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Endoftalmites bacterianas com culturas positivas: uma revisão de 6 anos

Culture proven bacterial endophthalmitis: a 6-year review

Resumos

OBJETIVO: Determinar a distribuição dos microrganismos isolados de pacientes com endoftalmite bacteriana e sua sensibilidade a antimicrobianos. MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente os dados clínicos e microbiológicos dos pacientes com hipótese diagnóstica de endoftalmite e cultura bacteriana positiva, atendidos no Departamento de Oftalmologia da UNIFESP de 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2005. RESULTADOS: De 451 pacientes, 153 (33,9%) apresentaram cultura bacteriana positiva. Foram isolados 155 microrganismos, sendo 79,35% gram-positivos e 20,65% gram-negativos. Os Staphylococcus coagulase-negativos (SCoN) (41,94%) foram os mais freqüentemente isolados. A sensibilidade aos antimicrobianos entre os gram-negativos foi: amicacina 87,10%, tobramicina 80,65%, ciprofloxacina 96,67%, levofloxacina, gatifloxacina e moxifloxacina 100%, ceftazidima 85%, e gentamicina 80,65%. A sensibilidade à vancomicina entre os gram-positivos foi de 100%. S. aureus e SCoN apresentaram 83,33% de sensibilidade à oxacilina, 89,61% à ciprofloxacina e 100% à gatifloxacina e moxifloxacina. A forma de aquisição predominante foi a pós-operatória (60,65%). CONCLUSÃO: Observamos baixa sensibilidade da cultura para o diagnóstico etiológico das endoftalmites. Uma terapia antimicrobiana ou profilaxia empírica deve ser ativa contra os microrganismos gram-positivos, particularmente contra estafilococos. Estudos de vigilância de resistência bacteriana são importantes para adequação desses esquemas.

Infecções oculares bacterianas; Endoftalmite; Endoftalmite; Humor aquoso; Resistência microbiana a medicamentos; Testes de sensibilidade microbiana


PURPOSE: To assess the distribution of microorganisms isolated from patients with bacterial endophthalmitis and their antimicrobial susceptibility. METHODS: Retrospective analysis of medical and microbiological records of patients with suspected diagnosis of endophthalmitis and bacterial culture-proven at the Department of Ophthalmology, UNIFESP, between January 1 2000 and December 31 2005. RESULTS: 153 (33.9%) of 451 patients showed positive bacterial culture. A total of 155 microorganisms were isolated, 79.35% were gram-positive and 20.65% gram-negative. Staphylococcus (CoNS) (41.94%) were the most frequently isolated. The antimicrobial susceptibility for gram-negative microorganisms was as follows: amikacin 87.10%, tobramycin 80.65%, ciprofloxacin 96.67%, levofloxacin, gatifloxacin and moxifloxacin 100%, ceftazidime 85.0%, and gentamicin 80.65%. Vancomycin sensitivity among gram-positive microorganisms was 100%. S. aureus and CoNS showed 83.33% of susceptibility to oxacillin, 89.61% to ciprofloxacin and 100% to gatifloxacin and moxifloxacin. The main acquisition mechanism was postoperative (60.65%). CONCLUSION: We detected a low sensitivity of vitreous/aqueous culture for the etiologic diagnosis of endophthalmitis. The empiric antimicrobial therapy or prophylaxis should be active against gram-positive bacteria, particularly staphylococci. Surveillance studies of bacterial resistance are important for a better utilization of antimicrobials in this clinical setting.

Eye infections, bacterial; Endophthalmitis; Endophthalmitis; Aqueous humor; Drug resistance, microbial; Microbial sensitivity tests


ARTIGO ORIGINAL

Endoftalmites bacterianas com culturas positivas: uma revisão de 6 anos

Culture proven bacterial endophthalmitis: a 6-year review

Paulo José Martins BispoI; Gustavo Barreto de MeloII; Pedro Alves d'AzevedoIII; Ana Luisa Höfling-LimaIV; Maria Cecília Zorat YuV; Antonio Carlos Campos PignatariVI

IPós-graduando (nível mestrado) do Laboratório Especial de Microbiologia Clínica - LEMC, Disciplina de Infectologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil

IIMédico Residente do Serviço de Oftalmologia do Hospital São Paulo, Departamento de Oftalmologia - UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil

IIIPós-doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela UNIFESP- São Paulo (SP) - Brasil. Professor do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil

IVProfessora Titular e Chefe do Laboratório de Microbiologia do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil

VMicrobiologista, Laboratório de Microbiologia Ocular do Departamento de Oftalmologia - UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil

VIProfessor Titular da Disciplina de Infectologia do Departamento de Medicina e Diretor do Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antonio Carlos Campos Pignatari. Rua Leandro Dupret, 188 - São Paulo (SP) CEP 04025-010. E-mail: pignatari@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a distribuição dos microrganismos isolados de pacientes com endoftalmite bacteriana e sua sensibilidade a antimicrobianos.

MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente os dados clínicos e microbiológicos dos pacientes com hipótese diagnóstica de endoftalmite e cultura bacteriana positiva, atendidos no Departamento de Oftalmologia da UNIFESP de 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2005.

RESULTADOS: De 451 pacientes, 153 (33,9%) apresentaram cultura bacteriana positiva. Foram isolados 155 microrganismos, sendo 79,35% gram-positivos e 20,65% gram-negativos. Os Staphylococcus coagulase-negativos (SCoN) (41,94%) foram os mais freqüentemente isolados. A sensibilidade aos antimicrobianos entre os gram-negativos foi: amicacina 87,10%, tobramicina 80,65%, ciprofloxacina 96,67%, levofloxacina, gatifloxacina e moxifloxacina 100%, ceftazidima 85%, e gentamicina 80,65%. A sensibilidade à vancomicina entre os gram-positivos foi de 100%. S. aureus e SCoN apresentaram 83,33% de sensibilidade à oxacilina, 89,61% à ciprofloxacina e 100% à gatifloxacina e moxifloxacina. A forma de aquisição predominante foi a pós-operatória (60,65%).

CONCLUSÃO: Observamos baixa sensibilidade da cultura para o diagnóstico etiológico das endoftalmites. Uma terapia antimicrobiana ou profilaxia empírica deve ser ativa contra os microrganismos gram-positivos, particularmente contra estafilococos. Estudos de vigilância de resistência bacteriana são importantes para adequação desses esquemas.

Descritores: Infecções oculares bacterianas; Endoftalmite/etiologia; Endoftalmite/cirurgia; Humor aquoso/microbiologia; Resistência microbiana a medicamentos; Testes de sensibilidade microbiana

ABSTRACT

PURPOSE: To assess the distribution of microorganisms isolated from patients with bacterial endophthalmitis and their antimicrobial susceptibility.

METHODS: Retrospective analysis of medical and microbiological records of patients with suspected diagnosis of endophthalmitis and bacterial culture-proven at the Department of Ophthalmology, UNIFESP, between January 1 2000 and December 31 2005.

RESULTS: 153 (33.9%) of 451 patients showed positive bacterial culture. A total of 155 microorganisms were isolated, 79.35% were gram-positive and 20.65% gram-negative. Staphylococcus (CoNS) (41.94%) were the most frequently isolated. The antimicrobial susceptibility for gram-negative microorganisms was as follows: amikacin 87.10%, tobramycin 80.65%, ciprofloxacin 96.67%, levofloxacin, gatifloxacin and moxifloxacin 100%, ceftazidime 85.0%, and gentamicin 80.65%. Vancomycin sensitivity among gram-positive microorganisms was 100%. S. aureus and CoNS showed 83.33% of susceptibility to oxacillin, 89.61% to ciprofloxacin and 100% to gatifloxacin and moxifloxacin. The main acquisition mechanism was postoperative (60.65%).

CONCLUSION: We detected a low sensitivity of vitreous/aqueous culture for the etiologic diagnosis of endophthalmitis. The empiric antimicrobial therapy or prophylaxis should be active against gram-positive bacteria, particularly staphylococci. Surveillance studies of bacterial resistance are important for a better utilization of antimicrobials in this clinical setting.

Keywords: Eye infections, bacterial; Endophthalmitis/etiology; Endophthalmitis/surgery; Aqueous humor/microbiology; Drug resistance, microbial; Microbial sensitivity tests

INTRODUÇÃO

Endoftalmite bacteriana é uma inflamação intra-ocular decorrente da introdução de um agente bacteriano no segmento posterior do olho. É uma condição rara, mas potencialmente destrutiva para o olho, que gera dano irreversível à delicada camada de células fotorreceptoras da retina, e mesmo com intervenção terapêutica e cirúrgica, freqüentemente resulta em perda parcial ou completa da visão após poucos dias de inoculação(1-2). Os agentes infecciosos podem atingir a porção posterior do olho por três vias: I - após cirurgias intra-oculares (pós-operatória), II - após um trauma penetrante no globo ocular (pós-traumática) e III - através de via hematogênica, partindo de um sítio anatômico distante(3). Outra classificação mais ampla considera apenas como endógena ou exógena. A forma exógena ocorre após cirurgia intra-ocular, trauma penetrante, úlcera corneana ou através de quebra de alguma barreira periocular pela qual penetram microrganismos infectantes. Comumente, a forma exógena é subseqüente à cirurgia de catarata e, na grande maioria dos casos, é causada por microrganismos provenientes da microbiota ocular que penetram o olho após o procedimento cirúrgico(4). Essas infecções são incomuns, com uma incidência que varia de 0,05 a 0,32%(1,5-6). Na endoftalmite pós-operatória aguda, os principais microrganismos causadores são Staphylococcus coagulase-negativos (SCoN), Staphylococcus aureus, Streptococcus grupo viridans e, em menor proporção, outros cocos gram-positivos e bacilos gram-negativos. Na endoftalmite pós-operatória tardia, os patógenos envolvidos são de baixa virulência, como Propionibacterium acnes, algumas espécies de estreptococos e fungos(7-10). Na endoftalmite pós-traumática, podem ser isolados os mesmos microrganismos causadores de endoftalmite pós-operatória e alguns microrganismos ambientais(11-12). A endoftalmite endógena ocorre em menor proporção que a exógena, correspondendo de 2 a 6% dos casos de endoftalmite(1,13). Podem ser agentes causadores de endoftalmite endógena S. aureus, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus agalactiae, Clostridium perfringens, Moraxella spp., Neisseria meningitidis, Escherichia coli, Klebsiella spp., Serratia marcescens, e Candida albicans(14-21).

O tratamento eficaz das endoftalmites inclui uma identificação correta e precoce do agente etiológico através da cultura do humor vítreo e/ou aquoso para uma pronta instituição da antibioticoterapia. A escolha do agente antimicrobiano é feita inicialmente de forma empírica. O antimicrobiano de escolha deve possuir atividade contra os patógenos mais relevantes e possuir um amplo espectro de ação. É importante, tanto para o tratamento quanto para a profilaxia, o reconhecimento dos principais microrganismos causadores de endoftalmite com avaliação da emergência de cepas resistentes aos principais antibióticos utilizados em oftalmologia.

MÉTODOS

Foi realizada análise retrospectiva dos dados clínicos e microbiológicos dos pacientes que apresentaram hipótese diagnóstica de endoftalmite e cultura bacteriana positiva de humor vítreo, aquoso e outros materiais (agulha, bolha, fragmento de córnea, íris, lente intra-ocular e saco capsular), atendidos durante o período de 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2005 no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo. Os microrganismos isolados foram identificados pelas características morfo-tintoriais e provas bioquímicas de rotina(22). Os antimicrobianos amicacina, tobramicina, cefazolina, ceftazidima, ciprofloxacina, levofloxacina, gatifloxacina, moxifloxacina, eritromicina, gentamicina, vancomicina, cloranfenicol, oxacilina e penicilina foram testados pelo método de disco difusão de acordo com as recomendações do Clinical Laboratory Standards Institute (CLSI, antigo NCCLS, Filadélfia, EUA) e determinação das concentrações inibitórias mínimas por Etest® (AB Biodisk, Solna, Suécia).

RESULTADOS

Durante o período do estudo, 451 pacientes foram atendidos com suspeita clínica de endoftalmite e 619 amostras de humor vítreo/aquoso ou outros materiais foram coletados. Desses pacientes, 153 (33,9%) tiveram cultura bacteriana positiva. Das 619 amostras coletadas, 180 apresentaram cultura bacteriana positiva (29,1%) e 529 tiveram pedido de bacterioscopia com microscopia positiva para bactéria em 158 (29,9%) casos. Um total de 155 microrganismos foi isolado, já que alguns pacientes apresentaram infecção intra-ocular polimicrobiana. Dos casos de endoftalmites positivos por cultura, em 50,56% o material colhido foi humor vítreo por punção em 50,56%, 27,22% do humor aquoso, 15,56% do humor vítreo por vitrectomia e 6,67% foram coletados outros espécimes clínicos.

Os microrganismos gram-positivos representaram o maior número de isolados 79,35%, e os gram-negativos corresponderam a 20,65%. Entre os cocos gram-positivos, os microrganismos mais comumente isolados foram SCoN 41,94% (65/155), Streptococcus grupo viridans 14,19% (22/155), S. aureus 8,39% (13/155) e S. pneumoniae 7,10% (11/155). Os bacilos gram-negativos isolados com maior freqüência foram Pseudomonas sp 4,52% (7/155) e Haemophilus sp 4,52% (7/155) (Tabela 1).

Quanto à via de aquisição da infecção, a categoria predominante foi a pós-operatória (60,6%), seguida da pós-traumática (16,1%) e endógena (2,6%). Nos demais casos de endoftalmite (20,6%), a via de aquisição não pôde ser classificada. Tanto nas endoftalmites classificadas como pós-operatórias e pós-traumáticas, foi notada uma ampla distribuição dos microrganismos causadores, sendo os SCoN os principais microrganismos isolados, seguidos dos Streptococcus grupo viridans. Quatro casos foram classificados como sendo de origem endógena. Em dois deles, foi isolado S. aureus. SCoN foi isolado em um caso e E. coli em outro caso (Tabela 2).

A sensibilidade aos antimicrobianos dos principais microrganismos isolados de endoftalmite no período do estudo é apresentada na tabela 3. Entre os bacilos gram-negativos isolados e testados aos aminoglicosídeos amicacina e tobramicina, a sensibilidade foi de 87,10% e 80,65%, respectivamente. Em relação às quinolonas, os bacilos gram-negativos apresentaram 100% de sensibilidade à ciprofloxacina, levofloxacina, gatifloxacina e moxifloxacina, com exceção de P. aeruginosa, que apresentou sensibilidade diminuída à ciprofloxacina (83,33%). A sensibilidade à ceftazidima foi de 85% e à gentamicina de 80,65%. Entre os cocos gram-positivos, 100% dos isolados testados frente à vancomicina foram sensíveis. Os estafilococos (S. aureus e SCoN), apresentaram 83,33% de sensibilidade à oxacilina, 89,61% à ciprofloxacina e 100% à gatifloxacina e à moxifloxacina. A penicilina apresentou 100% de atividade contra os isolados de S. pneumoniae e 76,4% contra Streptococcus grupo viridans. Streptococcus pneumoniae e Streptococcus grupo viridans apresentaram, respectivamente, 54,55% e 45,45% de sensibilidade à ciprofloxacina, 80% e 75% à gatifloxacina e 100% e 91,67% à moxifloxacina.

DISCUSSÃO

O tratamento eficaz das endoftalmites inclui a identificação correta e precoce do agente etiológico, através da cultura do humor vítreo e/ou aquoso, para pronta instituição da antibioticoterapia. Em nosso estudo, observamos apenas 29,1% de positividade nas culturas realizadas. Alguns autores mostraram que, em casos clinicamente suspeitos de endoftalmite, 24,0% e 54,05% das culturas foram positivas, respectivamente(23-24). Em estudos nacionais, a sensibilidade da cultura para caracterização microbiológica dos casos de endoftalmite foi de 32% e 85% dos casos(25-26). A baixa sensibilidade da cultura microbiológica pode ocorrer em decorrência de vários fatores, como pequena quantidade de amostra, seqüestro de microrganismos em superfícies sólidas (lente intra-ocular, fragmentos de lentes, cápsula), que leva à diminuição de células no humor vítreo/aquoso, uso de antimicrobianos antes da coleta do material clínico e a presença de microrganismos fastidiosos como agentes causadores de endoftalmites(24).

A aplicação de técnicas de biologia molecular, como a reação de polimerização em cadeia do DNA (do inglês, PCR), pode aumentar significantemente a sensibilidade de detecção de microrganismos no humor vítreo/aquoso. Um aumento da sensibilidade para 92% e 100% pode ser observada utilizando a técnica de PCR(23-24).

Entre os microrganismos isolados, notamos que os gram-positivos foram isolados com maior freqüência (79,35%) em relação aos gram-negativos (20,65%). Outros autores mostraram que a freqüência de microrganismos gram-positivos pode variar de 63,8% a 86,3% e gram-negativos, de 11,8% a 31,4%(27-29). Em outros estudos nacionais, os microrganismos gram-positivos foram isolados de endoftalmite com maior frequência em relação aos gram-negativos(25-26).

Outros autores investigaram a distribuição dos microrganismos causadores de endoftalmite (pós-operatória, pós-traumática, endógenas e miscelânea) em um intervalo de 6 anos. Seus dados mostram que os principais microrganismos isolados durante o estudo foram os SCoN (37,10%), seguidos por Streptococcus grupo viridans (12,8%), S. aureus (7,7%) e P. acnes (7%). Nossos dados são, em parte, semelhantes. Os SCoN (41,94%) foram os principais microrganismos isolados, seguidos também por Streptococcus grupo viridans (14,19%) e S. aureus (8,39%). Entretanto, houve apenas 0,65% de isolamento de P. acnes, em contraste com 7%. Em contrapartida, S. pneumoniae apareceram com uma freqüência de 7,10%, enquanto o trabalho referido revelou 2,9%(28).

Todos os microrganismos gram-positivos isolados foram sensíveis à vancomicina, estando de acordo com os dados da literatura, que também mostram 100% de sensibilidade à vancomicina dos microrganismos gram-positivos isolados de endoftalmite(25-28). Em nosso trabalho, obtivemos 100% de sensibilidade à ciprofloxacina e levofloxacina em microrganismos gram-negativos (com exceção de P. aeruginosa, que apresentou sensibilidade diminuída à ciprofloxacina (83,33%), e uma eficiência de cobertura menor da ciprofloxacina e da levofloxacina para os microrganismos gram-positivos. As fluoroquinolonas, como ciprofloxacina, ofloxacina e levofloxacina, possuem excelente cobertura para gram-negativos, mas são menos eficazes contra microrganismos gram-positivos, particularmente para Staphylococcus spp e Streptococcus spp(30). Notamos maior atividade da levofloxacina em relação à ciprofloxacina para microrganismos gram-positivos, como mostrado também por outros autores(28,30-31). Para os estafilococos (S. aureus e SCoN), a sensibilidade à levofloxacina foi de 95,24% e à ciprofloxacina, de 89,61%. Streptococcus sp mostraram uma porcentagem de sensibilidade à levofloxacina e ciprofloxacina de 66,7% e 48,5% respectivamente. O uso rotineiro em larga escala da ciprofloxacina na prática clínica tanto para terapêutica como profilaxia, pode ser responsável pelo aumento de microrganismos resistentes a esse agente. Apesar de não apresentar cobertura completa para todos os microrganismos gram-positivos, como mostram nossos dados e de outros autores(28, 30-31), após administração oral, a levofloxacina atinge, nos humores aquoso e vítreo, concentrações acima das concentrações inibitórias mínimas contra um grande número de microrganismos causadores de endoftalmite, e pode servir como adjuvante na antibioticoterapia desta infecção(32).

Dois novos membros da classe das fluoroquinolonas, gatifloxacina e moxifloxacina, podem suprir as falhas na cobertura antimicrobiana das outras fluoroquinolonas. Gatifloxacina e moxifloxacina possuem amplo espectro de ação contra os principais patógenos oculares, tendo demonstrado um alto grau de atividade in vitro contra microrganismos gram-positivos como S. aureus, SCoN, Streptococcus grupo viridans e outros microrganismos gram-positivos(33-35). Tanto gatifloxacina como moxifloxacina apresentam boa penetração no humor aquoso e conseguem atingir ou exceder a concentração inibitória mínima para os principais patógenos bacterianos após administração oral, e devem ser preferidas, ao invés das outras fluoroquinolonas, para antibioticoterapia de endoftalmites bacterianas(36). Entretanto, isolados bacterianos oriundos de endoftalmite já revelam resistência a essas novas fluoroquinolonas. Em um estudo que avaliou o uso profilático de fluoroquinolonas e o perfil de sensibilidade bacteriana de microrganismos isolados de casos de endoftalmite aguda pós-operatória 31 pacientes, dos 42 que desenvolveram endoftalmite, fizeram uso profilático de gatifloxacina ou moxifloxacina. O perfil de sensibilidade antibiótica foi avaliado para 14 microrganismos gram-positivos e a sensibilidade para gatifloxacina e moxifloxacina foi de 38%(30). Outro estudo recente também demonstrou relativo aumento de resistência in vitro à fluoroquinolonas em Staphylococcus aureus meticilina-resistentes (MRSA) isolados de infecções oculares(37). Em nosso estudo, as amostras avaliadas até o ano de 2005 apresentaram 100% de sensibilidade à gatifloxacina e moxifloxacina. Entre os Staphylococcus sp resistentes à oxacilina (13/78), 100% foram sensíveis à gatifloxacina e moxifloxacina, e apresentaram sensibilidade diminuída apenas para ciprofloxacina (53,85%), amicacina (53,85%) e tobramicina (38,46%). No entanto, os dados de sensibilidade aos antimicrobianos dos SCoN isolados de endoftalmite pelo Laboratório de Microbiologia Ocular (LOFT) do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP no ano de 2006 mostram uma tendência à diminuição da sensibilidade para essas duas fluoroquinolonas. Desses SCoN, 35,7% apresentaram sensibilidade diminuída à gatifloxacina e moxifloxacina(38). Outra avaliação da sensibilidade às fluoroquinolonas em amostras de SCoN isoladas pelo LOFT mostrou que tanto moxifloxacina como gatifloxacina apresentaram maior potência contra os SCoN sensíveis à oxacilina (CIM90; 0,125 ¼g/ml para ambas as drogas) quando comparada à potência contra os SCoN resistentes à oxacilina (CIM90; 3,0¼g/ml e 2,0 ¼g/ml, respectivamente). Considerando os valores de CIM obtidos nesse estudo, 95,5% dos SCoN sensíveis à oxacilina apresentaram sensibilidade à moxifloxacina e gatifloxacina, enquanto apenas 33,33% e 38,10% dos SCoN resistentes à oxacilina foram sensíveis às duas fluoroquinolonas, respectivamente. No entanto, esse estudo incluiu amostras de SCoN isoladas de casos de ceratite, conjuntivite e endoftalmite e a avaliação da sensibilidade não foi estratificada por sítio de infecção(39). Avaliação do perfil de sensibilidade à fluoroquinolonas em SCoN isolados de pacientes com endoftalmite pós-operatória atendidos entre 1990 e 2004 pelo Bascom Palmer Eye Institute, mostra que a porcentagem de sensibilidade desses isolados à gatifloxacina e moxifloxacina foi de 96,6% de 1990 a 1994, 78,2% de 1995 a 1999, e 65,4% de 2000 a 2004(31). Entre os SCoN com sensibilidade diminuída a essas fluoroquinolonas isolados em 2006 pelo LOFT, 80,0% foram resistentes à meticilina(38).

Aumento da resistência à gatifloxacina e moxifloxacina é relatado também entre cepas de Staphylococcus aureus meticilina-resistentes (MRSA) isolados tanto de infecções oculares como em infecções não oculares. Foi demonstrado que entre os MRSA isolados de endoftalmite avaliados quanto à sensibilidade às fluoroquinolonas, 71,0% apresentaram resistentes à gatifloxacina e 68,0% à moxifloxacina. Além disso, entre os MRSA isolados de outros sítios infecciosos por esse mesmo hospital, no ano de 2005, 87,0% e 82,0% dos isolados foram resistentes à gatifloxacina e moxifloxacina, respectivamente(37).

CONCLUSÃO

Os dados apresentados revelam a necessidade da utilização de técnicas mais sensíveis na detecção de microrganismos causadores de endoftalmite, incluindo metodologia molecular. Uma terapia antimicrobiana ou profilaxia empírica deve ser ativa contra os microrganismos gram-positivos particularmente contra estafilococos. Tendências de resistência bacteriana aos antimicrobianos utilizados em oftalmologia podem ser detectadas em estudos de vigilância microbiológica, propiciando uma adequação rápida de esquemas terapêuticos ou profiláticos.

Recebido para publicação em 26.02.2007

Última versão recebida em 03.06.2008

Aprovação em 22.06.2008

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Antonio Carlos Campos
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      22 Jun 2008
    • Recebido
      26 Fev 2007
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