Resumo
O propósito do artigo é reconstruir a relação crítica entre Guerreiro Ramos, enquanto intelectual do Teatro Experimental do Negro (TEN), e a teoria da assimilação desenvolvida pela Escola de Chicago e divulgada no Brasil por Donald Pierson. Partimos de uma análise histórica mostrando como essa teoria foi transplantada por Pierson para cá e se tornou muito influente nos anos 1940. Em seguida, abordamos brevemente as relações que se estabeleceram entre acadêmicos ligados às ciências sociais e a intelligentsia do TEN. Por fim, realizamos uma comparação entre o texto de Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, e alguns ensaios de Guerreiro Ramos escritos no início da década de 1950, mostrando as críticas desse último aos conceitos empregados naquela obra. Constatamos uma crítica ao etnocentrismo e ao racismo incorporados nesses conceitos e também uma reformulação dos mesmos visando superar esses elementos e pensar um processo em que o povo negro seria protagonista de sua história. Ao recuperar essa crítica nosso objetivo é contribuir para a descolonização e desprovincialização da sociologia, recuperando a agência de um importante intelectual e militante negro que construiu críticas contundentes e bem fundamentadas a um dos principais paradigmas das ciências sociais acerca das relações raciais.
Guerreiro Ramos; Escola de Chicago; Teatro Experimental do Negro; relações raciais; assimilação
Abstract
The purpose of the article is to reconstruct a critical relationship between Guerreiro Ramos, as an intellectual of the Teatro Experimental do Negro (TEN), and the theory of assimilation developed by the Chicago School and disseminated in Brazil by Donald Pierson. We start from a historical analysis showing how this theory was transplanted by Pierson here and became very influential in the 1940s. Next, we briefly discuss the relationships that were established between scholars and the intelligentsia of TEN. Finally, we made a comparison between the text of Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, and the essays by Guerreiro Ramos, showing the criticisms of the latter to the concepts used in this work. We found a critique of ethnocentrism and racism incorporated in these concepts and also a reformulation of them in order to overcome these elements and think about a process in which the black people would be protagonists of their history. We recover this criticism with the aim of contributing to the decolonization and deprovincialization of sociology, recovering the agency of an important black intellectual and militant who built strong and well-founded criticisms of one of the main paradigms of the social sciences about race relations.
Guerreiro Ramos; Chicago School; Teatro Experimental do Negro; race relations; assimilation
Résumé
L’objectif de cet article est de reconstruire la relation critique entre Guerreiro Ramos, en tant qu’intellectuel du «Teatro Experimental do Negro» (TEN), et la théorie de l’assimilation développée par l’École de Chicago, diffusée au Brésil par Donald Pierson. Nous partons d’une analyse historique et nous montrons comment cette théorie a été transplantée par Pierson et comment elle est devenue très influente dans les années 1940. Ensuite, nous abordons brièvement les relations qui se sont établies entre les universitaires des sciences sociales et de «l’intelligentsia» du TEN. Enfin, nous faison une comparaison entre le texte de Pierson, «Brancos e Pretos na Bahia», et quelques essais de Guerreiro Ramos écrits au début des années 1950, montrant les critiques de ce dernier aux concepts employés dans cet ouvrage. Nous constatons une critique de l’ethnocentrisme et du racisme incorporés dans ces concepts ainsi qu’une refonte de ceux-ci visant à surmonter ces éléments et à penser un processus dans lequel le peuple noir serait protagoniste de son histoire. En reprenant cette critique, notre objectif est de contribuer à la décolonisation et à la déprovincialisation de la sociologie, en rétablissant l’agence d’un important intellectuel et militant noir qui a construit des critiques percutantes et bien fondées envers l’un des principaux paradigmes des sciences sociales concernant les relations raciales.
Guerreiro Ramos; École de Chicago; «Teatro Experimental do Negro»; relations raciales; assimilation
Resumen
El propósito del artículo es reconstruir la relación crítica entre Guerreiro Ramos, como intelectual del Teatro Experimental del Negro (TEN), y la teoría de la asimilación desarrollada por la Escuela de Chicago y divulgada en Brasil por Donald Pierson. Partimos de un análisis histórico mostrando cómo esa teoría fue transferida por Pierson para Brasil y se volvió muy influyente en la década de 1940. Luego, abordamos brevemente las relaciones que se establecieron entre académicos vinculados a las ciencias sociales y la intelligentsia del TEN. Finalmente, realizamos una comparación entre el texto de Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, y algunos ensayos de Guerreiro Ramos escritos al inicio de la década de 1950, mostrando las críticas de este autor a los conceptos empleados en dicha obra. Constatamos que existe una crítica al etnocentrismo y al racismo incorporados en esos conceptos y también una reformulación de estos, con el objetivo de superar esos elementos y pensar en un proceso en el que el pueblo negro sería protagonista de su historia. Al recuperar esa crítica, nuestro objetivo es contribuir a la descolonización y desprovincialización de la sociología, recuperando la agencia de un importante intelectual y militante negro que construyó críticas contundentes y bien fundamentadas a uno de los principales paradigmas de las ciencias sociales acerca de las relaciones raciales.
Guerreiro Ramos; Escuela de Chicago; Teatro Experimental del Negro; relaciones raciales; asimilación
Introdução
O artigo em tela objetiva argumentar que a crítica que Guerreiro Ramos constrói no interior do Teatro Experimental do Negro (TEN) à antropologia e à sociologia anglo-saxã e brasileira acerca das questões raciais, pode ser direcionada à obra do sociólogo estadunidense Donald Pierson e, em última instância, à teoria do ciclo das relações raciais, desenvolvida por Robert Park. Como veremos, em seu cerne, tal crítica almeja instituir a pessoa negra como sujeito do seu próprio destino, algo obnubilado, segundo Ramos, pelo paradigma assentado em conceitos como a aculturação e a assimilação.
Consideramos que a reconstituição dessas relações históricas tem grande importância para o entendimento da sociologia de Guerreiro Ramos visto que ela ajuda a compreender a relação entre a primeira fase da obra sociológica desse autor (1943-1953), marcada entre outras coisas pelo uso de conceitos vindos da Escola de Chicago, e sua fase nacional-desenvolvimentista (1953-1964), caracterizada pela sistematização de sua metodologia no livro A Redução Sociológica (1958) e pelo uso desse método para a interpretação de diferentes aspectos da realidade brasileira, que aparece em livros como O Problema Nacional do Brasil (1960), Crise do Poder no Brasil (1961) e Mito e Verdade da Revolução Brasileira (1963).
Nesse sentido, a militância e a reflexão teórica desenvolvida no TEN são os fatores mais importantes que explicam a transição entre essas duas fases. Em vista disso, compreenderemos, a partir de uma análise histórica e conceitual bem delimitada, aquilo que já vem sendo apontado por intérpretes da obra guerreiriana, isto é, que sua práxis no TEN foi fundamental no desenvolvimento de sua sociologia (Nascimento, 2003; Barbosa, 2004; Caldas, 2021).
Esta investigação pretende contribuir para a crítica constante da sociologia e para seus alargamentos de horizonte para além dos arbitrários ideológicos e raciais que a restringem, isto é, visamos contribuir para o processo de descolonização e de desprovincialização da sociologia. Realizamos isso lançando luzes sobre o trabalho teórico-crítico de um sociólogo negro militante, situado na periferia do mundo, a uma das principais teorias das relações raciais produzidas nos EUA e difundida pelo mundo pelos representantes da conhecida Escola de Chicago.
Em sua crítica da teoria social anglo-saxã, Guerreiro Ramos mostrou não só a sua preocupação em denunciar o etnocentrismo, o racismo e os compromissos imperialistas dessas formas mentais, mas também a desumanização que promovem, ao tornar grupos humanos marginalizados meros objetos de estudo, de modo a lhes retirar toda a agência histórica. O campo sociológico brasileiro ao definir seu cânone, frequentemente excluindo dele Guerreiro Ramos e seu intenso trabalho sociológico, termina por silenciar sua crítica ao silenciamento, visto que reforça a retirada simbólica do protagonismo da intelectualidade negra na história intelectual do país. Ademais, priva as novas gerações de sociólogos e sociólogas das disposições críticas conquistadas na disciplina mediante duras lutas intelectuais e sociais, que só puderam ser realizadas a partir de um repertório crítico desenvolvido no seio de movimentos sociais.
Contextualização histórica
Segundo Mário Antônio Eufrásio (1995), entre o final do século XIX e o início do XX, o processo de institucionalização da sociologia nos EUA foi bastante acelerado. Apesar dos estudos empíricos pioneiros de W. E. B. Du Bois, desenvolvidos entre outros lugares na Universidade de Atlanta, uma instituição voltada para pessoas negras (Morris, 2015), foi a sociologia praticada na Universidade de Chicago que hegemonizou as discussões sobre as relações raciais e serviu de modelo para a difusão da sociologia estadunidense ao redor do mundo.
No início do século XX, em Chicago e em outras grandes metrópoles estadunidenses, o debate sobre as relações étnico-raciais foi muito intenso. Segundo Alain Coulon (1995), a Escola de Chicago fez da imigração de grupos étnicos europeus um de seus principais temas de pesquisa, alinhando suas teses entre aqueles que apostavam na capacidade da sociedade americana em assimilar os diversos grupos étnicos que para lá afluíam. Além do tema da imigração, a integração da população negra na sociedade estadunidense também fazia parte das preocupações dessa Escola. Os conceitos centrais da sociologia de Chicago, por exemplo, interações sociais, conflito, acomodação, aculturação e assimilação, estão ligados a esses temas.
Um dos personagens centrais da Escola de Chicago foi Robert Ezra Park (1864-1944). Ele nasceu em uma família branca, protestante e de classe média estadunidense. Estudou filosofia na Universidade de Michigan, onde se influenciou pelas aulas de John Dewey sobre Herbert Spencer. Após formado, trabalhou como repórter entre 1887 e 1898. Depois disso, fez mestrado em filosofia em Harvard, onde se aproximou das ciências sociais; em seguida, animado por William James, foi estudar sociologia na Alemanha. Park permaneceu um semestre na Universidade de Berlim, ali teve aulas com Simmel, que o iniciou na sociologia alemã. Depois seguiu Wilhelm Windelband para a Universidade de Strasbourg e depois para Heildelberg, onde se doutorou (Park, 2021; Silva, 2012).
Park se aproximou do tema das relações raciais quando foi secretário da Congo Reform Association, ali conheceu Book T. Washington1, que o convidou para trabalhar no Tuskegee Institute e por meio dessa instituição conheceu um pouco da realidade da população negra no sul dos EUA (Park, 2021; Silva, 2012).
O interesse de Park pelas relações raciais e pelo negro no Sul veio de indicações de Washington e das experiências em Tuskegee. Ele foi para essa instituição em 1905, na época tinha apenas conhecimento livresco sobre os problemas da comunidade negra, a relação com Washington abriu as portas dessa comunidade para ele, proporcionando muitas vivências que foram fundamentais para seu reconhecimento como um dos primeiros sociólogos das relações raciais dos EUA. Segundo Aldon Morris (2015), Park incorporou de Book T. Washington uma visão do negro como povo primitivo que precisava ser civilizado pelo branco, algo que foi traduzido teoricamente por uma mistura da sociologia alemã das interações sociais com o darwinismo social de Spencer.
A teoria de maior abrangência de Park, a do ciclo das relações raciais, teve grande influência das experiências vividas em Tuskegee, de modo que, assim como Washington, Park via o problema racial como um problema cultural, em processo lento de mudança, que não deveria ser acelerado por nenhuma militância política. Park acreditava numa inferioridade biológica das pessoas negras e considerava que a assimilação delas na cultura de origem europeia era a única forma de resolver o problema racial (Morris, 2015).
Na Universidade de Chicago, com acesso a grandes recursos de pesquisa, Park ampliou seu interesse pelas relações raciais, incorporando na sua agenda de pesquisa outros grupos étnicos, como os europeus de diversas nacionalidades, os japoneses, os havaianos, entre outros (Coulon, 1995). A partir do estudo desses grupos, Park pretendia validar sua teoria geral das relações raciais, inclusive realizando pesquisas em diversos lugares do mundo. Com esse intuito realizou viagens para fora dos EUA, uma delas foi para o Brasil:
No Brasil, [Park] ficou tão impressionado com as condições quase únicas do país que não descansou até encontrar um talentoso estudante americano a quem convenceu a aprender a língua portuguesa e para quem assegurou os fundos que garantiram uma residência de dois anos e meio na Bahia (Ellsworth apud Silva, 2012:80).
Esse jovem estudante era Donald Pierson (1900-1995), que ingressou na Universidade de Chicago em 1927, após ter vivido a maior parte de sua vida no ambiente rural, onde sua família, branca e de religiosidade quaker, trabalhava em uma fazenda. Segundo Silva (2012), após cursar o ensino profissionalizante, com ajuda de uma bolsa de estudos, ele concluiu sua graduação em literatura inglesa e psicologia, com formação secundária em história. Foi para Chicago com auxílio de instituições religiosas, terminando em 1933 seu mestrado em sociologia. Depois disso se aproximou de Park, que estava no auge de sua consagração e empenhado em desenvolver estudos comparativos sobre as relações raciais no mundo.
Na comunidade acadêmica estadunidense havia um certo consenso acerca da singularidade das relações raciais no Brasil. Isso decorria provavelmente do relato de diversos viajantes estadunidenses que por aqui passaram e notaram relações raciais aparentemente menos opressoras do que as existentes nos EUA (Andrews, 2017). Estudiosos reunidos no Seminar on Race and Cultural Contacts, da Universidade de Chicago, do qual Pierson fazia parte, estavam interessados em investigar essas hipóteses.
O jovem pesquisador realizou trabalho de campo por dois anos no Brasil visando comprovar a tese de que as relações raciais neste país representavam o último estágio da teoria do race relation cycle de Park, ou seja, o momento da assimilação dos grupos étnicos estrangeiros nos dominantes, no qual as tensões diminuiriam consideravelmente. Após publicar o resultado de suas pesquisas no livro Negroes in Brazil: A Study of Race Contact at Bahia, em 1942, ele se tornou a principal autoridade no seu país acerca das relações raciais no Brasil (Silva, 2012).
Em 1939, a convite da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) de São Paulo, Pierson retornou ao Brasil para trabalhar como professor dessa instituição. A partir de então, durante a década de 1940, tornou-se uma figura-chave na institucionalização da sociologia no Brasil (Silva, 2012).
Em 1945, Pierson publicou sua tese no Brasil com o nome de Brancos e negros na Bahia: estudos de contato racial. A partir de então, como enfatizou Guimarães (1999), ele começou a pautar os estudos das relações raciais neste país. Isso aconteceu em grande medida porque ele introduziu novas técnicas de pesquisa, como o trabalho de campo, entrevistas, observação participante, e outras, algo que intelectuais como Gilberto Freyre e Arthur Ramos, importantes nas discussões das relações raciais, não haviam realizado. A próxima geração de estudiosos das questões raciais, formada por pesquisadores como Guerreiro Ramos, Florestan Fernandes e Costa Pinto, produziram seus trabalhos, em grande medida, orientados pela reavaliação crítica dessa obra do pesquisador estadunidense.
Conforme documentou Lopes (2012), em novembro de 1942, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) convidou Pierson para dar um curso na instituição. Ali ele realizou 11 conferências e diversas orientações individuais de pesquisa. Um de seus alunos foi o jovem sociólogo Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), recém-formado na primeira turma do curso de ciências sociais da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi).
Guerreiro Ramos, nascido em uma família negra de classe média baixa do interior da Bahia, ainda muito jovem fez carreira intelectual na cidade de Salvador, como poeta e crítico literário. Ele participou da militância católica organizada em torno do Centro Dom Vital e da recepção do personalismo e do neotomismo no Brasil. Com ajuda de uma bolsa de estudos, em 1939, foi para o Rio de Janeiro, estudar ciências sociais na primeira turma desse curso ofertado pela FNFi. O encontro com Pierson foi fundamental para a transição que ele realizava da poesia e da crítica literária para a sociologia (Oliveira, 1995).
Entre 1943 e 1948, Ramos foi professor de sociologia do curso de puericultura do Departamento Nacional da Criança (DNCr) e estudou problemas como a mortalidade infantil, a delinquência juvenil, a desorganização social e outros temas (Brasil, Ramos, 1946; Ramos, 1944). Conforme mostrou Lopes (2012), a produção intelectual desse autor, durante esse período, foi muito influenciada pela produção da Escola de Chicago.
Guerreiro Ramos começou a refletir sobre as relações raciais, incitado por Abdias do Nascimento2 (1914-2011), sobretudo a partir de 1946. Os dois eram amigos e Ramos pôde aproveitar a longa experiência de Nascimento para o desenvolvimento de sua compreensão da questão racial no Brasil. Ambos viviam intensamente a experiência de homens negros no pós-abolição e tinham diversos elementos biográficos em comum: nasceram em regiões de produção agrícola feita, até pouco tempo, com o trabalho de pessoas escravizadas; tiveram avós submetidas à escravidão; suas mães trabalharam em serviços domésticos para as oligarquias regionais; mudaram-se, muito cedo, para as grandes cidades de suas regiões (Salvador e São Paulo); estiveram ligados à arte, um à poesia, o outro ao teatro. No entanto, ao contrário de Ramos, Nascimento se envolveu com o combate à discriminação racial, desde muito cedo, tendo participado de protestos e de organizações da população negra na cidade de São Paulo (Biografia de Alberto Guerreiro Ramos, [s.d.]; Nascimento, 1950; Almada, 2009).
Como produto dessas vivências, Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 13 de outubro de 1944, em meio à euforia democrática decorrente do fim da II Guerra e à derrocada do Estado Novo. Segundo Nascimento (2003:251), o TEN “foi a primeira entidade do movimento afro-brasileiro a ligar, na teoria e na prática, a afirmação e o resgate da cultura brasileira de origem africana com a atuação política”.
Nascimento e outras pessoas negras pertencentes às classes médias baixas, que se viam impedidas de ascensão social devido à cor de pele e que estavam ligadas à produção artística, iniciaram a organização do TEN. O preconceito e a discriminação as aproximaram das pessoas negras mais pobres, levando-as a construir projetos políticos mais amplos que envolviam a todas elas (Guimarães, 2004). Concomitantemente, o grupo se propunha a se colocar na vanguarda da produção artística da cidade do Rio de Janeiro, construindo uma nova representação do povo negro e de sua subjetividade, rompendo com o paternalismo vigente na produção cultural da cidade. Gradativamente, o TEN alterou a representação das pessoas negras, de um imaginário baseado na ideia de mestiçagem e de integração nacional para um ideário apoiado na afirmação étnica da negritude, enquanto forma política e estrutura de sentimentos, sem, no entanto, abandonar reivindicações de justiça social (Nascimento, 2014).
Ramos começou a participar mais ativamente do TEN a partir do final de 1948, no entanto, até 1950, a sua reflexão sobre a questão racial esteve fortemente ligada aos modelos da sociologia praticada por Pierson, organizada em conceitos como contatos raciais, aculturação e assimilação (Ramos, 1948a, 1946, 1948b, 1948c). De modo gradativo, no entanto, paralelamente à sua militância no TEN, sua posição sobre a temática racial mudou substancialmente.
Entre 1948 e 1950, dentro da intelectualidade do TEN, Guerreiro Ramos se preocupou em construir um projeto de planificação social, no plano estrutural e no psicológico, que assegurasse uma integração justa e sadia da população negra na sociedade urbana e industrial em surgimento no país (Pallisser Silva, Caldas, 2020).
Esse projeto ocorria dentro de um pacto em torno da ideia de democracia racial, isto é, trata-se da crença que scholars e militantes negros mantinham de que, ao contrário dos conflitos raciais abertos verificados nos Estados Unidos, no Brasil nós “já tínhamos um legado de democracia racial desde a Abolição” (Guimarães, 2012:158). Contudo, para os movimentos negros, era preciso promover uma efetiva integração econômica e social à nova ordem capitalista, sendo necessária uma Segunda Abolição. Assim, na visão dos movimentos negros, esse pacto justifica-se como a utopia desta Segunda Abolição.
Já no início de 1950 esse pacto foi rompido em razão de uma série de fatos conjunturais: a difusão da ideia de negritude, a rejeição dessa ideia pelos intelectuais acadêmicos e as dificuldades da esquerda em lidar com a afirmação étnica dos movimentos negros.
Durante as sessões finais do I Congresso do Negro Brasileiro, realizado em 1950, uma polêmica em torno das ideias da negritude marcou a ruptura da aliança entre os acadêmicos estudiosos dos “contatos raciais” e a intelligentsia negra. Ao considerar a tese Uma Estética da Negritude, apresentada por Ironides Rodrigues, um “racismo às avessas” e uma ideologia de uma elite negra, descolada da realidade do povo, os acadêmicos redigiram a Declaração dos Cientistas que resultou na quebra do pacto da democracia racial (Barbosa, 2004, 2013)
Todavia, tal consenso não significava a crença, por parte da intelligentsia negra, na inexistência de discriminação racial. Na verdade, esse grupo polarizava o significado do conceito de democracia racial (Guimarães, 2012), buscando transformá-lo em um projeto de planificação social. Este projeto canalizaria racionalidades e irracionalidades, os conflitos e os ressentimentos, por meio do Estado e da sociedade civil, no caso, associações como o TEN; o Estado atuaria criando mecanismos de integração da população negra e as organizações da sociedade civil a reeducação cultural, social e artística às novas condições sociais, de modo a construir uma verdadeira democracia racial no país (Pallisser Silva, Caldas, 2020).
A ruptura em questão também é sintomática de discussões mais amplas entre os partidos à esquerda do espectro político e as diversas formas de ativismo negro. No contexto transnacional do período, em vista das lutas de libertação que ocorriam no continente africano versando sobre a crítica de Frantz Fanon à esquerda francesa, Faustino (2017) argumenta que ao minimizar a questão racial a esquerda ocidental contribuiu para a manutenção da branquitude. Na conjuntura nacional, Abdias Nascimento enfrentou diversos entraves, criados pela esquerda, para criar o TEN justamente pela afirmação da identidade negra constante no nome do grupo, esta rompia com o universalismo “daltônico” presente na elite intelectual de esquerda que observava a questão racial como “uma ilusão diversionista criada pelo sistema de dominação de classes” (Nascimento, 2003:288).
Portanto, ao considerar que o TEN estava inserido, com certo destaque, no debate da descolonização realizado no plano internacional e se agenciava com as ideias da negritude (Barbosa, 2013), podemos afirmar que sua ruptura com o consenso da democracia racial significava ao negro “o fim da condição de objeto da história, traçada pela raça branca socialmente dominante” (Tavares, 1988:83). Desse modo, a Declaração dos Cientistas parece surgir de um ressentimento branco – e não negro como acusaram os acadêmicos – ao ter sua dominação questionada.
Após essa ruptura Guerreiro Ramos começou a realizar uma contundente crítica do paradigma sociológico dominante nas ciências sociais brasileiras usado para pensar o problema racial, isto é, o modelo centrado nos conceitos de assimilação e aculturação desenvolvido nos EUA, especialmente em Chicago. Embora nessa crítica que chamou de “sociologia e antropologia sobre o negro”, ele não tenha se dirigido diretamente a Pierson3 e sim a intelectuais nacionais como Arthur Ramos (Ramos, 1995), Gilberto Freyre (Ramos, 1956), Costa Pinto (Ramos, 1953b, 1953c) e outros, sua crítica acerca da antropologia e da sociologia anglo-saxã pode ser dirigida com justeza à obra de Pierson mencionada anteriormente. Este artigo pretende mostrar essa adequação, ainda não abordada por nenhum comentador ou comentadora da obra de Ramos.
Assimilação e aculturação em Park
No período em que esteve vinculado ao Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago (de 1914 a 1935), Park desenvolveu a teoria do Race-Relation Cycle. O objetivo dessa teoria era apresentar uma ampla explicação da sociedade moderna que assim como a concepção weberiana da marcha da racionalização funcional e a ideia da luta de classes em Marx buscava compreender as relações raciais nos EUA e no mundo (Morris, 2015). Esta teoria, desenvolvida em meados dos anos de 1920 (Silva, 2012), teve larga divulgação no Brasil a partir dos estudos realizados por Pierson. Posteriormente esse autor influenciou significativamente a primeira geração de sociólogos formados no Brasil dedicados ao estudo das relações raciais (Guimarães, 1999).
A teoria do ciclo das relações raciais, que fundia a perspectiva interacionista da sociologia alemã com o darwinismo social, foi uma tentativa de Park explicar os principais conflitos de sua época a partir de uma teoria geral: o colonialismo europeu, levando a brutalidade para diversos continentes; a imigração de europeus para os EUA, causando choques étnicos; o problema racial americano expressando-se em linchamentos, levantes raciais e tensões entre brancos e negros. O darwinismo social de Park aparece na valorização dos europeus e de sua cultura como superior à dos outros grupos étnicos, sobretudo, os negros avaliados como rudes e primitivos. Implícito aí está a ideia de leis naturais que favorecem os mais adaptados (Morris, 2015).
Desse modo, esse modelo explicativo procurava entender como a civilização europeia, formada de sociedades racionais, burocráticas e impessoais, se impunha sobre comunidades tradicionais, constituídas de povos não brancos e também de campesinos europeus a meio estágio entre a comunidade e a sociedade. Assim ela se apresenta como uma legitimação da expansão europeia pelo mundo, procurando captar os estágios através dos quais esse processo ocorreria (Morris, 2015).
A teoria do Ciclo das Relações Raciais apresenta quatro formas puras de interação, quais sejam: competição, conflito, acomodação e assimilação. Esses quatro estágios expressam como o grupo étnico mais forte incorpora os mais fracos4.
Segundo Park e Burgess (2014:129; ênfase do original), “o contato social dá início a interação, mas, a competição, estritamente falando, é a interação sem contato social”, pois envolve a disputa inconsciente pelo espaço. Isto só é plausível para Park, porque a competição seria algo observável até mesmo nas comunidades de plantas e animais.
O segundo aspecto, o conflito, só é verificado quando há consciência da disputa, pois é neste momento que “os concorrentes identificam uns aos outros como rivais ou como inimigos” (Park, Burgess, 2014:129), havendo uma clara percepção dos interesses contraditórios entre os grupos.
Já a acomodação “é o processo através do qual os indivíduos e os grupos fazem os ajustes internos necessários para as situações sociais que foram criadas pela competição e conflito” (Park, Burgess, 2014:131). A acomodação só é possível pela constituição de mecanismos sociais de apaziguamento do conflito, por meio da subordinação dos grupos mais fracos que internalizam sua posição subordinada num sistema social desigual. Por exemplo, Park via a escravidão e o sistema de castas formado em consequência dela como expressões desse terceiro estágio, portanto, como meios que levariam à paz, encontrada no estágio seguinte (Morris, 2015).
Por fim, a assimilação (ou integração) diz respeito às mudanças na personalidade dos indivíduos, mais precisamente ao momento em que os mais fracos incorporam totalmente a cultura da sociedade que os envolve, constituindo-se uma experiência e uma tradição comum que permite o apaziguamento das tensões raciais (Park, Burgess, 2014).
Os produtos destas formas de interação seriam, respectivamente, a organização econômica, a ordem política, a organização social e a personalidade e herança cultural. A competição geraria a organização econômica, pois é por meio dela que se distribuem as populações na economia mundial, que se dá a organização industrial nacional e o lugar do indivíduo na divisão do trabalho. Quando a competição é convertida em conflito, temos o processo político produzindo a ordem política. Park utiliza a guerra como exemplo de um processo político, sendo as organizações políticas incumbidas de lidar com as situações de conflito.
Em decorrência das situações de competição e conflito, mediadas pela ordem econômica e política, surge o processo de acomodação. Este processo promove os ajustes internos às situações de tensão dos momentos anteriores, é aí que se fixa uma determinada ordem social, organizada em castas ou em classes, os direitos de propriedade, as formas de organização da família e de todos os interesses coletivos. Nessa perspectiva, o mundo social não é feito para satisfazer as necessidades de todos, ao contrário, a ordem social existe para limitar os desejos dos indivíduos.
No estágio da assimilação, a formação de uma herança cultural comum é o corolário almejado. Esta etapa, refere-se à construção de uma memória e de uma tradição comum ao conjunto dos indivíduos anteriormente em conflito. Ou seja, a alteração da personalidade, que, em termos populares o autor identifica à americanização ou ao americanizar, isto é, a redução da maior parte das diferenças culturais em padrões comuns de comportamento.
Após se aposentar na Universidade de Chicago, Park transferiu suas atividades para a universidade negra de Fisk, onde permaneceu de 1935 até a sua morte em 1944. Foi a partir desta mudança que Park se inseriu em uma rede mais ampla de pesquisadores negros e brancos que estudavam as relações raciais, rede que contava com a participação de W. E. B. Du Bois, Franz Boas e outros pesquisadores e pesquisadoras, grupo esse responsável pela criação do Instituto de Relações Raciais (IRR), que promoveu atividades em diversas universidades estadunidenses e europeias (Silva, 2012).
Todavia, as ligações nas quais Park se inseriu não foram suficientes para retirar os pressupostos biológicos de suas reflexões a respeito do social, sobretudo no tocante à raça. Diferente de Du Bois que desenvolveu ao menos duas décadas antes de Park um conceito de raça desvinculado do plano biológico e atrelado à dimensão histórico-cultural (Morris, 2015; Silvério, Dos Santos e Oliveira da Costa, 2020). Segundo Morris (2015:125, tradução livre), “não pode haver dúvida de que o darwinismo social, o racismo e o privilégio do homem branco infiltraram-se profundamente na sociologia ‘calma’, ‘imparcial’ e ‘objetiva’ de Park”.
Assimilação e aculturação em Pierson
Pierson estudou a cidade de Salvador como o palco de um tipo específico de contato de raças. Ele inseriu seu trabalho dentro de uma agenda de pesquisa orientada para o estudo das relações raciais em diversos lugares de modo a, por meio da observação de casos particulares, contribuir para a construção de generalizações acerca desses processos.
Para comprovar a hipótese de que as relações raciais em Salvador indicavam um alto grau de acomodação, que levaria à assimilação dos descendentes de africanos na cultura europeia, ele investigou o lugar dessas pessoas na ordem social e cultural. Sua análise dividiu Salvador entre a “cidade alta”, moradia da velha aristocracia, onde circulava a cultura de origem europeia; e a “cidade baixa”, lugar da maioria dos descendentes de africanos e dos brancos pobres. Era incontornável a correspondência entre cor, classe, educação e região geográfica:
À medida em que se percorrem as diferentes áreas residenciais, nota-se que esta segregação, de acôrdo com as classes económicas e educacionais, obedece de maneira geral – embora com algumas exceções importantes – às diferenças de côr da população (Pierson, 1945:72).
Para o autor, tal correspondência seria um resultado colateral do processo colonial e não um “esfôrço proposital de segregar as raças a fim de manter distinções de casta, como em várias partes dos Estados Unidos” (Pierson, 1945:73-74).
Ele supunha que a sociedade soteropolitana se organizava como uma ordem competitiva de tipo liberal, em que brancos, negros e mestiços, disputavam bens sociais orientados pelo critério do mérito individual. Os brancos ocupavam os lugares de prestígio em razão das contingências do processo colonial; ainda que os negros estivessem limitados às posições inferiores do espaço social, a infiltração gradativa de mestiços nas classes altas, evidenciaria que não existiam barreiras raciais rígidas, apenas limites temporários de classe.
Culturalmente, as classes altas identificavam-se com a cultura europeia, desprezavam as práticas e tradições ligadas à África e viam a cor da pele negra associada aos africanos como “símbolos de baixo ‘status’” (Pierson, 1945:31); uma camada média formada majoritariamente de mestiços e alguns poucos negros também procurava se aproximar da cultura europeia e se afastar dos traços culturais ligados à África. Já a maioria da população da cidade, o povo pobre, formado, em sua maioria, de pessoas negras e mestiças, mas também de alguns brancos, viviam em torno de práticas culturais de origem africana mescladas com práticas indígenas e populares europeias. Nesta população haveria um pequeno grupo de africanos ressentidos que ainda cultivavam suas tradições, aparecendo, para o autor, como obstáculos ao completo processo de assimilação dos negros na sociedade local.
Ainda que se possa induzir que as diferenças étnicas e raciais eram fundamentais para compreender a ordem social em questão, usando das exceções, Pierson argumentou que as divisões essenciais na cidade eram as de classe, contribuindo a raça apenas secundariamente para o estabelecimento do status. Segundo ele, indivíduos dotados de características associadas aos africanos, desde que assimilassem a cultura europeia, eram aceitos nas classes altas europeizadas. Assim, os grupos dominantes aceitariam as pessoas portadoras de traços físicos associados aos africanos desde que elas passassem por um processo de branqueamento cultural. Pierson via esse fato como um processo positivo, pois contribuía para a assimilação destes últimos à cultura europeia e, consequentemente, para a formação de uma cultura comum.
Seguindo Freyre de perto, para Pierson, a miscigenação seria um dos principais condicionantes das relações raciais em Salvador. A partir de observações feitas em diversos espaços; de registros de nascimento e morte; de entrevistas; da coleta de vocábulos, ditos populares e histórias de vida; o autor concluiu que a mistura racial impedia que a maioria dos habitantes de Salvador se identificassem completamente como brancos ou negros, de modo que a maior parte deles se viam, em maior ou menor medida, como mestiços. A impossibilidade de se distinguir como branco, devido à mistura de “sangue” ou aos traços africanos visíveis, levaria, para Pierson, a uma diminuição do preconceito racial.
Todavia, as mesmas evidências levantadas pelo trabalho de campo mostravam um desejo de identificação com o europeu e com o branco. Assim, ele notou nas pessoas com as quais teve contato um desejo de casar-se com pessoas mais brancas que elas, uma valorização dos traços físicos associados ao europeu, sobretudo, a pele e o cabelo, e um desprezo por tudo que se associava à África. A partir desses dados ele mostrou que, pelo menos na consciência dos indivíduos, a cidade estaria se branqueando e isso seria muito positivo em sua visão.
O pesquisador não deixou de notar a existência de forte estigma relacionado à cor de pele negra, porém manifestou uma forte crença de que a aquisição de bens culturais de origem europeia permitiria que os descendentes de africanos superassem esse sinal negativo. Dessa forma, o autor mostrou uma crença inabalável, simultaneamente, na valorização do mérito individual como fator de ascensão dos descendentes de africanos e na ausência de barreiras raciais a esse processo de promoção social:
[O] critério de classe, está progressivamente perdendo terreno, à medida que um número cada vez maior de indivíduos de côr escura dá provas de possuir, ou de ser capaz de conquistar outras características, índices de ‘status’ superior. Fato significativo é que o preto ou o mulato escuro pode vencer o obstáculo da côr, pode contrabalançar esta desvantagem por meio de outras vantagens (Pierson, 1945:217-218; ênfase do original).
Pierson via essa penetração dos descendentes de africanos nas classes superiores como uma das condições fundamentais do “movimento progressivamente acelerado” de assimilação dessas pessoas na sociedade baiana (1945:301). Mostrando grande cumplicidade com a cultura dominante da cidade, o cientista vindo de Chicago argumentou serem os afro-brasileiros identificados com a cultura africana aqueles que colocavam os maiores obstáculos ao processo de assimilação cultural.
Pierson registrou sem nenhuma censura o desprezo das pessoas identificadas com a cultura europeia para com as práticas culturais de origem africana, tratadas como infantis, incivilizadas e atrasadas. Ele chega a admirar esse comportamento por considerá-lo tolerante, já que assimila de maneira lenta e inconsciente, os povos negros na cultura europeia. O pesquisador concluiu seu estudo, argumentando que a configuração social que analisara era mais um episódio da expansão dos povos da Europa Ocidental pelo mundo, um caso extremamente bem-sucedido de assimilação cultural: “Em tôda a história brasileira, parece que a tendência foi para a absorção gradual (mas completa), pela população predominantemente européia, de todos os elementos étnicos” (Pierson, 1945:392).
No entanto, da perspectiva de pessoas negras, destras no manuseio da cultura europeia e interessadas em viver ao máximo as possibilidades de liberdade vindas do pós-abolição, o problema racial era bem mais complexo, demandando não apenas projetos nacionais de incorporação das pessoas negras na ordem competitiva, como também uma revisão do próprio processo de assimilação, até então considerado um bem em si mesmo.
Crítica da assimilação e aculturação em Guerreiro Ramos
Em 1946, três anos após o término de sua graduação em ciências sociais, quando ainda não era membro do TEN, Guerreiro Ramos deu uma entrevista para Abdias Nascimento, que na época tinha uma coluna no Diário Trabalhista intitulada Problemas e aspirações do negro brasileiro. Nessa entrevista ele procurou se posicionar sobre as questões raciais a partir dos consensos científicos daquele momento. Para ele intelectuais como Robert Park, Franklin Frazier, Melville Herskovits todos eles com ligação com a Universidade de Chicago e cientistas brasileiros como Gilberto Freyre e Arthur Ramos demonstraram em seus trabalhos a “fragilidade científica do racismo” (Ramos, 1946:6).
Ramos reconheceu que o racismo “sobrevive ainda como ideologia de numerosos brancos interessados em racionalizar uma dominação política e social” e que isso contraria os preceitos democráticos e representa uma “fraude” contra o negro (1946:6). Apesar disso, ele termina, em seguida, adotando as principais teses de Pierson sem mencionar seu nome. Nesse sentido, ele defendeu que o preconceito racial não era o principal problema do negro brasileiro e sim as barreiras de classe e as diferenças culturais entre os grupos (1946).
Assim como Pierson, o jovem sociólogo baiano advogou que a posição inferior das pessoas negras na estrutura social brasileira decorria de fatores históricos que não mais se faziam presentes, o que tornava possível a mobilidade social da população negra5. O jovem sociólogo também assentiu com a afirmação de que a cultura de origem africana seria um empecilho para a assimilação do povo negro na ordem social dominante6. Guerreiro Ramos também pareceu simpático ao “branqueamento cultural” como meio de seleção social das pessoas negras:
O negro brasileiro pode “branquear-se”, na medida em que se eleva economicamente e adquire os estilos comportamentais dos grupos dominantes. O “peneiramento” social do homem de côr brasileiro é realizado mais em têrmos de cultura e de “status” econômico do que em têrmos de raça (Ramos apudBarbosa, 2004:36).
No final de 1949, à proporção que se envolvia com o TEN, ele começou a se afastar das teses de Pierson. Por ocasião da instalação do Instituto Nacional do Negro, órgão de pesquisa científica do TEN, Ramos proferiu um discurso intitulado O negro no Brasil e um exame de consciência. Ainda defendendo o que podemos chamar de “branqueamento cultural”, ou seja, a reeducação da “gente negra nos estilos de comportamento da classe média e superior da sociedade brasileira” (Ramos, Nascimento, 1950:38), Ramos denunciou a falta de políticas econômicas e culturais para uma justa integração dessa população na ordem social após a abolição, para ele as políticas dos grupos dirigentes estavam distantes dos problemas reais do povo negro no Brasil.
Ao contrário de Pierson que via a tolerante ação das elites como um mecanismo propiciador da assimilação dos descendentes de africanos, Ramos destacou os efeitos negativos desse comportamento sobre a psicologia de brancos e negros. Segundo ele, de um lado, a colonização e a tutela dos povos africanos pelos europeus resultou numa “profunda ambivalência psicológica” que fez “o homem de côr” “hesitar entre as sobrevivências africanas e os traços culturais representativos do Ocidente”; por outro lado, o hábito de servir-se de pessoas negras como instrumentos, incapacitava os brancos para a vida democrática (Ramos, Nascimento, 1950:41). Com esses argumentos, gradativamente ele começou a tencionar a assimilação como forma de resolução do problema racial, além de contestar a legitimidade das práticas coloniais perpetuadas pelos setores dominantes.
Sem negar a necessidade da difusão do letramento e de outras práticas ligadas à Europa para que a população negra pudesse se inserir com justiça na ordem social competitiva em surgimento, Ramos destacou o papel criador que a subjetividade da pessoa negra, dolorosamente posta entre duas culturas, poderá ter na revitalização da civilização ocidental marcada pela burocratização, pela objetivação e pela tecnicização da vida (Ramos, Nascimento, 1950).
Ao contrário de Pierson que acreditava ser unicamente através do mérito que as pessoas negras ascenderiam na ordem social, Ramos enfatizou a necessidade de políticas de desenvolvimento capazes de criar posições na sociedade brasileira para os descendentes de africanos (Ramos, Nascimento, 1950).
As vivências no TEN propiciaram o contraponto das teorias das relações raciais nas quais Guerreiro Ramos havia formado seu pensamento. Como ele explicou:
(...) sendo de raça negra, e, além disto, natural de um estado – onde existe um forte contingente de pessoas de côr, percebia que aquilo que os “sociólogos” e “antropólogos” descreviam, em seus livros, como um “problema do negro”, era mais uma projeção de seus espíritos na realidade do que a realidade efetivamente vivida […] [,] o T.E.N. me deu uma oportunidade de viver o problema do negro, em vez de ler ou escrever coisas doutorais sôbre êle e segui a regra fecunda: “on s’engage, puis on voit” e a partir de uma situação concretamente vivida, comecei a estudar a fundo o problema do negro, no Brasil. O meu engagement representou, inicialmente, uma fase de liquidação de certas fixações mentais de que era vítima até aquele momento e, em seguida, conferiu-me a capacidade de ver as relações de raça, desde uma perspectiva que não suspeitava existir (Ramos, 1953d:2; ênfases do original).
Após os embates no I Congresso do Negro Brasileiro, Guerreiro Ramos começou a questionar o desejo de identificação com o branco e com o europeu tão presente na cultura brasileira e tão fartamente descrito por Pierson como um elemento possibilitador da assimilação dos descendentes de africanos. Segundo o sociólogo do TEN:
Oferece êste humanismo [isto é, a ideia da negritude] a todo negro, a todo mestiço uma verdadeira terapêutica espiritual, a liberação do medo e da vergonha de proclamar sua condição racial, a possibilidade de desmoralizar os equívocos em tôrno do homem de côr, suscitados por uma longa etapa da história do Ocidente (Ramos, 1952:1).
A partir desse ponto de vista, Ramos começou a reavaliar não apenas o colonialismo, mas também o protagonismo do povo negro na história ocidental. Através da negritude, os povos negros deixariam de ser meros objetos em processo de assimilação na cultura de origem europeia, e passariam a ditar as diretrizes acerca de como se inseririam no Ocidente, ao mesmo tempo, em que reeducavam o branco para a “convivência democrática” e para a apreciação da beleza negra (1952:1).
Com a tese da negritude, podemos dizer que Ramos começou a inverter a valoração atribuída por Pierson à cidade alta, núcleo de pessoas europeizadas, e à cidade baixa, lugar da mistura cultural entre africanos, indígenas e brancos pobres. Para Ramos, a elite importadora de cultura europeia seria parasitária e incapaz de criar bens culturais singulares, enquanto o povo, formado em sua maioria por descendentes de africanos, apesar de toda a penúria à qual estava submetido, tinha condições de ser autêntico.
Ramos notou no imperialismo das teorias europeias e estadunidenses um privilégio epistemológico de tipo racial, já que o sujeito do conhecimento que se dizia neutro e universal era, na verdade, quase sempre, um indivíduo concreto identificado com a cultura e com os valores dos povos brancos. Segundo ele, os estudos feitos sobre assimilação e aculturação no Brasil:
(...) tinham como suporte um privilégio: o privilégio de o branco ver o negro sem ser visto por êle […]. Na verdade, o estudioso branco falava de prêto e o julgava segundo padrões de cultura que se admitiam absolutos e eram, por assim dizer, adversos ao negro (1953d:2).
De fato, conceitos como aculturação e assimilação representavam formas desse sujeito epistemológico branco julgar o comportamento dos negros a partir de seus próprios valores, considerando um avanço civilizacional quando esses adotavam seus arbitrários culturais europeizantes. Segundo Ramos, a aculturação seria, na realidade, “um processo de expansão e preservação da ‘brancura’ de nossa herança cultural” (1953d:2).
Do ponto de vista do negro, no entanto, a aculturação era um processo muito mais problemático, visto que ele envolvia a apropriação de elementos culturais vindos da Europa, porém selecionados por um crivo ético necessário para manter a integridade e a dignidade dos povos de origem africana:
(...) a partir da perspectiva do negro, a aculturação é um ponto de vista que merece muitas reservas. Como um caso particular da europeização do mundo, a aculturação é, talvez, inevitável, pois que as populações de origem não européia jamais poderiam participar, com vantagem e dignidade, da civilização mundial, em sua forma contemporânea, sem a posse e o domínio de grande acervo de elementos culturais do Ocidente. Todavia, para o negro, a aculturação tem um limite: ela não pode dividi-lo interiormente, não poderá fazer do negro um autoflagelado. Há, assim, uma questão ética a considerar na aculturação (Ramos, 1953d:2; ênfase do original).
Ocultando os processos históricos do colonialismo ou, no mínimo, os desculpando, os conceitos dominantes nas ciências sociais do período exerciam funções semelhantes às exercidas pelo conceito de raça, isto é, continuavam o racismo e a espoliação colonial por outros meios:
A aculturação supõe o valer mais de uma cultura em face de outra, do mesmo modo como a superioridade de certas raças em face de outras foi suposta pela antiga antropologia racista. A aculturação não se faria, assim, pela eugenia, pelo controle de nascimentos e de casamentos; faz-se pela inculcação de estilos de comportamento através de processos formais e informais, diretos e indiretos (Ramos, 1953e:4).
Assim, o caráter etnocêntrico de tais noções compromete a sua utilização:
À luz da sociologia da sociologia, “assimilação”, “aculturação”, “contratos culturais” nas áreas econômicamente marginais – significam para os antropólogos ianques – americanização; para os antropólogos britânicos – anglicização; para os antropólogos ou etnólogos alemães – germanização; para o especialista gaulês em “sociologia coloniale” – afrancesação e assim por diante (Ramos, 1954a:2; ênfases do original).
Segundo Ramos, “o approach suspeitíssimo da aculturação”, iniciado no Brasil por Gilberto Freyre, Arthur Ramos e continuado por Donald Pierson, Charles Wagley e Thales de Azevedo, além de tornar o negro um objeto, passivo e estático aos olhos escrutinadores do pesquisador branco, também terminavam por prescrever a realidade que supunham descrever. A pessoa de pele negra era constantemente racializada por esses pesquisadores, mesmo em situações sociais em que o critério étnico não era determinante. Para Ramos, esses estudiosos:
(...) continuam percebendo, descortinando no cenário brasileiro – o contingente corado, a mancha negra, detendo-se sobre ela a fim de, sina ira ac estudio, estudá-la, explicá-la, discerni-la, quando em elevadas posições da estrutura social, quase se confunde com os mais claros (1981:56).
Guerreiro Ramos então se perguntou o que justificava essa tentativa incessante de marcar certas pessoas como negras e de estudar seu comportamento de modo diferenciado, num contexto no qual “o negro é povo” (1981:63)? Assim ele se pergunta: “o negro é objeto de estudo como problema na medida em que discrepa de que norma ou valor?” (1981:57). Revisando os estudos sobre “o problema do negro”, desde Nina Rodrigues, Ramos notou que eles tratavam seu objeto de modo diferencial, ora pela religiosidade de origem africana, ora pela criminalidade, depois pela vida conjugal, profissional, moral e econômica. Porém, em nenhuma dessas instâncias o comportamento do negro era sui generis, ou seja, em todas essas esferas, brancos e negros se comportavam de maneira semelhante, conforme eram atravessados pelas mesmas condições sociais. Assim, de fato, o único critério usado para diferenciar o negro era sua cor de pele:
Nestas condições, o que parece justificar a insistência com que se considera como problemática a situação do negro no Brasil é o fato de que ele é portador de uma pele escura. A cor da pele do negro parece constituir o obstáculo, a anormalidade a sanar. Dir-se-ia que na cultura brasileira o branco é o ideal, a norma, o valor, por excelência (Ramos, 1981:57).
A valorização de um elemento estético exógeno, em detrimento daqueles imediatamente percebidos por uma comunidade, para Ramos, era um processo patológico engendrado pelo colonialismo:
A superioridade prática e material da cultura ocidental face às culturas não-européias promove, nestas últimas, manifestações patológicas. Existe uma patologia cultural que consiste, precisamente, sobretudo no campo da estética social, na adoção pelos indivíduos de uma determinada sociedade de um padrão estético exógeno, não induzido diretamente da circunstância natural e historicamente vivida (1981:60).
Com relação à cidade de Salvador, como vimos, Pierson imaginava que as relações raciais eram secundárias na definição do status de um indivíduo. Guerreiro Ramos, por sua vez, mostrou que o nível adequado para se compreender essas relações era o da subjetividade daqueles envolvidos nesse processo, mais do que o processo de atribuição de status. Por isso, o ponto de vista da pessoa racializada era a pedra de toque da compreensão hermenêutica do problema.
Desse modo, do ponto de vista da sociologia negra, amplamente ancorada na subjetividade da pessoa de pele escura, “os estudos da questão que se rotulam de sociológicos e antropológicos não são mais do que documentos da brancura e da claridade” (Ramos, 1981:61) e os conceitos de aculturação e assimilação nada mais são do que meios teóricos de racialização do povo brasileiro:
Estima-se como positivo o processo de aculturação. Mas, repito a aculturação, no caso, a uma análise profunda, supõe ainda uma espécie de defesa da brancura de nossa herança cultural, supõe o conceito da superioridade intrínseca do padrão estético social de origem européia. Do contrário, que sentido teria notar, registrar o negro até mesmo participando da classe dominante do país? Que sentido teria continuar a achar “curiosíssimos”, como se escreve num dos relatórios para a UNESCO, os comportamentos do negro ainda quando exprimindo-se no plano artístico e científico? (Ramos, 1981:61).
Para expor com nitidez os arbitrários culturais encetados nas noções vindas das ciências sociais europeias e estadunidenses e também para abrir um novo modo de estudar o problema racial, Guerreiro Ramos considerou essencial que o sujeito do conhecimento assuma suas particularidades étnicas subalternizadas, de modo a subverter o processo de racialização, atribuindo a essas contingências uma conotação positiva:
Quero dizer, começa-se a melhor compreender o problema quando se parte da afirmação niger sum. Esta experiência do niger sum, inicialmente, é, pelo seu significado dialético, na conjuntura brasileira em que todos querem ser brancos, um procedimento de alta rentabilidade científica, pois introduz o investigador numa perspectiva que o habilita a ver nuances que, de outro modo, passariam despercebidas. Sou negro, identifico como meu o corpo em que meu eu está inserido, atribuo a sua cor a suscetibilidade de ser valorizada esteticamente e considero a minha condição étnica como um dos suportes do meu orgulho pessoal eis aí toda uma propedêutica sociológica, todo um ponto de partida para a elaboração de uma hermenêutica da situação do negro no Brasil (1981:62).
Da perspectiva do niger sum, a valorização da aculturação, enquanto assimilação gradual da herança cultural europeia, em seus aspectos cognitivos e estéticos, se torna parte da patologia engendrada pela colonização, entendida como totalidade de sentido que perpassa a subjetividade de brancos e negros, e só a assunção das contingências históricas que se ligam ao corpo da pessoa negra pode superá-la (Ramos, 1981).
A principal consequência dessa nova visão de mundo é a constituição do povo negro como sujeito político do processo de descolonização do país, tanto no plano econômico, como no cultural e no político. Nesse sentido, para Ramos, a assunção do modo da pessoa negra aparecer no mundo, constitui uma política estética baseada na “adesão e lealdade ao repertório de suas contingências existenciais, imediatas e específicas”, que anuncia uma “rebelião estética” como o “passo preliminar na rebelião total dos povos de cor para se tornarem sujeitos de seu próprio destino” (1995a:248) e não meros receptáculos das culturas europeias, como supunham as teorias da assimilação e da aculturação.
Conclusão
O debate silencioso entre Guerreiro Ramos e os conceitos da sociologia branca estadunidense, representada no Brasil, entre outros, por Donald Pierson, mostra as formas insidiosas do racismo na teoria social do século XX, em que a cumplicidade entre ciência, imperialismo e discriminação racial se perpetua sob a forma de teorias culturalistas. Intérpretes de nossos dias também notaram esse processo, por exemplo, Antonio Sérgio Alfredo Guimarães falou da: “perspectiva eurocêntrica da versão culturalista do ‘embranquecimento’ [que] pode ser encontrada em Freyre, em Donald Pierson, em Thales de Azevedo” (1999:55).
O elemento central que, ao mesmo tempo, condiciona e resulta da perspectiva de Guerreiro Ramos é o protagonismo do negro, isto é, a recusa da ideia de que esse se constituiria numa folha em branco em que os descendentes de europeus escreveriam e rescreveriam sua história, de modo que todo o passado e o futuro de luta e resistência fossem apagados.
Guerreiro Ramos deixou evidente que sua nova visão das relações raciais só foi possível quando ele começou a viver “o problema do negro”, a olhar “o negro desde dentro”, isto é, a partir do instante que começou a participar das organizações políticas e culturais do povo negro no Brasil. Para ele essa era a mais antiga posição em face do “problema do negro”, aquela que se iniciou com os quilombos e se reatualizou, em seus dias, com as ações do TEN (1981).
Abdias do Nascimento foi um daqueles que mais longe levou essa crítica, mostrando que há um limite para a assimilação e este é o reconhecimento da história milenar desse povo e também da história secular da sua contribuição para a construção do Brasil, segundo ele:
Ainda está por ser escrita a história das lutas do negro brasileiro para garantir a sobrevivência, liberdade e dignidade de ser humano. Cioso da importância de seu papel histórico no Brasil, mas, nem por isso, abrindo mão de uma história de milênios, um passado cultural próprio que nenhuma assimilação ou aculturação deve coagir até ao desaparecimento. O jôgo das inter-influências culturais deve constituir-se de uma reciprocidade digna entre tôdas as diferentes expressões culturais, sem supremacias nem inferioridades (Nascimento, 1968:49).
Envolvidas nesse debate sobre a aculturação estão questões centrais sobre o modo como as populações negras podem representar seu passado, seu presente e seu futuro. Como mostrou fartamente Morris (2015), Park negava a possibilidade de que os africanos trouxessem consigo tradições vivas capazes de ajudá-los a viver na sociedade estadunidense, muitas vezes, legitimando essa posição com argumentos deterministas e apoiados em traços biológicos supostamente inerentes à população negra.
Esse raciocínio servia também para justificar todo o processo colonial, pois, em última instância, tratava-se da velha justificação da violência como meio de civilizar povos atrasados essa visão não tinha nada de nova e fazia parte do discurso dos historiadores conservadores do início do século XX. Os conceitos de aculturação e assimilação serviam apenas como um precário verniz dessas intenções imperialistas, tal como denunciou Guerreiro Ramos.
Enquanto a visão de Park e seus discípulos de que os descendentes de africanos nada traziam de culturalmente valioso, conduzia ao argumento de que esses povos deveriam assimilar a cultura de origem europeia para se civilizarem, intelectuais negros e negras da diáspora como W. E. B. Du Bois, Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento e muitos outros e outras, apostaram na capacidade dos descendentes de africanos reinventarem suas vidas a partir de sua herança cultural e, assim, darem grandes contribuições para a humanidade. Desse modo, as culturas negras não seriam dissolvidas na cultura europeia, mas, como argumentou Guerreiro Ramos, revitalizariam essa cultura com novos modos de ser e viver.
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- Ramos, Alberto Guerreiro. (1953e), “Alienação e Antropologia”. O Jornal, Rio de Janeiro, pp. 1.
- Ramos, Alberto Guerreiro. (1954a), “O Tema da Aculturação”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 2.
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- Ramos, Alberto Guerreiro. (1995a), Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ.
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- Tavares, Júlio César. (1988), “Teatro Experimental do Negro: Contexto, Estrutura e Ação”. Dionysos. Revista da Fundacen/MinC, n. 28, Número especial. Teatro Experimental do Negro.
Notas
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1
. Book T. Washington (1856-1915), um dos líderes da comunidade afro-americana, envolvido com a questão da educação dessa população, foi conselheiro do presidente Theodore Roosevelt; criou em 1881, o Tuskegee Institute, no Alabama, para oferecer profissionalização técnica para a população negra do país. Tinha posições conservadoras acerca da inserção do negro na sociedade norte-americana, sobre essas posições ver Morris (2015).
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2
. Abdias Nascimento nasceu em 14 de março de 1914, na cidade de Franca, São Paulo, foi o fundador do Teatro Experimental do Negro, em 1944, na cidade do Rio de Janeiro. Entre outras coisas, Abdias foi teatrólogo, economista, sociólogo, pintor, deputado federal (1983-1987) e senador da República como suplente de Darcy Ribeiro (1997-1999) pelo Partido Democrático Trabalhista. Abdias se envolveu em diversas organizações negras, como a Frente Negra Brasileira, o próprio TEN e o Pan-africanismo e, acima das demais funções, ele foi um intelectual e militante na luta antirracista.
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3
. Provavelmente, Ramos não se dirigiu a Pierson, pois como estrangeiro, não seria obrigação dele ter compromissos com a emancipação cultural e política do povo negro no Brasil; já a intelectualidade brasileira não poderia se furtar desse compromisso, por isso, considerava necessária e urgente a crítica dos trabalhos sobre o “problema do negro”, devido à cumplicidade dos mesmos com o status quo (Ramos, 1953a).
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4
. “This principle may be very simple stated: every stronger ethnic or social group strives to subjugate and make serviceable to its purpose every weaker element which existis or may come within the field of its existence. This thesis of the relation of heterogeneous ethnic and social elements to each other, with all the consequences proceeding from it, contains within it the key to the solution of the entire riddle of the natural process of human history” (Park apudMorris, 2015:116).
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5
. “Dadas as condições de nossa formação histórica, os homens de côr, no Brasil, em sua maioria, compõem as classes de mais baixo nível econômico. O homem de côr no Brasil é uma criatura em ascensão econômica, assim, muitos dos seus fracassos são atribuídos ao preconceito racial quando muitas vezes, devem ser atribuídos ao de classe” (Ramos, 1946:6).
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6
. “Por outro lado, grande número de negros brasileiros ainda não se incorporou à cultura dominante no Brasil que é a européia de base latina. Existe uma cultura negra no Brasil, com seu sincretismo religioso, sua medicina ‘folk’, sua arte, sua moral, etc. O mundo mental destes grupos é incompatível com o das classes dominantes” (Ramos, 1946:6).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Jul 2023 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
15 Mar 2022 -
Revisado
19 Jun 2022 -
Aceito
30 Jun 2022