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Uso de telas por crianças e adolescentes hospitalizados: percepção dos cuidadores

Resumo

Este estudo objetivou analisar o tempo de uso de telas por crianças e adolescentes nos contextos domiciliar e hospitalar sob a percepção de seus cuidadores. Foi realizada pesquisa exploratória e transversal com abordagem quantitativa em um hospital público e universitário de uma capital brasileira. Para coleta de dados, foram aplicados dois questionários aos cuidadores: com questões socioeconômicas e da internação e questões sobre o tempo de uso de telas em casa e no hospital e a percepção deles a esse respeito. Foi utilizada estatística descritiva e inferencial para análise de dados. Participaram do estudo 40 cuidadores de crianças e adolescentes hospitalizados, a maioria do sexo feminino (90%, n=36). Quanto à caracterização das crianças e adolescentes, a maioria era do sexo masculino (55%, n=22), com idade entre 8 meses e 17 anos. Sobre o motivo das internações, identificou-se que 40% (n=16) delas foram ocasionadas por doenças da pele e tecido subcutâneo, e o tempo de internação variou de 1 a 37 dias, com média de 11 dias. Os resultados obtidos indicaram tempo de uso de telas superior ao recomendado, embora não tenha sido constatada diferença significativa entre o tempo de uso em casa e no hospital, entre os dias da semana e/ou entre os tipos de tela. Em relação à percepção dos cuidadores, observou-se que parte deles acredita que o tempo de uso de telas é adequado, indicando a necessidade de sua maior capacitação sobre o tema.

Palavras-chave:
Mídia Audiovisual; Aplicativos Móveis; Hospitalização; Cuidadores; Criança; Adolescente

Abstract

This study aimed to analyze screen time usage among children and adolescents in both home and hospital settings from their caregivers’ perception. An exploratory and cross-sectional research with a quantitative approach was conducted at a public university hospital in a Brazilian capital. Data collection involved administering two questionnaires to caregivers: one on socioeconomic and hospitalization factors, and another on screen time usage at home and in the hospital and their perceptions thereof. Descriptive and inferential statistics were used for data analysis. The study included 40 caregivers of hospitalized children and adolescents, the majority of whom were female (90%, n=36). Regarding the children and adolescents’ characteristics, the majority were male (55%, n=22), aged between 8 months and 17 years. As for the reasons for hospitalization, it was identified that 40% (n=16) were due to diseases of the skin and subcutaneous tissue, and the length of hospital stay ranged from 1 to 37 days, with an average of 11 days. The results indicated screen time usage above recommended levels, though no significant difference was found between home and hospital usage, between weekdays, and/or between types of screens. Regarding caregivers’ perceptions, it was observed that some believe the amount of screen time is appropriate, indicating a need for greater training on the topic.

Keywords:
Video-Audio Media; Mobile Applications; Hospitalization; Caregivers; Child; Adolescent

Introdução

O uso de telas está presente na rotina de crianças e adolescentes, e influencia sua participação em atividades de áreas ocupacionais como estudo, brincar, descanso e sono, além de provocar alterações no humor e no comportamento (Arora et al., 2016Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304.). O tempo de uso de telas inclui a exposição diária à televisão e a outros aparelhos de mídias interativas, como computadores, videogames, smartphones e tablets. A literatura nacional e internacional tem discutido esse uso, bem como ele impacta a saúde de crianças e adolescentes.

Entidades voltadas para a população infanto-juvenil desenvolveram recomendações sobre o tempo de uso de telas. Os parâmetros internacionais propostos pela American Academy of Pediatrics (AAP) em 2013 recomendam que o tempo de uso de telas seja de até 2 horas diárias, e desencorajam a exposição às telas para crianças menores de 2 anos (American Academy of Pediatrics, 2013American Academy of Pediatrics (2013). Children, adolescents, and the media. Pediatrics, 132(5), 958-961.). Recomendações mais recentes (Council on Communications and Media, 2016Council on Communications and Media. (2016). Media and young minds. Pediatrics, 138(5), 1-6.) limitam o tempo de uso de telas para crianças entre 2 e 5 anos para 1 hora diária e mantém as demais orientações. Quanto às recomendações nacionais, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda os seguintes tempos de uso diário: até 1 hora para crianças de 2 a 5 anos, até 2 horas para crianças de 6 a 10 anos, até 3 horas para adolescentes de 11 a 18 anos, e também orienta que crianças menores de 2 anos de idade não sejam expostas ao uso de telas (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP. (2019). Manual de orientação: grupo de trabalho saúde na Era Digital (2019-2021). Recuperado em 31 de agosto, de https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_up...
). Estudos nacionais e internacionais têm utilizado a recomendação da AAP de 2 horas diárias como referência (Nobre et al., 2021Nobre, J. N. P., Santos, J. N., Santos, L. R., Guedes, S. C., Pereira, L., Costa, J. M., & Morais, R. L. S. (2021). Fatores determinantes no tempo de tela de crianças na primeira infância. Ciencia & Saude Coletiva, 26(3), 1127-1136.; Solomon-Moore et al., 2017Solomon-Moore, E., Sebire, S. J., Macdonald-Wallis, C., Thompson, J. L., Lawlor, D. A., & Jago, R. (2017). Exploring parents’ screen-viewing behaviours and sedentary time in association with their attitudes toward their young child’s screen-viewing. Preventive Medicine Reports, 7, 198-205.; Bernard et al., 2017Bernard, J. Y., Padmapriya, N., Chen, B., Cai, S., Tan, K. H., Yap, F., Shek, L., Chong, Y. S., Gluckman, P. D., Godfrey, K. M., Kramer, M. S., Saw, S. M., & Müller-Riemenschneider, F. (2017). Predictors of screen viewing time in young Singaporean children: the GUSTO cohort. The International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, 14(112), 1-10.; Goh et al., 2016Goh, S. N., Teh, L. H., Tay, W. R., Anantharaman, S., van Dam, R. M., Tan, C. S., Chua, H. L., Wong, P. G., & Müller-Riemenschneider, F. (2016). Sociodemographic, home environment and parental influences on total and device-specific screen viewing in children aged 2 years and below: an observational study. BMJ Open, 6(1), e009113.).

Estudos estimam que as crianças passam cerca de sete horas expostas às telas diariamente, e que os efeitos prejudiciais dessa exposição estão relacionados a comportamentos agressivos, obesidade, distúrbios do sono, transtorno de déficit de atenção, desenvolvimento cognitivo prejudicado, desempenho acadêmico inferior, transtornos de humor, e sofrimento psíquico (Arora et al., 2016Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304.; Council on Communications and Media, 2016Council on Communications and Media. (2016). Media and young minds. Pediatrics, 138(5), 1-6.). Um estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA) com crianças entre 3 e 5 anos identificou que o aumento do tempo de uso de telas está relacionado a alterações nos tratos da substância branca, responsáveis pelo suporte às habilidades de linguagem e alfabetização de pré-escolares (Hutton et al., 2020Hutton, J. S., Dudley, J., Horowitz-Kraus, T., DeWitt, T., & Holland, S. K. (2020). Associations between screen-based media use and brain white matter integrity in preschool-aged children. JAMA Pediatrics, 174(1), pp. e193869.). Os dados obtidos por meio de uma revisão sistemática com meta-análise realizada no Brasil mostram alta prevalência de tempo excessivo de tela e de televisão em adolescentes, excedendo o limite de duas horas diárias recomendado pela AAP (Schaan et al., 2019Schaan, C. W., Cureau, F. V., Sbaraini, M., Sparrenberger, K., Kohl Iii, H. W., & Schaan, B. D. (2019). Prevalence of excessive screen time and TV viewing among Brazilian adolescents: a systematic review and meta-analysis. Jornal de Pediatria, 95(2), 155-165.).

Além disso, é importante investigar o impacto da hospitalização no tempo de uso de telas, sabendo que ele ocorre em diferentes contextos. O estudo de Arora et al. (2016)Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304. conduzido com uma coorte de conveniência de 96 participantes hospitalizados com idade entre 4 meses e 20 anos, realizado através da aplicação de questionário e observações, revelou uso de telas em 80,3% do tempo em que a criança esteve acordada. Ademais, os cuidadores relataram que seu filho se envolveu significativamente com o uso de telas no hospital comparado ao contexto domiciliar (Arora et al., 2016Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304.).

A hospitalização é um evento decorrente do adoecimento que tem potencial para provocar alterações no cotidiano e na rotina de crianças, adolescentes, e de seus familiares, configurando-se como uma experiência desafiadora, com repercussões causadas pelo distanciamento do ambiente familiar, a vivência em um local desconhecido, a ausência de atividades recreativas habituais e a submissão a procedimentos invasivos (Barbosa & Crahim, 2020Barbosa, G. A., & Crahim, S. C. F. (2020). A importância do Lúdico no Contexto da Hospitalização. Revista Mosaico, 10(supl 2), 26-31.; Ferreira et al., 2020Ferreira, A. N., de Sales, J. K. D., Coelho, H. P., Marçal, F. A., de Melo, C. S., de Sousa, D. R., & Feitosa, A. C. (2020). Hospitalização infantil: impacto emocional indexado a figura dos pais. Revista Interfaces: Saúde, Humanas e Tecnologia, 8(1), 402-408.; Carvalho et al., 2020Carvalho, E. O., Lima, L. N., Melo, M. C., Boeckmann, L. M. M., & Silva, V. B. (2020). Experiência da criança sobre a hospitalização: abordagem da sociologia na infância. Revista Cogitare Enfermagem, 25, 1-11.). Nesse contexto, as doenças pediátricas, crônicas ou agudas, provocam impactos físicos, psicológicos, socioeconômicos e comportamentais nos pacientes e seus cuidadores familiares, entendidos como pessoas vinculadas aos paciente que oferecem suporte emocional e cuidado integral durante a doença crônica ou aguda (Toledano-Toledano & Domínguez-Guedea, 2019Toledano-Toledano, F., & Domínguez-Guedea, M. T. (2019). Psychosocial factors related with caregiver burden among families of children with chronic conditions. BioPsychoSocial Medicine, 13(6), 1-9.).

A rotina de crianças e jovens muitas vezes é composta por diversas atividades, e o uso de telas está presente de forma abusiva em muitos casos, podendo interferir diretamente em sua saúde e desenvolvimento (Oliveira et al., 2021Oliveira, A. L. S., Bisinoto, B. S., Vaz, M. H. V., França, P. R., de Farias, R. S., de Farias, T. S., & Silvestre, M. A. (2021). Os impactos do uso de telas no neurodesenvolvimento infantil. Revista Educação em Saúde,9(supl 3), 103-118.). Além disso, a pandemia da COVID-19 foi um fator decisivo na rotina de pessoas de todas as faixas etárias. Um estudo observacional descritivo realizado em 2020 objetivou descrever as possíveis repercussões que o distanciamento social e pandemia de COVID-19 promoveram no comportamento, qualidade do sono, uso de telas e alimentação de crianças brasileiras de 0 a 12 anos (Faria et al., 2022Faria, J. F., Sartori, L. R. M., de Moura, C. R., Pinto, C. A., Teixeira, R. A., da Silva, B. C. B., Guerreiro, P. O., Correa, M. B., & de Oliveira, L. J. C. (2022). Pandemia de COVID-19 no Brasil: quais as repercussões no comportamento, qualidade do sono, uso de telas e alimentação de crianças? Revista da Faculdade de Odontologia, Porto Alegre, 63(1), 70-82.). Os pesquisadores concluíram que

[…] o distanciamento social provocado pela pandemia de COVID-19 promoveu repercussões importantes na rotina das crianças avaliadas, impactando negativamente seu comportamento, alimentação e uso de telas. Ainda, a qualidade do sono de crianças maiores foi impactada negativamente, apesar de ter sido observada melhora na qualidade do sono de crianças mais jovens (Faria et al., 2022, pFaria, J. F., Sartori, L. R. M., de Moura, C. R., Pinto, C. A., Teixeira, R. A., da Silva, B. C. B., Guerreiro, P. O., Correa, M. B., & de Oliveira, L. J. C. (2022). Pandemia de COVID-19 no Brasil: quais as repercussões no comportamento, qualidade do sono, uso de telas e alimentação de crianças? Revista da Faculdade de Odontologia, Porto Alegre, 63(1), 70-82.. 71).

Considerando o contexto da hospitalização e as suas repercussões no cotidiano da criança e do adolescente, o brincar pode auxiliar o enfrentamento de situações estressantes vivenciadas durante a internação, propiciando equilíbrio entre a criança e o ambiente, possibilitando a sensação de controle da situação e promovendo saúde e bem-estar (Sposito et al., 2018Sposito, A. M. P., Garcia-Schinzari, N. R., Mitre, R. M. A., Pfeifer, L. I., de Lima, R. A. G., & Nascimento, L. C. (2018). O melhor da hospitalização: contribuições do brincar para o enfrentamento da quimioterapia. Avances en Enfermería, 36(3), 328-337.). Um estudo exploratório realizado com crianças de 7 a 12 anos em tratamento quimioterápico em contexto hospitalar identificou o brincar como uma estratégia de enfrentamento, e constatou a preferência das crianças por jogos no videogame e uso do computador para acesso à Internet e às redes sociais (Sposito et al., 2018Sposito, A. M. P., Garcia-Schinzari, N. R., Mitre, R. M. A., Pfeifer, L. I., de Lima, R. A. G., & Nascimento, L. C. (2018). O melhor da hospitalização: contribuições do brincar para o enfrentamento da quimioterapia. Avances en Enfermería, 36(3), 328-337.). Comumente, as enfermarias hospitalares possuem aparelhos de televisão e/ou outros meios de entretenimento, e estudos realizados nas últimas três décadas apontam que crianças hospitalizadas dedicam mais tempo a assistir televisão comparadas àquelas não hospitalizadas (Arora et al., 2016Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304.).

Considerando as mudanças provocadas no cotidiano das crianças e dos adolescentes no contexto da internação pediátrica, a crescente influência do uso de telas no cotidiano e na saúde de crianças e adolescentes e a necessidade de estudos nacionais e internacionais sobre o tema, faz-se necessária a investigação dessa temática sob a percepção dos cuidadores. Este estudo objetivou analisar o tempo de uso de telas por crianças e adolescentes nos contextos domiciliar e hospitalar sob a percepção de seus cuidadores.

Metodologia

Delineamento da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa de campo exploratória e transversal com abordagem quantitativa.

População e amostra

A pesquisa foi realizada na enfermaria pediátrica de um hospital público e universitário de uma capital brasileira. A ala pediátrica do hospital contava com equipe médica e multiprofissional e tinha capacidade de 16 leitos no período em que o estudo foi realizado, considerando a redução ocasionada pela pandemia da COVID-19 com consequente necessidade de disponibilização de leitos para pacientes com COVID-19. Cada um dos quartos possuía um aparelho de televisão que ficava disponível para uso das 07:00 às 22:00 diariamente.

A unidade atende crianças e adolescentes de até 18 anos de idade e possui brinquedoteca hospitalar, espaço reservado para o desenvolvimento de atividades lúdicas. Entretanto, a pandemia da COVID-19 ocasionou a suspensão do funcionamento da brinquedoteca por tempo indeterminado, sendo possível apenas a realização de empréstimo de recursos para utilização nos leitos.

O estudo foi conduzido com uma amostra de conveniência composta por cuidadores de pacientes internados na enfermaria pediátrica do hospital. Esses cuidadores são entendidos como pessoas que realizavam os cuidados desses pacientes e conheciam as questões abordadas pelos instrumentos de coleta. Foram considerados critérios de inclusão: ser cuidador de crianças e adolescentes de até 18 anos que fazem uso de telas (televisão, computador, tablet, smartphone) e estar como acompanhante do paciente há pelo menos 1 dia; critérios de exclusão: crianças e adolescentes com deficiência visual e com qualquer condição clínica, aguda ou crônica, que limite ou dificulte a participação do cuidador no estudo.

Coleta de dados

Os dados foram coletados nos meses de junho e julho de 2021 através da aplicação de dois questionários respondidos pelos cuidadores de crianças e adolescentes hospitalizados. O “questionário do cuidador” foi baseado no estudo de Arora et al. (2016)Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304. a partir da tradução livre para o português do Brazil mediante autorização dos autores. Não houve modificações ou adaptações em seu conteúdo. Após a retrotradução, não foram identificadas mudanças significativas quanto ao conteúdo do instrumento. O questionário é composto por 11 questões fechadas que contemplam elementos como tempo de uso, disponibilidade de aparelhos eletrônicos e participação em atividades que não envolvem o uso de telas, que visam descrever o uso de telas em casa, no hospital e a percepção do uso da mídia pelas crianças e/ou adolescentes de acordo com a percepção do cuidador. Também foi aplicado um questionário com questões sobre o perfil socioeconômico e informações referentes à hospitalização.

A coleta ocorreu preferencialmente no período da tarde, considerando que a maior parte dos procedimentos e atendimentos da enfermaria pediátrica são realizados pela manhã. Os cuidadores foram abordados individualmente à beira leito e convidados a participar da pesquisa mediante explicação dos objetivos e procedimentos de coleta. Os questionários mostraram-se adequados e de fácil aplicação e os cuidadores não trouxeram dúvidas nem demonstraram dificuldade em compreender as questões. A coleta de dados demandou um tempo médio aproximado de 20 minutos por participante. Dois cuidadores recusaram-se participar da pesquisa, alegando não ter interesse no momento em que foram abordados.

A coleta de dados ocorreu com os cuidadores, que tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por tratar-se de uma coleta que envolvia dados sobre crianças e adolescentes, as que eram capazes de ler também tiveram acesso ao TCLE. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do hospital supracitado e aprovado sob o CAAE 46284621.8.0000.5071.

Análise dos dados

Os dados foram lançados em um questionário eletrônico do Google Forms que possibilitou organizar as informações coletadas em planilhas. Os dados foram por meio de análise estatística descritiva e inferencial. As variáveis foram apresentadas em tabelas de frequências e medidas de posição (média). As variáveis quantitativas foram: (I) dados do cuidador: idade, parentesco com a criança, local de residência, cor, estado civil, escolaridade, profissão e renda familiar mensal; (II) dados do paciente: idade e motivo da internação; (III) dados sobre o tempo de uso de telas em casa: TV durante a semana, TV aos finais de semana, outros aparelhos durante a semana e outros aparelhos aos finais de semana; (IV) dados sobre o tempo de uso de telas no hospital: uso da TV e uso de outros aparelhos.

A análise estatística inferencial foi realizada pelo Laboratório de Estatística do Departamento de Estatística de uma universidade brasileira, usando-se o software R Core Team 4.0.2 (2020). Para avaliar o grau de associação entre as variáveis “escolaridade do cuidador” x “percepção sobre o uso de telas”, foi aplicado o teste qui-quadrado de independência. Para a comparação entre os tempos de uso de telas “em casa” vs. “no hospital”, “durante a semana” vs. “finais de semana” e a diferença entre o tempo de uso de “TV” vs. “outras mídias eletrônicas”, foi utilizado o teste de Friedman para verificar se existia diferença significativa entre os tempos médios de uso nas variáveis citadas. Após os dados coletados serem categorizados, ou seja, organizados em intervalos de tempo, a aplicação direta desse teste é impraticável. Portanto, foram realizados cálculos de aproximações para média, variância e desvio padrão, considerando-se o ponto médio de cada intervalo. Para a categoria “mais de 4 horas”, 5 horas foi considerado como ponto médio, uma vez que mais de 4 horas constitui uma amplitude muito grande de valores. Após a obtenção dos resultados pelo teste de Friedman, optou-se, adicionalmente, pela aplicação do teste pareado de Wilcoxon com correção de Bonferroni para consolidar os resultados. Foi adotado nível de significância de 5% (p>0,05) para interpretação dos resultados de todos os testes.

Por fim, foi aplicada a técnica de Regressão Ordinal – um tipo de análise preditiva para descrever os dados e explicar a relação entre uma variável dependente (ordinal) e duas ou mais variáveis independentes (razão ou intervalo). Para tanto, foram desenvolvidos dois modelos para (I) modelar o tempo de uso de TV no hospital e (II) modelar o tempo de uso de outras mídias no hospital.

Para o Modelo I, foram utilizadas as seguintes covariáveis: o hospital fornece acesso diário a seu filho; frequenta a escola; idade da criança/adolescente; sexo do cuidador; tempo assistindo TV nos dias da semana quando não está hospitalizado; tempo gasto em mídia, que não seja TV, nos dias da semana quando não está hospitalizado.

Para o Modelo II, diversas covariáveis mostraram-se insignificantes para o ajuste pelo p-valor, ou seja, os parâmetros ajustados para diversas covariáveis não foram estatisticamente diferentes de zero. Por isso, foram utilizadas as seguintes covariáveis: tempo gasto em mídia, que não seja TV, nos dias da semana quando não está hospitalizado; tempo assistindo TV nos fins de semana em casa.

Resultados

A caracterização socioeconômica dos participantes está descrita na Tabela 1. Participaram do estudo 40 cuidadores de crianças e adolescentes internados na enfermaria pediátrica no período em que foi realizada a coleta de dados. A maioria era do sexo feminino (90%, n=36), 70% (n=28) eram mães, e 77,5% (n=31) eram o cuidador principal da criança e/ou adolescente.

Tabela 1
Caracterização socioeconômica dos participantes do estudo.

A idade dos cuidadores variou de 17 a 64 anos, com média de 34 anos, e a maioria (55,0%, n=22) declarou-se pardo. A maior parte da amostra (77,5%, n=31) residia na região metropolitana do Espírito Santo (ES), a escolaridade predominante era ensino médio completo (60%, n=24), metade dos cuidadores (50,0%, n=20) não realizava trabalho remunerado (do lar) e a renda familiar mensal predominante era de 1 a 2 salários mínimos (27,5%, n=11).

Em relação à caracterização das crianças e dos adolescentes, foi identificado que a maioria era do sexo masculino (55%, n=22), com idade de 8 meses à 17 anos, com predominância de adolescentes entre 12 e 18 anos (30%, n=12) e 72,5% (n=29) dos participantes frequentavam a escola. Cabe ressaltar que 10% (n=4) da amostra tinha idade inferior a 2 anos. Quanto ao motivo da internação, identificou-se que 40% (n=16) foram ocasionadas por doenças da pele e do tecido subcutâneo, e o tempo de internação variou de 1 a 37 dias, com média de 11 dias.

A Figura 1 apresenta os dados relacionados ao tempo de uso de telas obtidos por meio da aplicação do questionário do cuidador, que também abordou questões sobre a disponibilidade de aparelhos eletrônicos e a participação em atividades que não envolvem o uso de telas.

Figura 1
Dados sobre o tempo de uso de telas em casa e no hospital.

Em relação ao tempo de uso de telas, os resultados indicaram que todas as crianças e adolescentes que participaram do estudo tinham acesso a telas, inclusive as crianças menores de 2 anos de idade. Somando-se os itens “nenhum” e “menos de 2 horas”, os dados evidenciaram que o tempo de uso da TV no contexto domiciliar é inferior a 2 horas diárias nos dias de semana (55%, n=22) e aos finais de semana (57,5%, n=23), similar ao tempo de uso desse aparelho no contexto hospitalar (55%, n=22). Já o uso de outros aparelhos eletrônicos, como smartphone, tablet, computador e videogame, foi superior à 2 horas diárias no contexto domiciliar durante a semana (55%, n=22) e aos finais de semana (50%, n=20) e também no contexto hospitalar (52,5%, n=21).

No que diz respeito ao acesso às telas de mídias no próprio quarto, os cuidadores puderam assinalar mais de uma opção, e os resultados apontaram 44,4% (n=20) de acesso ao smartphone, 11,1% (n=5) à televisão, 2,2% (n=1) ao computador e 2,2% (n=1) ao tablet, sendo que 40% (n=18) das respostas sinalizaram não haver acesso a telas no quarto da criança ou adolescente. Destes, 33,33% (n=6) tinham até 3 anos de idade (primeira infância), 22,22% (n=4) entre 4 e 6 anos, 33,33% (n=6) entre 7 a 9 anos e 11,11% (n=2) entre 10 e 13 anos. A Figura 2 apresenta as atividades realizadas pelas crianças e adolescentes nos contextos domiciliar e hospitalar.

Figura 2
Atividades realizadas nos contextos domiciliar e hospitalar.

Questionados sobre atividades que o hospital poderia oferecer, os cuidadores sugeriram atividades lúdicas na brinquedoteca (33,3%, n=19), leitura de livros (17,5%, n=10), atividades lúdicas no leito (12,3%, n=7), interação com outras crianças (10,5%, n=6), atividades escolares (10,5%, n=6), nenhuma (7,0%, n=4), acesso à outras mídias eletrônicas (5,3%, n=3), acesso à Internet (1,8%, n=1), acesso à programação infantil na TV (1,8%, n=1).

Com relação à percepção dos cuidadores sobre o tempo de uso de telas no contexto hospitalar, 50,0% (n=20) informou acreditar que estava na quantidade certa, enquanto 45,0% (n=18) relatou que o tempo de uso de telas no hospital estava acima do desejado: 22,5% (n=9) um pouco acima e 22,5% (n=9) muito acima. Apenas 5,0% (n=2) relataram que o tempo de uso de telas no hospital encontrava-se abaixo do desejado.

Com relação à análise estatística inferencial, a comparação entre as variáveis “escolaridade do cuidador” e “percepção sobre o uso de telas” realizada por meio do teste qui-quadrado resultou no p-valor = 0,7908, indicando que não existem evidências nos dados de que a percepção do cuidador sobre o tempo de uso de tela esteja relacionada à escolaridade. O teste de Friedman, realizado para verificar a diferença entre os tempos de uso de telas, resultou em 10.528, com gl = 5 e p-valor = 0.06159, indicando que todos os tempos de uso de telas são iguais estatisticamente. O teste de Wilcoxon pareado com correção de Bonferroni resultou em valores de significância maiores que 0,05, confirmando que não houve diferença significativa entre os tempos de uso de telas.

Quanto aos resultados obtidos por meio de regressão ordinal, o Modelo I utilizou as seguintes covariáveis: o hospital fornece acesso diário ao seu filho; frequenta a escola; idade da criança/adolescente; sexo do cuidador; tempo assistindo TV nos dias da semana quando não está hospitalizado; tempo gasto em mídia, que não seja TV, nos dias da semana quando não está hospitalizado. As covariáveis “idade da criança/adolescente”, “sexo do cuidador”, “tempo de uso da TV em casa”, e “tempo gasto em mídia, que não seja TV, nos dias da semana quando não está hospitalizado” mostraram-se significantes para o ajuste desse modelo. Ainda, a análise da covariável “idade da criança/adolescente” indicou que a cada acréscimo de um ano na idade da criança/adolescente a chance dela assistir TV no hospital (assistir “Menos de 2 horas” ou “Entre 2 e 4 horas” ou ”Mais de 4 horas” x ”Nenhum”) aumenta 93,86%. Quanto ao Modelo II, as covariáveis “tempo assistindo TV nos fins de semana em casa” e “tempo de uso de outras mídias em casa” foram significantes.

Para testar a assertividade dos modelos criados, foram comparadas as predições do modelo com as respostas reais. O Modelo II indicou que as crianças/adolescentes que assistem TV em casa têm maiores chances de assistirem TV no hospital quando comparadas às crianças/adolescentes que não fazem uso desse aparelho em casa, e que o mesmo ocorre com o uso de outras mídias eletrônicas. Sendo assim, foi possível perceber que os hábitos domiciliares da criança/adolescente impactam os hábitos que serão encontrados no contexto hospitalar, aumentando as chances do uso de telas nesse contexto.

Discussão

Este estudo analisou o tempo de uso de telas por crianças e adolescentes sob a percepção de seus cuidadores nos contextos domiciliar e hospitalar. Os resultados indicaram tempo de uso de telas elevado na população estudada, embora não tenha sido constatada diferença significativa entre o tempo de uso em casa e no hospital, entre os dias da semana e/ou entre os tipos de telas. Em relação à percepção dos cuidadores, observou-se que parte deles acredita que o tempo de uso de telas é adequado.

Identificou-se tempo de uso de telas pela população estudada superior ao recomendado pela AAP. Um estudo transversal, descritivo e exploratório realizado com 180 crianças entre 24 e 42 meses de idade observou que 63% das crianças apresentaram tempo de uso telas superior a 2 horas diárias, sendo a televisão o aparelho mais utilizado (Nobre et al., 2021Nobre, J. N. P., Santos, J. N., Santos, L. R., Guedes, S. C., Pereira, L., Costa, J. M., & Morais, R. L. S. (2021). Fatores determinantes no tempo de tela de crianças na primeira infância. Ciencia & Saude Coletiva, 26(3), 1127-1136.). Ademais, os autores destacaram que há uma tendência para o aumento da preferência por aparelhos de mídias interativas móveis, como smatphones e tablets (Nobre et al., 2021Nobre, J. N. P., Santos, J. N., Santos, L. R., Guedes, S. C., Pereira, L., Costa, J. M., & Morais, R. L. S. (2021). Fatores determinantes no tempo de tela de crianças na primeira infância. Ciencia & Saude Coletiva, 26(3), 1127-1136.; Bernard et al., 2017Bernard, J. Y., Padmapriya, N., Chen, B., Cai, S., Tan, K. H., Yap, F., Shek, L., Chong, Y. S., Gluckman, P. D., Godfrey, K. M., Kramer, M. S., Saw, S. M., & Müller-Riemenschneider, F. (2017). Predictors of screen viewing time in young Singaporean children: the GUSTO cohort. The International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, 14(112), 1-10.; Goh et al., 2016Goh, S. N., Teh, L. H., Tay, W. R., Anantharaman, S., van Dam, R. M., Tan, C. S., Chua, H. L., Wong, P. G., & Müller-Riemenschneider, F. (2016). Sociodemographic, home environment and parental influences on total and device-specific screen viewing in children aged 2 years and below: an observational study. BMJ Open, 6(1), e009113.; Solomon-Moore et al., 2017Solomon-Moore, E., Sebire, S. J., Macdonald-Wallis, C., Thompson, J. L., Lawlor, D. A., & Jago, R. (2017). Exploring parents’ screen-viewing behaviours and sedentary time in association with their attitudes toward their young child’s screen-viewing. Preventive Medicine Reports, 7, 198-205.), dado que corrobora os resultados encontrados no presente estudo que apontam uma tendência maior do uso desses dispositivos, apesar de não haver diferença estatística entre eles.

Quanto ao acesso às telas por faixa etária, foi identificado que 10% (n=4) da amostra tinha idade inferior a 2 anos – período em que o uso de telas não é recomendado. Além disso, os resultados apontam um aumento de 93,86% na chance de a criança/adolescente utilizar a TV no hospital a cada acréscimo de um ano na idade, corroborando o estudo de Goh et al. (2016)Goh, S. N., Teh, L. H., Tay, W. R., Anantharaman, S., van Dam, R. M., Tan, C. S., Chua, H. L., Wong, P. G., & Müller-Riemenschneider, F. (2016). Sociodemographic, home environment and parental influences on total and device-specific screen viewing in children aged 2 years and below: an observational study. BMJ Open, 6(1), e009113., conduzido com 725 crianças com idade igual ou inferior a 2 anos que frequentavam uma clínica infantil em Cingapura, que observou que o tempo de uso de telas em crianças menores de 2 anos é alto e aumenta entre as faixas etárias. Em paralelo, o estudo de Twenge & Campbell (2018)Twenge, J. M., & Campbell, W. K. (2018). Associations between screen time and lower psychological well-being among children and adolescents: evidence from a population-based study. Preventive Medicine Reports, 12, 271-283., realizado com uma amostra randomizada de 40.337 crianças de 2 a 17 anos nos EUA, constatou que o tempo médio de uso de telas foi de 3 horas diárias e aumenta progressivamente entre as crianças mais velhas. Possivelmente, isso se deve ao fato de que as crianças têm se habituado ao uso de telas cada vez mais precocemente e sua referência de atividade prazerosa e significativa talvez esteja vinculada ao uso dessas mídias. Assim, à medida que crescem, as crianças podem encontrar dificuldades em engajar-se em atividades que não envolvam o uso de telas, como jogos de tabuleiro, brincadeiras ao ar livre e brincadeiras junto aos pares.

Um estudo transversal, descritivo e investigatório realizado na unidade de pediatria de um hospital do Distrito Federal com 102 cuidadores de crianças de 5 a 71 meses de idade identificou início precoce do uso de telas, além de frequência e tempo excessivos (Arantes & De-Morais, 2021). De acordo com esses autores, 83% da amostra iniciou o uso de telas antes de um ano de idade e 17% entre um e dois anos, sendo que 28,4% possuíam seus próprios aparelhos de mídia (Arantes & De-Morais, 2021Arantes, M. C. B., & De-Morais, E. A. (2021). Exposição e uso de dispositivo de mídia na primeira infância. Residência Pediátrica, 12(4), 1-6.). Ainda, um estudo que avaliou 98 crianças de escolas públicas e privadas com idades entre 3 e 9 anos identificou que 59,1% da população estudada possuía acesso livre a telas (Correia et al., 2020Correia B. C. S. T., Almeida V. L., Guida T. V., Custodio V. I. C., & Custodio, R. J. (2020). Relação entre tempo de tela, frequência de excesso de peso e hábitos de sono em crianças. Revista Interdisciplinar de Saúde e Educação, 1(2), 57-70.). Em relação à disponibilidade de telas, o presente estudo identificou que 55,0% (n=22) das crianças e adolescentes possuem acesso às mídias no próprio quarto. Arora et al. (2016)Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304. identificaram que 71% das crianças estudadas tinham acesso às mídias eletrônicas no próprio quarto. Ademais, o presente estudo observou que crianças/adolescentes que utilizam aparelhos eletrônicos em casa têm maiores chances de utilizá-los no hospital quando comparadas às crianças/adolescentes que não fazem uso desses aparelhos em casa, apontando a importância da conscientização sobre o uso de telas no contexto habitual da criança considerando sua repercussão em outros contextos.

Quanto às atividades desempenhadas pelas crianças/adolescentes hospitalizados, foram identificadas atividades não relacionadas ao uso de telas, tanto em casa quanto no hospital. No que diz respeito à hospitalização, é importante ressaltar que o brincar é uma ocupação que auxilia o tratamento e a melhora clínica da criança, caracterizando-se como uma atividade prazerosa na qual a criança pode experimentar a suspensão da realidade hospitalar, diminuindo os efeitos negativos da hospitalização (Silva et al., 2018Silva, R. F., Pinto, P. I., & Alencar, A. M. C. (2018). Efeitos da hospitalização prolongada: o impacto da internação na vida do paciente e seus cuidadores. Revista Saúde (Santa Maria), 44(3), 1-12.). Nesse contexto, torna-se imprescindível a oferta de atividades lúdicas durante a internação pediátrica, viabilizando a participação dos pacientes em atividades significativas.

Este estudo identificou que os cuidadores demandaram que o hospital oferecesse diferentes atividades – na maior parte atividades lúdicas na brinquedoteca (33,3%, n=19). Ressalta-se que a unidade pediátrica possuía uma brinquedoteca hospitalar, mas as atividades encontravam-se restritas por causa da pandemia da COVID-19 quando este estudo foi realizado. De acordo com a literatura, a brinquedoteca hospitalar auxilia o processo de hospitalização, propiciando espaço para que o brincar ocorra e oportunidades para o desenvolvimento de estratégias de adaptação e enfrentamento, bem como melhora a socialização e o enfrentamento de angústias e traumas, sendo considerada benéfica para a criança hospitalizada (Palhavã, 2020Palhavã, G. P. (2020). Efeitos das atividades lúdicas na reabilitação infantil no contexto hospitalar do Brasil. Revista Pesquisa e Ação, 6(1), 24-37.).

Com relação à percepção dos cuidadores sobre o uso de telas, foi identificado que metade deles (50,0%, n=20) acredita que o tempo de uso é adequado, o que pode indicar que ainda há pouco conhecimento por parte deles sobre as recomendações do tempo de uso desses aparelhos, e este dado corrobora os resultados obtidos pela pesquisa de Arora et al. (2016)Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304., na qual 54% dos cuidadores relataram que as crianças e adolescentes utilizavam as telas “na quantidade certa”, 23% “um pouco mais do que eu gostaria ” e 19% “muito mais do que eu gostaria”. Um estudo conduzido com 100 pais com filhos em idade pré-escolar que fazem uso de telas identificou que os prejuízos apontados pelos cuidadores foram superior às vantagens associadas ao uso de telas; porém, mesmo assim, a maioria dos pais relatou que acredita que o uso desses aparelhos é benéfico para o desenvolvimento de habilidades cognitivas (Teixeira, 2020Teixeira, E. R. (2020). Percepção dos pais sobre o brincar digital e o impacto do uso das tecnologias na promoção da saúde das crianças (Dissertação de mestrado). Centro Universitário de Maringá, Maringá.). Portanto, é fundamental salientar a importância de melhorar o conhecimento dos pais sobre as recomendações sobre o tempo de uso de telas, além de adotar estratégias para reduzir a exposição das crianças a esses aparelhos (Goh et al., 2016Goh, S. N., Teh, L. H., Tay, W. R., Anantharaman, S., van Dam, R. M., Tan, C. S., Chua, H. L., Wong, P. G., & Müller-Riemenschneider, F. (2016). Sociodemographic, home environment and parental influences on total and device-specific screen viewing in children aged 2 years and below: an observational study. BMJ Open, 6(1), e009113.).

Em relação ao tempo de uso de telas, o presente estudo não identificou diferença significativa entre o uso em casa e no hospital, diferentemente da pesquisa de Arora et al. (2016)Arora, G., Soares, N., Li, N., & Zimmerman, N. L. F. (2016). Screen media use in hospitalized children. Hospital Pediatrics, 6(5), 297-304., na qual os cuidadores relataram que as crianças utilizavam mais a TV e outras mídias eletrônicas no hospital em comparação ao uso de telas em casa. Estudos abordando o impacto da hospitalização no tempo de uso de telas ainda são escassos na literatura, fazendo-se necessário desenvolver novas pesquisas nessa área.

Outro fator relevante para discussão é que o presente estudo foi realizado no contexto da pandemia da COVID-19, que ocasionou o distanciamento social, entre outras repercussões em âmbito mundial. Nesse sentido, estudos apontam o excesso de tempo de uso de telas no contexto da pandemia (Silva et al., 2021Silva, A. C. P., Danzmann, P. S., Neis, L. P. H., Dotto, E. R., & Abaid, J. L. W. (2021). Effects of the COVID-19 pandemic and its repercussions on child development: an integrative review. Research, Social Development, 10(4), 1-12.; Arufe-Giráldez et al., 2020Arufe-Giráldez, V., Sanmiguel-Rodríguez, A., Zagalaz-Sánchez, M. L., Cachón-Zagalaz, J., & González-Valero, G. (2020). Sleep, physical activity and screens in 0-4 years Spanish children during the COVID-19 pandemic: were the WHO recommendations met? Journal of Human Sport and Exercise, 17(3), 484-503.; Eales et al., 2021Eales, L., Gillespie, S., Alstat, R. A., Ferguson, G. M., & Carlson, S. M. (2021). Children’s screen and problematic media use in the United States before and during the COVID-19 pandemic. Child Development, 92(5), e866-e882.). Um estudo realizado com 280 crianças espanholas identificou elevado tempo de uso de telas, principalmente televisão, tablets e smartphones (Arufe-Giráldez et al., 2020Arufe-Giráldez, V., Sanmiguel-Rodríguez, A., Zagalaz-Sánchez, M. L., Cachón-Zagalaz, J., & González-Valero, G. (2020). Sleep, physical activity and screens in 0-4 years Spanish children during the COVID-19 pandemic: were the WHO recommendations met? Journal of Human Sport and Exercise, 17(3), 484-503.). Corroborando esses resultados, uma pesquisa conduzida com 129 crianças e adolescentes entre 2 e 13 anos observou um aumento significativo no tempo de uso de telas e associou esse dado a fatores como a pandemia, ensino à distância, comportamento da criança, mediação parental, entre outros (Eales et al., 2021Eales, L., Gillespie, S., Alstat, R. A., Ferguson, G. M., & Carlson, S. M. (2021). Children’s screen and problematic media use in the United States before and during the COVID-19 pandemic. Child Development, 92(5), e866-e882.). Cabe ressaltar que o uso de telas no contexto da pandemia esteve associado a uma estratégia para a manutenção dos laços afetivos e uma ferramenta para o ensino à distância, entretenimento e lazer – alternativas às medidas de distanciamento social (Silva et al., 2021Silva, A. C. P., Danzmann, P. S., Neis, L. P. H., Dotto, E. R., & Abaid, J. L. W. (2021). Effects of the COVID-19 pandemic and its repercussions on child development: an integrative review. Research, Social Development, 10(4), 1-12.).

Os resultados apresentados mostram que o tempo de uso de telas esteve elevado na população estudada, mas não houve diferença significativa entre os tempos de uso de telas em casa e no hospital, bem como entre os dias da semana e entre uso de TV e outras mídias eletrônicas. É importante salientar que essas orientações precisam ser divulgadas para os cuidadores de crianças e adolescentes por meio de intervenções educativas em saúde, especialmente no âmbito da atenção primária à saúde. Campanhas de conscientização devem ser desenvolvidas pelos profissionais de saúde visando orientar os cuidadores sobre o tempo de uso adequado para cada faixa etária, bem como outros elementos importantes, como a qualidade do conteúdo acessado. Cabe ressaltar que essa prática pode ser benéfica para a redução das consequências negativas do uso excessivo de telas, bem como para a manutenção de atividades de outras áreas ocupacionais, além de promover o desenvolvimento saudável.

Considerações Finais

O objetivo principal deste estudo foi analisar o tempo de uso de telas por crianças e adolescentes nos contextos domiciliar e hospitalar e a percepção de seus cuidadores. Os dados obtidos por meio de sua realização apontam para o excesso de tempo de uso de telas em ambos os contextos, o que difere da hipótese inicial do estudo. Identificou-se, ainda, a necessidade de maior entendimento sobre o tema por parte dos cuidadores, para que eles possam seguir as recomendações a seu respeito.

Em relação às limitações deste estudo, não foi possível analisar a relação entre o tempo de uso de telas e a faixa etária, considerando as recomendações da SBP, visto que o instrumento utilizado para a coleta dos dados adota o parâmetro americano de 2 horas diárias. Ademais, foi identificada escassez de estudos nacionais e internacionais abordando a temática do uso de telas durante a hospitalização, sinalizando a necessidade de produção científica com essa temática. Por fim, pesquisas futuras podem adotar abordagem qualitativa ao tratar o tema estudado, além de investigar aspectos relacionados ao conteúdo acessado nas telas por crianças e adolescentes.

  • Como citar: Martins, M. B., & Bacellar, A. M. L. (2024). Uso de telas por crianças e adolescentes hospitalizados: percepção dos cuidadores. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 32, e3411. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO261334111

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Editado por

Editora de Seção

Profa. Dra. Luzia Iara Pfeifer

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2022
  • Revisado
    20 Set 2022
  • Revisado
    11 Mar 2023
  • Aceito
    29 Jan 2024
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