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Meningite pneumocócica na infância: características clínicas, sorotipos mais prevalentes e prognóstico

Pneumococcal meningitis in children: clinical findings, most frequent serotypes and outcome

Resumos

Objetivo: avaliar letalidade, morbidade, resistência bacteriana e sorotipos mais freqüentes em crianças internadas por meningite bacteriana.Métodos: selecionamos crianças com meningite bacteriana com cultura positiva para S. pneumoniae, entre 1 mês e 15 anos, internadas em dois hospitais em São Paulo, e analisamos dados clínicos e microbiológicos. A identificação do S. pneumoniae foi realizada através do teste de optoquina e solubilidade em bile. Todas as cepas foram testadas com disco de oxacilina 1 µg e, nas cepas que apresentaram alo de inibição <20 mm, foi avaliada a concentração inibitória mínima para penicilina, cloranfenicol, eritromicina, ceftriaxona, vancomicina e trimetoprim/sulfametoxazole pelo método do E-teste. As cepas de pneumococo foram sorotipadas através da reação de Quellung. A evolução clínica dos pacientes foi analisada através de revisão retrospectiva dos prontuários, com uso de um protocolo uniforme de avaliação.Resultados: incluímos 55 pacientes com meningite pneumocócica, sendo que 52,5% delas apresentava idade menor de 6 meses. Das cepas isoladas, 36% apresentava infecção por cepa com resistência intermediaria à penicilina (0,1µg/ ml < CIM < 1,0 µg/ ml). Das cepas com susceptibilidade diminuída à penicilina, 35% era resistente à trimetoprim/sulfametoxazole. Não houve resistência aos outros antibióticos testados. A letalidade foi de 20%, e houve seqüelas neurológicas em 40% das crianças avaliadas. Em relação à perda auditiva, a mesma ocorreu em 60% das crianças avaliadas. Houve correlação estatisticamente significante entre letalidade e alteração neurológica com idade abaixo de 6 meses. Os sorotipos do pneumococo mais freqüentemente encontrados foram 1, 5, 6B, 14, 19A e 23F, sendo que 70% dos sorotipos encontrados estão presentes na vacina heptavalente, recentemente liberada.Conclusão: meningite pneumocócica apresenta alta letalidade e alta morbidade, e a vacina heptavalente tem utilidade potencial na sua prevenção.

Meningite; Streptococcus; vacinas


Objective: to determine mortality, morbidity, antimicrobial susceptibility and the most frequent serotypes in children admitted to hospital due to pneumococcal meningitis Methods: patients with meningitis caused by Streptococcus pneumoniae detected by culture in cerebrospinal fluid or blood, aged between 1 month and 15 years old, admitted to two hospitals in the city of São Paulo, were included in the study. Susceptibility to penicillin was determined by the disk diffusion test using oxacillin 1 µg disk. If the inhibition area with oxacillin disk was less than 20mm, the strains were tested for penicillin, chloramphenicol, ceftriaxone, vancomycin and sulfamethoxazole /trimethoprim using the E test.Results: we identified 55 patients, 52.5% of which were younger than 6 months. The prevalence of penicillin-nonsusceptible strains was 36%. All the strains were intermediately resistant (0.1mg/ ml <FONT FACE=Symbol>£</FONT> MIC<FONT FACE=Symbol>£</FONT> 1.0 mg/ ml) and 35% of the penicillin intermediate resistant strains were resistant to sulfamethoxazole/trimethoprim. The mortality rate was 20% and impaired neurological outcome was present in 40% of the children. The audiometric test revealed alteration in 60% of the children tested. Age less than 6 months was associated with poor outcome. The most frequent serotypes were 1, 5, 6B, 14, 19A and 23F, and 70% of the serotypes were included in the new 7-valent vaccine.Conclusions: these findings suggest that pneumococcal meningitis presents high mortality and morbidity and that the 7-valent conjugate vaccine would be potentially useful in preventing serious pneumococcal infections.

meningitis; Streptococcus; vaccines


Meningite pneumocócica na infância: características clínicas, sorotipos mais prevalentes e prognóstico

Pneumococcal meningitis in children: clinical findings, most frequent serotypes and outcome

Eitan N. Berezin1 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Luiza H. Carvalho2 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Claudia R. Lopes3 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Andréia T. Sanajotta4 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Maria Cristina C. Brandileone5 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Sonia Menegatti6 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Marco A. Safadi7 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. , Maria Luiza C.S. Guerra8 1 Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, 3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz. 6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. 7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. 8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz.

RESUMO ABSTRACT

Objetivo: avaliar letalidade, morbidade, resistência bacteriana e sorotipos mais freqüentes em crianças internadas por meningite bacteriana.

Métodos: selecionamos crianças com meningite bacteriana com cultura positiva para S. pneumoniae, entre 1 mês e 15 anos, internadas em dois hospitais em São Paulo, e analisamos dados clínicos e microbiológicos. A identificação do S. pneumoniae foi realizada através do teste de optoquina e solubilidade em bile. Todas as cepas foram testadas com disco de oxacilina 1 µg e, nas cepas que apresentaram alo de inibição <20 mm, foi avaliada a concentração inibitória mínima para penicilina, cloranfenicol, eritromicina, ceftriaxona, vancomicina e trimetoprim/sulfametoxazole pelo método do E-teste. As cepas de pneumococo foram sorotipadas através da reação de Quellung. A evolução clínica dos pacientes foi analisada através de revisão retrospectiva dos prontuários, com uso de um protocolo uniforme de avaliação.

Resultados: incluímos 55 pacientes com meningite pneumocócica, sendo que 52,5% delas apresentava idade menor de 6 meses. Das cepas isoladas, 36% apresentava infecção por cepa com resistência intermediaria à penicilina (0,1µg/ ml < CIM < 1,0 µg/ ml). Das cepas com susceptibilidade diminuída à penicilina, 35% era resistente à trimetoprim/sulfametoxazole. Não houve resistência aos outros antibióticos testados. A letalidade foi de 20%, e houve seqüelas neurológicas em 40% das crianças avaliadas. Em relação à perda auditiva, a mesma ocorreu em 60% das crianças avaliadas. Houve correlação estatisticamente significante entre letalidade e alteração neurológica com idade abaixo de 6 meses. Os sorotipos do pneumococo mais freqüentemente encontrados foram 1, 5, 6B, 14, 19A e 23F, sendo que 70% dos sorotipos encontrados estão presentes na vacina heptavalente, recentemente liberada.

Conclusão: meningite pneumocócica apresenta alta letalidade e alta morbidade, e a vacina heptavalente tem utilidade potencial na sua prevenção.

Meningite, Streptococcus, vacinas

Objective: to determine mortality, morbidity, antimicrobial susceptibility and the most frequent serotypes in children admitted to hospital due to pneumococcal meningitis

Methods: patients with meningitis caused by Streptococcus pneumoniae detected by culture in cerebrospinal fluid or blood, aged between 1 month and 15 years old, admitted to two hospitals in the city of São Paulo, were included in the study. Susceptibility to penicillin was determined by the disk diffusion test using oxacillin 1 µg disk. If the inhibition area with oxacillin disk was less than 20mm, the strains were tested for penicillin, chloramphenicol, ceftriaxone, vancomycin and sulfamethoxazole /trimethoprim using the E test.

Results: we identified 55 patients, 52.5% of which were younger than 6 months. The prevalence of penicillin-nonsusceptible strains was 36%. All the strains were intermediately resistant (0.1mg/ ml £ MIC£ 1.0 mg/ ml) and 35% of the penicillin intermediate resistant strains were resistant to sulfamethoxazole/trimethoprim. The mortality rate was 20% and impaired neurological outcome was present in 40% of the children. The audiometric test revealed alteration in 60% of the children tested. Age less than 6 months was associated with poor outcome. The most frequent serotypes were 1, 5, 6B, 14, 19A and 23F, and 70% of the serotypes were included in the new 7-valent vaccine.

Conclusions: these findings suggest that pneumococcal meningitis presents high mortality and morbidity and that the 7-valent conjugate vaccine would be potentially useful in preventing serious pneumococcal infections.

meningitis, Streptococcus, vaccines

  • Introdução

  • Casuística e métodos

  • Discussão

  • Referências

Introdução

A meningite pelo Streptococcus pneumoniae continua sendo grande causa de preocupação para os clínicos pela sua letalidade e morbidade, sendo o agente etiológico mais freqüentemente associado com morte e com seqüelas graves na infância(1-3). A morbidade atinge, em estudos internacionais, 20 a 30%, e a mortalidade, 10% (1,4,5). Esses dados não se alteraram muito nos últimos 30 anos.

Durante as décadas de 50 e 60, o Streptococcus pneumoniae era invariavelmente sensível à penicilina, sendo grande parte das cepas inibidas por concentrações inibitórias mínimas para penicilina tão baixas como 0,001 mg/ml. A partir da década de 80, foi descrito um aumento de cepas de pneumococo, com diminuição de susceptibilidade à penicilina (PNS), inicialmente na Espanha e na África do Sul e, após isso, em todo o mundo(6,7). No Brasil, a incidência de pneumococo não susceptível à penicilina atingiu, nos últimos anos, níveis próximos a 25%(8-10).

Apesar dos estudos microbiológicos realizados em nosso meio, não encontramos estudos clínicos com avaliação adequada das conseqüências da resistência bacteriana na terapêutica de doenças invasivas, particularmente aquelas com alta letalidade e alta morbidade(8-10). Dados do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo mostram a meningite pneumocócica como dos mais importantes agentes etiológicos de meningite bacteriana, com uma letalidade de cerca de 30%. A letalidade é mais alta em crianças abaixo de 1 ano(11).

A grande perspectiva para o controle desta doença é o recente surgimento de vacinas conjugadas contra os sorotipos mais freqüentes causadores da doença. A grande dificuldade é a seleção dos sorotipos para a composição da vacina. No momento, estão sendo avaliadas várias vacinas conjugadas contendo de 7 a 11 sorotipos(12).

A vacina compreendendo 7 sorotipos (4, 14, 6B, 9V, 23F, 18C, 19F) conjugada com mutante da proteína do bacilo diftérica CRM 197 mostrou, em estudos populacionais recentes, uma boa imunogenicidade e boa proteção contra infecções pneumocócicas invasivas na infância(13). Esse fato merece uma melhor avaliação no Brasil, pois existem diferenças nos sorotipos de pneumococos mais prevalentes e na faixa de idade mais afetada pela doença.

Com este trabalho, procuramos avaliar pacientes com meningite bacteriana por S. pneumoniae com isolamento bacteriológico no tocante à letalidade, à morbidade e à susceptibilidade à penicilina. Procuramos também, como objetivo secundário, pesquisar os sorotipos do pneumococo mais prevalentes nesta casuística, para avaliar a potencial proteção da vacina pneumocócica conjugada recentemente liberada em nosso meio.

Casuística e métodos

Para esta pesquisa, selecionamos crianças com idade entre 1 mês e 15 anos, com diagnóstico de meningite bacteriana, definidos por liquor com pleiocitose (>10 células/µl), admitidos no Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo ou no Instituto Emílio Ribas, nos anos de 1994 a 1999. O critério de inclusão foi a obtenção de cepas viáveis de Streptococcus pneumoniae, para estudos microbiológicos de resistência bacteriana, isolados de liquor ou sangue. A evolução clínica dos pacientes foi analisada através de revisão retrospectiva dos prontuários, com uso de um protocolo uniforme de avaliação, que incluía dados de história, exame físico e evolução clínica. Na evolução clínica, procuramos avaliar dados neurológicos e presença de deficiência auditiva. Os dados neurológicos foram avaliados naqueles pacientes que retornaram em mais de duas visitas de avaliação pós-alta. As fichas foram coletadas pelos médicos das unidades que colaboraram neste estudo e avaliados por dois autores do estudo (ENB e LHC).

A bactéria foi isolada a partir da inoculação do material em placa de ágar sangue e identificada através da coloração de Gram, provas de sensibilidade à optoquina e solubilidade em bile.

Todos os isolados foram avaliados para resistência à penicilina com um disco de oxacilina de 1mg pelo método de difusão de disco de Kirby-Bauer. Os isolados que apresentavam alo de inibição <20 mm eram confirmados como não-susceptíveis à penicilina pela avaliação da concentração inibitória mínima (CIM), através do método do E-teste(14).

Organismos com CIM <0,1µg/ml eram definidos como susceptíveis à penicilina. Organismos com CIM de 0,1 a 1,0 µg/ml eram definidos como resistência intermediária. Organismos com CIM > 1,0 µg/ml eram definidos como resistência plena à penicilina14. Cepa de pneumococo não-susceptível à penicilina (PNS-S) era testada para penicilina, cloranfenicol, eritromicina, ceftriaxona, vancomicina e trimetoprim/sulfametoxazole, usando-se, para isso, o E-teste.

Todas as cepas de pneumococo foram sorotipadas através da reação de Quellung com soros do Staten Seroinstitut, Copenhagen, Denmark, no Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo.

Para análise estatística dos resultados, foram utilizados testes paramétricos e não-paramétricos, através do software Epi-Info 6. O nível para rejeição da hipótese de nulidade foi fixado em 5% (p < 0,05).

Os seguintes testes estatísticos foram utilizados: teste de proporção (Z crítico = 1,64), teste exato de Fisher (p > 0,05) e prova do Qui-quadrado (p < 0,1).

Resultados

Durante o período de estudo, identificamos 55 episódios de meningite em 53 pacientes nos dois hospitais estudados, sendo 28 crianças do sexo masculino e 25 do sexo feminino. A Tabela 1 mostra as características dos pacientes no momento da internação.

Predominaram pacientes com idade abaixo de 12 meses (72,4%), sendo que 52,5% das crianças tinha idade menor de 6 meses, e 25,9% tinha menos de 3 meses de idade. Uma vez que 52,5% das crianças tinha idade inferior a 6 meses, para efeito de análise, decidimos dividir os grupos em menores e maiores de 6 meses.

Entre os pacientes selecionados, 9 crianças apresentavam doença predisponente a infecções pneumocócicas graves, entre estas, 4 crianças apresentavam alteração de sistema nervoso central, como fístula liquórica, traumatismo craniencefálico ou derivação ventrículo-peritoneal. Dois pacientes apresentavam síndrome da imunodeficiência adquirida, dois pacientes apresentavam cardiopatia congênita, e um paciente apresentava anemia falciforme.

Em relação à susceptibilidade à penicilina, 20 (36%) apresentavam infecção por cepa, com resistência intermediária à penicilina, e 35 estavam infectados por cepas susceptíveis à penicilina. Entre as cepas com susceptibilidade diminuída à penicilina, não houve resistência a cloranfenicol, ceftriaxona, vancomicina, ou eritromicina, e 35% era resistente ao trimetoprim/sulfametoxazole. As características dos pacientes incluídos no estudo, comparando os infectados por cepas susceptíveis (PS) e não-susceptíveis à penicilina (PNS), podem ser vistas na Tabela 2.

O esquema terapêutico aplicado para tratamento inicial da meningite pneumocócica foi: associação de ampicilina e cloranfenicol em 28 crianças, e cefalosporina de terceira geração em 27 crianças. Das crianças com esquema terapêutico inicial com ampicilina e cloranfenicol, 13 tiveram seu tratamento alterado para esquema incluindo cefalosporina de terceira geração. Em 10 crianças foi considerado necessário a inclusão da vancomicina em algum momento do tratamento. Todas as crianças receberam dexametasona no início da terapêutica

A mortalidade foi de 20% (11 pacientes). Todos os óbitos ocorreram em crianças menores de 12 meses de idade, sendo que a maioria (7 pacientes) ocorreu até 6 meses (Tabela 3), e em 5 pacientes, até os 3 meses. Além disso, houve seqüelas neurológicas em 16 (40%) dos 40 pacientes avaliados no seguimento clínico. Dos 20 pacientes avaliados em relação à seqüela auditiva, 12 pacientes (60%) apresentaram alguma perda auditiva, pelo menos unilateral. Não se pôde avaliar diferença estatisticamente significante no tocante a prognóstico entre pacientes infectados por pneumococo não-susceptível e susceptível à penicilina (Tabela 2).

A Tabela 3 demonstra os fatores de risco para má evolução. As crianças com idade abaixo de 6 meses apresentaram maior risco para mortalidade e lesão neurológica. Na comparação com crianças maiores de 6 meses, houve diferença significante quando somados os dois índices de mau prognóstico avaliados, letalidade e óbito (p<0,05, RR=2,29, variação de 1,21- 4,36).

Os sorotipos mais freqüentemente encontrados neste estudo estão descritos na Tabela 4. Os mais freqüentes foram os sorotipos 6B, 14, 23F, 19F, 6A e 4, todos eles incluídos na vacina heptavalente. Os sorotipos mais relacionados com infecção por cepa resistente foram 6B 14, 19A e 23F. Os sorotipos incluídos na vacina heptavalente protegeriam potencialmente contra 62% das meningites nesta casuística. Quando incluídos sorotipos com proteção cruzada (6A) comprovada, essa proteção atingiria 70% das infecções. Com os sorotipos com proteção cruzada possível, esta cobertura seria de 78%.

Discussão

As infecções invasivas por pneumococo predominam nos primeiros anos de vida, como mostram diversos estudos epidemiológicos. Com uma incidência anual de cerca de 45 até 145 casos por 100.000 crianças abaixo de 2 anos de vida, o S. pneumoniae é uma das mais importantes causas de infecções invasivas na idade pediátrica(1,3,15). Em São Paulo, de acordo com dados do Centro de Vigilância Epidemiológica Alexandre Vranjak, o coeficiente de incidência de meningite em crianças abaixo de 1 ano é de 18 para 100.00011. A mortalidade nessa faixa de idade atinge níveis próximos a 40%, não levando em consideração dados de seqüelas neurológicas, que são bastante graves.

Recentemente, Arditi e cols.(4), em estudo colaborativo abordando meningite pneumocócica nos Estados Unidos, mostraram uma idade mediana de 9 meses, bastante próxima à encontrada em nosso estudo, que foi de 6 meses. Kornelisse e cols.(5), na Holanda, relataram uma idade mediana de 8 meses.

Na nossa casuística, a mortalidade foi de 20%. Em crianças abaixo de dois anos, esta atingiu níveis próximos a 40%. A idade abaixo de 6 meses foi um fator de risco para mau prognóstico. Apesar de elevada, esta mortalidade para meningites é inferior à descrita por outros autores que avaliaram o problema em países em desenvolvimento(1,2). Baraff e cols.(1), em meta-análise, mostraram a meningite pneumocócica como a mais associada com seqüelas graves, comparando com as causadas por N. meningitidis e por Haemophilus influezae tipo B. Neste estudo, a mortalidade mais alta em crianças de países em desenvolvimento é correlacionada com o tempo de sintomatologia pré-diagnóstico. No nosso estudo, a duração mediana dos sintomas pré-diagnóstico foi de 3 dias, o que é bastante elevado, mas não foi correlacionado estatisticamente com mau prognóstico. Nos Estados Unidos, Arditi e cols., em estudo colaborativo, relataram uma mortalidade pela meningite pneumocócica de 7,9%. Kornelisse e cols.(5), na Holanda, relataram uma mortalidade de 17%. Essa mortalidade era maior nos pacientes que eram referidos de outros hospitais para aquele em que foi realizado o estudo. Nesse caso, a mortalidade atingia 35%. É importante ressaltar que um dos hospitais participantes do nosso estudo (Instituto Emilio Ribas) recebe somente pacientes referendados.

Em relação às seqüelas neurológicas, estas também foram muito importantes no nosso estudo, considerando que estas atingiram 40% das crianças sobreviventes e em 60% das crianças avaliadas. Estes dados são compatíveis com dados prévios em relação às seqüelas neurológicas, as quais variam de 25 a 60%(1,2,4).

Com os novos relatos de pneumococo não-susceptível à penicilina, deixou de haver consenso quanto à terapêutica das meningites causadas pelo pneumococo. Grande parte das autoridades passou a recomendar a inclusão da vancomicina associada à cefalosporina de 3a geração nos esquemas de tratamento empírico das meningites bacterianas, devido a relatos de resistência bacteriana das cepas não-susceptíveis à penicilina, adicional às cefalosporinas de terceira geração(3,16). O nosso estudo não mostrou nenhuma cepa resistente à cefalosporina de terceira geração. Esse fato também não foi demonstrado em outros estudos de sensibilidade bacteriana realizados em nosso meio. Portanto, consideramos que a cefalosporina de terceira geração deve ser a primeira escolha nesses quadros, reservando-se a vancomicina para eventuais falhas terapêuticas.

Em relação ao uso de ampicilina associada ao cloranfenicol, que foi a opção inicial em 20 crianças, foi possível observar uma mudança de antibiótico em 35% dos casos. Pelo alto percentual de cepa de pneumococo não-susceptível à penicilina (36% no nosso estudo), não consideramos aconselhável o uso de penicilina ou ampicilina como esquema inicial de terapêutica. O cloranfenicol, apesar de apresentar boa susceptibilidade para o pneumococo, mostrou-se falho em trabalhos comparativos, devido ao fato de ter atividade apenas bacteriostática e apresentar concentração bactericida alta(17).

Em relação à mortalidade e à morbidade da infecção, não foi possível detectar diferença no prognóstico nos pacientes infectados por pneumococo não-susceptível à penicilina. Em relação a fatores prognósticos, é relatado por muitos autores que a mortalidade se eleva em crianças que se apresentam em coma no momento da hospitalização(1,4,5). Esse fato não foi analisável na nossa casuística.

A solução para o grave problema das infecções pneumocócicas possivelmente está no uso de agentes imunizantes que sejam efetivos mesmo em lactentes jovens. Recentemente foi lançada uma vacina antipneumocócica conjugada com o mutante do toxóide diftérico CRM 197, que mostrou, em estudos populacionais recentes, uma boa imunogenicidade e boa proteção contra infecções invasivas(13). A vacina com 7 sorotipos (4, 14, 6B, 9V, 23F, 18 C, 19 F) seria efetiva na prevenção de 70% das meningites por nós descritas.

Concluímos que no nosso meio a meningite pneumocócica apresenta alta letalidade e alta morbidade. A letalidade não está relacionada com a resistência bacteriana e, aparentemente, ela só poderá ser reduzida com imunização, diagnóstico precoce e terapêutica adequada. A vacina heptavalente poderá ser de utilidade no nosso meio, pois pode potencialmente prevenir cerca de 70% das infecções invasivas pneumocócicas.

Sobe

Endereço para correspondência:

Dr. Eitan N. Berezin

Av. Roberto Lorenz, 482 – Jardim Guedalla

CEP 05611-050 – São Paulo, SP

Fax: 011 3721.6688

E-mail: eberezi@zipmail.com.br

Sobe

Artigo submetido em 16.02.01, aceito em 08.08.01.

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    Eitan N. Berezin – Chefe do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo.
    2 Luiza H. Carvalho – Diretora Científica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas,
    3 Claudia R. Lopes – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo.
    4 Andréia T. Sanajotta – Médica do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo.
    5 Maria Cristina C. Brandileone – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz.
    6 Sonia Menegatti – Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas.
    7 Marco A. Safadi – Médico do Setor de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo.
    8 Maria Luiza C.S. Guerra – Setor de Bacteriologia Instituto Adolfo Lutz.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      Fev 2002

    Histórico

    • Aceito
      08 Ago 2001
    • Recebido
      16 Fev 2001
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