Resumos
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A prática médica em Anestesiologia é atividade desgastante e estressante. Neste estudo, foi avaliada a qualidade de vida dos anestesiologistas que trabalham na cidade do Recife e relacionado o perfil de qualidade de vida com o grau de satisfação com a saúde, número de dias e turnos semanais trabalhados, gênero e faixa etária. MÉTODO: Utilizou-se o questionário WHOQOL-BREF. Foram aplicados a correlação de Sperman e os testes t de Student, Anova e de variância pelo teste de Scheffé, adotando-se os valores de p < 0,05 como significativos. RESULTADOS: A análise subjetiva mostrou que 44,6% dos anestesiologistas têm percepção negativa ou indefinida sobre sua qualidade de vida. Apresentaram influência significativa nesse resultado, o grau de satisfação com a saúde (r = 0,525; p = 0,01) e o excesso de turnos semanais trabalhados (p = 0,03). As mulheres apresentaram escores significativamente inferiores ao dos homens, na avaliação subjetiva geral de qualidade de vida e nos domínios psicológico e relações sociais. Não foi encontrada diferença significativa nas diferentes faixas etárias. O domínio meio ambiente apresentou escores inferiores ao dos demais em todas as variáveis analisadas. CONCLUSÕES: O excesso de trabalho foi fator negativo na qualidade de vida dos anestesiologistas da cidade do Recife e as mulheres apresentaram qualidade de vida significativamente inferior aos homens. Esses resultados apontam para a necessidade de reflexão e de atitudes que possam influenciar positivamente na saúde e na qualidade de vida desses profissionais. Adicionalmente às atitudes individuais, é de fundamental importância o apoio institucional na prática anestésica e, para mudanças positivas, as decisões devem basear-se em evidências científicas.
ANESTESIOLOGIA, Recursos Humanos; ANESTESIOLOGIA, Recursos Humanos
JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS:La práctica médica en Anestesiología es una actividad que desgasta y estresa. En este estudio, se evaluó la calidad de vida de los anestesiólogos que trabajan en la ciudad de Recife y se relacionó el perfil de calidad de vida, con el grado de satisfacción con relación a la salud, al número de días y a los turnos semanales trabajados, el sexo y la franja etaria. MÉTODO: Se utilizó el cuestionario WHOQOL-BREF. Se aplicaron la correlación de Sperman y los tests t de Student, Anova y de variancia por el test de Scheffé, adoptándose los valores de p < 0,05 como significativos. RESULTADOS: El análisis subjetivo arrojó que un 44,6% de los anestesiólogos tienen una percepción negativa o indefinida sobre su calidad de vida. Presentaron una influencia significativa en ese resultado, el grado de satisfacción con la salud (r = 0,525; p = 0,01) y el exceso de turnos semanales trabajados (p = 0,03). Las mujeres presentaron puntuaciones significativamente inferiores a la de los hombres en la evaluación subjetiva general de calidad de vida y en las áreas psicológica y de las relaciones sociales. No se encontró diferencia significativa en las diferentes franjas etarias. El área promedio ambiente presentó puntuaciones inferiores a la de los demás en todas las variables analizadas. CONCLUSIONES: El exceso de trabajo fue un factor negativo en la calidad de vida de los anestesiólogos de la ciudad de Recife, y las mujeres presentaron una calidad de vida significativamente inferior a la de los hombres. Frente a esos resultados, entendimos que había una necesidad de reflexionar y de tomar actitudes que puedan influir positivamente en la salud y en la calidad de vida de esos profesionales. Para mejorar las actitudes individuales, es de fundamental importancia tener un apoyo institucional en la práctica anestésica y para los cambios positivos, las decisiones deben estar basadas en evidencias científicas.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The practice of Anesthesiology is exhausting and stressful. The present study evaluated the quality of life of anesthesiologists working in the city of Recife, correlating the profile of the quality of life with the degree of satisfaction with their health, number of working days and weekly shifts, gender, and age group. METHODS: The WHOQOL-BREF questionnaire was used. Spearman's correlation and Student t test, ANOVA, and Scheffé test for variance were used, considering a p < 0.05 significant. RESULTS: Subjective analysis demonstrated that 44.6% of anesthesiologists have a negative or undefined perception about their quality of life. The degree of satisfaction with their health (r = 0.525; p = 0.01) and the excess of weekly working shifts (p = 0.03) had a significant influence on the results. Female anesthesiologists had significantly lower scores than males in the subjective evaluation of quality of life and in the psychological and social relationships domains. A significant difference was not observed among different age groups. The environmental domain had lower scores than the others in all parameters analyzed. CONCLUSIONS: Long working hours represented a negative factor in quality of life of all anesthesiologists in the city of Recife, and that of female anesthesiologists was significantly worse than males. Therefore, we concluded that reflection and actions are required to influence positively the health and quality of life of those professionals. Besides individual actions, institutional support is fundamentally important for the practice of anesthesiology and, to achieve positive changes, decisions should be based on scientific evidence.
ANESTHESIOLOGY, Human Resources; ANESTHESIOLOGY, Human Resources
ARTIGO CIENTÍFICO
Avaliação da qualidade de vida dos anestesiologistas da cidade do Recife* * Recebido do Centro de Ensino e Treinamento/SBA em Anestesiologia dos Hospitais da Restauração e Getúlio Vargas (HR-HGV), Recife, PE.
Evaluación de la calidad de vida de los anestesiólogos de la ciudad de Recife
Roberto Alves CalumbiI; Jane Auxiliadora Amorim, TSAII; Carmem Maria Caricio Maciel, TSAIII; Otávio Damázio Filho, TSAIV; Aldemir José Ferreira TelesV
IME3 do CET/SBA HR-HGV
IIMestra em Neurociências pela UFPE; Corresponsável pelo CET/SBA HR-HGV
IIICorresponsável pelo CET/SBA HR-HGV
IVResponsável pelo CET/SBA HR-HGV
VMestre em Neurociências pela UFPE; Professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Jane A. Amorim Rua Conselheiro Nabuco, 151/1.302 Casa Amarela 52.070-010 Recife, PE E-mail: janemarcos22@superig.com.br
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A prática médica em Anestesiologia é atividade desgastante e estressante. Neste estudo, foi avaliada a qualidade de vida dos anestesiologistas que trabalham na cidade do Recife e relacionado o perfil de qualidade de vida com o grau de satisfação com a saúde, número de dias e turnos semanais trabalhados, gênero e faixa etária.
MÉTODO: Utilizou-se o questionário WHOQOL-BREF. Foram aplicados a correlação de Sperman e os testes t de Student, Anova e de variância pelo teste de Scheffé, adotando-se os valores de p < 0,05 como significativos.
RESULTADOS: A análise subjetiva mostrou que 44,6% dos anestesiologistas têm percepção negativa ou indefinida sobre sua qualidade de vida. Apresentaram influência significativa nesse resultado, o grau de satisfação com a saúde (r = 0,525; p = 0,01) e o excesso de turnos semanais trabalhados (p = 0,03). As mulheres apresentaram escores significativamente inferiores ao dos homens, na avaliação subjetiva geral de qualidade de vida e nos domínios psicológico e relações sociais. Não foi encontrada diferença significativa nas diferentes faixas etárias. O domínio meio ambiente apresentou escores inferiores ao dos demais em todas as variáveis analisadas.
CONCLUSÕES: O excesso de trabalho foi fator negativo na qualidade de vida dos anestesiologistas da cidade do Recife e as mulheres apresentaram qualidade de vida significativamente inferior aos homens. Esses resultados apontam para a necessidade de reflexão e de atitudes que possam influenciar positivamente na saúde e na qualidade de vida desses profissionais. Adicionalmente às atitudes individuais, é de fundamental importância o apoio institucional na prática anestésica e, para mudanças positivas, as decisões devem basear-se em evidências científicas.
Unitermos: ANESTESIOLOGIA, Recursos Humanos: Qualidade de Vida, síndrome de Burnout.
RESUMEN
JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS:La práctica médica en Anestesiología es una actividad que desgasta y estresa. En este estudio, se evaluó la calidad de vida de los anestesiólogos que trabajan en la ciudad de Recife y se relacionó el perfil de calidad de vida, con el grado de satisfacción con relación a la salud, al número de días y a los turnos semanales trabajados, el sexo y la franja etaria.
MÉTODO: Se utilizó el cuestionario WHOQOL-BREF. Se aplicaron la correlación de Sperman y los tests t de Student, Anova y de variancia por el test de Scheffé, adoptándose los valores de p < 0,05 como significativos.
RESULTADOS: El análisis subjetivo arrojó que un 44,6% de los anestesiólogos tienen una percepción negativa o indefinida sobre su calidad de vida. Presentaron una influencia significativa en ese resultado, el grado de satisfacción con la salud (r = 0,525; p = 0,01) y el exceso de turnos semanales trabajados (p = 0,03). Las mujeres presentaron puntuaciones significativamente inferiores a la de los hombres en la evaluación subjetiva general de calidad de vida y en las áreas psicológica y de las relaciones sociales. No se encontró diferencia significativa en las diferentes franjas etarias. El área promedio ambiente presentó puntuaciones inferiores a la de los demás en todas las variables analizadas.
CONCLUSIONES: El exceso de trabajo fue un factor negativo en la calidad de vida de los anestesiólogos de la ciudad de Recife, y las mujeres presentaron una calidad de vida significativamente inferior a la de los hombres. Frente a esos resultados, entendimos que había una necesidad de reflexionar y de tomar actitudes que puedan influir positivamente en la salud y en la calidad de vida de esos profesionales. Para mejorar las actitudes individuales, es de fundamental importancia tener un apoyo institucional en la práctica anestésica y para los cambios positivos, las decisiones deben estar basadas en evidencias científicas.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tem sido grande a preocupação acerca da qualidade de vida do ser humano visando o bem-estar de maneira integral.1 O termo qualidade de vida está presente em muitos estudos, com abordagens relacionadas com trabalho, saúde e visão holística da vida humana, com conceitos específicos em cada área. É definida pelo grupo de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde como "a percepção do indivíduo da sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive e com relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"2. Esse constructo engloba, de maneira ampla, saúde física, estado psicológico, nível de independência, relações sociais, crenças pessoais e a relação com as características de destaque do meio ambiente de uma pessoa. Nesta definição, é ressaltada a natureza subjetiva da avaliação, com dimensões tanto positivas, como negativas, estando arraigada nos contextos cultural, social e ambiental, ressaltando a percepção do respondente sobre sua qualidade de vida.3 Anestesiologia é considerada especialidade que promove elevados níveis de estresse, fato que pode resultar em consequências negativas em quem a pratica.4-8
Apesar da importância do assunto, a literatura é escassa em estudos avaliando a qualidade de vida desses profissionais. Nesse estudo, foi avaliada a qualidade de vida dos anestesiologistas que trabalham na cidade do Recife e na Região Metropolitana, relacionando o perfil de qualidade de vida encontrado com o grau de satisfação com saúde, número de dias e turnos semanais trabalhados, gênero e faixa etária.
MÉTODO
A população desse estudo descritivo, exploratório e com caráter transversal foi composta de anestesiologistas associados à Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas de Pernambuco (COOPANEST-PE), que exercem suas atividades profissionais na cidade do Recife e na Região Metropolitana. A divulgação da pesquisa ocorreu em jornada científica local, promovida pela Sociedade de Anestesiologia do Estado de Pernambuco (SAEPE) e, posteriormente, na sede da COOPANEST-PE. Os dados foram coletados no período de três meses. Os 351 anestesiologistas associados no momento da pesquisa foram convidados a participar da pesquisa. Foi aplicado questionário para coleta de dados pessoais (idade, gênero, estado civil, formação profissional, número de dias e turnos de trabalho semanal), não sendo obrigatória a identificação nominal. Para avaliação da qualidade de vida, foi utilizado questionário desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde, o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL),2 na sua versão abreviada - O WHOQOLBREF - que é composto de 26 questões. São duas perguntas gerais sobre a qualidade de vida e o grau de satisfação com a saúde e as outras 24 correspondentes a perguntas básicas envolvendo os domínios físico e psicológico, a relação social e o meio ambiente, que permitem avaliação subjetiva do grau de satisfação do pesquisado com sua vida, capacidade de trabalho, aparência física, acesso a informações, lazer, sono, situação financeira, moradia, vida sexual, condições de trabalho e serviços de saúde, relações sociais em geral, segurança no trabalho e moradia, entre outros itens. As respostas são formadas por cinco itens opcionais, em escalas que variam de um a cinco pontos
Para a análise dos dados utilizou-se o programa estatístico SPSS 11.0 (Statistical Package for the Social Science). Os dados descritivos foram expressos em valores percentuais, média e desvio-padrão. As transformações das variáveis e os cálculos estatísticos foram realizados segundo as orientações estabelecidas pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde 3. Foram utilizados a correlação de Sperman e os testes t de Student, Anova e de variância pelo teste de Scheffé, adotando-se os valores de p < 0,05 como significativos.
RESULTADOS
Responderam ao questionário 110 anestesiologistas (31,3%). Foi encontrado predomínio de profissionais do gênero feminino (69%), casados (62%), na faixa etária de 43,2 ± 11,1 anos, com Título de Especialista em Anestesiologia (71%) (Tabela I). Quanto ao número de dias trabalhados, constatou-se que 58% trabalham seis a sete dias por semana. A média semanal de turnos trabalhados foi 15,5 ± 4,1, sendo que 12 (18%) trabalharam até 10 turnos, 72 (67%) de 11 a 18 turnos e 18 (15%) de 19 a 21 turnos (Tabela III). Dezesseis anestesiologistas trabalharam 21 turnos por semana, ou seja, manhã, tarde e noite em todos os dias da semana.
Na autoavaliação da percepção subjetiva dos anestesiologistas sobre sua qualidade de vida, 55,5% avaliaram como boa ou muito boa; 28,2% nem boa, nem ruim; e 16,4% ruim ou muito ruim. Na percepção do grau de satisfação com a saúde, 61% estavam satisfeitos ou muito satisfeitos; 16,4% nem satisfeitos nem insatisfeitos e 22,7% insatisfeitos ou muito insatisfeitos (Tabela II). Na análise do coeficiente de correlação entre a autoavaliação da qualidade de vida e o grau de satisfação com a saúde, foi encontrada relação significativa entre essas variáveis (r = 0,525; p = 0,01). A média dos escores relativos à percepção da qualidade de vida foi significativamente maior entre os anestesiologistas que trabalharam menor número de turnos por semana (p = 0,03; Tabela III).
As mulheres apresentaram escores significativamente inferiores aos dos homens, na avaliação subjetiva geral de qualidade de vida e nos domínios psicológico e relações sociais (Tabela IV). Quanto à idade, a faixa etária com 60 anos ou mais apresentou os melhores escores em todos os domínios, porém sem diferença estatística significativa (Tabela V). Os anestesiologistas que trabalharam de três a cinco dias por semana apresentaram os melhores escores em todos os domínios, quando comparados aos que trabalham seis a sete dias, sem, no entanto, diferença estatística significativa (Tabela VI). Entre os domínios avaliados, o meio ambiente apresentou os escores mais baixos de todas as variáveis analisadas.
DISCUSSÃO
Nesse estudo, foi obtida adesão de 31,3% dos anestesiologistas, percentual que pode ser considerado bastante satisfatório para estudos dessa natureza.9 Adesão semelhante (39,24%) foi obtida em pesquisa que avaliou a prática anestésica de 739 anestesiologistas, associados à Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul.10 Metanálise que avaliou a prevalência de síndrome de Burnout, em profissionais dedicados ao atendimento de pacientes oncológicos, teve adesão de, aproximadamente, 20% nos estudos publicados em línguas inglesa, espanhola e portuguesa.11
A análise subjetiva da qualidade de vida revelou percentual elevado de anestesiologistas (44,6%) com percepção negativa ou indefinida sobre sua qualidade de vida. Apresentaram influência significativa nesse resultado o grau de satisfação com a saúde (r = 0,525; p = 0,01) e o excesso de trabalho (Tabela III), visto que 67% dos anestesiologistas trabalharam entre 11 e 18 turnos e 15% até 21 turnos por semana, dispensando pouco ou nenhum horário para o descanso, diversão e lazer. Também entre os médicos uruguaios, pesquisa que utilizou o WHOQOL-BREF, foram encontrados baixos escores de qualidade de vida e, entre os fatores contribuintes, foi considerada a longa e excessiva jornada de trabalho.12 A influência da saúde na qualidade de vida era um resultado esperado e anteriormente observado em outros estudos.12,13
As manifestações clínicas do excesso de trabalho são inúmeras, como: cansaço; perda de energia; distúrbios do sono e humor; redução da capacidade de trabalho, aprendizagem, raciocínio e memória; dificuldade nas relações interpessoais entre outras.8 Pesquisa com médicos-residentes em Anestesiologia mostrou que a jornada de plantão de 24 ou 30 horas diminui a latência do sono para valores menores que cinco minutos, tempo considerado patológico, refletindo fadiga e necessidade de descanso após longa jornada de trabalho.14 A privação do sono altera, de maneira marcante, a atividade clínica do médico. Erros cometidos pelos anestesiologistas podem ter consequências catastróficas, se não corrigidos a tempo. Fatores humanos como privação de sono, fadiga e estresse, não somente podem aumentar o potencial de erro humano, mas também impedir a recuperação efetiva do profissional.15
A prática médica em Anestesiologia é atividade desgastante e estressante. As características mais marcantes da vida do anestesiologista são a vigilância e o estado de constante alerta que lhe permitem reagir imediatamente em situações críticas. As demandas cognitivas do atendimento ao paciente durante o ato anestésico-cirúrgico exigem rápido acesso e avaliação de informações e desenvolvimento e implementação de medidas para manter o paciente em condições clínicas adequadas. Envolve o convívio diário com o sofrimento alheio, exige constante atualização e habilidades manuais, permanente cobrança de responsabilidades e bom relacionamento com a clientela e com a equipe multiprofissional. Em muitas situações, o estresse, associado ao excesso de trabalho, gera insatisfação, que afeta, diretamente, a qualidade de vida e a saúde do anestesiologista, como observado nesse estudo.
Recente pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina mostrou que 44% dos médicos brasileiros sofrem de depressão ou ansiedade e 57% apresentam sinais de estafa e desânimo com a profissão. Além disso, um em cada cinco sofre de doenças cardiovasculares e 21,8% apresentam algum distúrbio no trato digestório. Quando comparados com gestores, os médicos têm níveis mais elevados de hormônios de estresse; e quando comparados com dentistas e profissionais de direito, apresentam maior incidência de infarto do miocárdio e morrem mais precocemente.16 Estudo que analisou os traços de personalidade e atitude de 231 anestesiologistas concluiu que, geralmente, são pessoas de postura reservada, inteligentes, objetivas, sérias, conscientes, autoconfiantes e tensas, quando comparadas a médicos de outras especialidades.8 Pesquisa que avaliou os níveis de pressão arterial durante o ato anestésico mostrou elevação significativa dos níveis tensionais.17
Prolongadas e excessivas jornadas de trabalho podem levar ao estágio de exaustão, denominado síndrome de Burnout, que se caracteriza por: exaustão emocional, despersonalização e comprometimento da realização pessoal.18 Na dimensão exaustão emocional, o indivíduo sente-se esgotado e com sensação de que não será possível recuperar a própria energia. Com isso, torna-se irritado, amargo, pouco generoso e pessimista, além de se sentir menos capacitado. Já na despersonalização, há distanciamento emocional e indiferença diante do sofrimento alheio, o que, no caso de médicos, faz com que o paciente seja tratado como objeto. Enquanto na dimensão do comprometimento da realização pessoal, o indivíduo sente-se impotente, frustrado, infeliz e com baixa autoestima. Em revisão de literatura,4-7 a prevalência de sintomas da síndrome de Burnout, em anestesiologistas, mostrou as seguintes variações percentuais: 17,0% a 40,4% de exaustão emocional; 10,0% a 31,7% de despersonalização; e 12,3% a 41,4% de comprometimento da realização pessoal. A permanência desses sintomas poderá acarretar problemas dramáticos como dependência química e atitudes suicidas, muito prevalentes na especialidade.19,20
Na cidade do Recife, a maioria dos anestesiologistas é mulher que apresenta escores significativamente inferiores ao dos homens na avaliação geral de qualidade de vida e nos domínios psicológico e nas relações sociais (Tabela IV). Esses resultados estão relacionados, além dos fatores citados anteriormente, com o acúmulo de tarefas da mulher atual, uma vez que estes domínios avaliam questões relacionadas com sentimentos negativos, autoestima, imagem corporal e aparência, espiritualidade, relações pessoais, vida social e atividade sexual. Resultado semelhante foi encontrado em estudo que averiguou o estresse ocupacional e a qualidade de vida de Magistrados da Justiça do Trabalho. A qualidade de vida das mulheres foi inferior à dos homens, com maior comprometimento nas áreas social, afetiva, profissional e da saúde. Os fatores de estresse mais frequentes foram sobrecarga de trabalho e interferência com a vida familiar.21 Estudo que comparou a prevalência de síndrome de Burnout em professores encontrou maior prevalência nas mulheres (84,1% versus 77,2% nos homens). Esses autores também encontraram influência negativa de fatores psicológicos e sociais no gênero feminino.22 Nesse contexto, é importante que mulheres reflitam sobre sua posição na vida com relação a seus objetivos, expectativas, valores, padrões e preo cupações e desenvolvam medidas que possam minimizar a sobrecarga de trabalho e o estresse do dia a dia. Não foi encontrada diferença significativa quando se relacionou qualidade de vida e faixa etária (Tabela V). Quanto à especialização, o elevado percentual de especialistas está relacionado com o fato de existir na cidade do Recife três Centros de Ensino e Treinamento credenciados pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Dentre os quatro domínios avaliados, os piores escores foram registrados no do meio ambiente. O anestesiologista, como parte integrante da equipe cirúrgica responsável pelas salas de operação e recuperação, enfrenta riscos relacionados com seu exercício profissional que são devidos a fatores exógenos e endógenos. Dentre os exógenos, com influência negativa na saúde, encontram-se a contaminação ambiental causada por inalação de agentes anestésicos e desinfetantes usados no centro cirúrgico, a exposição às radiações e a contaminação por agentes infecciosos. Os fatores endógenos são representados por estímulos psicossociais e os do tipo emocional, como os que se desenvolvem a partir das situações de estresse e angústia, que, geralmente, são o denominador comum do ambiente hospitalar, dado o estado de gravidade dos pacientes que atende.8 Além disso, com relação às questões relacionadas com segurança e moradia, os elevados índices de violência e criminalidade registrados na cidade do Recife irão, provavelmente, influenciar, também, esse resultado.
Algumas das recomendações sugeridas pela Sociedade Americana de Anestesiologistas para a Saúde do Trabalho das Equipes Cirúrgicas23 são consideradas maneiras saudáveis de lidar e, talvez, possam amenizar o elevado nível de estresse diário do anestesiologista, como:
1. Desenvolver senso de autovalorização separado do fato de ser médico para que o tempo de lazer seja tão recompensador quanto o trabalho.
- Permanecer saudável por meio de exercícios e boa nutrição.
- Aprender novas habilidades ou desenvolver interesse intelectual além da Medicina.
- Dedicar tempo para atividades culturais (concertos, cinema, museus).
- Fazer amizades com pessoas não envolvidas com a Medicina.
- Associar-se a clubes.
- Fazer algo criativo: pode ser relaxante e dar voz a sentimentos que precisam de expressão.
2. Desenvolvimento espiritual, pensar um pouco sobre o objetivo da nossa vida neste mundo.
3. Buscar o apoio de outros amigos, pessoas importantes, mentores e outros modelos e terapeutas.
4. Por outro lado, se houver muita demanda sobre seu tempo, passe algumas horas sozinho.
5. Aprenda a expressar seus sentimentos, mantenha um diário ou consulte um terapeuta.
- Não aceite abuso que você não merece; você precisa se respeitar e se aceitar.
- Entenda que não vai conseguir agradar todos.
- Aprenda a pedir o que precisa.
6. Mantenha-se flexível e aberto para mudanças e novas experiências.
7. Mantenha o senso de humor.
- Não leve as coisas a sério demais.
- Admita que amanhã será um novo dia e que a vida continua.
- O riso pode ter algum efeito saudável que ainda não foi determinado.
8. A felicidade vem do equilíbrio entre trabalho, diversão e descanso; lembre-se que você merece ser feliz.
- O sentimento de controle sobre a própria vida pode ser importante para a felicidade.
9. Aproveite o tempo em que não está trabalhando.
10. Desenvolva atitude positiva.
- Os otimistas (definidos como aqueles que distorcem a realidade para criar a ilusão de que podem conseguir resultados positivos) têm mais felicidade e saúde.
11. Admita ser passível de cometer erros.
12. Aprenda a dizer não; não faça coisas demais ao mesmo tempo.
13. Desenvolva melhores aptidões interpessoais.
- Aprenda a lidar eficientemente com conflitos.
- Trate os outros com respeito.
- Lide com a ira.
- Aprenda a resolver problemas e não procurar culpados.
- Mantenha a perspectiva.
- Ouça.
- Não desista.
- Use o bom humor.
- Concentre-se no problema que se apresenta, evite críticas pessoais.
- Evite um comportamento passivo-agressivo.
- Seja honesto.
- Não guarde rancor.
- Tente solucionar os problemas.
Concluindo, nesse estudo, o excesso de trabalho foi fator negativo na qualidade de vida dos anestesiologistas da cidade do Recife; e as mulheres apresentaram qualidade de vida significativamente inferior à dos homens. Esses resultados apontam para necessidade de reflexão e de atitudes que possam influenciar positivamente na saúde e na qualidade de vida desses profissionais. Adicionalmente às atitudes individuais, é de fundamental importância o apoio institucional na prática anestésica e, para mudanças positivas, as decisões devem basear-se em evidências científicas.
AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos às diretorias da Cooperativa e da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Pernambuco (Biênio 2005-2006), pelo apoio na divulgação e coleta dos dados.
Apresentado em 24 de março de 2008
Aceito para publicação em 5 de outubro de 2009
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Fev 2010 -
Data do Fascículo
Fev 2010
Histórico
-
Recebido
24 Mar 2008 -
Aceito
05 Out 2009