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Partidos e trabalhadores na transição democrática: a luta pela hegemonia na esquerda brasileira

Parties and workers in the democratic transition: the struggle for hegemony in the Brazilian left

Partis et travailleurs dans la transition démocratique: la lutte pour l'hégémonie au sein de la gauche brésilienne

Resumos

The article analyzes arguments at play in the struggle for hegemony in the Brazilian Left during the 1970s and '80s. The analysis emphasizes how the Brazilian Communist Party (PCB) dealt with the advent of the Workers' Party (PT), and conversely, how the PT faced the dispute with the PCB. One thus perceives the parties' views not only of themselves, but also of their opponents. The analysis also considers the scenarios in which the parties acted. In addition to original research and secondary sources, the article is also based on official documents produced by militants from the two parties, as well as positions expressed in the respective party presses.

Left; PCB; PT; workers; re-democratization


Cet article analyse les arguments invoqués lors du processus de dispute hégémonique qui eut lieu au sein de la gauche brésilienne au cours des années 1970-1980. L'analyse met l'accent sur la manière dont le Parti Communiste Brésilien (PCB) a traité l'avènement du Parti des Travailleurs (PT) et aussi comment le PT a fait face à cette dispute qui l'opposa au PCB. On pourra ainsi percevoir la vision que chaque parti avait de lui-même ainsi que de son opposant. Tout au long de l'analyse, l'article décrit aussi le scénario concret au sein duquel les deux partis agissaient. Ce travail a pour base des recherches, des sources secondaires, ainsi que la documentation officielle produite par les militants des deux partis et les prises de positions affichées dans leurs organes de presse respectifs.

gauche; PCB; PT; travailleurs; redémocratisation


Left; PCB; PT; workers; re-democratization

gauche; PCB; PT; travailleurs; redémocratisation

Partidos e trabalhadores na transição democrática: a luta pela hegemonia na esquerda brasileira

Parties and workers in the democratic transition: the struggle for hegemony in the Brazilian left

Partis et travailleurs dans la transition démocratique: la lutte pour l'hégémonie au sein de la gauche brésilienne

Marco Aurélio Santana

Professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: marcosilvasantana@gmail.com

ABSTRACT

The article analyzes arguments at play in the struggle for hegemony in the Brazilian Left during the 1970s and '80s. The analysis emphasizes how the Brazilian Communist Party (PCB) dealt with the advent of the Workers' Party (PT), and conversely, how the PT faced the dispute with the PCB. One thus perceives the parties' views not only of themselves, but also of their opponents. The analysis also considers the scenarios in which the parties acted. In addition to original research and secondary sources, the article is also based on official documents produced by militants from the two parties, as well as positions expressed in the respective party presses.

Key words: Left; PCB; PT; workers; re-democratization

RÉSUMÉ

Cet article analyse les arguments invoqués lors du processus de dispute hégémonique qui eut lieu au sein de la gauche brésilienne au cours des années 1970-1980. L'analyse met l'accent sur la manière dont le Parti Communiste Brésilien (PCB) a traité l'avènement du Parti des Travailleurs (PT) et aussi comment le PT a fait face à cette dispute qui l'opposa au PCB. On pourra ainsi percevoir la vision que chaque parti avait de lui-même ainsi que de son opposant. Tout au long de l'analyse, l'article décrit aussi le scénario concret au sein duquel les deux partis agissaient. Ce travail a pour base des recherches, des sources secondaires, ainsi que la documentation officielle produite par les militants des deux partis et les prises de positions affichées dans leurs organes de presse respectifs.

Mots-clé: gauche; PCB; PT; travailleurs; redémocratisation

INTRODUÇÃO

A chegada do Partido dos Trabalhadores (PT), fruto direto das lutas operárias, ao poder na eleição presidencial de 2002, em aliança tanto com forças de esquerda quanto com setores conservadores, abriu no interior da esquerda brasileira um debate acerca de sua identidade1 1 . Deve-se dizer que este processo já se dava em menor escala, quando da chegada de candidatos de esquerda aos legislativos e executivos municipais e estaduais. Mas o acesso à Presidência da República deu-lhe outro escopo e qualidade. . A própria trajetória eleitoral já indicava modificações no projeto daquele que, nas duas décadas anteriores, havia sido o elemento condutor das mais variadas demandas progressistas no seio da sociedade brasileira.

O debate sobre as contradições e avanços ocorridos com partidos de corte socialista em sua chegada ao poder se estende por toda a já longa tradição de esquerda internacional. Porém nossa ideia neste artigo é, mais do que entrar em uma análise das ações do PT enquanto partido no governo, tomarmos como foco de análise o exato momento em que esse partido surge na política de esquerda brasileira. Espaço de esperança para um projeto diferenciado de militância de esquerda no Brasil, a construção desse partido abriu, à época, uma profunda discussão acerca não só do presente e futuro dessa militância, mas, acima de tudo, do que teria sido a sua própria trajetória no passado.

Ao surgir no campo das esquerdas, obviamente, o PT precisou disputar o espaço para o seu desenvolvimento. A faixa na qual o PT procurou trafegar já era ocupada por grupos políticos de maior ou menor escala. A própria construção do PT, na verdade, em certa medida, trouxe em seu bojo a associação de muitos desses grupos. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), por sua tradição e peso político, e por ter sido a referência da política de esquerda durante décadas2 2 . Para mais informações acerca da trajetória do PCB ver, entre outros, Chilcote (1982), Del Picchia (1980), Frederico (1987), Gato (1979), Pacheco (1984), Segatto (1989), Vinhas (1982). , será aquele com o qual o PT travará forte disputa. De forma esquemática, pode-se dizer que era o momento no qual, simbólica e concretamente, a "novidade" enfrentava a "tradição".

Este artigo, portanto, visa apresentar analiticamente alguns dos argumentos que estiveram em jogo naquele contexto, indicando de que forma os comunistas3 3 . Comunistas, neste artigo, diz respeito aos militantes do PCB. perceberam o advento do PT e lidaram com isso; e como o PT viu e enfrentou a disputa com o PCB. Desta forma, poder-se-á perceber não só a visão que os partidos tinham de si mesmos, mas também como viam seu oponente4 4 . Claro está que não pensamos tais agremiações como instituições monolíticas. Sabemos de sua rica e divergente vida interna, bem como dos gaps existentes entre suas formulações e a prática de seus militantes. Contudo, no horizonte deste artigo, fomos obrigados a ficar, na maioria das vezes, com o que uniformizava mais tais vozes. . A análise não poderá ser feita sem que seja levado em conta também o cenário concreto no qual os partidos atuavam, o qual, a um só tempo, ajudavam a moldar e eram por ele também moldados.

O DECLÍNIO DA DITADURA E A TRAJETÓRIA DA ESQUERDA EM DISPUTA

A passagem entre as décadas de setenta e oitenta é marcada no campo político brasileiro pelo processo de flexibilização do regime civil-militar implantado no país em 19645 5 . Um conjunto de trabalhos pode ajudar ao leitor com referências às diversas visões acerca do período de ditadura. Entre outros, ver Toledo (1997), Soares e D'Araújo (1994), Aarão Reis Filho, Ridenti e Motta (2004), Araújo etalii (2004), Fico (2004) e Fico e Araújo (2009). . Se a estratégia de distensão política proposta no governo de Ernesto Geisel dava seus primeiros passos a partir de 1974, é no governo de João Figueiredo, a partir de 1979, que ela se efetiva através de instrumentos tais como a Lei de Anistia e o fim do bipartidarismo compulsório6 6 . Para mais elementos sobre a conjuntura ver, entre outros, Krischke (1982) e Vianna (1983; 1986). .

No campo do movimento social, este período é marcado pelo ressurgimento do movimento sindical brasileiro7 7 . O movimento estudantil teve participação importante nesta conjuntura, como por exemplo, com suas manifestações no ano de 1977 (ver Araújo, 2007). Para o caso do movimento operário ver, entre outros, Antunes (1988) e Martins (1994). que, depois de muitos anos de trabalho silencioso no interior das fábricas e de algumas tentativas mais visíveis de contestação, reaparece em céu aberto buscando mais espaços para a conquista das reivindicações dos trabalhadores. Obviamente que o regime não ficou impassível ao ascenso dos movimentos sociais. Impondo-se uma estratégia de transição "lenta e gradual", por exemplo, os militares intervieram no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, e enquadraram seus dirigentes na Lei de Segurança Nacional (LSN).

As greves dos metalúrgicos do ABC paulista em 1978,1979 e 1980 significaram um teste para o ressurgente movimento sindical que, independente do resultado das mesmas, acabou sinalizando para os movimentos sociais em geral as possibilidades de luta no interior do regime ditatorial.

Esses passos ainda tateantes no interior da transição foram testemunha de uma luta no interior da esquerda brasileira. O ascenso do movimento sindical brasileiro trouxe consigo a ideia de uma organização nacional que pudesse dar-lhe maior força de ação. Além disso, no campo político, os grupos militantes na esquerda brasileira, como os movimentos sociais, após duros anos de clandestinidade, banimento e repressão, começaram a reorganizar-se e intentar seu lugar ao sol.

Embora existissem diversos grupos, de diferenciados tamanhos e grau de influência nos movimentos e no cenário mais amplo, dois grupos se destacaram neste processo. De um lado, o PCB que, de longa data, era a referência no seio da esquerda brasileira como setor hegemônico, seja pelo porte, seja pela tradição (o "Partidão", como era chamado). De outro, os diversos grupos egressos, em grande medida, da experiência da luta armada, da militância cristã, dos setores "trotskistas", dentre outros, que fundam o PT, o qual - surgido a partir do "sindicalismo autêntico" que aflorou das mobilizações em fins dos anos setenta constituindo o chamado "novo sindicalismo" e formando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) - tornou-se rapidamente um candidato alternativo ao PCB, quer seja no campo dos movimentos sociais, quer seja na "grande política".

Os debates entre as concepções políticas do PCB e as do PT marcaram um fato importante em termos da tradição de esquerda em nosso país. Se, no período pós-1945, o PCB trafegou, de certa forma, tranquilo nas faixas sindicais e de representação dos trabalhadores, tendo que lidar seja com grupos bastante minoritários, seja com um Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que não oferecia problemas maiores em termos das disputas, de forma organizada, na base; após o golpe, com um certo tampão colocado em toda esta disputa e a repressão fazendo vítimas em todos os níveis e escalas, o PCB teve que lidar também com grupos que ou não se jogaram em um contato direto com os trabalhadores ou, se o fizeram, não tinham o grau de expressão e amplitude, conseguido pelo já então "Partidão". Agora, o quadro se modificava sobremaneira. Os grupos representados no interior do "novo sindicalismo" e no PT seriam adversários de envergadura e disposição que o PCB jamais havia enfrentado. E serão estes mesmos grupos que acabarão por superar o PCB no espaço político e sindical, conseguindo ocupar o papel que outrora pertencia ao "Partidão".

Tendo como pano de fundo a luta contra o regime militar, as apostas eram bastante diferentes. O PT defendia uma política de enfrentamento mais radical à ditadura, que estivesse fortemente vinculada à demanda dos trabalhadores, e negava a ideia de uma frente única que agregasse setores da burguesia em uma ampla luta pela democracia8 8 . Eram muito presentes, neste momento, entre as insígnias "petistas" as ideias de que ele era um "partido sem patrão" e a de que "trabalhador vota em trabalhador". . Já o PCB advogava uma política de movimentação sem riscos para a conquista da democracia, vendo com desconfiança qualquer movimento mais brusco que pudesse trazer um retrocesso para o processo de democratização. Desta forma, propunha uma política de frente ampla que, no jogo partidário, já tinha seu instrumento: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB)9 9 . Com o Ato Institucional de número 2, em 1965, a ditadura extinguiu o pluripartidarismo então existente impondo o bipartidarismo. Foram criados um partido da "situação", a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e um partido da "oposição", o MDB. .

Daí que as farpas eram mútuas. Os "petistas" chamavam o "Partidão" de "reformista" e conciliador. O "Partidão" retrucava com a acusação de que o PT era "divisionista" da oposição contra o regime militar e "esquerdista", condenado ao "gueto político". Se para o PT o PCB caminhava lento demais em suas propostas e ações, correndo o risco de perder o "trem da história", para o PCB, o PT, com suas ações radicalizantes, poderia "entornar o caldo" do processo de redemocratização, o que teria sérios impactos na vida dos trabalhadores. Passemos, então, ao debate propriamente dito.

AS VISÕES DO "PARTIDÃO"

A partir da análise das fontes documentais, pode-se perceber que as considerações e análises do PCB sobre o PT soam plurívocas, cheias de reentrâncias que indicam divergências e debates internos. Algumas das críticas do "Partidão" são feitas de forma mais elaborada, outras nem tanto. O que está sempre presente no discurso dos comunistas é a disputa pela hegemonia. Como assinalado pelo seu secretário-geral à época, Giocondo Dias, ao jornal Folha de S. Paulo, de 11 de abril de 1981 (Carone, 1982:265), "A partir da nossa perspectiva de classe, não desejamos privilégios na dinâmica do processo revolucionário brasileiro. Temos a experiência de que qualquer hegemonia deve ser conquistada a cada instante, na prática cotidiana".

Claro está que isto não se referia meramente ao PT, mas deixava clara a perspectiva do partido da busca de hegemonia na sociedade, o que obviamente passava pela hegemonia entre os setores de esquerda. Neste quadro, o PCB parecia não querer exclusivismos de posições. Para ele, ao que o partido não poderia renunciar era "(...) ao nosso papel, à nossa posição e à nossa responsabilidade na vanguarda do progresso social. Partido revolucionário, queremos e vamos ser um grande partido de massas. Sem exclusivismos, ágeis, com uma identidade cristalina".

A posição do partido, no interior do movimento sindical, quanto se ventila a ideia de um "Partido dos Trabalhadores", transita do descrédito à tentativa do adiamento das discussões, como fica indicado no discurso de Arnaldo Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos e militante do PCB. Para ele, seria

uma ilusão pretender construir um Partido dos Trabalhadores sob a ditadura que aí está (...) [acho] que o momento é de fortalecimento da frente das oposições em torno do MDB. (...) se neste partido[PT] não podem entrar os patrões, então não poderão entrar todos os dirigentes sindicais que são reais patrões dentro de cada uma de suas máquinas sindicais, algumas até mesmo de fazer inveja a muito empresário.

Gonçalves vai achar estranho o empenho de "Joaquinzão", entre outros, no apoio à ideia de criação do partido. Para ele, o tom mais à esquerda das primeiras resoluções para a criação de um PT deveu-se a deslizes destes nos encaminhamentos do processo e aos acertos que precisaram fazer com os "sindicalistas autênticos". Acha ainda que os debates acerca do PT poderiam estar auxiliando as articulações do trabalhismo de Leonel Brizola10 10 . De certa forma, Brizola era um elemento de desestabilização tanto para o PCB, como se percebe na fala de Gonçalves, quanto para o PT. Representando a memória de lutas passadas e buscando reorganizar suas forças no presente, Brizola surgia como jogador importante, correndo em raia própria, em meio à disputa. Não por acaso, a ditadura usou de ardis para que ele não recuperasse a sigla PTB quando da reforma partidária. . Para ele, "nesta discussão tem muita gente comendo gato por lebre".

A proposta dos militantes do PCB, coerente com sua linha política, é reforçar o apoio ao MDB, que, dado o bipartidarismo forçado, agrupa os setores de oposição e, entre outras coisas, serve de "fachada" para a ação dos comunistas que têm seu partido ainda na ilegalidade, tornando-se o polo aglutinador da luta democrática.

Percebe-se, também, que o partido começa a se preocupar com a hegemonia política sobre os trabalhadores. Em entrevista concedida, ainda no exílio, em 20 de março de 1979, Hércules Corrêa (1980:76) analisa as perspectivas das ações do PCB na política nacional, uma vez legalizado, assinalando que, a partir da experiência que ele tinha, aquela de 1945, podia-se dizer que

o potencial existente é muito favorável nessa direção. Quando se discute agora em São Paulo a criação de um Partido dos Trabalhadores, às vezes a coisa é apresentada como sendo, de um lado, para contestar a possibilidade de o PTB se organizar e, de outro lado, o próprio Partido Comunista. Nesta formulação se diz o seguinte: "O Partido Comunista não é o partido dos trabalhadores". A maioria desses operários que estão fazendo greve nunca teve chance de ter um contato mais direto com o Partido, de conhecê-lo.

Nas palavras de Corrêa, vê-se que a perspectiva de organização de um partido dos trabalhadores coloca em xeque a ideia de que o PCB seria este partido como ele mesmo se colocara historicamente. O PT é visto como um potencial obstáculo à reorganização não só do PCB, como também do PTB. Mas Corrêa acredita que, com a volta à normalidade democrática, ao longo dos debates, os trabalhadores perceberiam quais organizações eram importantes para eles e se definiriam por elas.

Na verdade, só quando a proposta do PT se concretizar efetivamente é que este tipo de discussão se torna mais frequente e, também, mais dura. Ainda nesse processo de consolidação, os setores vinculados ao PT, como se verá, não deixam de replicar as críticas e acusações que o PCB lhes fazia, questionando a posição dos comunistas de se julgarem os únicos representantes da classe trabalhadora.

No campo mais amplo pode-se ver que o partido, de certa forma, teria uma convivência "pacífica" com o PT. Em entrevista ao jornal Em Tempo", nº 90 de 15 a 21 de novembro de 1979, José Salles, membro do Comitê Central do partido, assinala que

Como somos pela liberdade de organização de todas as correntes, vemos como saudável que setores do movimento operário queiram organizar o PT. Não vemos isto com ciúmes, nem achamos inoportuno. É a vontade dos trabalhadores de participar na vida social (...). Nós somos particularmente sensíveis ao esforço de organização do PT, enquanto expressão da classe operária.

Ainda assim, Salles mantém a perspectiva de que a divisão das oposições é obra do regime e reforça a importância do MDB. Para ele "o arbítrio impede a organização dos partidos e tenta implodir a oposição, que se reúne no MDB (...) a oposição é bem mais ampla que o MDB, mas insistimos que hoje ele é seu principal instrumento".

Quanto à corrida entre PT e PCB, ele assinala que "nós vamos disputar os votos carreados para a direita, ainda que não sejam de direita; e não vamos nos digladiar entre nós".Mais ainda,

Nós não nos colocamos em uma posição de superioridade olímpica, a unidade da classe operária é uma condição para o êxito da luta dos trabalhadores. Que existem lideranças que se prestigiem lutando pela unidade da classe operária, nós consideramos que é uma prova de vitalidade da nossa política. Nós vemos isto com muita satisfação. Esperamos que estas lideranças operárias acertem. Não vemos isto com ciúmes.

Se pudéssemos agrupar as críticas feitas pelo PCB ao PT ao longo do tempo e que articulassem os princípios ao mero conjuntural, indicaríamos como um dos pontos de destaque a indicação de estreiteza política e ação divisionista por parte do PT. Em junho de 1980, o jornal Voz da Unidade, órgão informativo oficial do PCB, traz um artigo de David Capistrano Filho sob o título "O PT não é a única força de oposição democrática", no qual, o autor, pautando-se em um panfleto de um dos núcleos do PT-SP, busca criticar os graves erros que não se restringiriam "a um dos bairros da capital paulista".

Ele critica os autores do panfleto por dizerem que só raramente o MDB encaminhou reivindicações dos trabalhadores, que todos os partidos, inclusive os de oposição, seriam de "patrões" - e com "fins eleitoreiros" - e que só o PT seria o verdadeiro partido de oposição. Segundo o autor, "resta-nos esperar que a direção do PT, integrada por oposicionistas combativos, desautorize os grupos que querem dividir a frente antiditatorial usando o nome do PT". Neste caso, portanto, Capistrano indica que o problema não seria tanto o PT, mas alguns dos seus diversos grupos que buscariam, "usando o nome do PT", dividir a oposição.

O Voz da Unidade de1a7de agosto de 1980 publica um artigo de Paulo Cavalcanti com o título "A hora é de unir as forças democráticas". Nele, o autor compara o momento vivido em 1980 com aquele vivido em 1964 e retira daí o exemplo para conclamar as forças de oposição à união. Assim como em 1964,

"(...) hoje, a situação é quase a mesma. Depois de atomizados pelo governo, os partidos e grupos de oposição teimam em desunir-se, tendo diante de si, não os largos horizontes da frente democrática, mas o beco de seus apetites, como diria o poeta Manoel Bandeira. Só os cegos não veem que a hora é de somar esforços.

O autor insiste na tese, muito usada pelos comunistas, de que foi o regime que atomizou os partidos de oposição. Ora, se isso é verdade, e se os setores da oposição tinham tanta coisa em comum e queriam continuar juntos, para além da vontade do governo, por que não o fizeram e continuaram unidos sob a sigla do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que sucedeu ao MDB?

A mesma direção é seguida no artigo "Por que a unidade é valor estratégico". Funcionando quase que como um editorial do Voz da Unidade, nele vemos uma usual defesa da posição de unidade das forças democráticas para garantir o avanço do processo de abertura. Constatando o isolamento do regime militar, que daria seus últimos passos, o texto assinala que, diante do quadro, começam a ser defendidas, com certa insistência, "por alguns setores da oposição, a perspectiva sectária de que a política de frente democrática deve ceder lugar a uma política mais restrita, com exclusão das forças ou personalidades cujos projetos de reconstrução da sociedade não ultrapassam os limites do liberalismo".

Ainda que indique a correção da análise destes grupos acerca do isolamento do regime, o PCB afirma que a conclusão a que chegam é errônea, à medida que vislumbram

a possibilidade da iminência de um confronto radical das forças populares com o governo. Na raiz do erro conclusivo está a confusão que é feita entre o recente despertar do movimento de massas no país com o que já seria uma crise revolucionária, e o descaso - que no fundo revela a velha concepção golpista - pelo fato concreto da não-existência hoje, no país, de forças políticas capacitadas para liderar uma mobilização popular de porte suficiente que possa exigir a derrubada do regime e a implementação de profundas mudanças sociais.

O PCB vai reiterar a posição de que era necessária a consolidação de um campo mais amplo possível de forças, o qual, através de sua unidade e ações concretas no sentido da construção de um regime democrático, impeça "o risco de retrocesso".

A postura do PT com relação à luta por uma Constituinte também mereceu a atenção do PCB que, como as demais forças, defendia esta proposta. A recusa do PT à Constituinte é considerada pelos comunistas como mais um ato de "divisionismo". No Voz de 21 a 27 de novembro de 1980, uma matéria de David Capistrano Filho, intitulada "Estreiteza pode levar PT ao divisionismo", faz uma análise do processo de luta pela Constituinte. Em seu texto vamos ver que, de forma autocrítica, o partido assinala que havia um certo consenso entre as forças de oposição quanto à Constituinte, porém não nas propostas de como encaminhar o processo. Mais ainda, não havia propostas econômicas que indicassem como solucionar os problemas do povo. Isto, "abre caminho tanto para a demagogia populista de velhas raízes - e particularmente em São Paulo - como para a confusa mistura de basismo, despolitização e aventureirismo que caracterizam algumas correntes esquerdistas do presente, notadamente no PT".

O artigo assinala ainda algumas das vertentes que conformariam a visão do PT contrária à Constituinte e indica que "no quadro atual da oposição, a predominância no PT dessas posições estreitas leva esse partido, até sem querer, a exercer um papel de divisão e de aumentar a confusão".

O PCB vai continuar defendendo, coerentemente com sua linha geral, o PMDB enquanto espaço de atuação da frente oposicionista. Embora considerando válidos os interesses agregados em torno de outros partidos de oposição, o PCB declara em junho de 1982 que "enfraquecer o PMDB é enfraquecer a frente democrática". Neste artigo, no Voz da Unidade, o partido avança a visão de que, em face do processo eleitoral daquele ano, o regime estaria insuflando um partido oposicionista contra o outro e "os diversos setores da frente democrática, se aceitam o jogo do regime, incorporando como central a guerrilha mútua, condenam-se, simplesmente, ao isolamento e ao fracasso".

Em junho de 1983, o Coletivo Nacional de Dirigentes Comunistas se reuniu com a Comissão Executiva do PT - o que o jornal Voz da Unidade considerou uma reunião histórica para ambos os lados. Segundo Teodoro Mello, um dos dirigentes do PCB, um dos motivos da reunião teria sido agradecer o esforço "petista" na solidariedade prestada aos comunistas contra a invasão que seu semanário havia sofrido pelas forças policiais, além de celebrar a libertação dos presos que resultou daquela ação repressiva, bem como a luta dos comunistas pela legalidade de seu partido. Mas também para detectar pontos de agenda comum e articular formas de ação conjunta. Para Mello, a reunião se deveu "à grande importância que atribuímos ao PT, à necessidade da unidade da classe operária e do seu movimento sindical". Um dos pontos centrais da reunião foi a discussão de uma possível articulação de campanha contra a LSN, mas também ficaram claras as posições divergentes acerca do movimento sindical e seus encaminhamentos como a CUT e a greve geral12 12 . A proposta de uma CUT estava presente nas propostas de muitos grupos já desde pelo menos meados dos anos 1970. Em 1981 (Menezes e Sarti, 1981), realizou-se a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT). Daí formou-se a comissão Pró-CUT. Contudo, no ano de 1982, que seria o ano de fundação da CUT, sob a alegação de ser um ano eleitoral e que poderia dividir os trabalhadores, o PCB e seus aliados divergirão dos setores ligados ao PT, mas manterão a posição, adiando o congresso. Já no ano de 1983, agora sob outras justificativas, se tenta adiar mais uma vez o conclave. Os setores ligados ao PT, junto a outros, realizam o congresso sem a presença dos seus adversários, fundando a CUT. Os comunistas e seus aliados criarão a CONCLAT, depois fundarão a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1986. Rodrigues (1997) traz uma análise detalhada da trajetória da CUT. Para dados mais gerais sobre o sindicalismo da conjuntura ver Boito Jr.(1991). .

O debate acerca da ida ao Colégio Eleitoral13 13 . Depois de derrotada a chamada Emenda Dante de Oliveira, que propunha a eleição direta para presidente, o caminho para alguns setores de oposição, marcadamente aqueles ligados ao PMDB, foi organizar uma chapa que concorresse pela via indireta no interior do Congresso Nacional. Neste processo surgiram duas candidaturas. No lado governista foi lançado Paulo Maluf. Pela oposição foi lançado Tancredo Neves. foi outro ponto que forneceu novo incremento aos debates e críticas do PCB ao PT. Em junho de 1984, o Voz da Unidade publica um artigo de Alon Feuerwerker sob o título "Independência ou reboquismo?", no qual o autor considera que pouco a pouco o PT estaria sendo colocado no dilema de ou participar do Colégio ou se isolar politicamente. O texto traz as tensões e dificuldades internas pelas quais passava o PT assinalando o apoio de parte de sua bancada federal à candidatura Tancredo Neves, entendida por Aírton Soares, deputado do PT, como a possibilidade de governo de transição. O autor indica que, caso houvesse possibilidade de vitória dos setores democráticos, o PT tenderia a votar em Tancredo.

Em agosto de 1984, o Voz da Unidade publica uma matéria que reporta um debate realizado na TV, pela Abril Vídeo, entre Salomão Malina, da Comissão Nacional Provisória do PCB, e Jacó Bittar, vice-presidente nacional do PT. Ficavam claras as distinções de posições que já vinham se explicitando. Para o PT, não mudaria muito o quadro decidido pela via indireta, impondo depois a submissão ao Partido Democrático Social (PDS) no parlamento. Aos comunistas, Tancredo era, no momento e naquelas condições, quem melhor poderia representar as transformações exigidas pela nação.

Em outubro de 1984, o Voz da Unidade indica que as tensões sobre o assunto crescem dentro do PT e, embora diga que este seria um assunto a ser resolvido em termos de "economia doméstica", não cabendo aos demais setores democráticos se envolver, assinala que

assiste a todos eles o direito - e principalmente aos comunistas, para os quais é de indiscutível relevância a afirmação de um partido que se pretende de conteúdo operário - à preocupação pelos posicionamentos dos companheiros petistas. E isto em razão da importância que atribuímos ao PT, do qual é legítimo esperar soluções que, além do doutrinarismo, favoreçam de fato a superação do atual regime.

A carga de críticas é intensificada na matéria "Apenas bobagens". Ela está no Voz da Unidade de 10 de novembro de 1984 e é aberta com a pergunta: "O PT desvairou?" baseando-se em jornal do Diretório Estadual do PT-SP que, segundo o Voz, criticaria desde Tancredo até companheiros do próprio PT. O artigo questiona a visão "petista" de que a candidatura Tancredo e a ida ao Colégio Eleitoral constituiriam um "pacto das elites", indicando que Tancredo, na verdade, seria a alternativa real ao continuísmo do regime.

O PCB vai acompanhar bem de perto este processo no PT. Em sua edição de 8 de dezembro de 1984, o jornal do PCB vai indicar a crise aberta entre o partido e parte de sua bancada assinalando a perspectiva da saída do líder da bancada federal do PT, Aírton Soares, que, discordando da postura do PT quanto ao boicote ao Colégio e afastado pelo partido da liderança, poderia ir para o PMDB. Além disso, o jornal divulga uma pesquisa feita pelo PT junto aos seus filiados que indicavam que a maioria dos filiados seria a favor da ida ao Colégio. Neste sentido o jornal indica que "(...) a direção do PT afasta-se não só de seus eleitores, mas da base do partido (...). A crise do PT não interessa às forças democráticas, em especial aos comunistas. Mas esse é o ônus de uma posição isolacionista e sectária. E está sendo pago".

Da mesma forma, o PCB vai considerar um exemplo de sectarismo a decisão do Diretório Nacional do PT de desligar os parlamentares que votassem em Tancredo Neves, anúncio que foi feito uma semana antes da votação. Como se sabe, alguns parlamentares votaram a favor de Tancredo contra Paulo Maluf, sendo desligados do PT. Neste processo, foram desligados os deputados federais José Eudes, Aírton Soares e Beth Mendes.

Passados estes eventos, as divergências acerca das eleições diretas fizeram com que o PCB voltasse a criticar a postura do PT. Para o partido, a posição de Lula e Brizola de chamarem uma campanha pelas diretas para o ano de 1986 seria uma posição golpista como indicado na matéria "Lula e Brizola pelo golpismo" publicada no Voz da Unidade de 6 a 12 de dezembro de 1985.

A perspectiva da estreiteza política do PT seria exposta de novo nas páginas do semanário do PCB quando da derrota eleitoral de Fernando Henrique Cardoso nas eleições municipais de São Paulo em 1988. Com a vitória eleitoral de Jânio Quadros, o PCB, após cálculos e somatórios de engenharia política, assinala na mesma edição do Voz da Unidade citada anteriormente.

O crescimento da votação do PT, embora significativo, não foi o fato principal deste pleito. Foi uma votação obtida às custas do PMDB nos bairros periféricos e que serviu para debilitar o apoio eleitoral a Fernando Henrique Cardoso, cabendo ao PT, assim, parcela da responsabilidade pela vitória de Jânio Quadros.

O PCB reconhece que errou ao não tentar buscar "travar publicamente a discussão com o PT em torno de uma política que desembocasse na formação de uma chapa única das forças oposicionistas"14 14 . Já desde as eleições de 1982 os comunistas vão defender a ideia do voto útil, ou seja, tentarão convencer forças políticas e eleitores de que se deve apoiar os candidatos e partidos que tivessem, ainda que supostamente, mais chance de ganhar as eleições. O PMDB apareceria sempre como este partido. Sobre o PT recairia sempre a pressão de ter de ceder em prol deste. . O partido reconhece também que a chapa do PMDB apresentava certa estreiteza política. Assim, o candidato teve de enfrentar problemas internos de um lado e "o divisionismo do PT" de outro.

Um outro ponto de destaque é o que diz respeito à perspectiva confrontacionista do PT em um período em que se trafegava ou pelo menos se buscava trafegar de um regime autoritário para um regime democrático. Por exemplo, em uma cartilha de formação de militantes do PCB, na qual se compara o partido com algumas agremiações de esquerda, vemos, sob o subtítulo "Alianças e divisionismo", a caracterização do PT como:

não gosta de fazer alianças. Em todo lugar onde se sente forte, o PT não aceita a participação de outras correntes. O resultado dessa política de não querer se misturar, de querer ter sangue puro, é que o PT sempre acaba caminhando sozinho. No movimento sindical, o PT prega o pluralismo, ou seja, cada categoria pode ter quantos sindicatos forem criados. Isto leva à divisão e ao enfraquecimento do movimento operário. Na Constituinte, com a tese do pluralismo, o PT perdeu. E ficou com gente como Delfim Netto, Afif Domingos, Roberto Campos, Amaral Netto e outros inimigos da unidade e do progresso do povo.

Na parte referente a "negociação e confronto", o partido considera que o PT "não valoriza a negociação como forma de luta. Vai para o pau, como diz o povo. E mais: o PT vai para o pau mesmo quando o adversário é mais forte". O texto assinala que a perspectiva do PT em termos das "lutas salariais e do fim da exploração" é limitada. Segundo ele, o "PT na sua pregação dá a entender que basta a luta salarial para resolver os problemas dos trabalhadores; isso é falso".

Em termos organizacionais e de dinâmica no movimento, o PCB vai criticar o PT por este explicitar o que os comunistas denominavam de "espontaneísmo". Neste sentido, três artigos de 1980 podem ser utilizados com exemplos.

Ainda que não diretamente e explicitamente voltado ao PT, parecendo mais relacionado ao movimento grevista do ABC que pouco antes findara, o artigo de Luiz Werneck Vianna editado no Voz da Unidade, de12 de julho de 1980, vai indicar um pouco as visões dos comunistas acerca da questão apresentada acima. Sob o título "Pela política, contra o basismo e o espontaneísmo", Vianna assinala que "(...) nossos cultores da espontaneidade, ao identificarem organização com burocratização, parecem entender que a virtude em política está em manter bem içadas as velas para o aproveitamento dos ventos. Nem todo o vento, porém, é o da fortuna".

A posição que o autor vai defendendo desde o início do texto é a de que "antes de ser a arte do possível (...), a política consiste sobretudo na arte de tomar decisões. É a vontade que disciplina o acaso". Vianna vai indicar que "a aposta de fundo quase messiânico nos movimentos sociais tem-se associado à subestimação da política". Isso seria o resultado do autoritarismo vigente que garantia a reprodução deste tipo de visão. Mais ainda, o autor vê que estes grupos, que propugnam "uma radical alteração do sistema de organização social", trabalhariam com uma inversão de lógica segundo a qual "a elevação das tensões, longe de ser um perigo, significaria que agora sim se pratica a política adequada às circunstâncias".

Para Vianna, no interior desta perspectiva pode-se ver uma certa distância quanto aos partidos, demonstrando que, devido às circunstâncias nacionais em termos de sistema social e partidário, já teria se convertido em preconceito. Para ele, "certas reivindicações são conduzidas como se tivessem também entre seus objetivos demonstrar sua contestação face aos partidos, à política e aos políticos. A autenticidade versus representação, a pureza do movimento versus a negociação. Nada de mediação: ação direta, assembleísmo".

O resultado disso é que, devido à lógica do sistema, pressões corporativas acabam sendo transformadas em questões políticas. Assim, "dramatizam-se todos os conflitos mesmo os puramente de interesse. Rondamos a política do confronto, independentemente das motivações dos atores, a não ser dos poucos à espreita de uma hora de aventura". Para o autor, a saída seria pela política. Com isso ele quer dizer por uma aproximação maior dos movimentos com os partidos políticos, aproximação que reinventasse "criadoramente canais e procedimentos democráticos".

Em seu artigo no jornal Movimento de 21 a 27 de julho de 1980, Alon Feuerwerker vai travar um debate com Daniel Aarão Reis, que já havia escrito no mesmo jornal avaliando positivamente o Encontro Nacional do PT. Feurwerker usa a oportunidade para, sob o título "A Constituinte e o culto ao 'Movimento Espontâneo'", criticar algumas das orientações "petistas". Para ele, baseando-se em algumas considerações de Aarão Reis, o que se faz "é se dobrar à consciência espontânea que brota naturalmente da luta econômica, aquela que só enxerga as reivindicações imediatas, ligadas à luta sindical, seja no plano das reivindicações salariais, seja no da liberdade sindical, do direito de greve etc."

O autor vai criticar a posição do PT em não defender a Constituinte porque isso seria uma conciliação com as elites. Considerando o programa do PT - que segundo sua visão "sem dúvida que é um bom programa, apesar de incompleto" -, ele chama a atenção ao fato de que "sua parcialidade se dá exatamente no aspecto central que dá razão de ser a qualquer partido político que se preze, a omissão completa em relação à questão do poder". Articulando esta crítica com a questão da Constituinte, o autor vai dizer que o PT "nega-se a apontar o passo concreto para chegar-se ao futuro e, neste sentido, atrasa a sua chegada".

No artigo publicado por Carlos Nelson Coutinho no Voz da Unidade, de 31 de dezembro de 1980 a 8 dejaneiro de 1981, temos, após uma apreciação do novo quadro partidário pós-reformulação, uma análise mais detida acerca da posição do PT que, segundo o autor, merece "um lugar de destaque - pela originalidade de sua proposta, de sua gênese e de suas intenções -". Mas, apesar deste intróito generoso, o autor assinala que o PT já traria alguns vícios de origem: 1) "uma visão corporativa da ação das massas (que o leva, por exemplo, a recusar a luta unitária pela Constituinte (...)"; 2) "uma concepção excessivamente espontaneísta e 'populista' do processo de formação da vontade coletiva" e 3) "sua pretensão baluartista e anti-histórica de ser o primeiro e único partido dos trabalhadores brasileiros".

Reforçando a posição de que o PT representa "sob muitos aspectos" uma proposta válida de organização das massas que poderia desempenhar um papel de destaque no futuro ao lado dos demais partidos de extração operária e popular, o autor vai indicar, contudo, que, para que isso ocorresse efetivamente, o partido teria que se "libertar dessas tendências corporativistas e espontaneístas, eliminando o esquerdismo que ainda marca muitas de suas formulações".

O terceiro ponto levantado por Coutinho, acerca da pretensão petista de ser o primeiro e único partido dos trabalhadores surgido no Brasil, também foi um dos focos de críticas do PCB sobre o PT. Vale dizer que, na maioria de seus textos, o PCB busca evitar este tipo de exclusivismo acerca da representação da classe operária.

Neste particular, o Voz da Unidade de 5 a 11 de dezembro de 1980 estampa, na primeira página, o título "Nova saudação ao PT". O jornal saúda o PT por ter conseguido cumprir os quesitos exigidos para o registro dos partidos15 15 . Vale dizer que, se o PT conseguiu seu registro como partido, ao PCB este direito só seria facultado em 1985. Portanto, cinco anos depois. Assim, enquanto o PT agia como partido legal, o PCB ficava condenado ainda à ilegalidade, com todo o peso e limites que isso impunha. . O jornal já havia feito esta saudação quando da fundação oficial do PT. A "nova saudação ao PT" traz partes bastante elogiosas ao PT assinalando que "os comunistas só têm motivos para se alegrar e saudar este acontecimento". Isto porque o PCB assinala a deficiência de organização no interior da sociedade civil brasileira e porque, com o surgimento do PT, significaria atrair "para a arena da luta política efetiva setores, pessoas e organizações que até ontem estavam refratárias seja à política de massas, seja à luta política institucional, legal, parlamentar, eleitoral, sindical, de massas etc.". O PT, assim, seria considerado mesmo "um dique contra a 'radicalização'".

Elogia-se também a postura do PT de se engajar na luta pela legalização do PCB. Mas os elogios acabam aí. O jornal crítica Lula por ter dito que os comunistas tentaram "várias vezes impedir o crescimento" do PT. Negando esta atitude alegando que o seu partido, "organização voltada para fazer política", teria coisas mais sérias com o que se preocupar e que, em sua política haveria lugar "- de honra até - para aliança duradoura e crítica com o PT".

O texto dos comunistas vai indicar também suas divergências com o PT. Deveria ficar claro para o PT que os comunistas não concordariam "com a política de desrespeito à autonomia dos movimentos sociais, de divisão e partidarização do movimento sindical que o PT [vinha] sistematicamente promovendo. Mas, o que fazer com cristão novo?".

Na mesma edição, em matéria interior, sob o título "Lula, o PT e os comunistas", os comunistas estranham as declarações de Lula segundo as quais "o partido das classes não foi criado em 1922; foi criado agora, dia 1º de dezembro de 1980". Lula teria acrescentado que "em 1922 foi fundado um partido 'para os trabalhadores' e agora o partido 'dos trabalhadores'".

O jornal indica o reconhecimento de que o PT "expressa a consciência e os interesses de parcela da classe operária brasileira" e de que o PT, por isso, ocupa um lugar importante em nossa vida política, lugar que o

PCB considera "ainda não bem definido, é verdade, dada a relativa indefinição em que se encontra o PT". Embora reconhecendo tudo isso, o PCB avalia que o PT não necessitaria afirmar "seu caráter operário através da negação do caráter operário do Partido Comunista Brasileiro, inclusive porque a história do PCB (com suas lutas, seus erros e acertos) reflete em boa medida a história da classe operária brasileira, da qual Lula é uma das autênticas expressões modernas".

Por estas posturas de negação, o PCB considera que o PT caminha de forma vacilante, confundindo alhos com bugalhos e reitera que "a política é a arte da afirmação". Esta mesma perspectiva de resgatar a participação do PCB na luta dos trabalhadores brasileiros diante da negação apresentada pelo PT pode ser encontrada nos debates internos do PCB. Em um texto para discussão, intitulado "Contribuição para a análise do fenômeno Partido dos Trabalhadores", elaborado por um dos membros da Direção Estadual do PCB gaúcho em agosto de 1982, o PT é caracterizado "pelos equívocos de suas análises, seu primarismo e infantilismo político (...) [e] pelo estreitismo político da imensa maioria de seus integrantes". Isto decorreria de que "(...) falta ao PT e seus militantes uma concepção de mundo científica, proletária, que os capacite a analisar os fenômenos econômicos, políticos e sociais mais amplamente e cientificamente (...). Falta ao PT o marxismo-leninismo como ferramenta eficiente de análise".

Para o autor, ainda que o PT baseie-se em leituras dos clássicos marxistas, elas se deram de forma "mal digerida", fazendo com que o "pensamento petista" tenha seu "ponto de apoio geralmente numa gama de análises equivocadas e simplistas". O texto indica seguidas vezes a distância entre as concepções do PT e aquelas definidas por Lênin. Um dos pontos indicados, em termos de organização partidária, é a crítica do PT e seus militantes ao "centralismo-democrático", considerado por eles como "centralismo-burocrático".

Uma outra indicação do autor diz respeito ao fato de o PT produzir certas falsificações da história. Aqui reaparece a disputa pela representação dos trabalhadores no passado, no presente e no futuro. O autor considera que

A primeira falsificação e a mais grosseira é a tentativa de apresentar-se como o primeiro e legítimo partido dos trabalhadores. A história das lutas operárias inicia-se praticamente em 1978. Isto significa esquecer a luta de classes e a própria história do nosso País. Esquecer os mais de 60 anos de luta heróica do PCB, que teve sua trajetória ligada às lutas da classe operária e dos setores progressistas das camadas médias urbanas, às lutas do movimento camponês etc. (...). Dizer que nem sempre estes partidos foram dos trabalhadores, mas para os trabalhadores, pode ter alguma razão de ser. Mas pouco diz para que se tente apagá-los das páginas da nossa história.

Segundo o texto, uma outra falsificação da história seria aquela relativa à visão do PT acerca da atuação do PCB no passado.

Nas análises petistas da história brasileira verificamos que se procuram imputar os males do nosso povo trabalhador ao "populismo", ao "reformismo" e à política de alianças do PCB (leia-se política frentista). Não se fez a revolução porque se teve uma política ampla, frentista. Se se tivesse feito uma política isolacionista, estreita, tudo teria sido melhor (a experiência do próprio PCB demonstra cabalmente o contrário). E lá pelas tantas desta análise o inimigo não é mais a reação, o imperialismo, o capital, mas os setores atrasados da massa, o "populismo", o "reformismo" e os comunistas. O entrave para a avanço da luta dos trabalhadores é uma política ampla, unitária.

Apesar das críticas ao PT, o texto afirma que "ninguém nega ao PT a sua importância como partido democrático, como partido preocupado com os problemas dos trabalhadores. O que ocorre, porém, é que o mesmo, por seus equívocos, também tem prejudicado a luta democrática, nacional, popular, a luta dos trabalhadores que pretende representar". O texto vai considerar mesmo o surgimento do partido como decorrente de uma debilidade do PCB ao assinalar que

Compreendemos o surgimento do mesmo como reflexo de uma situação econômica, política e social, que nem sempre soubemos responder. Como resposta positiva, embora infantil e primária, da revolta de segmentos do proletariado, das camadas médias urbanas contra a situação de autoritarismo, de opressão, miséria e exploração presente na sociedade brasileira. (...) Ao mesmo tempo constatamos que suas concepções pouco têm a ver com o pensamento do proletariado revolucionário, com o marxismo-leninismo, instrumento teórico que guiará a libertação definitiva da classe operária e do povo.

Tomados em seu conjunto, os documentos produzidos pelos militantes do PCB deixam claro suas discordâncias com o PT. Nas mais variadas formas os comunistas apresentaram suas divergências e suas preocupações com as orientações políticas defendidas e seguidas pelo PT. Obviamente, como fio condutor das divergências estava a disputa pelo controle dos postos de direção no movimento social e no campo político da esquerda brasileira. Em muitos casos sente-se uma posição do PCB que diz respeito não só à sua ideia de ocupar um lugar histórico de direção da classe trabalhadora, por ser o "partido da classe operária", mas também de um certo direito adquirido como liderança de tantos anos, dando a "direção correta", a "linha justa" ao movimento dos trabalhadores em busca de suas reivindicações imediatas e históricas. Pela primeira vez na história da esquerda brasileira surgia uma agremiação que rivalizaria com os comunistas no que seriam seus campos privilegiados: o movimento social e a "grande política". Se os anarquistas negavam a segunda e os trabalhistas16 16 . Não se está negando aqui a inserção dos trabalhistas entre os trabalhadores. O que se quer dizer é que eles não puderam, porque talvez dispusessem de outra estratégia, rivalizar com os comunistas em termos de sua inserção na base do movimento dos trabalhadores organizados. não eram páreo na primeira, o PT disputaria as duas.

Nesta disputa, o quadro externo não era lá favorável ao PCB. Por todo o mundo, a chamada "crise do socialismo" andava à larga. Já no início dos anos 1980, o movimento capitaneado pelo "Solidariedade", na Polônia, trazia lembranças amargas do passado de intervenções soviéticas nos países do leste europeu, que buscaram algum tipo de alternativa ao socialismo de Moscou. Depois, a "queda do muro" de Berlim, em 1989, aparentava insinuar, no fechamento da década, o fim de uma longa era. As propostas de revisão passam a vir do próprio centro, com as políticas de Perestroika e Glasnost, do secretário geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev. Um espectro assombrou o mundo comunista. Muitos partidos comunistas propuseram-se autodissolução, mudança de nome, alteração de símbolos etc. O PT, formado, quase majoritariamente, de grupos egressos de tradições críticas ao socialismo soviético, velejou com este vento ao seu favor. Por seu turno, o PCB tentaria, com cada vez menos remos, remar contra uma maré forte e adversa.

O PT E SUAS VISÕES

Um fato de enorme peso em todo o processo de disputa pela hegemonia na esquerda brasileira, servindo de consolidação de posições já diferenciadas, vai ser a constituição e consolidação do PT. O que até então era a luta entre um partido, o PCB, e um conjunto de grupos e uma ideia passa a ser a disputa entre dois partidos17 17 . Deve-se lembrar que não foi só o PCB que divergiu e criticou o PT. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) também fez várias críticas ao PT. .

A proposta vai tomando corpo a partir de 1978 e, no ano de 1979, são lançados os marcos de criação e sustentação do partido que será, oficialmente, fundado em fevereiro de 1980. Conforme já indicado, o surgimento do PT, mesmo quando em termos de ideia, já começava a abrir os espaços para a disputa de hegemonia entre os partidos de esquerda acerca da "verdadeira" representação dos interesses políticos dos trabalhadores; além disso também se disputava no interior do próprio movimento sindical, onde, a partir da criação do partido, se coroa um quadro de separações e aproximações de posições18 18 . Como bem indicou Rodrigues (1991:27), "A formação do PT viria acentuar as divergências já existentes no interior do sindicalismo brasileiro. Os comunistas (... ) não poderiam ver com simpatia o surgimento de um outro partido que viesse disputar com os PCs o controle do movimento trabalhista". .

No processo de criação e organização do PT, estiveram presentes forças que tinham seus rebatimentos no meio sindical: os chamados "sindicalistas autênticos" organizados em torno de Lula e do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e que agregavam outras figuras importantes no sindicalismo brasileiro de então, como Olívio Dutra (dos Bancários de Porto Alegre) e Jacó Bittar (dos Petroleiros de Campinas e Paulínia); as "Oposições Sindicais", que agregavam, grosso modo, setores militantes egressos ou não da esquerda armada e setores da Igreja progressista. Além disso, estarão presentes parlamentares vinculados aos setores populares do MDB; setores da intelectualidade, tendo à frente nomes como Francisco Weffort; setores ligados aos movimentos populares, tendo destaque, neste caso também, a participação dos setores progressistas da Igreja.

Mais do que nos alongarmos aqui nos meandros de articulação e desenvolvimentos do PT - o que de resto parece já ter sido alvo de um número bastante razoável de pesquisas19 19 . Ver, entre outros, Sader (1987), Ribeiro de Oliveira (1988), Meneguello (1989), Gadotti e Pereira (1989), Berbel (1991), Keck (1991), Ferreira e Fortes (2008) e Angelo e Vila (2009). -, trataremos como esta articulação reverberou no movimento político e sindical e quais foram os seus desdobramentos, principalmente no que tange à relação com os comunistas.

O PT já estava presente nos discursos de Lula em 1978. Na verdade, desde seus primórdios, a ideia de um PT causava cisões entre as posições existentes e atuantes no meio sindical brasileiro. Ainda que lançada pela primeira vez, publicamente, por Lula em uma conferência dos Petroleiros da Bahia, é em 11 de dezembro de 1978 que a proposta é discutida no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Nesta reunião estiveram presentes 12 dirigentes sindicais de várias categorias. Mesmo com a participação de nomes importantes, tais como Arnaldo Gonçalves (Metalúrgicos de Santos), Hugo Perez (Indústrias Urbanas de São Paulo) e Henos Amorina (Metalúrgicos de Osasco), a proposta só conseguiu apoio imediato de Lula, Paulo Skromov (Coureiros de São Paulo), José Cicote (Metalúrgicos de Santo André) e Jacó Bittar (Petroleiros de Campinas e Paulínia).

Em 1979 a proposta começa a ganhar corpo e deslanchar. Isto se dá em movimentos nada retilíneos, mas sim marcados por idas e vindas nas tensões dentro e fora do movimento. Em janeiro de 1979, no IX Congresso dos Metalúrgicos, Mecânicos e Eletricitários do Estado de São Paulo, realizado em Lins (SP), é lançada formalmente a proposta do PT. Ela vinha em um texto assinado por um grupo de trabalhadores do qual despontava o nome de Benedito Marcílio, dos Metalúrgicos de Santo André, que mantinha vínculos com o agrupamento "trotskista" Convergência Socialista (CS).

De certa forma, a tese recebe apoio dos mais variados setores. Neste encontro, até mesmo Joaquim dos Santos Andrade, o "Joaquinzão", presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, vai aceitar a proposta, ainda que com uma filosofia diferente da defendida pelos delegados de Santo André20 20 . Como vimos na parte anterior deste trabalho, a presença de Joaquinzão foi usada pelos comunistas para criticar os setores mais à esquerda que defendiam a criação do PT. Quanto à proposta do PT, Henos Amorina, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, afirmara no encontro que, no prazo de dez dias, a carta de princípios do partido estaria lançada. Porém, uma semana depois ainda havia muita névoa em torno da proposta, podendo, entretanto, perceber-se uma movimentação dos mais diversos setores. .

Uma reunião realizada no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, no dia 30 de janeiro de 1979, que havia sido acertada por alguns dirigentes sindicais como a reunião para a definição da carta de princípios do partido, acaba por ser apenas, conforme indicado pela maioria dos dirigentes presentes, uma reunião para organização de uma campanha nacional pela garantia do emprego e pela equiparação do salário mínimo. Nesta maioria despontavam Arnaldo Gonçalves e Hugo Perez - sendo o primeiro ligado ao PCB, o segundo ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) e ambos identificados com a posição de defesa do MDB como polo aglutinador da luta democrática. A posição da maioria acerca do tema era pelo adiamento, sem data, da discussão sobre o partido.

O jornal Em Tempo nº49, de 1979, identifica três posições definidas, envolvidas no processo. A primeira, assumida por Joaquim dos Santos Andrade. Segundo o jornal, a posição de "Joaquinzão" era efetivar, o quanto antes - daí o apoio maciço do grupo em Lins -, a criação do partido com corte social democrata, como auxílio do regime. O jornal assinala declarações do representante da DRT de São Paulo que teria dito ver "'com bons olhos a resolução de Lins' desde que este partido não seja 'apenas dos assalariados' e não busque 'pessoas que cometeram erros no passado'". A segunda posição seria aquela defendida por

Arnaldo Gonçalves e Hugo Perez, que "se definiria pela tolerância quanto ao debate do partido, mas desde que fosse somente debate, e que não obstaculizasse a unidade em torno do MDB". A terceira, representada por Lula e Jacó Bittar, defendia o partido com um corte socialista e insistia na crítica ao MDB21 21 . Segundo o jornal, contudo, haveria uma outra "posição" que poderia ser definida como a maioria. Esta "está de fato fora destas posições, desinformada, confusa, ou mesmo entrando na onda para ver onde vai dar, como é o caso de João Silveira, dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, notável pelego, que agora se diz 'inclinado para o socialismo'". .

Duas das visões referidas acima se identificavam nas lutas então em ascenso e iam se definindo enquanto um "sindicalismo autêntico". Neste sentido, os grupos vão se decidindo por posições diferenciadas e estabelecendo os primeiros passos na disputa pela hegemonia política e sindical. De um lado, a posição de Arnaldo Gonçalves; de outro, a de Lula. Pode-se dizer que, apesar de ter o MDB como centro de defesa e ataque, as questões vão muito mais fundo em termos do cenário das esquerdas (Santana, 1999). O PT ia abrindo espaços.

Segundo Lula, defensor do PT,

Para a burguesia é um atrevimento que nós, simples trabalhadores, estejamos declarando que queremos um partido sem eles e distinto dos deles. [Daí] a enxurrada de pichações que veio em cima da resolução de Lins por toda a grande imprensa (...) vai continuar falando sobre o Partido por todo canto, pois está convencido que a política é coisa muito séria para ficar entregue somente ao MDB (Em Tempo, nº 49, 1979).

Lula é seguido por Jacó Bittar em suas críticas ao MDB. Segundo ele é importante, com a deflagração do debate, romper "com a falsa unidade, meramente eleitoreira, do MDB (... ) esta federação de oposições não é um instrumento capaz de desgastar o sistema ditatorial que aí está a explorar e oprimir os trabalhadores".

Assim, a proposta de um PT vai sendo definida em debates e delimitações de fronteira, tanto no campo interno quanto no campo externo. O fato é que, devido à sua orientação geral, o PCB se distanciava bastante dos grupos formadores do PT. Sem sombra de dúvida, isto tinha rebatimento no meio sindical, onde as posições já vinham se chocando. O PCB não poderia se associar àqueles grupos considerados mais radicais, na medida em que poderia se submeter a posturas contrárias à sua linha política mais ampla de posições cautelosas.

A participação do PCB nos debates acerca do PT vai se dar quando dele ainda participavam forças do campo sindical conservador. Coerentemente com sua política de "frente" contra a ditadura, organizada no MDB, o PCB buscou constantemente esvaziar o debate acerca do PT e indicar o caminho, a seu ver, mais correto.

Além disso, o PCB desferiu, como vimos, duras críticas ao PT. Este não ficou impassível e retrucou. Em entrevista tempos depois da fundação do PT, Lula disse: "Com que direito o Partido Comunista se acha partido da classe trabalhadora? O partido da classe trabalhadora é aquele em que a classe trabalhadora está participando dele, tem hegemonia. E ninguém me diz que é o PC" (Morel, 1981:146).

Em outra entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa, no dia 12 de fevereiro de 1980, Lula devolve as críticas da "esquerda oficial" ao PT, dizendo:

Não é novidade o pessoal do PC ser contra o PT. Porque eles entendem que o partido dos trabalhadores já existe desde 1922 e que eles são os legítimos representantes da classe trabalhadora. Eu acho que ninguém é dono da classe trabalhadora. Eles talvez pensem que, com o crescimento do PT, nós fecharíamos as portas para as tentativas de legalização do PC e de outros partidos (NAP, 1981:252).

Em sua quarta edição - julho 1979 -, já em pleno funcionamento do movimento pró-PT, o jornal Companheiro22 22 . Periódico de uma das tendências fundadoras do PT. tece suas críticas ao MDB, se posicionando contra os argumentos que eram defendidos pelo PCB, segundo a matéria intitulada "Algumas dificuldades no caminho":

Para justificar sua militância no MDB, muitos deliciaram-se por longos anos com frases do tipo "o MDB não é o partido que queremos, mas é o que temos". Não compartilhamos deste realismo, claro fatalismo de quem não acredita na força transformadora da classe operária. Julgamos um erro colocar essa força sob a direção da burguesia liberal que é quem, na prática, controlou e controla o MDB enquanto partido.

Nesta mesma edição, o jornal traz uma entrevista com Florestan Fernandes, na qual ele, acerca do processo de rearticulação partidária, tece comentários críticos a determinadas trajetórias de partidos e movimentos políticos no Brasil e no mundo. Seu ponto de vista:

Não vou me arrogar o direito de saber o que os trabalhadores pensam hoje a respeito do PTB, se apoiariam de novo a demagogia ou se voltariam para um tipo de partido vinculado com interesses do proletariado e o tipo de luta política que lhes convém. Só a prática vai mostrar isso. (...) Acho que em termos de crítica da atuação dos partidos políticos socialistas na América Latina pode-se dizer que verdadeiramente só duas correntes tiveram vinculação profunda com a classe trabalhadora: os anarco-sindicalistas e o partido comunista. Infelizmente, a história caminhou numa direção que não favoreceu uma atuação congruente desses partidos.

Já na edição de número cinco, o jornal traz uma entrevista com Olivio Dutra, à época presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre. Perguntado qual seria a função de um partido dos trabalhadores, Dutra assinala que

de início, deve-se buscar a organização independente dos trabalhadores, sendo que o partido seria uma destas formas, não a varinha de condão que resolveria todos os problemas. [Ele] É um partido que terá vida permanente na base da discussão democrática em todos os locais onde houver trabalhadores. As bases é que estarão dando a orientação para a direção do partido - que deverá ser uma direção permanentemente modificada, rodiziada, numa vivência democrática muito diferente das que temos aí nos partidos contra os quais fazemos críticas.

Na verdade, esta questão espelhava bem a diferença entre o PT - pelo menos até aquele momento - e o PCB. No caso do PT, por ter sido fruto direto do ascenso e da articulação dos movimentos sociais, o partido se pensava enquanto uma ponta de lança destes movimentos na arena político-institucional. Daí todo o discurso de que o PT faria do parlamento uma mera "caixa de ressonância" para a luta dos trabalhadores. O próprio partido se revestiria assim de uma qualidade especial: ele viria secundariamente na lógica de ação dos movimentos, seria um porta-voz mais que um condutor (Keck, 1991), obedeceria mais que comandaria. Já no caso do PCB, a lógica seria inversa. Baseado na longa tradição dos partidos de corte leninista, este partido se investiria no papel do condutor das massas. Devendo basear suas diretivas na conjugação e articulação de fatores objetivos e subjetivos, este partido seria o verdadeiro representante dos interesses da classe trabalhadora. Ele, ainda que baseado nos movimentos e nas reivindicações da classe, deveria servir como condutor e agenciador destas demandas, fazendo com que as mesmas escapassem ao reducionismo e atingissem um grau de generalidade que precipitasse a mudança social.

A partir de suas análises de conjuntura, os comunistas duvidavam da possibilidade de sobrevivência do PT. Como indicava Arnaldo Gonçalves, "seria ingenuidade" crer que, sob aquele regime militar, ainda que este estivesse se alterando paulatinamente, se pudesse concretizar a proposta de um partido dos trabalhadores. Mas, apesar da leitura comunista, o processo avançou rapidamente, trazendo algumas novas perspectivas que contrariariam a sua visão. A reformulação partidária que se inicia com a extinção do MDB e da ARENA, em novembro de 1979, abriria o caminho da organização de outros partidos.

Conforme assinala Maranhão (1981:11),

Embora o MDB tivesse o papel de expressão dos descontentamentos nos momentos eleitorais, ele nunca chegou a organizar efetivamente uma representação política popular, no cotidiano das suas lutas. Entretanto, nos anos de 1978 e 1979, o partido de oposição tendeu a transformar-se de um "saco de gatos" que era, em uma efetiva frente política, de luta contra o regime ditatorial. O governo passou a temer que este partido congregasse desde os setores liberais do empresariado descontente até as nascentes forças do movimento operário. Por isso mesmo, aproveitou-se casuisticamente das crescentes pressões da sociedade brasileira no sentido de uma expressão política livre para extinguir em novembro de 1979 o MDB (e também a ARENA) e dar início à "reformulação partidária". Sem atender os reclamos pelo livre direito de organização de partidos, o governo tentou dividir as forças oposicionistas através de uma lei repleta de exigências, capazes de dificultar enormemente a organização política dos diferentes interesses sociais.

Com a perspectiva da reformulação partidária, mesmo que esta fosse elaborada com intuitos casuísticos e estratégicos pelo regime, abria-se a possibilidade da proposta do PT - que ao longo de 1979, após as discussões e os impasses iniciais, toma a forma de um Movimento Pró-PT - materializar-se em um partido legalmente reconhecido. Para que se tenha uma ideia do avanço das articulações e dos trabalhos de consolidação do partido, basta vermos os números deste movimento em São Paulo onde, como indica Meneguello (1989:68), "em dezembro de 1979, o MPT compunha-se de 251 filiados e 23 núcleos formados ou em formação". A preponderância dos sindicalistas na Comissão Nacional Provisória era bastante sensível. Naquele momento, ela "compunha- se de 17 membros, dos quais mais da metade eram lideranças do novo sindicalismo" (idem).

Após um sem número de reuniões e debates que percorreram o país inteiro, o Partido dos Trabalhadores é oficialmente fundado no dia 10 de fevereiro de 1980, em reunião no Colégio Sion de São Paulo23 23 . "Naquela reunião ficara aprovada nova Comissão Nacional Provisória do partido, em processo de escolha por 750 líderes presentes, dentre os quais 14 parlamentares emedebistas, oito desses do Estado de São Paulo" (Meneguello, 1989:68). . Os comunistas erraram na avaliação. A aposta por setores militantes no que seria uma "ingenuidade" para o PCB gera um partido que já nascia com relativa inserção no movimento organizativo dos trabalhadores e que apresentava disposição para buscar sua hegemonia. Esse mesmo partido, em curto prazo, toma o lugar histórico do PCB na esquerda brasileira, como seu partido de referência24 24 . Lembremos que nem tudo foram flores na trajetória inicial do PT. Ainda que não tenha se tornado "inviável" como pensavam - e queriam - os comunistas, nos seus primeiros anos de existência, já como partido, o PT teve de lidar com algumas dificuldades. Logo nas eleições de 1982, o PT, apesar dos avanços obtidos-já em sua primeira participação no sistema eleitoral, ganha assentos no Congresso Nacional e a Prefeitura de Diadema -, não teve a votação expressiva que muitos imaginavam, obrigando-o a dar conta da descrença até de alguns de seus setores constitutivos. Isto porque, mesmo ocupando espaços, o resultado esteve muito aquém daquilo esperado pelos militantes e pelo partido. Segundo Meneguello (1989:194) "a constituição do PT como inovação no quadro partidário refletiu-se nas urnas em 1982 como um fenômeno de alcance limitado. O teste eleitoral de 1982 mostrou que o apelo classista e a ideia de inovação política, tônicas do discurso petista, não tiveram o alcance esperado pelo partido". Ainda que acentuasse a participação institucional-parlamentar como um ponto secundário de sua ação, o resultado vai ter um efeito duro no partido. Segundo Gadotti e Pereira (1989:246), "após o recém-criado partido receber uma 'ducha de água fria' nas urnas, em 1982, o PT (...) viveu uma crise gerada por uma frustração típica de um batismo de fogo momentâneo". O baixo rendimento do PT serviu também para que alguns setores indicassem que aquele projeto estava morto. Segundo Gadotti e Pereira (1989:248), "diante de tal quadro, desanimador inclusive para muitos petistas anteriormente eufóricos quanto ao futuro do partido, era comum ouvir, após o pleito de 1982, a seguinte constatação: 'O PT morreu antes mesmo de ter nascido'". .

O PRESENTE CONSTRÓI O PASSADO

A própria visão do PT acerca de sua posição na história das esquerdas brasileiras mereceria um destaque especial, e nela o PCB ocuparia um lugar central. Aqui, poderíamos indicar que, formado por diferentes grupos com trajetórias também distintas, o PT vai incorporar dos mesmos aquilo que eles traziam de comum acerca do passado. Uma crítica acerba quanto às práticas anteriores. O dado interessante é que, de certa forma, este passado não se definia por um passado geral e pouco preciso. Ele era bem delimitado e situado no período imediatamente anterior ao golpe de 1964. Ainda que com nuances, estas visões definiam tal período como aquele em que ao mesmo tempo coexistiam a manipulação das massas através do "populismo"25 25 . Um conjunto de variadas visões e debates acerca do "populismo" pode ser encontrada em Ferreira (2001). e a possibilidade da revolução socialista, perdida devido aos erros de direção do PCB.

Centrada de forma geral no período 1945-1964, as visões conformadoras da ótica "petista" apontavam criticamente os equívocos dos comunistas em seu atrelamento aos destinos do populismo. Os comunistas teriam definido sua postura dentro do "pacto populista" por uma ação "reformista", pelo distanciamento das bases, por uma forte atuação em termos das cúpulas sindicais e políticas, atraindo o movimento dos trabalhadores para o interior da estrutura sindical corporativa-oficial. Isto teria manietado o sindicalismo e facilitado o fato de o golpe civil- militar não ter encontrado resistência que lhe fizesse frente.

Obviamente, ao PT e ao movimento sindical "combativo" cabia não se enveredar pelo mesmo caminho. A história havia indicado que o mesmo era falacioso e pouco produtivo em termos de obtenção tanto dos interesses imediatos, como dos interesses estratégicos da classe trabalhadora. A história vai servir de palco para o debate dos caminhos a serem seguidos no presente e no futuro.

Um fato importante é que a academia também deu sua colaboração, servindo de elemento de destaque no processo de consolidação das referidas visões acerca do passado. Em seu trabalho de análise crítica do processo histórico, setores da intelectualidade vão contribuir fornecendo subsídios às disputas pela história (Santana, 1999a). Trabalhos como os de Weffort (1973, 1978a, 1978b), acerca do sindicalismo do pré-1964, serviram para consolidar uma visão extremamente crítica acerca da participação dos comunistas naquela conjuntura. A construção do passado sustentava as posições no presente. Weffort que se associou ao grupo de fundadores do PT, acabando por ser seu secretário geral, desde meados dos anos setenta participou dos debates sobre os rumos da esquerda brasileira e acerca das possibilidades da criação de um partido de corte popular e socialista no Brasil.

Conforme indicado em Santana (1999), alguns elementos importantes para a consolidação da ideia de um "novo sindicalismo" partiram do referido autor. Nelas também percebemos a ideia de ruptura com o passado, com a tradição de esquerda até ali. Para Francisco Weffort, em entrevista aos "Cadernos de Debate, História do Brasil", em 1976, o golpe de 1964 teria aberto a perspectiva de um repensar, tanto teórico quanto político, acerca da classe trabalhadora e sua participação na política brasileira.

O período pós-64 representa uma ruptura, ou melhor, oferece as bases para uma ruptura, ao nível das elites intelectuais e políticas, da imagem elitista feita sobre a classe operária. O elitismo veio à tona, o que cria a possibilidade de se formular um ponto de vista novo sobre o que pode vir a ser a participação da classe operária em nossa política. (Weffort, 1976:82).

Na mesma entrevista, Weffort assinala que as massas não ficariam à margem deste processo, já que "podem também, dentro de sua própria experiência histórica, perceber corretamente o que significa a situação atual e acrescentar esse conhecimento à sua experiência". Esse elitismo, "menosprezo pelas massas", seria predominante na historiografia brasileira desde o período colonial e, "de maneira mais sofisticada", permearia "inclusive as ideologias de esquerda".

A visão da história marcada por rupturas, contudo, não significava apenas uma distinção entre partes, mas em grande medida vinha somada à valorização de uma das partes em que se cindira a história, jogando-se a outra imediatamente para o espaço do negativo, uma espécie de "anjo caído" do processo. Deste modo, as análises realizadas sob esta perspectiva não só passaram ao largo das possíveis continuidades e semelhanças entre os períodos nos quais dividiam a história, como também tiveram dificuldades em perceber suas especificidades. Isto pode ser considerado válido tanto para os "cortes" e "novidades" do "novo sindicalismo", como para os do PT.

No caso da constituição do "novo sindicalismo", tanto a ideia da ruptura como a da desqualificação de outros períodos produziram efeitos discursivos e práticos, levando a uma confusão entre o que "é" e o que "deve ser". Estes estudos tiveram forte influência sobre o movimento social, fornecendo-lhe, e com ele adquirindo, novas dimensões, em um contexto de redefinições e disputas (Santana, 1999). Paralelamente à gestação do "novo sindicalismo", diversos estudos foram produzidos não só a respeito dos "novos atores", mas também acerca dos "velhos". O intercâmbio de ideias era grande, intensificado pelo fato de que muitos dos intelectuais produtores destes estudos duplicavam sua jornada desenvolvendo atividades militantes.

A divergência e a disputa de posições nos campos político e sindical levaram ao estabelecimento de uma via de mão dupla entre os militantes e o meio acadêmico. Assim, se a identificação das correntes interpretativas com os grupos sindicais envolvidos refletiu simpatias com tendências políticas, da mesma forma, com suas análises, os acadêmicos contribuíram para reforçar a identidade dos grupos uns em relação aos outros. É a partir desta relação que se estabeleceram os marcos centrais que informaram suas visões acerca do passado e do presente, balizando o corte entre o "velho" e o "novo", "tradição" e "novidade".

O PCB vai aparecer nestes estudos sempre acompanhado de duras críticas. O papel desempenhado pelos comunistas e pelo movimento sindical no período 1945-64 vai ser pesadamente criticado por Weffort (1973 e 1978a)26 26 . As visões de Weffort, de extrema importância no campo de estudo, sofreram já forte relativização por outras pesquisas. Um apanhado delas pode ser obtido, entre outros, em Santana (1999a). . A leitura do passado apresentada pelo autor não estava desarticulada de suas práticas e projetos no presente. A produção acadêmica de Weffort acerca do período anterior a 1964, segundo sua própria intenção, mantém claras relações com a sua inserção e orientação no campo político. Para ele,

a revisão crítica do passado não se refere apenas ao passado [...] o problema que inevitavelmente se coloca em face das questões do presente de uma esquerda perplexa e desvinculada da classe operária é o da avaliação crítica da herança recebida. [...] Com que parte da herança devemos ficar? (Weffort, 1978b:17-18).

Assim, os debates presentes na disputa pela hegemonia nos setores da esquerda, na política em geral e no meio sindical em particular definiam como um de seus campos de batalha o passado. Como bem indicou Vianna (1983:9), "os fatos não passam de fatos, e só vêm a integrar o campo da política na medida em que organizados e interpretados por quem é ator em política".

Estes "atores em política" vão trazer estes fatos para o interior do jogo da política e trabalhá-los fazendo com que ganhem sentido nas disputas em curso. O PCB que no presente se comportava se aliando aos setores "pelegos" do movimento e que insistia nos pedidos de cautela, sempre temeroso de retrocessos, evitando assim apoios a movimentos "mais ousados", era o mesmo do pré-64. Sua prática e atuação indicavam isso. O passado era corroborado e ao mesmo tempo reforçava o presente. A prática dos "herdeiros" deveria ser a negação de tudo aquilo, indicando os novos rumos a serem seguidos pelo movimento dos trabalhadores.

Agregando-se a isso o debate das novidades apresentadas pela nova classe operária brasileira, que nada ou quase nada a identificava com aquela "velha" classe operária que, por desígnio próprio ou pelos engodos do "partidão", se entregou ao cadafalso do "pacto populista", o cenário estava montado para a encenação de uma ruptura total entre o passado e o presente. O presente, que ainda timidamente só aceitava como ligação com o passado os movimentos de Osasco e Contagem, começaria em 1978, nas greves do ABC. Ali se estabeleceria o marco inicial do chamado "novo sindicalismo". Em tudo e por tudo distinto do "velho" sindicalismo de outrora. A própria designação dos períodos já denunciava a perspectiva "rupturista" e quase puritana. Era o "novo" contra o "velho". Em um país onde a busca do novo vem marcada por forte conotação positiva, pode-se perceber o poder que mesmo apenas as designações já possuem.

Se no movimento sindical este tipo de distinção disseminou-se rapidamente, no PT se estabeleceu com caráter ainda mais generalizado, cheio de pretensões. O partido parecia saído do nada. Praticamente nada parecia chamar à reflexão sobre as origens de suas vertentes fundadoras. Como se seus membros, oriundos, dentre outros, de setores da Igreja, do "trotskismo", da luta armada e até do próprio PCB, não carregassem também fortes heranças passadas, com vínculos passados, sendo portadores de "novidade" de per se. Oriundo apenas das grandes greves e mobilizações mais recentes dos movimentos populares no Brasil. Em um livro acerca da história do PT, Sader e Silverstein (1995) estampam em seu primeiro capítulo um título bastante elucidativo: "Um país sem tradição de esquerda".

Se podemos aceitar a falta de uma tradição de esquerda consolidada em nosso país seria só, e apenas, no sentido de que a falta de liberdade que grassou em nossas praças e o sectarismo interno das forças de esquerda precipitaram tal deficiência. Mesmo assim, seria difícil aceitar esta visão e significaria corroborar o argumento das elites. Se olhados com atenção, podemos perceber as heranças que vão se perpetuando ao longo de nossa história em termos de orientações e práticas. A pressa em tentar desfazer-se da tradição anterior, negando-a de forma simplória, faz com que, ainda que lhes dando nomes diferentes, acabemos por repetir muitos dos erros que acusamos o passado de cometer.

O PT, assim, trouxe em si uma novidade importante para a história dos movimentos de esquerda em nosso país - o que, de resto, também havia sido representado pelo PCB em outro momento histórico -, porém, no afã de se consubstanciar na alternativa política e de representação dos trabalhadores, criticado à direita e à esquerda, o partido constituiu uma série de posições acerca da história do movimento operário no Brasil e acerca de si mesmo neste processo que, sem dúvida, ficam muito aquém das novidades e contribuições por ele trazidas. De todo modo, deve-se dizer, as adequações práticas, em termos conjunturais, de muitas de suas orientações e posições podem ser avaliadas pelo seu crescimento ao longo de toda a década de 1980, transformando-o, já na virada da década, no partido mais expressivo e referente da esquerda brasileira. O mesmo não foi experimentado pelo PCB.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disputa pela hegemonia vivida pela esquerda brasileira na passagem entre as décadas de 1970 e 1980 trouxe como instrumentos de luta elementos concretos e simbólicos. Naquele contexto, crítica e autocriticamente, as forças políticas esgrimiram no sentido de avançar nos espaços de liderança e orientação do movimento dos trabalhadores. Ali se definiria, para os anos vindouros, forças de pensar e agir norteadoras dos passos dos trabalhadores e da esquerda brasileira. Os argumentos utilizados pelo PCB em sua crítica ao PT e os do PT contra o PCB, dispostos ao longo deste artigo, servem para observarmos um dos eixos pelos quais se deu a luta pela hegemonia no interior da nossa esquerda no período.

Com o sindicalismo voltando à tona naquela conjuntura, conjugadamente ao processo de abertura política, os grupos de esquerda no Brasil tiveram a possibilidade de apresentar seus projetos de intervenção política e sindical. Na diferença entre eles ocorreu a disputa. Dela, apenas um poderia sair como vencedor, ou seja, como partido referência da política de esquerda no Brasil. E isso aconteceu. O PT assumiu o posto que durante muito tempo coube aos comunistas no movimento sindical e no cenário político em geral. Pode-se dizer que houve uma vitória da proposta do PT como forma de fazer política nos anos 1980.

O PCB, em termos de proposta, sempre se caracterizou pela insistência na importância da luta pela unidade das forças democráticas nas diversas frentes de luta contra o regime. Em política, a unidade não se define apenas abstratamente. Ela tem de ser definida em termos das perspectivas imediatas conjugadas e cotejadas às perspectivas estratégicas. Se o PCB buscou sempre caminhar no sentido da unidade e unificação das propostas contra a ditadura, nem por isso garantiu sua eficácia e, menos ainda, o sucesso tanto das propostas como também de suas próprias posições no interior da aliança. Crescentemente o partido foi perdendo influência no campo político e sindical. Sua política de submeter sua participação no movimento operário à lógica de sua política geral de movimentos lentos e cuidadosos fez com que, distanciando-se dos passos da "classe em movimento", abrisse espaços para o crescimento do PT. O PCB, longe de sua história, acabou sendo um rival de papel reduzido ante as propostas do PT.

No que diz respeito à sua inserção no sistema político, o partido buscou constantemente demonstrar que era confiável e poderia atuar no interior deste sem buscar sua desarticulação. Tendo em vista sua condição de proscrição, e lutando contra uma ditadura, a incipiência do sistema democrático na vida política nacional e sua lógica de ação política, a conquista e a manutenção da democracia e, a partir daí, a obtenção de mudanças estruturais na sociedade foram a tônica da ação do partido ao longo do período. Ao mesmo tempo em que, na maior parte do período, na luta pela redemocratização do país, tentou seguir uma lógica política moderada e cautelosa, o PCB procurou dar conta de uma realidade bastante dinâmica que, muitas vezes, o empurrou para longe do movimento vivo dos trabalhadores.

Desde o golpe civil-militar e ao longo de toda a duração da ditadura, o PCB defenderá uma atuação baseada em amplas forças sociais que, primeiro, garanta o enfraquecimento do regime; depois, que sustente a transição e, posteriormente, subsidie o regime democrático. Esta linha política, levada aos sindicatos, fez com que os comunistas intensificassem e estreitassem suas alianças com os setores mais conservadores do movimento sindical e se afastassem do polo dinâmico que surgiria em fins dos anos setenta. Tal perspectiva levará o partido a um enfraquecimento progressivo e a um ponto de quase nenhuma influência no meio sindical ao fim do período. Os comunistas, que no período pré-golpe travaram uma luta árdua contra os setores "pelegos", no pós-golpe acabavam por atrelar seu destino aos desígnios daquele setor. Baseando-se em sua linha política mais geral que recusava posturas de enfrentamento e tendo seu campo político ocupado à esquerda, o PCB caminhará lenta, mas firmemente, para a perda de sentido histórico.

Quando do reaparecimento do sindicalismo a céu aberto em fins dos anos setenta, o PCB ainda mantinha uma certa importância no seio do movimento e, de alguma maneira, mesmo associado aos "pelegos", ia defendendo posições em termos de trazer os sindicatos "à luta", diferentemente de seus aliados. O fato é que "novos atores entram em cena", propondo práticas "combativas", marcadas pelo enfrentamento e ameaçam a soberania do "Partidão" enquanto senhor supremo da representação da esquerda e dos trabalhadores. O partido vai buscar garantir os seus espaços informado por uma linha política geral que o afastava dos "combativos" e o aproximava, quase que o anexava, aos conservadores. Os comunistas que sempre estiveram alinhados em favor de posições progressistas para a vida sindical e associados àqueles que também compartilhavam, ainda que minimamente, desta ideia, agora, solidificados no bloco dos conservadores, acabavam por ir contra as forças que buscavam, ao menos à época, a democratização e o arejamento sindical.

A perda de significação no interior do movimento sindical não foi a única. Na arena política geral, os comunistas tinham sua inserção também restrita. Qual seria o papel de um partido que no passado havia, de certa forma, sido funcional na lógica de um arranjo que dependia dele no sentido do auxílio da integração dos trabalhadores aos pactos políticos e que, agora, vivia sob condições políticas nas quais os trabalhadores não eram pensados como interlocutores e participantes dos arranjos e decisões? Se no passado os comunistas haviam se identificado com os trabalhistas-progressistas até a quase falta de delimitação entre eles, agora pareciam confundidos com os democratas e liberais que lutavam pela conquista da democracia e por sua manutenção. O fato, porém, é que sua situação frente aos aliados no passado lhes garantia um espaço permissivo de ação e desenvolvimento. No novo caso, sem uma função específica nos acordos políticos, os comunistas não tiveram seus espaços franqueados e muito menos ampliados. O que restaria a um partido que se pretendia da classe trabalhadora, mas que nela não tinha mais bases suficientes de sustentação, e que como partido político visava intervir na lógica geral da política nacional, mas que não tinha nem espaços nem condições para isso?

As posições assumidas neste período de transição foram fundamentais para a existência do partido posteriormente. O partido vivia um dilema: por um lado, não tinha grandes penetrações no movimento sindical e operário que lhe sustentassem em termos de base e, talvez por conta disso, não possuía maiores possibilidades de intervir de forma mais intensa nos rumos da política nacional, como fizera outrora. Além disso, já havia um outro partido com forte lastro operário e crescente participação no cenário político. Por outro, os comunistas tinham seus símbolos e santuários em declínio em âmbito internacional. Foi com esta questão que o PCB, no início dos anos 1990, chegou ao seu X congresso.

No que diz respeito ao PT, parecia viver no melhor dos mundos em termos da disputa no interior das esquerdas. O desenvolvimento do cenário político demonstrou que o PT aumentou seu grau de influência não só no interior dos setores de esquerda, mas também em termos eleitorais. E isso não pode ser atribuído apenas às mudanças que o PT vai sofrendo ao longo do tempo, pois, mesmo com pouco tempo de existência, o PT já se credenciava para a conquista de cargos parlamentares e até mesmo de executivos municipais. O PT demarcou contraposição às posições políticas do PCB. No decorrer dos anos 1990, o PT se transformou no maior e mais forte partido político de esquerda no país, tornando-se a sua referência. Neste período o partido não só cresceu em termos parlamentares, como também intensificou a conquista de executivos municipais e até estaduais. Além disso, ainda que em aliança com outros setores, concorreu de forma marcante em pelo menos duas eleições presidenciais no período.

Na esfera sindical o PT consolidou sua influência ou a de seus militantes, e a CUT se transformou no maior e mais duradouro projeto sindical de esquerda da história do Brasil. Não se trata aqui de uma comparação pura e simples que desconsidere o enorme peso contrário que recaiu sobre o PCB mesmo após sua legalidade. O que pudemos demonstrar é que, com a crise pela qual passou o PCB em fins dos anos 1980, que levou à sua extinção na entrada dos anos 1990, ele acaba por socializar seu espólio militante entre o PT, o Partido Popular Socialista (PPS) e os militantes que buscaram reconstruir o próprio - para alguns um outro - PCB.

Já para o PT, abriu-se um campo largo que, a cada eleição, ampliava-se. O partido sofreu sensíveis alterações com o passar do tempo abrindo-se para orientações e práticas impensáveis quando de seus primórdios. Algumas delas o assemelhariam ao PCB. Além disso, já nos fins dos anos 1980, o sindicalismo CUT era a projeto sindical hegemônico, vindo a tornar-se também o de maior duração ao longo de nossa história. Este sindicalismo, ao seu modo, teve também de travar lutas internas e externas, com aliados e opositores, durante as quais modificou seus eixos de organização e orientação. Lembre-se que, nos anos 1990, a caminhada de PT-CUT se deu sob fortes pressões e agruras da década neoliberal sobre a sociedade. Foi com tal trajetória que aquela geração, fundadora do PT e da CUT, chega à Presidência da República, na figura de Lula, nas eleições de 2002. A chegada do PT ao governo abriu uma série de questões para o partido e os sindicatos, bem como para a sua relação. Elas ainda estão a clamar por análises mais robustas e distanciadas que perscrutem os impactos efetivos desta importante experiência para a história da esquerda brasileira.

NOTAS

(Recebido para publicação em setembro de 2011)

(Reapresentado em abril de 2012)

(Aprovado para publicação em julho de 2012)

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  • 1
    . Deve-se dizer que este processo já se dava em menor escala, quando da chegada de candidatos de esquerda aos legislativos e executivos municipais e estaduais. Mas o acesso à Presidência da República deu-lhe outro escopo e qualidade.
  • 2
    . Para mais informações acerca da trajetória do PCB ver, entre outros, Chilcote (1982), Del Picchia (1980), Frederico (1987), Gato (1979), Pacheco (1984), Segatto (1989), Vinhas (1982).
  • 3
    .
    Comunistas, neste artigo, diz respeito aos militantes do PCB.
  • 4
    . Claro está que não pensamos tais agremiações como instituições monolíticas. Sabemos de sua rica e divergente vida interna, bem como dos
    gaps existentes entre suas formulações e a prática de seus militantes. Contudo, no horizonte deste artigo, fomos obrigados a ficar, na maioria das vezes, com o que uniformizava mais tais vozes.
  • 5
    . Um conjunto de trabalhos pode ajudar ao leitor com referências às diversas visões acerca do período de ditadura. Entre outros, ver Toledo (1997), Soares e D'Araújo (1994), Aarão Reis Filho, Ridenti e Motta (2004), Araújo
    etalii (2004), Fico (2004) e Fico e Araújo (2009).
  • 6
    . Para mais elementos sobre a conjuntura ver, entre outros, Krischke (1982) e Vianna (1983; 1986).
  • 7
    . O movimento estudantil teve participação importante nesta conjuntura, como por exemplo, com suas manifestações no ano de 1977 (ver Araújo, 2007). Para o caso do movimento operário ver, entre outros, Antunes (1988) e Martins (1994).
  • 8
    . Eram muito presentes, neste momento, entre as insígnias "petistas" as ideias de que ele era um "partido sem patrão" e a de que "trabalhador vota em trabalhador".
  • 9
    . Com o Ato Institucional de número 2, em 1965, a ditadura extinguiu o pluripartidarismo então existente impondo o bipartidarismo. Foram criados um partido da "situação", a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e um partido da "oposição", o MDB.
  • 10
    . De certa forma, Brizola era um elemento de desestabilização tanto para o PCB, como se percebe na fala de Gonçalves, quanto para o PT. Representando a memória de lutas passadas e buscando reorganizar suas forças no presente, Brizola surgia como jogador importante, correndo em raia própria, em meio à disputa. Não por acaso, a ditadura usou de ardis para que ele não recuperasse a sigla PTB quando da reforma partidária.
  • 11.
    Periódico de uma das tendências fundadoras do PT.
  • 12
    . A proposta de uma CUT estava presente nas propostas de muitos grupos já desde pelo menos meados dos anos 1970. Em 1981 (Menezes e Sarti, 1981), realizou-se a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT). Daí formou-se a comissão Pró-CUT. Contudo, no ano de 1982, que seria o ano de fundação da CUT, sob a alegação de ser um ano eleitoral e que poderia dividir os trabalhadores, o PCB e seus aliados divergirão dos setores ligados ao PT, mas manterão a posição, adiando o congresso. Já no ano de 1983, agora sob outras justificativas, se tenta adiar mais uma vez o conclave. Os setores ligados ao PT, junto a outros, realizam o congresso sem a presença dos seus adversários, fundando a CUT. Os comunistas e seus aliados criarão a CONCLAT, depois fundarão a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1986. Rodrigues (1997) traz uma análise detalhada da trajetória da CUT. Para dados mais gerais sobre o sindicalismo da conjuntura ver Boito Jr.(1991).
  • 13
    . Depois de derrotada a chamada Emenda Dante de Oliveira, que propunha a eleição direta para presidente, o caminho para alguns setores de oposição, marcadamente aqueles ligados ao PMDB, foi organizar uma chapa que concorresse pela via indireta no interior do Congresso Nacional. Neste processo surgiram duas candidaturas. No lado governista foi lançado Paulo Maluf. Pela oposição foi lançado Tancredo Neves.
  • 14
    . Já desde as eleições de 1982 os comunistas vão defender a ideia do voto útil, ou seja, tentarão convencer forças políticas e eleitores de que se deve apoiar os candidatos e partidos que tivessem, ainda que supostamente, mais chance de ganhar as eleições. O PMDB apareceria sempre como este partido. Sobre o PT recairia sempre a pressão de ter de ceder em prol deste.
  • 15
    . Vale dizer que, se o PT conseguiu seu registro como partido, ao PCB este direito só seria facultado em 1985. Portanto, cinco anos depois. Assim, enquanto o PT agia como partido legal, o PCB ficava condenado ainda à ilegalidade, com todo o peso e limites que isso impunha.
  • 16
    . Não se está negando aqui a inserção dos trabalhistas entre os trabalhadores. O que se quer dizer é que eles não puderam, porque talvez dispusessem de outra estratégia, rivalizar com os comunistas em termos de sua inserção na base do movimento dos trabalhadores organizados.
  • 17
    . Deve-se lembrar que não foi só o PCB que divergiu e criticou o PT. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) também fez várias críticas ao PT.
  • 18
    . Como bem indicou Rodrigues (1991:27), "A formação do PT viria acentuar as divergências já existentes no interior do sindicalismo brasileiro. Os comunistas (... ) não poderiam ver com simpatia o surgimento de um outro partido que viesse disputar com os PCs o controle do movimento trabalhista".
  • 19
    . Ver, entre outros, Sader (1987), Ribeiro de Oliveira (1988), Meneguello (1989), Gadotti e Pereira (1989), Berbel (1991), Keck (1991), Ferreira e Fortes (2008) e Angelo e Vila (2009).
  • 20
    . Como vimos na parte anterior deste trabalho, a presença de
    Joaquinzão foi usada pelos comunistas para criticar os setores mais à esquerda que defendiam a criação do PT. Quanto à proposta do PT, Henos Amorina, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, afirmara no encontro que, no prazo de dez dias, a carta de princípios do partido estaria lançada. Porém, uma semana depois ainda havia muita névoa em torno da proposta, podendo, entretanto, perceber-se uma movimentação dos mais diversos setores.
  • 21
    . Segundo o jornal, contudo, haveria uma outra "posição" que poderia ser definida como a maioria. Esta "está de fato fora destas posições, desinformada, confusa, ou mesmo entrando na onda para ver onde vai dar, como é o caso de João Silveira, dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, notável pelego, que agora se diz 'inclinado para o socialismo'".
  • 22
    . Periódico de uma das tendências fundadoras do PT.
  • 23
    . "Naquela reunião ficara aprovada nova Comissão Nacional Provisória do partido, em processo de escolha por 750 líderes presentes, dentre os quais 14 parlamentares emedebistas, oito desses do Estado de São Paulo" (Meneguello, 1989:68).
  • 24
    . Lembremos que nem tudo foram flores na trajetória inicial do PT. Ainda que não tenha se tornado "inviável" como pensavam - e queriam - os comunistas, nos seus primeiros anos de existência, já como partido, o PT teve de lidar com algumas dificuldades. Logo nas eleições de 1982, o PT, apesar dos avanços obtidos-já em sua primeira participação no sistema eleitoral, ganha assentos no Congresso Nacional e a Prefeitura de Diadema -, não teve a votação expressiva que muitos imaginavam, obrigando-o a dar conta da descrença até de alguns de seus setores constitutivos. Isto porque, mesmo ocupando espaços, o resultado esteve muito aquém daquilo esperado pelos militantes e pelo partido. Segundo Meneguello (1989:194) "a constituição do PT como inovação no quadro partidário refletiu-se nas urnas em 1982 como um fenômeno de alcance limitado. O teste eleitoral de 1982 mostrou que o apelo classista e a ideia de inovação política, tônicas do discurso petista, não tiveram o alcance esperado pelo partido". Ainda que acentuasse a participação institucional-parlamentar como um ponto secundário de sua ação, o resultado vai ter um efeito duro no partido. Segundo Gadotti e Pereira (1989:246), "após o recém-criado partido receber uma 'ducha de água fria' nas urnas, em 1982, o PT (...) viveu uma crise gerada por uma frustração típica de um batismo de fogo momentâneo". O baixo rendimento do PT serviu também para que alguns setores indicassem que aquele projeto estava morto. Segundo Gadotti e Pereira (1989:248), "diante de tal quadro, desanimador inclusive para muitos petistas anteriormente eufóricos quanto ao futuro do partido, era comum ouvir, após o pleito de 1982, a seguinte constatação: 'O PT morreu antes mesmo de ter nascido'".
  • 25
    . Um conjunto de variadas visões e debates acerca do "populismo" pode ser encontrada em Ferreira (2001).
  • 26
    . As visões de Weffort, de extrema importância no campo de estudo, sofreram já forte relativização por outras pesquisas. Um apanhado delas pode ser obtido, entre outros, em Santana (1999a).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      Set 2011
    • Aceito
      Jul 2012
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