na construção das “soluções negociadas”, tornando a prática autoritária e, muitas vezes, coercitiva às comunidades. Muitos dos entes que fazem a tutela coletiva por meio de acordos, não estão submetidos ao controle da representação adequada de seus tutelados, como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública, que não tem obrigação legal de consultar os sujeitos de direito sobre os andamentos das ações coletivas, como alguns estudos questionam (Lima, 2015LIMA, E. V. D. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional. 2015. Tese Doutorado - Programa de Pós-Gradução em Direito, UFPR, Curitiba, 2015. ). Além disso, muitas vezes estes acordos não são compostos de conteúdo de sanções e multas pecuniárias em caso de descumprimento, ou até mesmo de garantias de não repetição, em contrário do que determina a própria legislação. E quando o são, estes itens se tornam por diversas vezes letra-morta, sendo bastante comum a renegociação dos termos.

Isso porque a entrada do neoliberalismo no campo do direito, desde os anos 1970, trouxe a fortaleza do direito econômico e do direito penal em detrimento dos direitos sociais, culturais e ambientais, que cada vez mais são transferidos à esfera da competência corporativa. Assim, se constitui uma completa marginalidade normativa na qual zonas e populações estão submetidas a territórios sem-direitos. Sem o Estado no exercício de seu papel, as comunidades estão subordinadas às relações de dependência direta com as corporações e a responsabilidade social corporativa.

Tal realidade é completamente presente nas zonas de autossalvamento (ZAS). Estas são áreas próximas às barragens de rejeitos que, como o próprio nome diz, são espaços nos quais os habitantes não têm como receber assistência de salvamento em caso de rompimento da barragem de rejeitos e, portanto, dependem apenas de si mesmos, já que a lama pode atingi-los em poucos segundos. Nestes territórios vivem comunidades, bairros, escolas, creches, habitados por pessoas cujos corpos não lhes assegurados o direito à vida. E, portanto, zonas de completa exclusão.

Mais recentemente, com o avanço da tecnologia da prospecção de minerais, estas áreas se tornam de interesse econômico, seja porque constituem possibilidade de ampliação das barragens de rejeito para acolher mais resíduos da extração, seja porque podem facilitar a re-extração6 6 Chamamos de re-extração o movimento de retirada de metais dos rejeitos, que é possível mediante a novas tecnologias de extração, que permitem um refino em maior grau. de minérios no aproveitamento da lama. Em face disso, as comunidades que vivem na ZAS denunciam o chamado “terrorismo de barragem”, para designar as violações aos direitos causados pelos riscos de rompimento das barragens, que intensificam a desterritorialização e o controle dos territórios pelas empresas transnacionais. A Lei n. 14.066, de 30 de setembro de 2020, determina que a remoção das ZAS deve ser realizada apenas quando a barragem for anterior à existência da comunidade (Brasil, 2020BRASIL. Lei n. 14.066, de 30 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), a Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Diário Oficial da União, de 01 de outubro de 2020, p. 3. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=01/10/2020&jornal=515&pagina=3&totalArquivos=886
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
). Todavia, apesar da legislação, as comunidades primeiro são removidas, para depois terem seus direitos discutidos, como Macacos e Barão de Cocais, ambas no Estado de Minas Gerais.

Outro exemplo de desterritorialização foi a construção do dique S4 sob a comunidade de Bento Rodrigues/MG, atingida pelo rompimento da barragem de Fundão. Sob a alegação da necessidade de construção de uma nova barragem para contenção da lama, o governo do Estado estabeleceu uma requisição administrativa de 55 propriedades, na qual estabelecia uma indenização temporária sem a desapropriação. O projeto facilitou o redesenho do licenciamento ambiental para a retomada das atividades da Samarco, mas não agradou às vítimas da comunidade, que pretendia manter seu acesso ao local para preservar sua identidade cultural com o território.

A antropóloga Laura Nader (1994NADER, L. Harmonia Coercitiva. A economia política dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 9, p. 18-29, 1994.) nomeia os mecanismos de solução negocial como a construção de uma “harmonia coercitiva”, nos quais as comunidades fragilizadas pela retirada dos seus direitos fundamentais e humanos são expostas à única solução possível: negociar. A vulnerabilidade social das comunidades atingidas não lhes permite escolher por não negociar seus direitos, terminando por aceitar condições pouco favoráveis em face da urgência da sobrevivência. Desta forma, mesmo que as vítimas de desastre estejam assinando a concordância e quitação dos acordos reparatórios, isso não implica que elas estejam satisfeitas ou considerem que a “justiça foi feita”.

Na realidade, elas foram submetidas à pressão de decidir questões sobre suas vidas em um curto espaço de tempo, com a ausência de condições econômicas de sobrevida, visto que seus territórios estavam devastados pelas consequências da mineração. As Instituições de Justiça, como atores do Estado que intermediam estes processos, estão longe de estarem em igualdade de tratamento com o poder corporativo em relação ao exercício de direitos e deveres, o que faz com que todas as soluções pensadas dentro do campo do direito reproduzam a assimetria de poderes entre vítimas e corporações.

O poder político, econômico e cultural das empresas transnacionais, a presença de um Judiciário autoritário e elitista, a ausência de governos comprometidos com causas populares, torna as condições favoráveis para que estas empresas ditem as regras de tais acordos. A tal ponto que, corriqueiramente, direitos estão sendo negociados e não se constitui qualquer horizonte de questionamento da expropriação dos recursos. Assim, impõe-se a forma mais pura do direito burguês: o contrato sob o manto da igualdade formal e da defesa da propriedade privada.

Se de um lado há um direito fraco, voluntarista, casuístico e negocial aos direitos dos povos, para as empresas existem grandes regulações econômicas, tratados de comércio e investimentos e mecanismos arbitrários. Além de todo o aparato repressor do Estado de Direito, mobilizado sempre que a organização popular possa representar algum obstáculo. É por isso, que a justiça que se apresenta aos territórios atingidos pela mineração não é adequada e sim a “possível”, como preconizou um dos juízes do caso Rio Doce. A saída possível no campo do direito controlado pelas corporações.

As empresas transnacionais já não são apenas os importantes atores do desenvolvimento, cada vez mais se promovem como atores da solução às questões sociais e ambientais, no que Acserald (2021ACSERALD, H. Pandemia, crise ambiental e impasse da modernização ecológica no capitalismo. Germinal: marxismo e educação em debate, v. 13, n. 2, p. 205-218, 2021., p. 212) denomina o segundo estágio da modernização ecológica. Todas as empresas mineradoras atuam na propaganda de sua licença social para operar e da promoção da sustentabilidade ambiental. E, a partir disso, constroem uma série de arranjos jurídico-políticos para permitir que seus interesses não sejam afetados pela concretização dos direitos daqueles que sofrem com a externalização dos danos sociais e ambientais de suas atividades.

Embora seja possível identificar que a desregulamentação de direitos, as iniciativas autorregulatórias e a deslegitimação de sujeitos históricos não tenham nenhum caráter de novidade no campo do direito (Zubizarreta; Ramiro, 2015ZUBIZARRETA, J. H.; RAMIRO, P. Contra la Lex Mercatoria: propuestas y alternativas para desmantelar el poder de las empresas transnacionales. Barcelona: Icaria Editorial, 2015.). Compreender as novas configurações que assumem as formas autoritárias de construção do direito nos conflitos socioambientais, desvelando a face brutal dos “acordos possíveis” e da responsabilidade social corporativa, para não se deixar enganar pela cooptação de tais discursos ainda é um tema candente. Assim, o direito como campo, reflete os mecanismos de controle social e ambiental pensados pelas corporações; mais do que nunca, direitos sociais são pensados como favores prestados por empresas, e não obrigações a serem garantidas pelo Estado, expondo ainda mais os corpos-território às formas autoritárias.

2. Violações corpo-território das mulheres

Temos tanto serviço nas nossas casas, a maioria dos trabalhos fica em cima das nossas mulheres e agora veio essa lama pra poder sobrecarregar mais ainda, é mais um peso nas nossas costas, nossas consciências (Maria das Graças, moradora da Comunidade de Barra Longa).7 7 Fala de Maria das Graças, atingida pela comunidade de Barra Longa, no I Encontro das Mulheres e Crianças atingidas da Bacia do Rio Doce, realizados entre os dias 03 a 05 de novembro de 2018, na cidade de Mariana/MG. Disponível em: https://mab.org.br/2018/11/04/mulheres-resist-ncia-do-rio-doce/. Acesso em 28 de março de 2023.

Na seção acima compreendemos como o poder corporativo irá influenciar as disputas no campo do direito, favorecendo os interesses econômicos. A partir do momento que entendemos que se estabelece uma relação de poder corporativo que atravessa o direito, também se torna interessante analisar como esta relação interage com outras relações de poder, como o patriarcado.

Numa sociedade patriarcal, num sistema de expropriação colonial-patriarcal que sustenta a mineração, identificar e nomear as violações que os corpo-territórios das mulheres sofrem em relação à interação destes poderes, é uma tarefa urgente e necessária. Nas páginas seguintes nos propomos a levantar algumas das violações do corpo-território das mulheres infringidas pela mineração, a partir da experiência vivida no trabalho de assessoria jurídica popular e extensão universitária junto ao MAB (2013-2023).8 8 Uma das autoras do texto, atuou na Ajup às populações atingidas pelo rompimento de barragens.

O primeiro desafio de qualquer atingida pela mineração transnacional é o de ser reconhecida como tal, de tornar visível seus corpos-territórios. Ao longo do processo de negociação com as empresas, as mulheres são dificilmente reconhecidas como interlocutoras. Simone Silva, atingida da cidade de Barra Longa/MG, ao contar a sua história, relembra que foi “tachada de louca” (Silva, 2021SILVA, S. “A minha vida vale menos que uma pelota de minério”: ser mulher negra e trabalhadora atingida por barragem no sexto ano do crime da Vale-Samarco-BHP. InSURgência: Revista de Direitos e Movimentos Sociais, Brasília, v. 7, n. 2, p. 42-54, 2021., p. 7) ao identificar os danos na saúde de sua filha decorrentes da exposição à lama. Ela precisou percorrer um longo caminho para garantir que fossem realizados exames específicos em sua filha. A história de Simone, conecta-se a de várias outras mulheres que, devido à reprodução social do patriarcado, não tem seus direitos reconhecidos e seus problemas são invisibilizados.

No caso do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, a Fundação Renova implementou inicialmente uma política de distribuição do auxílio financeiro emergencial por “chefe de família” (Sobral, 2018SOBRAL, M. A. Relatório Preliminar sobre a situação da mulher atingida pelo desastre do Rio Doce no Estado do Espírito Santo. Vitória: DPES, 2018., p. 5)9 9 O Programa Auxílio Financeiro Emergencial está previsto na Cláusula 137 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) celebrado entre a União, Estados, e órgãos ambientais e as empresas Vale, Samarco e BHP Billiton. . A Fundação realizava um cadastro socioeconômico do núcleo familiar, identificando na renda masculina a fonte de sustento da família e, portanto, o homem como provedor do lar.

Tal política, não permitia reconhecer o papel da economia do cuidado, realizado maioritariamente pelas mulheres, na manutenção da vida familiar. De igual modo, não permitia que as mulheres recebessem qualquer indenização, já que não reconheciam seu trabalho, que, em geral, pela reprodução social, é informal. Até hoje, as mulheres catadoras de siri, artesãs, ou aquelas que atuavam informalmente na cadeia da pesca, em tarefas como limpar e armazenar o peixe, não foram reconhecidas como atingidas. Estas formas de trabalho, de relação das mulheres com os territórios (corpos-território), são imperceptíveis à política reparatória, pois as empresas invisibilizam seu trabalho, subalternizando estas práticas de geração de renda e reproduzindo a desigualdade de gênero.

Podemos identificar que ao redor da mineração são travadas disputas pelo acesso e controle à água. Em Oriximiná/PA, as mulheres das comunidades relatam que as atividades diárias como lavar roupa, louça, dar banho nas crianças, coletar água para alimentação, assim como, o lazer nos igarapés, está prejudicado pela presença da mineração (Andrade, 2018ANDRADE, L. M. M. Antes a água era cristalina, pura e sadia: percepções quilombolas e ribeirinhas dos impactos e riscos da mineração em Oriximiná, Pará. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2018., p. 21). Isso tem implicado numa sobrecarga de trabalho às mulheres, seja pelo aumento do trabalho em assegurar água potável nas casas, bem como o surgimento de novas doenças (Andrade, 2018ANDRADE, L. M. M. Antes a água era cristalina, pura e sadia: percepções quilombolas e ribeirinhas dos impactos e riscos da mineração em Oriximiná, Pará. São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2018., p. 22). Estas alterações nos usos que se fazem dos bens comuns afetam as dinâmicas de interação das mulheres com os territórios, produz desordem no que estamos denominando, corpo-território. À medida que as empresas mineradoras expropriam a água, estão expropriando outras relações das mulheres, das comunidades com elas, impondo uma nova forma de relação com o território.

Apesar da maior presença de mulheres no mercado de trabalho informal; das pesquisas sobre o papel das mulheres na economia do cuidado; do reconhecimento da auto-organização das mulheres nos territórios atingidos pela mineração, tais fatores são completamente ignorados a ponto de não se constituir nenhuma política transversal de gênero na relação empresa-comunidades. Nem mesmo nos casos de desastres, estes fatores são considerados para o desenho das políticas reparatórias. Mais difícil ainda, reconhecer que as políticas estão, na verdade, promovendo uma expropriação dos corpos-território.

O desmantelamento dos laços comunitários é outro aspecto estruturante da violência sobre os corpos-territórios das mulheres. As atividades de mineração têm provocado deslocamento compulsório, como os casos recentes dos bairros da capital Maceió (Alagoas), fragilizando as redes de solidariedade estabelecidas nas comunidades e vizinhança, fundamentais para as mulheres, para realização de atividades como a socialização do cuidado das crianças e idosos.

O avanço da mineração sobre os territórios tem se apropriado de espaços de produção camponesa, ou ainda, a destruição dos rios que afeta as atividades pesqueiras. Estas desestruturações das fontes de renda de comunidades tradicionais, tem implicado num aumento dos casos de alcoolismo, uso de drogas e, por consequência, de violência doméstica. Em última análise, a perda da autonomia das comunidades frente ao controle corporativo de seus territórios reverbera em violência física nos corpos-território das mulheres.

Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na bacia do Rio Doce (2019), realizados através do sistema de ouvidoria da Fundação Renova, constatam o aumento dos relatos de violência doméstica. Um fator destacado pela equipe de pesquisa, é a conexão estabelecida pelas mulheres atingidas entre a precariedade das políticas reparatórias ofertadas, que obrigam as mulheres a seguirem como dependentes dos maridos, permanecendo sob situação de violência doméstica, já que não há o desmembramento do auxílio financeiro e do cadastro (FGV, 2019FGV. Fundação Getúlio Vargas. A situação das mulheres atingidas pelo desastre do Rio Doce a partir dos dados da Ouvidoria da Fundação Renova. São Paulo: FGV, 2019. , p. 12).

É sintomático de uma atividade produtiva como a mineração, que prescinde da externalização de seus danos sociais e ambientais, invisibilizar os corpos-territórios das mulheres. Isso porque é preciso que estes corpos sustentem a carga e os custos do modelo produtivo. À medida que se reconhece às mulheres atingidas como violadas, se constitui o dever de repará-las, e isso incide diretamente no aumento de custos, assim como no capital reputacional. O capital reputacional é usado por Acserald (2021)ACSERALD, H. Pandemia, crise ambiental e impasse da modernização ecológica no capitalismo. Germinal: marxismo e educação em debate, v. 13, n. 2, p. 205-218, 2021. para se referir à capacidade que as grandes corporações e, em última análise, o próprio capitalismo possui para apresentarem-se como defensores do meio ambiente e das questões sociais. E como ele é usado para manejar a “variável” da gestão do controle das resistências sociais e ambientais (Acserald, 2021ACSERALD, H. Pandemia, crise ambiental e impasse da modernização ecológica no capitalismo. Germinal: marxismo e educação em debate, v. 13, n. 2, p. 205-218, 2021., p. 212-213).

Vale dizer, como mesmo sob o lavado de imagem da responsabilidade social corporativa, as empresas mineradoras estão abordando o tema de gênero. O Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) limita-se a recomendar uma sensibilidade de gênero no tratamento da devida diligência. De igual modo, o Pacto Global, a OCDE, os Princípios Orientadores de Empresas e Direitos Humanos, têm uma visão individualizada das mulheres, trazendo perspectivas como da mulher empreendedora, da formação profissional, do empoderamento feminino.

Estas “perspectivas de gênero” não dialogam com a realidade dos corpos-territórios em suas outras dimensões de produção da vida. Os corpo-territórios das mulheres têm a sua dimensão de ser, do habitar, do trabalho, negadas pelo avanço da expropriação mineral. Da forma como são extraídas as questões de gênero de seus contextos (corpos-territórios) e transladadas, a linguagem internacional e corporativa tem se constituído em outra forma de violência, o extrativismo cognitivo (Klein, 2013KLEIN, N. Dancing the World into Being: A Conversation with Idle-No-More’s Leanne Simpson. Yes Magazine, March 5, 2013. Disponível em: http://www.yesmagazine.org/peace-justice/dancing-the-world-into-being-a-conversation-with-idle-no-more-leanne-simpson . Acesso em: 28 de março de 2023.
http://www.yesmagazine.org/peace-justice...
).

3. Arpilleras: arte e memória das mulheres atingidas pela mineração

Os conflitos socioambientais que decorrem dos extrativismos, do desenvolvimento hegemônico não geram apenas vulnerabilidades, mas apresentam ações de resistência e, dentre elas, destacam-se as ações dos diferentes movimentos, como dos feminismos comunitários territoriais. Como feminismos comunitários territoriais entende-se as construções das mulheres indígenas, afrodescendentes e camponesas da América Latina, que fazem leituras situadas, a partir de suas realidades, e resgatam, do agir comunitário, um repensar de nossos corpos com a terra-natureza. Nas palavras de Lorena Cabnal: “Es una propuesta feminista que integra la lucha histórica y cotidiana de nuestros pueblos para la recuperación y defensa del territorio tierra, como una garantía de espacio concreto territorial, donde se manifiesta la vida de los cuerpos” (Cabnal, 2010CABNAL, L. Acercamiento a la construcción de la propuesta de pensamiento epistémico de las mujeres indígenas feministas comunitarias de Abya Yala. Feminismos diversos: el feminismo comunitario, p. 11-25. Guatemala: ACSUR-Las Segovias, 2010. Disponível em: https://porunavidavivible.files.wordpress.com/2012/09/feminismos-comunitario-lorena-cabnal.pdf.
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, p. 22-23).

Elas revelam outras territorialidades com potencial emancipatório, as quais, na linha de pensamento de Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006PORTO-GONÇALVES, C. W. A Reinvenção dos Territórios: a experiência latino-americana e caribenha. Buenos Aires: Clacso, 2006. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101019090853/6Goncalves.pdf . Acesso em: 07 de maio de 2023.
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/g...
, p. 65), contém outras matrizes de racionalidade que re-existem, isto é, que agem nas circunstâncias e reagem a partir de um lugar geográfico, e também epistêmico, diferente da racionalidade moderna-colonial, existindo mesmo quando o antropocentrismo moderno insista em dominá-las.

Nestes territórios de re-existência se reúnem os saberes e práticas das mulheres do campo, das águas e das florestas, os quais vêm oferecendo importantes contribuições para uma outra relação com a natureza. Suas ações denunciam as violações de direitos a que as mulheres estão submetidas diante das desterritorializações causadas pelos projetos de desenvolvimento, inspiram a pensar o mundo a partir de outras epistemes, colocando em xeque a dicotomia moderna e os fundamentos universalistas, individualistas e a racionalidade técnico-instrumental.

Para Sílvia Federici, a preocupação com a subsistência torna as mulheres “a principal força social que impede o caminho de uma completa comercialização da natureza” (2014FEDERICI, S. O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva. In: MORENO, R. (Org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres. São Paulo: SOF - Sempre Viva Organização Feminista, 2014. Disponível em: https://encurtador.com.br/owRTU . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 151). Na análise dos comuns na era da acumulação primitiva, Federici resgata exemplos da luta das mulheres pelo acesso à terra, pelo reconhecimento da condição de produtora rural e os esforços da ação coletiva enquanto estratégia para diminuir os custos da reprodução. São ações que se voltam à conquista do território vivido e a proteção de seus corpos da fome e da pobreza, da violência estatal e da violência exercida pelos homens. Dessas lutas a autora afirma que podem ser extraídas importantes “lições”. A primeira delas deriva do entendimento da natureza como bem comum e de sua relevância para a reciprocidade. Nesta linha de raciocínio a autora considera ainda que a noção de comum auxilia na separação da reprodução dos fluxos mercantis e da superação da solidariedade abstrata. Esta última, impulsiona para o interior dos movimentos uma conexão de pertencimento que concentra as forças diante dos riscos a enfrentar (Federici, 2014FEDERICI, S. O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva. In: MORENO, R. (Org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres. São Paulo: SOF - Sempre Viva Organização Feminista, 2014. Disponível em: https://encurtador.com.br/owRTU . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 152-153).

Como analisa Laura María Carvajal (2016CARVAJAL, L. M. Extractivismo em América Latina: impacto en la vida de las mujeres y propuestas de defensa del territorio Bogotá/Colômbia. Fondo de Acción Urgente de América Latina (FAU-AL), 2016. Disponível em: https://fondoaccionurgente.org.co/site/assets/files/1175/extractivismo_en_america_latina.pdfULLOA . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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) o impacto dos extrativismos na vida das mulheres é severo, principalmente pela invisibilização do trabalho do cuidado. A autora elenca os impactos negativos que surgem com a entrada das empresas nos territórios, como a desarticulação das economias locais pela introdução de uma economia produtiva masculinizada, que privatiza fontes de água e bens comuns, fazendo com que as mulheres tenham que percorrer cada vez maiores distâncias para o acesso aos bens essenciais para a reprodução da vida (Carvajal, 2016CARVAJAL, L. M. Extractivismo em América Latina: impacto en la vida de las mujeres y propuestas de defensa del territorio Bogotá/Colômbia. Fondo de Acción Urgente de América Latina (FAU-AL), 2016. Disponível em: https://fondoaccionurgente.org.co/site/assets/files/1175/extractivismo_en_america_latina.pdfULLOA . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 32). Cita a autora ainda a relação entre a perda da autonomia econômica e a diminuição do autoconsumo da família, que ocorre pela escassez e dificuldade de acesso aos bens e a perda da biodiversidade decorrente da contaminação. A sobrecarga de trabalho e a precarização da economia familiar se somam também ao aumento dos casos de violência intrafamiliar e sexual. A autora enfatiza que na América Latina, de forma geral, não há uma participação equitativa das mulheres nos processos de tomada de decisão, o que ocorre por barreiras que define como internas (comunidade) e externas (por parte de atores públicos e privados) (Carvajal, 2016CARVAJAL, L. M. Extractivismo em América Latina: impacto en la vida de las mujeres y propuestas de defensa del territorio Bogotá/Colômbia. Fondo de Acción Urgente de América Latina (FAU-AL), 2016. Disponível em: https://fondoaccionurgente.org.co/site/assets/files/1175/extractivismo_en_america_latina.pdfULLOA . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 37).

Conforme analisa Astrid Ulloa (2020ULLOA, A. Ecología política feminista latinoamericana. In: ZURIA, A. L. et al. (Coord.). Feminismo socioambiental. Revitalizando el debate desde América Latina. Cuernavaca: UNAM, 2020, p. 75-104. Disponível em: https://libros.crim.unam.mx/index.php/lc/catalog/view/17/10/100-1. 29 p.
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) as violências extrativistas ocorrem tanto no campo institucional (Estado, empresas, políticas públicas), como no espaço doméstico e repercutem na saúde física, mental e espiritual das mulheres. São, portanto, processos de extrema violência que necessitam estar devidamente dimensionados na importância de ouvir a voz das mulheres em qualquer situação de busca por justiça nos casos de conflitos envolvendo mineração.

O que esta pesquisa visa destacar, no entanto, é que mesmo diante das diferentes formas de violência, as mulheres realizam ações de resistência que vão conferir amplitude às denúncias por meio da arte, da memória e da imagem. A arte que surge dos conflitos age como forma de resgate das subjetividades ameaçadas, conduzindo os sentimentos oprimidos para além dos territórios ameaçados. Nesta linha, destacamos as experiências de resistência das mulheres atingidas por conflitos de mineração que vem utilizando da técnica das arpilleras.

As arpilleras são uma criação popular de telas que reúnem técnicas de costura e bordado e foram desenvolvidas a partir dos anos 1960 no Chile, como forma de resistência à ditadura de Pinochet. Como afirma Marjorie Agosínn, as arpilleras revelam um discurso concreto e vivencial, “testemunha o que a voz não consegue expressar, ou, como em um texto literário, as arpilleras contam uma história”.

Nas palavras de Agosin, as arpilheristas chilenas se organizam a partir de 1974, pelas oficinas organizadas pela Vicaría de la Solidariedad, instituição da Igreja Católica criada para proteção dos direitos humanos. Envolvendo grupos de mulheres que viviam em situações precárias e fora da capital Santiago, a autora afirma que o nascimento das arpilleras está conectado com a necessidade de enfrentamento da fome, sendo feitas e vendidas para fornecer alimentos aos filhos de pais mortos ou desaparecidos, ou para complementar o suprimento de alimentos. Das referências dos trabalhos das pescadoras de Isla Negra, na década de 1960, a tradição de reprodução dos cenários rurais passa, ao chegar nas mulheres dos bairros pobres de Santiago, a assumir testemunhos das experiências de extrema urgência e violência do pós-golpe militar (Agosín, 1985AGOSÍN, M. Agujas que hablan: las arpilleristas chilenas. Revista Iberoamericana, v. 61, n. 132, 1985, p. 523-529. Disponível em: https://revista-iberoamericana.pitt.edu/ojs/index.php/Iberoamericana/article/view/4066 . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 524-525). As arpilleras se integram na história de enfrentamento chilena, trazendo uma contribuição importantíssima ao transformarem as agulhas, fios e telas em ações de resistência. São, nas palavras da genial artista chilena Violeta Parra “canções que se pintam”10 10 No ano de 2019, o Museu Violeta Parra (https://www.museovioletaparra.cl/violeta-parra/obras/arpilleras/), no Chile, inaugurou a exposição “Canções que se pintam”, destacando como Violeta Parra entendia suas arpilleras e para manter vivo o seu legado como forma de manifestação sensível, carregadas de cor e arraigada com a realidade social do país (Museo Violeta Parra, 2019a; 2019b). .

A arte política de resistência chega ao Brasil pelo trabalho do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). A incorporação da perspectiva de gênero no MAB, de acordo com Tchenna Maso e Tchella Maso (2020MASO, T. F.; MASO, T. F. Onde estão nossos direitos? O campo feminista de gênero bordado pelas mulheres atingidas por barragens. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 10, n. 2, 2020, p. 490-518. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/6822/pdf . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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), toma corpo a partir do primeiro encontro das mulheres atingidas por barragens, aliada ao processo de formação feminista juntamente à Marcha Mundial de Mulheres e a constituição do Coletivo Nacional de Mulheres, eventos organizados ao longo do ano de 2011. Neste mesmo ano, 2011, a convite da pesquisadora Esther Vidal, que contribuiu na coordenação de mulheres do MAB, as atingidas foram visitar a exposição “Arpilleras da Resistência Política Chilena”, sob a curadoria de Roberta Bacic (Pereira, 2022PEREIRA, A. A. Z. P. Arpilleras e as práticas artísticas contra-hegemônicas. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE, 15, 2021, virtual. Atas [...]. Campinas: IFCH/Unicamp, 2022, p. 479-488 Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/eventos/index.php/eha/article/view/4655/4451 . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 2021).

As primeiras oficinas foram iniciadas em 2013, culminando na exposição nacional “Arpilleras: bordando a resistência” no Memorial da América Latina, em 2015 (Maso; Maso, 2020MASO, T. F.; MASO, T. F. Onde estão nossos direitos? O campo feminista de gênero bordado pelas mulheres atingidas por barragens. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 10, n. 2, 2020, p. 490-518. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/6822/pdf . Acesso em: 14 de maio de 2023.
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, p. 498). Durante as oficinas as mulheres atingidas11 11 Nas oficinas realizadas junto as mulheres atingidas pela mineração, peças que desnudam o conflito socioambiental podem ser encontradas no acervo do MAB, dentre elas: A Vale Mata Rio, Mata Peixe e Mata Gente; A Cidade Acorda; Nossa vida está ligada. Disponível em: https://mab.org.br/mulheres/. estudam aspectos da história do feminismo, da reprodução do patriarcado. Em um segundo momento do espaço, se reuniam em grupos de quatro a cinco mulheres para debater seus problemas e construir sua peça. As mulheres começam numa folha sulfite em branco, montando a cena que seria reproduzida na peça das arpilleras. Depois seguiam a conversa, entre recortar tecidos, costurar, construir bonecas, selecionar tecidos. Entre tecer, bordar e dialogar vão reproduzindo sua história de vida negada e, em várias peças, também seus anúncios. (Figura 1)

Figura 1
Mulheres Atingidas de Santa Catarina. 2022. Título da Obra: Resistimos.12 12 Disponível também no acervo virtual do MAB, via: https://mab.org.br/arpilleras-do-mab/resistimos. Acesso em: 11 de março de 2024.

De 2015 ao presente, a arte das mulheres vem sendo divulgada pelo MAB em exposições que vêm sendo organizadas no âmbito nacional e local. Na construção dessas exposições busca-se expandir o conhecimento do conflito, entendendo os museus e as escolas como espaços para visibilidade das violações e para construção de bases para a garantia dos direitos e da reparação.

Na execução das atividades de pesquisa e extensão, em que participaram as autoras, as quais se ocupavam da análise do Projeto de Lei da Política Nacional dos Atingidos por Barragem - Projeto de Lei nº. 2.788/2019 - (Brasil, 2019BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2.788, de 09 de maio de 2019. Institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB); discrimina os direitos das Populações Atingidas por Barragens (PAB); prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB); estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor; revoga dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. Brasil: Câmara dos Deputados, 2019. (Convertida na Lei n. 14.755, de 15 de Dezembro de 2023). Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2201532
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
), surgiu a proposta da organização de uma exposição para exibição das arpilleras. A motivação se justifica pelo contexto do Estado do Paraná, um dos maiores produtores de energia hidroelétrica. A escolha da capital do Estado para sediar a exposição procurou ampliar o conhecimento na universidade e com o público em geral dos impactos do modelo hidroenergético na vida das mulheres atingidas. A proposta era contribuir com o trabalho do MAB de expandir a discussão sobre a necessidade de garantia de acesso efetivo aos direitos das mulheres atingidas no Paraná. A construção foi realizada em parceria com o MAB e envolveu professoras(es) e estudantes dos projetos de extensão e de pesquisa Máquina de Ativismo em Direitos Humanos, Direitos em Movimento, Ekoa: Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental, Emaranhado.lb, Sacode Movimenta, todos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). No processo de construção coletiva, seguiu-se a mesma lógica das oficinas internas do MAB. A relação de confiança para o trabalho conjunto havia sido consolidada nas atividades de extensão anteriores e durante todo o processo buscou-se desenvolver formatos de curadoria compartilhada, com o cuidado de ouvir as mulheres atingidas, garantindo seu protagonismo na organização da exposição.

Para conhecer a experiência da curadoria compartilhada, o coletivo organizou uma oficina para dialogar com a equipe do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR e conhecer a experiência da exposição Nhande Mbya Reko: Nosso Jeito de Ser Guarani. Posteriormente, foram organizadas duas oficinas para conhecer mais a realidade de vida das mulheres atingidas, a história do movimento e como construir uma exposição de memória coletiva. Nas rodas de conversa os relatos evidenciaram o corpo-território formando uma memória coletiva do conflito. Com as trocas entre o movimento, professoras(es) e estudantes percebeu-se, como afirma Pollak (1992POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200-212. Disponível em: http://www.pgedf.ufpr.br/memoria%20e%20identidadesocial%20A%20capraro%202.pdf . Acesso em: 30 de outubro de 2023.
http://www.pgedf.ufpr.br/memoria%20e%20i...
, p. 5), que a memória é um fenômeno construído social e individualmente, de ligação estreita com a identidade.

As 23 peças foram selecionadas em parceria com as mulheres do Movimento Dos Atingidos e das Atingidas por Barragem (MAB), sendo organizadas em três eixos: a) territórios de vida: violações e conflitos socioambientais; b) texturas de gênero: luta social e protagonismo feminino; c) (A)bordando direitos: ativismo e resistência. A exposição conta ainda com a exibição de filmes e vídeos, oficinas para criação das telas e encontros com educadores(as) e estudantes para debater as experiências e discriminações sofridas pelas famílias atingidas por barragens. O objetivo da mostra foi o de conectar coletivamente as resistências das mulheres atingidas à universidade e ao público em geral. Com a parceria da Caixa Cultural, a exposição Tecidos de Luta: águas para a vida foi aberta ao público no dia 17 de outubro de 2023. (Figura 2)

Figura 2
Cartaz de divulgação da exposição.

Como resultados iniciais, tendo em vista que a experiência do coletivo está em andamento, o registro desta construção foi entendido como positivo, com destaque para as interações com as mulheres atingidas que contribuíram para o desvelar o bordado como arte e também memória dos conflitos socioambientais. A interdisciplinaridade do processo de construção coletiva, que contou com professoras(es) e estudantes dos cursos de direito, design e artes gráficas, produção cultural e comunicação, permitiu interessantes trocas, ressaltando a necessidade de uma percepção ampla do conceito de atingido e de uma atuação comprometida de todas as áreas do conhecimento para a compreensão da vulnerabilidade e a justa reparação dos danos sofridos.

A exposição das arpilleras, tanto como o processo, como o expor em si, sensibilizam, tensionando as violências de gênero, reforçando a insurgência do popular para dentro do artístico-sensorial. As telas bordadas retratam histórias de vida que se entrelaçam formando uma memória coletiva do conflito que vão disputar a produção artística como um espaço também de reivindicação e de denúncia social.

Os bordados, articulando arte e memória, denunciam as violações de direitos ao tempo em que demonstram o que é o território vivido, o que permite às mulheres atingidas se reconhecerem mútua e individualmente, percebendo seu lugar como protagonistas na luta que se dá na escala do corpo, na família, na comunidade e no conflito socioambiental.

Um trabalho lúdico, mas também profundamente engajado com a libertação que as desloca da identidade de vítimas para agentes, sujeitas, criadoras de suas e outras histórias. As arpilleras podem ser lidas como uma contação, um registro e um retorno ao que foi vivido. Trata-se de uma história coletiva, revivida, mas também ressignificada ao acessar e reconhecer as violações sofridas (Galeb et al, 2021GALEB, A. C. M.; BENAVIDES, J. C.; SILVA, V. A. B.; MASO, T. F. O acesso à justiça de mulheres atingidas no caso Rio Doce. Revista Direito & Praxis. Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, 2021, p. 2122-2157. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/Kz8xfPHdFxHPbB7LyWzvKjF/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 14 de maio de 2023.
https://www.scielo.br/j/rdp/a/Kz8xfPHdFx...
, p. 2151).

A arte que se produz, a partir dos conflitos vividos, sejam eles no campo ou na cidade, revela a materialidade dos direitos e os seus efeitos práticos na vida das mulheres. Neste percurso, os encontros para tecer e bordar podem ser vistos como lugares de troca, de compartilhamento, de construções de narrativas que desnaturalizam as violências e que questionam, com sensibilidade, os discursos e práticas que sustentam o modelo de desenvolvimento hegemônico.

Neste processo, as arpilleras das mulheres atingidas convidam a outras formas de epistemes no campo do direito. Se no Chile, as peças das arpilleristas contribuíram com o trabalho da Comissão da Memória e Verdade; no Brasil, os bordados das mulheres atingidas apresentam outros instrumentos para identificar as violações aos direitos humanos nos territórios. Como analisamos, há uma distância entre as políticas reparatórias e a vida das mulheres, justamente pela reprodução de sua invisibilidade social e suas relações corpo-territórios. Nos bordados, através desta outra episteme, a distância entre as mulheres atingidas e seus territórios, não existe. Na construção da exposição, pudemos identificar como os bordados revelam esta face antes e depois da violação, sendo uma ferramenta contundente de diagnóstico para compreensão das dimensões subjetivas e objetivas dos direitos violados.

Ao mesmo tempo, as peças provocam o direito. Na Figura 3 as mulheres dizem: “Quem não pisou na lama, não pode decidir”, questionando esses espaços decisórios, conclamando para uma atenção à participação das mulheres atingidas e à sua diversidade. Na mesma peça, o território aparece em maior destaque, com elementos como roçado e canteiro de flores, elucidando as relações corpo-território integradas a produção das subjetividades.

Figura 3
Mulheres Atingidas de Rio Grande do Sul. 2017. Título da Obra: Em defesa do Petróleo e da Petrobrás.13 13 Disponível também no acervo virtual do MAB, via: https://mab.org.br/arpilleras-do-mab/em-defesa-do-petroleo-e-da-petrobras. Acesso em: 11 de março de 2024.

As arpilleras dialogam, neste sentido, com a justiça ambiental, percebendo-se em seus trabalhos outras representações de território e natureza, informando para o campo da pesquisa a necessidade cotidiana de busca de outras epistemes. Epistemes de resistência, que se imbricam na experiência de tantos coletivos, dos povos e movimentos sociais, marcando a necessidade de ruptura com a matriz moderna de pensamento que reconhece o Estado como o único lugar legítimo de produção normativa, como a autoridade que define o que são os direitos humanos.

As disputas por reconhecimento de direitos estão presentes em todo o conflito socioambiental, desde as desterritorializações, às estratégias de resistência. Quando este conflito se encontra judicializado, algumas das demandas vão ser reconhecidas, no entanto, destacamos que o estudo dos conflitos, a partir da prática, como a observação atenta das arpilleras demonstram, mostram um potencial para as rupturas com as abstrações teóricas dos direitos humanos e das soluções negociadas a partir de uma realidade que não vivencia o dia a dia nos territórios. A arte de tecer recorda que os direitos humanos estão em constante movimento, enfatiza o desejo por emancipação e insere o território vivido como espaço também legítimo de construção normativa.

Conclusões

Os interesses das empresas transnacionais na extração de minérios no Brasil têm feito eclodir conflitos socioambientais, nos quais se modificam as arenas de disputa dentro do campo do direito, prevalecendo a implementação de mecanismos de resolução que reproduzem linguagens empresariais como da responsabilidade social corporativa e das soluções negociadas, que se sobrepõe à legislação protetiva de direitos. Este movimento se deu no cenário global com a adoção de uma série de diretrizes voluntárias e reformas dos sistemas de justiça.

A conclusão dessas pesquisas aponta no sentido da construção de uma hegemonia das empresas que favorece a transferência da lógica do conflito (adversarial) para a do consenso (harmonia), construída sobre relações completamente assimétricas de poder. Estas respostas empresariais estão mais associadas à preocupação com o capital reputacional da empresa do que, efetivamente, atender às necessidades das vítimas. Em suma, são mudanças narrativas para manter ou restabelecer a “licença social para operar”.

Ao longo do artigo exploramos alguns dos efeitos de tais políticas na produção da desterritorialização das comunidades, especialmente nas consequências para os corpos-território das mulheres. Atividades extrativas como a mineração transnacional, prescindem da externalização dos custos sociais e ambientais das comunidades do entorno para assegurar suas taxas de lucratividade. Não por acaso, há a invisibilização dos corpos-territórios das mulheres, que são expressões encarnadas dos efeitos do modelo produtivo, visto que seu reconhecimento implicaria assumir as violações aos direitos humanos. Neste sentido, a teias de violência do poder corporativo, se entrelaçam com o patriarcado e a dominação masculina, utilizando-se destas estruturas para produzir e reproduzir ausências.

As mulheres que ousam resistir e se organizar sofrem as pressões, tanto do poder corporativo como do campo do direito, para decidirem sobre seu futuro e a reconstrução de suas vidas em um curto espaço de tempo após as violações. Muitas vezes, até antes da completa identificação de todos os danos. Marginalizadas, as mulheres atingidas não têm a quem recorrer, terminando por aceitar as negociações. Mesmo quando há presença do Estado, através das instituições de justiça, ainda assim, detectamos a presença da assimetria de poderes entre entes do Estado e as corporações, o que não permite que haja melhores respostas às comunidades.

A presença viva das resistências vem sendo documentada nos bordados têxteis das arpilleras, nos quais as mulheres tecem suas realidades, evidenciando nas linhas e costuras os efeitos práticos da materialidade dos direitos. A prática de encontro de mulheres e do bordado coletivo têm servido como espaço de trocas, partilhas e cumplicidade, potencializando as narrativas de desnaturalização da violência; ao passo que traçam, com a sensibilidade da arte, discursos e práticas que questionam o modelo de desenvolvimento hegemônico. Os bordados, denominados outrora no Chile de “tapetes subversivos”, como processo criativo, transcendem as fronteiras do campo do direito, e abrem caminho para que os corpos-territórios das mulheres, expropriados nos conflitos, sejam visibilizados nas disputas de narrativas.

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    O acervo virtual pode ser visualizado em https://mab.org.br.
  • 2
    Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragem (MAB) é um movimento social fundado em 1991 nas lutas por resistência à construção de barragens hidroelétricas. A partir de 2000, o movimento se reorganiza e assume a luta pela construção de um modelo energético popular, atuando nos temas da mineração e impactos de energias renováveis. Desde 2010 organiza as mulheres atingidas no Coletivo Nacional de Mulheres, espaço auto-organizado com o fim de fortalecer a participação política das mulheres na organização, produzir denúncias, construir agendas de incidência política. Um dos instrumentos utilizados pelo MAB para o trabalho de educação popular feminista é a técnica das arpilleras(Maso; Maso, 2020)MASO, T. F.; MASO, T. F. Onde estão nossos direitos? O campo feminista de gênero bordado pelas mulheres atingidas por barragens. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 10, n. 2, 2020, p. 490-518. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/6822/pdf . Acesso em: 14 de maio de 2023.
    https://www.publicacoesacademicas.uniceu...
    .
  • 3
    A Assessoria Jurídica Universitária Popular (Ajup) é uma metodologia de trabalho da advocacia popular junto aos movimentos sociais.
  • 4
    Global Report Index (GRI) e Sustainability Accounting Standards Board (SASB) são metodologias utilizadas para construir relatórios corporativos a fim de atender critérios de transparência e conteúdo. São usados como indicadores de sustentabilidade e desempenho.
  • 5
    Em 2016 a Presidenta eleita Dilma Rousseff sofreu um processo de impeachment no Congresso Nacional, identificado como um golpe.
  • 6
    Chamamos de re-extração o movimento de retirada de metais dos rejeitos, que é possível mediante a novas tecnologias de extração, que permitem um refino em maior grau.
  • 7
    Fala de Maria das Graças, atingida pela comunidade de Barra Longa, no I Encontro das Mulheres e Crianças atingidas da Bacia do Rio Doce, realizados entre os dias 03 a 05 de novembro de 2018, na cidade de Mariana/MG. Disponível em: https://mab.org.br/2018/11/04/mulheres-resist-ncia-do-rio-doce/. Acesso em 28 de março de 2023.
  • 8
    Uma das autoras do texto, atuou na Ajup às populações atingidas pelo rompimento de barragens.
  • 9
    O Programa Auxílio Financeiro Emergencial está previsto na Cláusula 137 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) celebrado entre a União, Estados, e órgãos ambientais e as empresas Vale, Samarco e BHP Billiton.
  • 10
    No ano de 2019, o Museu Violeta Parra (https://www.museovioletaparra.cl/violeta-parra/obras/arpilleras/), no Chile, inaugurou a exposição “Canções que se pintam”, destacando como Violeta Parra entendia suas arpilleras e para manter vivo o seu legado como forma de manifestação sensível, carregadas de cor e arraigada com a realidade social do país (Museo Violeta Parra, 2019aMUSEU VIOLETA PARRA. Canções que se pintam. 2019. Disponível em: https://www.museovioletaparra.cl/violeta-parra/obras/arpilleras . Acesso em: 15 de maio de 2023.
    https://www.museovioletaparra.cl/violeta...
    ; 2019bMUSEU VIOLETA PARRA. Museo Violeta Parra inauguró proyecto “Canciones que se pintan” con 25 agrupaciones participantes. 7 de junho de 2019. Disponível em: https://www.museovioletaparra.cl/museo-violeta-parra-inaugura-proyecto-canciones-se-pintan-25-agrupaciones-participantes /. Acesso em 7 de março de 2024.
    https://www.museovioletaparra.cl/museo-v...
    ).
  • 11
    Nas oficinas realizadas junto as mulheres atingidas pela mineração, peças que desnudam o conflito socioambiental podem ser encontradas no acervo do MAB, dentre elas: A Vale Mata Rio, Mata Peixe e Mata Gente; A Cidade Acorda; Nossa vida está ligada. Disponível em: https://mab.org.br/mulheres/.
  • 12
    Disponível também no acervo virtual do MAB, via: https://mab.org.br/arpilleras-do-mab/resistimos. Acesso em: 11 de março de 2024.
  • 13
    Disponível também no acervo virtual do MAB, via: https://mab.org.br/arpilleras-do-mab/em-defesa-do-petroleo-e-da-petrobras. Acesso em: 11 de março de 2024.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2023
  • Aceito
    08 Nov 2023
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