Resumos
A indústria de celulose produz um grande volume de resíduos, e alguns possuem potencial para melhorar a fertilidade dos solos. Entretanto, ainda existe carência de informações sobre a viabilidade de uso e as doses a serem aplicadas ao solo. Os objetivos deste estudo foram avaliar a utilização de um resíduo alcalino (dregs) como corretivo da acidez e quantificar as mudanças nos atributos químicos e físicos em dois Cambissolos, um de textura franco-argilosa e outro de textura franco-arenosa. O experimento montado em vasos foi desenvolvido em casa de vegetação, com aplicação superficial de dregs na proporção de 0%, 12%, 35%, 50% e 100% da dose equivalente de CaCO3 necessária para elevar o pH até 6,0. A cultura do milho foi cultivada até 40 dias após a germinação para quantificação da matéria seca das raízes e da parte aérea. Em solos não cultivado com milho, amostras foram coletadas para avaliar a estabilidade de agregados, argila dispersa, pH do solo e teor de cátions trocáveis. A adição superficial de dregs eleva o pH, os teores de Ca, K e Mg, e reduz o teor de Al trocável, principalmente na camada de 0 a 5 cm. No entanto, são observados efeitos prejudicais como o aumento no teor de Na, da relação Ca/Mg e da dispersão da argila. As alterações nos atributos químicos do solo favorecem o crescimento das raízes e da parte aérea do milho, até uma dose de dregs equivalente de 40% a 47% da necessidade de calcário para elevar o pH em água para 6,0. Doses superiores a essas prejudicam o desenvolvimento das plantas.
correção da acidez; dispersão da argila; dregs; Zea Mayz
The cellulose industry produce a large amount of residues, and some have potential to improve the soil fertility. However, there is still lack of information about the viability of use and the doses to be applied to the soil. The aims of this study were to evaluate the use of an alkaline residue (dregs) as acidity corrective and measure the changes in the chemical and physical attributes of two Cambisols, one clay loam and another sandy loam. The experiment was performed in pots in a greenhouse, with superficial application of dregs in the proportion of 0%, 12%, 35%, 50% and 100% of the equivalent rate of CaCO3 required to increase the pH to 6.0. The maize crop was grown until 40 days after germination to quantify the dry matter of roots and shoots. In soil not cultivated with maize, samples were collected to evaluate the aggregate stability, clay dispersion, pH, and content of exchangeable cations. The addition of surface dregs increases the pH, Ca, K and Mg, and reduces the content of exchangeable Al, mainly in the soil layer of 0 to 5 cm. However, harmful effects are observed, as the increase in the content of Na, the Ca/Mg ratio and dispersion of clay. Changes in soil chemical properties favor the growth of roots and shoots of maize until the dose equivalent to the dregs from 40 to 47% of the need for lime to raise the water pH to 6.0. Above these doses plant development is constrained.
acidity correction; clay dispersion; dregs; Zea Mayz
SOLOS E NUTRIÇÃO DE PLANTAS
Aplicação de resíduo alcalino na superfície de Cambissolos
Application of alkaline residue on the surface of Cambisols
Jackson Adriano AlbuquerqueI, **) Autor correspondente: albuquerque@pq.cnpq.br; João Carlos MedeirosII; André da CostaI; Maicon RengelIII
IUniversidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Centro de Ciências Agroveterinárias, Departamento de Solos e Recursos Naturais, 88520-000 Lages (SC), Brasil
IIESALQ/USP, Departamento de Ciência do Solo, Av. Pádua Dias, 11, 13418-970 Piracicaba (SP), Brasil
IIICooperativa Regional do Alto Vale do Itajaí, Rio do Sul (SC), Brasil
RESUMO
A indústria de celulose produz um grande volume de resíduos, e alguns possuem potencial para melhorar a fertilidade dos solos. Entretanto, ainda existe carência de informações sobre a viabilidade de uso e as doses a serem aplicadas ao solo. Os objetivos deste estudo foram avaliar a utilização de um resíduo alcalino (dregs) como corretivo da acidez e quantificar as mudanças nos atributos químicos e físicos em dois Cambissolos, um de textura franco-argilosa e outro de textura franco-arenosa. O experimento montado em vasos foi desenvolvido em casa de vegetação, com aplicação superficial de dregs na proporção de 0%, 12%, 35%, 50% e 100% da dose equivalente de CaCO3 necessária para elevar o pH até 6,0. A cultura do milho foi cultivada até 40 dias após a germinação para quantificação da matéria seca das raízes e da parte aérea. Em solos não cultivado com milho, amostras foram coletadas para avaliar a estabilidade de agregados, argila dispersa, pH do solo e teor de cátions trocáveis. A adição superficial de dregs eleva o pH, os teores de Ca, K e Mg, e reduz o teor de Al trocável, principalmente na camada de 0 a 5 cm. No entanto, são observados efeitos prejudicais como o aumento no teor de Na, da relação Ca/Mg e da dispersão da argila. As alterações nos atributos químicos do solo favorecem o crescimento das raízes e da parte aérea do milho, até uma dose de dregs equivalente de 40% a 47% da necessidade de calcário para elevar o pH em água para 6,0. Doses superiores a essas prejudicam o desenvolvimento das plantas.
Palavras-chave: correção da acidez, dispersão da argila, dregs, Zea Mayz.
ABSTRACT
The cellulose industry produce a large amount of residues, and some have potential to improve the soil fertility. However, there is still lack of information about the viability of use and the doses to be applied to the soil. The aims of this study were to evaluate the use of an alkaline residue (dregs) as acidity corrective and measure the changes in the chemical and physical attributes of two Cambisols, one clay loam and another sandy loam. The experiment was performed in pots in a greenhouse, with superficial application of dregs in the proportion of 0%, 12%, 35%, 50% and 100% of the equivalent rate of CaCO3 required to increase the pH to 6.0. The maize crop was grown until 40 days after germination to quantify the dry matter of roots and shoots. In soil not cultivated with maize, samples were collected to evaluate the aggregate stability, clay dispersion, pH, and content of exchangeable cations. The addition of surface dregs increases the pH, Ca, K and Mg, and reduces the content of exchangeable Al, mainly in the soil layer of 0 to 5 cm. However, harmful effects are observed, as the increase in the content of Na, the Ca/Mg ratio and dispersion of clay. Changes in soil chemical properties favor the growth of roots and shoots of maize until the dose equivalent to the dregs from 40 to 47% of the need for lime to raise the water pH to 6.0. Above these doses plant development is constrained.
Key words: acidity correction, clay dispersion, dregs, Zea Mayz.
1. INTRODUÇÃO
As indústrias de papel e celulose são responsáveis pela geração de grande quantidade de resíduos sólidos, efluentes hídricos e emissões gasosas lançados no ambiente (FLORES et al., 1998). Segundo JOHNSON e RYDER (1988), o volume total de resíduos pode alcançar 200.000 m3 dia-1 e variar em função do processo de fabricação utilizado.
Dentre os resíduos sólidos, existem o "dregs" e o "grits" com potencial de uso agrícola. Esses resíduos são gerados durante a recuperação dos reagentes químicos utilizados na produção de celulose (SPRINGER, 1993). O dregs é gerado durante o processo de clarificação do licor verde e é constituído basicamente por carbonato de sódio, sulfeto de sódio, carbono não queimado, ferro, sílica, cálcio, alumina, magnésio e sulfetos, com potencial para neutralização da acidez do solo. A análise termogravimétrica confirma a presença de carbonatos (ALMEIDA et al., 2008).
Segundo PÖOYKIÖ et al. (2006) e ALBUQUERQUE et al. (2002), o tratamento e a utilização de dregs como corretivo de acidez no solo seriam a melhor alternativa, quando comparados com sua deposição em aterros. No entanto, deve haver a preocupação com relação a este resíduo ter cloro em sua composição e a possibilidade de formar compostos organo-clorados (KOOKANA e ROGERS, 1995). As reações do resíduo alcalino da indústria de celulose após sua aplicação no solo dependem de sua composição química, o que permite alterar as condições do solo, através da elevação do pH e adição de macronutrientes e micronutrientes (CORREA et al., 2008; ERNANI, 2008). A concentração de micronutrientes catiônicos na solução do solo como Zn, Fe, Cu e Mn, e de metais pesados como Hg, Cd, Cr, Pb, diminui com a elevação do pH (ERNANI, 2008). Além disso, a alta relação Ca/Mg deste resíduo pode alterar a disponibilidade de Mg e K à planta, bem como seu alto teor de Na dispersar a argila e reduzir a estabilidade de agregados do solo e o grau de floculação (ALBUQUERQUE et al., 2002), tornando-o menos permeável e mais suscetível ao selamento superficial e à erosão hídrica (MILLER e BAHARUDDIN, 1986; SHAINBERG e SINGER, 1988).
Para identificar as potencialidades e limitações do resíduo alcalino e a forma mais adequada de sua utilização, faz-se necessário estudar seus efeitos sobre o solo. Portanto, objetivou-se com este estudo avaliar o uso de dregs como corretivo da acidez e os efeitos de sua aplicação sobre os atributos químicos e físicos em dois Cambissolos de classes texturais distintas.
2. MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado em casa de vegetação, com amostras de dois solos com distinta distribuição granulométrica, um Cambissolo Húmico (CH) de classe textural franco-argilosa e outro Cambissolo Húmico (CH) de classe textural franco-arenosa. O solo coletado no horizonte A, na camada de 0 a 20 cm, foi homogeneizado e peneirado em malha de 10 mm antes de ser adicionado em colunas de PVC de 10 cm de diâmetro e volume de 1.180 cm3, resultando em densidade do solo de 1,05 g cm-3 e 1,26 g cm-3 respectivamente para o Cambissolo de textura franco-argilosa e o de textura franco-arenosa. Na tabela 1 estão relacionados os dados das análises básicas dos dois solos.
Em cada solo foi testado o efeito de cinco doses de resíduo alcalino em três camadas de solo sobrepostas na mesma coluna, sendo o delineamento inteiramente casualizado, com seis unidades experimentais por tratamento. Três repetições foram utilizadas para avaliar os atributos químicos e físicos do solo e três para avaliar o desenvolvimento de plantas de milho.
Na superfície do solo foram aplicadas doses de resíduo alcalino que corresponderam a 0%, 12%, 35%, 50% e 100% da necessidade de CaCO3 a ser incorporado ao solo, para elevar o pH a 6,0 na camada de 0-20 cm, segundo a COMISSÃO DE QUÍMICA E FERTILIDADE DO SOLO - RS/SC (2004). As doses de 100% corresponderam à necessidade de 21.000 kg ha-1 de CaCO3 para o Cambissolo Húmico franco-argiloso e de 9.900 kg ha-1 de CaCO3 para o Cambissolo Húmico franco-arenoso.
A concentração de elementos químicos do resíduo (Tabela 2) foi determinada por ALMEIDA et al. (2008). O valor de neutralização do dregs utilizado é de 80% e o pH de 10,7 (ALMEIDA et al., 2008) determinados segundo TEDESCO et al. (1995). Para cada coluna, a quantidade de dregs adicionada, para a dose correspondente a 100%, foi de 16,5 g para o CH franco-argiloso e 7,7 g para o CH franco-arenoso. Por conseguinte, as doses de resíduo aplicadas para o Cambissolo Húmico franco-argiloso foram de 0, 3.360 (12%), 9.800 (25%), 14.000 (50%) e 28.000 kg ha-1 (100%) e para o Cambissolo Húmico franco-arenoso foram de 0, 1.572 (12%), 4.585 (25%), 6.550 (50%) e 13.100 kg ha-1 (100%).
A umidade do solo foi mantida próximo da capacidade de campo (GARDNER, 1986), a qual foi determinada previamente através da saturação de colunas de solo, seguido da drenagem por dois dias e determinação da umidade gravimétrica. Devido à elevada demanda por água no interior da casa de vegetação era necessário monitorar a umidade diariamente. As amostras com e sem cultivo de milho foram irrigadas no período de 40 dias.
Nas colunas cultivadas foram semeadas três sementes do milho Cargill 901, híbrido simples de ciclo superprecoce. Transcorridos 40 dias após a semeadura, a parte aérea e as raízes foram coletadas separadamente para determinar a massa seca (65 °C até massa constante).
Nas colunas não cultivadas com milho foram determinados os atributos químicos e físicos nas camadas de 0-5, 5-10 e 10-15 cm. Os elementos Na e K foram extraídos com acetato de amônio e quantificados por fotometria de chama; Ca e Mg foram extraídos com cloreto de potássio e quantificados por espectrofotometria de absorção atômica; o Al trocável foi extraído com cloreto de potássio e quantificado por titulometria de neutralização com NaOH; soma de bases (SB), saturação por Al (m) e CTCefet foram calculados conforme EMBRAPA (1997); o pH em água foi determinado na relação solo:solução 1:1 com leituras em potenciômetro (TEDESCO et al., 1995).
A estabilidade de agregados foi determinada pelo método de KEMPER e ROSENOU (1986), com agregados com tamanho inicial entre um e dois milímetros, e o resultado expresso pelo índice estabilidade de agregados, sendo a faixa de variação do índice é de zero (menor estabilidade) a um (maior estabilidade). Foi medido o teor de argila total dispersa em NaOH 1 N (AT), e o teor de argila dispersa em água (AD) através do método do densímetro (GEE e BAUDER, 1986) e calculado o grau de floculação (GF), conforme a equação: GF = (AT-AD)/AT.
A análise estatística foi realizada para cada solo, através da análise de variância (teste F) para os atributos de solo e de planta, delineamento inteiramente casualizado com três repetições. Para os atributos de solo, a análise foi realizada individualmente em cada uma das três camadas avaliadas. Para os atributos de solo e de planta foram ajustadas equações de regressão com o fator quantitativo (doses de dregs), obtendo-se equações lineares ou polinomiais de segunda ordem, conforme o grau de significância obtido (p<0,05). A relação entre os atributos foi avaliada através do teste de correlação de Pearson. Todas as análises foram realizadas através do "sistema de análises estatísticas" (SAS, 2002).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Houve efeito de doses sobre os atributos nos dois solos (Tabela 3). O teor de sódio (Na) trocável aumentou de forma quadrática na camada superficial e linear nas demais camadas do CH franco-arenoso, e linear nas três camadas do CH franco-argiloso (Figura 1a, b), concordando com os resultados observados no campo por MEDEIROS et al. (2009) em um Cambissolo Húmico alumínico franco-argiloso. A elevação dos teores de Na nas três camadas avaliadas é atribuída à sua alta mobilidade no solo. Na camada superficial, os teores de Na aumentaram de 0,01 cmolc kg-1 na testemunha para 1,2 cmolc kg-1 na maior dose aplicada para o CH franco-argiloso, enquanto no CH franco-arenoso, o aumento foi de 0,02 para 0,8 cmolc kg-1. O aumento no teor de Na, nas camadas de 5 a 10 e 10 a 15 cm, foi menor comparado ao da primeira camada e com menor intensidade no CH franco-arenoso. ALBUQUERQUE et al. (2002) também constataram maiores teores de Na na camada de 0 a 5 cm com a dose de dregs correspondente a 50% de CaCO3 em um Latossolo e um Cambissolo em colunas, com menores aumentos na camada de 5 e 10 cm.
A causa deste aumento é atribuída aos teores elevados desse elemento na composição do resíduo, cuja concentração era de 10,2 g kg-1 de Na (Tabela 2). Com este teor, na maior dose de dregs foi adicionado 285 kg ha-1 de Na no CH franco-argiloso e 133 kg ha-1 de Na no CH franco-arenoso.
Com a adição de dregs, o teor de potássio trocável do solo (K) aumentou linearmente com as doses no CH franco-argiloso na camada de 0 a 5 cm e de forma quadrática no CH franco-arenoso nas camadas de 0 a 5 e 5 a 10 cm (Tabelas 3 e 4), mantendo-se constante nas demais camadas. O acréscimo nos teores de potássio do solo deve-se ao potássio proveniente do resíduo alcalino, cuja concentração é de 1,2 g kg-1. Em termos de interpretação dos teores de K do solo, segundo a CQFS-RS/SC (2004), considerando ambos os solos com CTCefet entre 5 e 15 cmolc dm-3, o teor de K na camada de 0 a 5 cm aumentou de "médio" na testemunha para "muito alto" na maior dose de dregs. Através das equações ajustadas para predizer os teores de K do solo, observa-se que, para a elevação dos teores de K para o nível de suficiência (60 mg dm-3), na camada de 0 a 5 cm, seria necessário a aplicação superficial de 1,9 ou 0,5 Mg ha-1 de dregs, respectivamente, no CH franco-argiloso ou CH franco-arenoso. Para a elevação dos teores de K para o nível "alto" (120 mg dm-3) na camada de 0 a 5 cm, deve-se adicionar as doses de 23,4 e 9,3 Mg ha-1 de dregs, respectivamente no CH franco-argiloso ou CH franco-arenoso. Na camada de 5 a 10 cm do CH franco-argiloso, a adição de 13 Mg ha-1 de dregs aumentou o teor de K em apenas 4,0 mg dm-3.
No trabalho de ALBUQUERQUE et al. (2002) com aplicação de dregs na superfície de colunas com dois solos, um Latossolo Bruno distrófico e um Cambissolo Húmico alumínico, também houve aumento do teor de K, na camada de 0 a 5 cm, após dois meses da aplicação.
O teor de cálcio trocável (Ca) no CH franco-argiloso aumentou de forma quadrática na primeira camada e de forma linear nas demais camadas, e no CH franco-arenoso aumentou de forma linear em todas as camadas (Tabelas 3 e 4). Esse aumento deve-se à grande quantidade de Ca adicionada com aplicação superficial de dregs, cuja concentração era de 354 g kg-1, aplicando-se na maior dose, 9.912 kg ha-1 no CH franco-argiloso e 4.637 kg ha-1 no CH franco-arenoso.
Os maiores teores de Ca do solo foram nas doses máximas para ambos os solos nas três camadas avaliadas. Entretanto, houve redução da amplitude entre a testemunha e a maior dose de dregs com o aumento da profundidade, indicando uma baixa mobilidade deste cátion no perfil do solo. Em relação à testemunha, o aumento do teor de Ca trocável foi maior na camada superficial do CH franco-argiloso (1.114%) do que do CH franco-arenoso (720%), devido à maior dose aplicada e o menor teor de Ca na testemunha do CH franco-argiloso. No entanto, o aumento do teor de Ca nas camadas subsuperficiais foi menor no CH franco-argiloso, indicando uma menor mobilidade do Ca no perfil devido à maior capacidade de retenção de cátions (CTC).
Com base nas equações ajustadas para a camada superficial (0 a 5 cm), a adição de uma dose de dregs de 8.000 kg ha-1 no CH franco-argiloso seria suficiente para elevar o teor de Ca do solo para a faixa de interpretação "alto", segundo a CQFS-RS/SC (2004); no CH franco-arenoso seria necessário uma dose de dregs de 12.200 kg ha-1. Para as camadas de 0 a 5 e 5 a 10 cm, o nível de Ca ficou nas faixas de interpretação "muito baixo" e "baixo", desde a testemunha até a maior dose aplicada.
A adição de dregs aumentou linearmente os teores de magnésio trocável (Mg) na camada superficial do CH franco-arenoso, e de forma quadrática na camada de 10 a 15 cm desse solo e na camada de 0 a 5 cm do CH franco-argiloso (Tabela 4). Os teores aumentaram de 0,1 a 0,4 cmolc kg-1, no CH franco-argiloso, e de 0,2 a 0,4 cmolc kg-1, no CH franco-arenoso, da menor para a maior dose aplicada respectivamente (Tabela 3). No CH franco-argiloso a quantidade de Mg adicionada na maior dose (28.000 kg ha-1) foi de 258 kg ha-1, e no CH franco-arenoso na maior dose (13.100 kg ha-1) foi de 121 kg ha-1. Consequentemente, a aplicação superficial de dregs foi ineficiente para a correção da deficiência de Mg nos solos estudados, pois, os teores permaneceram na faixa de interpretação "baixo" (CQFS-RS/SC, 2004), em todas as camadas e doses avaliadas, mesmo após a aplicação de doses altas do resíduo.
MEDEIROS et al. (2009) constataram aumento linear dos teores de Ca e Mg até 15 cm de profundidade com o aumento das doses de dregs aplicadas em superfície em um Cambissolo Húmico. Já em trabalho em ambiente controlado, ALBUQUERQUE et al. (2002) tiveram aumento desses cátions até 5 cm, provavelmente devido à ausência de precipitação pluvial com quantidades variadas ao longo do ano.
A relação Ca/Mg aumentou na camada de 0 a 5 cm (Figura 1c, d), de 6 na testemunha para 20 na maior dose no CH franco-argiloso e de 3 para 12 no CH franco-arenoso. Na camada de 5 a 10 cm, somente no CH franco-arenoso foi observado aumento da relação Ca/Mg de 2,7 na testemunha para 4,0 na maior dose de dregs. O aumento ocorre pela maior concentração de Ca em detrimento do Mg na composição química do dregs, o qual possui uma relação Ca/Mg de 38 (Tabela 2).
Segundo a CQFS RS-SC (2004), a maior parte das culturas não é afetada por relações Ca/Mg variando de 0,5 até mais de 10, desde que nenhum dos dois nutrientes esteja em deficiência no solo. Teores de Ca e Mg inferiores a, respectivamente, 2,0 e 0,5 cmolc kg-1, são considerados deficientes.
A adição de dregs elevou linearmente o pH em água (pHágua) na camada 0 a 5 cm do CH franco-arenoso e de forma quadrática nas camadas de 5 a 10 e 10 a 15 cm deste solo e nas três camadas do CH franco-argiloso (Figura 2a, b). Na primeira camada do CH franco-argiloso o pH aumentou de 4,2 para 6,7 na maior dose de dregs, enquanto no CH franco-arenoso, aumentou de 4,7 para 7,5 (Tabela 3). Para elevar o pH em H2O do solo para 6,0, com base nas equações obtidas para a camada de 0 a 5 cm, seriam necessários 5,5 Mg ha-1 de dregs para o CH franco-arenoso e 17 Mg ha-1 para o CH franco-argiloso. Essas doses equivalem a 42% e 61% das doses máximas aplicadas de dregs no CH franco-arenoso e do CH franco-argiloso respectivamente. Entretanto, nas camadas de 5 a 10 cm e 10 a 15 cm, em nenhuma das doses aplicadas houve elevação do pH em H2O para valores iguais ou superiores a 5,5 e o maior pH ficou próximo de cinco. Portanto, quando for necessário corrigir a acidez do solo em camadas mais profundas, deve-se fazer a incorporação do corretivo, principalmente em solos com elevado poder tampão.
MEDEIROS et al. (2009), três meses após a aplicação de uma dose de dregs correspondente a 25% CaCO3, verificaram aumentos lineares até 15 cm, alcançando pH de 6,9 na camada superficial. Com uma dose de dregs equivalente a 50% CaCO3, ALBUQUERQUE et al. (2002) observaram aumento do pH para 7,3 em um Cambissolo Húmico na camada de 0 a 5 cm.
Concomitante às alterações observadas nos teores de cátions básicos e no pH do solo, o teor de Alumíno trocável (Al) na camada de 0 a 5 cm reduziu de 6,6 cmolc kg-1 no CH franco-argiloso e de 1,9 cmolc kg-1 no CH franco-arenoso para zero nas doses máximas de dregs. Considerando que o teor de Al trocável torna-se zero quando o pH do solo é maior do que 5,5, e com base nas equações ajustadas para o pH do solo, para zerar o Al na camada de 0 a 5 cm seriam necessários 10,3 Mg ha-1 no CH franco-argiloso e 3,0 Mg ha-1 de dregs no CH franco-arenoso (Tabelas 3 e 4). Quanto à camada de 5 a 10 cm, em ambos os solos, o Al trocável reduziu em 1,0 cmolc kg-1 nas maiores doses em comparação à testemunha, contudo, independentemente da dose aplicada de dregs, os teores de Al trocável foram maiores que 5,7 e 1,3 cmolc kg-1, respectivamente, no CH franco-argiloso e CH franco-arenoso. Na camada de 10 a 15 cm, a maior dose de resíduo diminuiu o teor de Al trocável em apenas 0,2 cmolc kg-1, para ambos os solos.
ALBUQUERQUE et al. (2002) estudaram doses crescentes de dregs superficialmente em colunas e observaram que o Al reduziu para próximo de zero com as doses equivalentes a 12% de CaCO3 em Latossolo e a 25% de CaCO3 em um Cambissolo. Na camada de 5 a 10 cm, a adição de resíduo não alterou os teores de Al após dois meses de sua aplicação.
A diminuição da acidez do solo está relacionada com a precipitação do Al e a dissociação do hidrogênio (H) de grupos funcionais orgânicos e inorgânicos dos componentes sólidos do solo com o aumento do pH (ERNANI, 2008), diminuindo o Al na solução do solo.
Com a adição de cátions básicos ao solo, devido à aplicação do dregs, aumentou a soma de bases (SB) nas três camadas avaliadas, porém com maior intensidade na camada de 0 a 5 cm. Esse aumento e a redução da acidez elevaram de forma quadrática a CTCefet na camada de 0 a 5 cm, de 7,5 para 10,4 cmolc kg-1 no CH franco-argiloso e de 2,6 para 5,8 cmolc kg-1 no CH franco-arenoso (Tabelas 3 e 4). Essa ocorrência se deve às reações químicas na solução e na superfície dos argilominerais do solo. Com a correção da acidez, os teores de Al e de H adsorvidos nas cargas permanentes e dependentes de pH diminuem, enquanto aumentam os teores de cátions básicos, processo que eleva a CTC efetiva do solo (CAIRES et al., 2004). Nas demais camadas, a CTC efetiva permaneceu constante ou modificou pouco, pelo efeito da redução do alumínio trocável, acompanhada ou não pelo aumento na soma de bases.
No trabalho de ALBUQUERQUE et al. (2002), houve aumento da CTCefet de 6 para 12 cmolc kg-1 em Cambissolo Húmico na camada de 0 a 5 cm com a aplicação superficial de dregs na dose correspondente a 50% de CaCO3. A calagem aumenta a CTCefet em solos ácidos com predomínio de carga variável (ALBUQUERQUE et al., 2000), como é o caso da maioria dos solos do Sul do Brasil. Conforme o pH do solo aumenta, o Al sofre hidrólise, deixando vagos sítios de troca de cátions, ou ainda ocasiona a dissociação do hidrogênio de compostos orgânicos (CAMARGO et al., 1997).
Com todas as alterações discutidas até o momento, a adição de dregs alterou a energia de atração e/ou repulsão do solo, consequentemente, o grau de floculação também foi modificado. O grau de floculação da argila (GF) reduziu de forma quadrática, nas camadas de 0 a 5 e 5 a 10 cm nos dois solos. Na camada de 10 a 15 cm permaneceu constante no CH franco-argiloso e reduziu de forma linear no CH franco-arenoso (Figura 2c, d).
Como ambos os solos possuem cargas permanentes e também dependentes do pH, a correção da acidez elevou o número de cargas dependentes do pH, e aumentou a repulsão das partículas de solo, conforme constatado também por AGASSI et al. (1981) e ALBUQUERQUE et al. (2002). Outro fator que contribuiu para reduzir o grau de floculação foi o aumento no teor de Na do solo (Figura 1a, b), em razão de sua alta concentração na composição do dregs (Tabela 2).
A análise de correlação indica que o grau de floculação é maior nas amostras com maiores teores de Al trocável e diminui quando aumenta o pH, o teor e a saturação por Na (Tabela 5 e Figura 3). Estes resultados corroboram os de ALBUQUERQUE et al. (2002) que observaram o efeito dispersante do dregs um Cambissolo Húmico Alumínico franco-argiloso e não observaram efeito dispersante no Latossolo Bruno, indicando que a dispersão da argila é dependente da mineralogia do solo. A aplicação de doses elevadas de calcário em Latossolos aumentou a carga líquida negativa com o aumento do pH e reduziu o grau de floculação da argila (MORELLI e FERREIRA, 1987; ALBUQUERQUE et al., 2002).
O sódio dispersa a argila, pois é elemento monovalente e com grande raio hidratado, e em grande quantidade, torna os solos mais suscetíveis ao selamento superficial, diminui a infiltração de água no perfil e favorece a erosão hídrica (REICHERT e NORTON, 1994; 1996). Entretanto, devido à elevada concentração eletrolítica da solução com cátions bivalentes adicionados com o dregs, o efeito dispersivo pode ser amenizado, em razão de permitir a predominância de pontes de cátions e as forças atrativas de curto alcance, que atraem as partículas (AGASSI et al., 1981, VAN OLPHEN 1977; MC BRIDE, 1989), assim os problemas advindos com a dispersão, como selamento superficial e erosão hídrica, diminuem (MILLER e BAHARUDDIN, 1986; SHAINBERG e SINGER, 1988).
O índice de estabilidade dos agregados (IEA) diferiu entre as doses aplicadas de forma quadrática na camada de 5 a 10 cm no CH franco-argiloso e na camada de 0 a 5 cm do CH franco-arenoso, sendo os menores índices observados nas doses correspondentes a 50% em ambos os solos. Devido à estruturação natural desses Cambissolos, mesmo existindo diferenças no IEA entre as doses de dregs em algumas camadas, a amplitude do IEA foi pequena, pois, na camada de 0 a 5 cm, por exemplo, variou de 0,90 a 0,95 no CH franco-argiloso e de 0,82 a 0,93 no CH franco-arenoso. Em um Cambissolo Húmico, MEDEIROS et al. (2009), avaliando a estabilidade de agregados na camada de 0 a 5 cm após 27 meses da aplicação de dregs na superfície, relataram aumento da estruturação nas doses menores e, predomínio do efeito dispersante dos elementos químicos sobre os efeitos agregantes nas maiores doses; contudo, a variação do diâmetro médio geométrico (DMG) foi de apenas 0,02 mm. Esses efeitos são mais intensos se o resíduo tiver maior quantidade de Na, fator que é variável com o lote de resíduo e o processo utilizado em cada indústria.
As modificações nos atributos dos solos pela aplicação de resíduo alcalino se refletiram na produção de massa seca da parte aérea e das raízes do milho (Figura 4). Com base nas equações ajustadas, a produção de massa seca da parte aérea foi maior na dose de dregs correspondente a 39% da necessidade de CaCO3 para elevar o pH em água para 6,0 no CH franco-argiloso e a 47% no CH franco-arenoso, enquanto a massa seca das raízes foi maior na dose correspondente a 40% para ambos os solos. A aplicação de doses superficiais maiores do que as detalhadas acima podem prejudicar o acúmulo de massa seca da parte aérea e de raiz do milho.
Em experimento realizado em campo em um Cambissolo Húmico alumínico MEDEIROS et al. (2009) observaram aumento da produtividade das culturas de trigo até a dose de dregs correspondente a 100% da quantidade de corretivo recomendada para elevar o pH até 6,0. Essa diferença pode estar associada à maior reatividade do resíduo e mobilidade no perfil do solo comparado com o que ocorre em vasos, proporcionando melhorias nas propriedades químicas em camadas mais profundas com a lixiviação, além de evitar acúmulo de elementos e grande alteração do pH, principalmente na camada mais superficial do solo.
O efeito favorável do dregs se deve à elevação do pH, neutralização dos cátions ácidos e adição de cátions básicos, enquanto o efeito prejudicial pode estar associado ao excesso de sódio no solo em doses elevadas (MEDEIROS et al., 2009). Outro efeito negativo é o desbalanço de nutrientes, posto que a relação Ca/Mg é muito elevada no resíduo. Essa elevada relação Ca/Mg pode inibir a absorção de Mg e K, reduzindo a altura e a produção de massa seca da cultura quando a aplicação de corretivos torná-la superior a 8:1 no solo (MEDEIROS et al., 2008). Entretanto, o efeito prejudicial da alta relação Ca/Mg ocorre somente em solos com deficiência de Mg (OLIVEIRA e PARRA, 2003; MEDEIROS et al., 2008).
4. CONCLUSÃO
A adição superficial de dregs eleva o pH, os teores de Ca, K e Mg, e reduz o teor de Al trocável, principalmente na camada de 0 a 5 cm. No entanto, são observados efeitos prejudiciais, como o aumento no teor de Na, da relação Ca/Mg e da dispersão da argila. As alterações nos atributos químicos do solo favorecem o crescimento das raízes e da parte aérea do milho, até uma dose de dregs equivalente de 40% a 47% da necessidade de calcário para elevar o pH em água para 6,0. Doses superiores a essas prejudicam o desenvolvimento das plantas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq) pelo apoio finan-ceiro ao projeto e pela concessão da bolsa de produtividade do primeiro autor e de iniciação científica do quarto autor.
Recebido: 11/abr./2011
Aceito: 6/jun./2011
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Jan 2012 -
Data do Fascículo
2011
Histórico
-
Recebido
11 Abr 2011 -
Aceito
06 Jun 2011