RESUMO
Objetivo: investigar os estressores percebidos pelos pacientes no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca e sua relação com características sociodemográficas e clínicas.
Método: estudo correlacional, prospectivo, desenvolvido no interior paulista, entre agosto/2013 e dezembro/2014. Uma amostra não probabilística foi constituída por pacientes submetidos à primeira cirurgia de revascularização do miocárdio e/ou correção de valvulopatias. Utilizamos a "Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva".
Resultados: participaram 105 pacientes. O item avaliado como mais estressante foi "ter sede", e o menos estressante foi "membro da equipe de enfermagem não se apresentar pelo nome". Das variáveis sociodemográficas e clínicas investigadas (sexo, idade, tipo e tempo de cirurgia, dor, tempo de entubação, uso de psicotrópico e tempo na unidade de terapia intensiva), apenas dor apresentou relação significativa com os estressores.
Conclusão: conhecer os estressores pode auxiliar na implementação de práticas relacionadas à sua redução, favorecendo a recuperação dos pacientes.
Descritores: Cirurgia Torácica; Estresse Fisiológico; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermagem Perioperatória; Cuidados de Enfermagem
RESUMEN
Objetivo: investigar los estresores percibidos por pacientes durante postoperatorio inmediato de cirugía cardíaca, y su relación con características sociodemográficas y clínicas.
Método: estudio correlacional, prospectivo, desarrollado en el interior paulista entre agosto/2013 y diciembre/2014. Constituida muestra no probabilística con pacientes sometidos a primera cirugía de revascularización del miocardio y/o corrección de valvulopatías. Utilizamos la "Escala de Evaluación de Estresores en Unidad de Terapia Intensiva".
Resultados: participaron 105 pacientes. El ítem considerado como más estresante fue "tener sed"; el menos estresante fue "personal de enfermería no se presenta por su nombre". De las variables demográficas y clínicas investigadas (sexo, edad, tipo y tiempo de cirugía, dolor, tiempo de entubamiento, uso de psicotrópico y tiempo en unidad de terapia intensiva), solamente dolor mostró relación significativa con los estresores.
Conclusión: conocer los estresores puede ayudar a implementar prácticas relacionadas con su reducción, favoreciendo la recuperación de los pacientes.
Descriptores: Cirugía Torácica; Estrés Fisiológico; Unidades de Cuidados Intensivos; Enfermería Perioperatoria; Atención de Enfermería
ABSTRACT
Objective: to investigate stressors perceived by patients in the immediate postoperative of cardiac surgery and their association with sociodemographic and clinical characteristics.
Method: a prospective correlational study conducted in a city in São Paulo, between August 2013 and December 2014. A non-probabilistic sample included patients submitted to their first coronary artery bypass graft or mitral valve surgery. The "Environmental Stressor Questionnaire" adapted to Portuguese was used.
Results: 105 patients participated in the study. The item "being thirsty" was evaluated as the most stressful and "the nursing staff member does not introduce himself/herself by the name" as the least stressful. Among sociodemographic and clinical variables (gender, age, type and time of surgery, pain, intubation time, use of psychotropic medications and length of stay in the intensive care unit), only pain presented a significant association with the stressors.
Conclusion: knowing stressors can help implement practices associated with their reduction, favoring patients' recovery.
Descriptors: Thoracic Surgery; Physiological Stress; Intensive Care Units; Perioperative Nursing; Nursing Care
INTRODUÇÃO
A cirurgia cardíaca ainda é a intervenção de escolha em muitos casos de cardiopatias, apesar do avanço no tratamento clínico da doença nos últimos anos e do advento da abordagem minimamente invasiva. Ela é considerada uma cirurgia de grande porte, e para a sua realização, na maioria das vezes, faz-se necessária a utilização da circulação extracorpórea. Diante dessas características, todos os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca são encaminhados para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no pós-operatório imediato (POI).
A UTI é uma área crítica destinada à internação de pacientes graves que requerem atenção profissional especializada de forma contínua, uso de materiais específicos e de tecnologias para o diagnóstico, monitorização e terapia(1). A monitorização na UTI é necessária para otimizar a recuperação pós-operatória destes pacientes. O traçado eletrocardiográfico e a saturação de oxigênio são monitorizados constantemente; pressões derivadas de cateteres invasivos, incluindo o cateter de Swan-Ganz, são avaliadas continuamente nos monitores multiparamétricos, além da avaliação dos débitos dos drenos torácicos, volume de diurese e resultados de exames laboratoriais. Esta avaliação especializada tem por objetivo assegurar a manutenção da estabilidade hemodinâmica após a cirurgia cardíaca.
Em virtude dessa realidade, a UTI é considerada um local gerador de estresse, onde os pacientes podem apresentar desconfortos físicos e psicológicos decorrentes das características ambientais. O estresse é proveniente do grande número de equipamentos, de profissionais e de procedimentos que frequentemente interrompem o ciclo circadiano, causando prejuízo na recuperação fisiológica dos pacientes(2).
Estresse é definido como um fator externo ou interno que afeta o estado normal do equilíbrio dinâmico em um indivíduo (homeostasia), que pode ser físico ou psicológico. Frente ao estresse, o organismo responde com determinadas reações intrínsecas, conhecidas como resposta à Síndrome da Adaptação Geral (SAG). Tal resposta é dependente da intensidade, quantidade e qualidade dos estressores(3).
Esse é um importante aspecto a ser considerado, uma vez que os estressores são, em sua maioria, passíveis de intervenção para promover melhor adaptação do paciente ao ambiente da UTI(4). Ao diminuir a exposição dos pacientes aos estressores presentes na UTI, favorecemos a recuperação fisiológica dos pacientes no POI de cirurgia cardíaca, minimizando a resposta à SAG.
Diversos autores investigaram a percepção dos estressores por pacientes internados em UTI(4-7); entretanto, há escassez de produção voltada especificamente para pacientes no POI de cirurgias cardíacas(8-10).
Assim, os objetivos desse estudo foram investigar os principais estressores percebidos pelos pacientes no POI de cirurgia cardíaca e identificar as possíveis relações de características sociodemográficas e clínicas com essa percepção.
A avaliação dos estressores presentes na UTI pelos pacientes é um fator que poderá nortear propostas de intervenções de enfermagem. Os enfermeiros devem considerar os aspectos ambientais, da dinâmica e organização da unidade, com ênfase na diminuição dos estressores que influenciam na recuperação hemodinâmica dos pacientes operados no período crítico da experiência cirúrgica que é o POI de uma cirurgia cardíaca.
MÉTODO
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Cada participante do estudo foi devidamente esclarecido sobre a pesquisa. Foi realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi assinado pelos participantes e pela pesquisadora principal.
Desenho, local do estudo e período de coleta de dados
Estudo correlacional e prospectivo, desenvolvido em um hospital universitário do interior de São Paulo. Os dados foram coletados nas Unidades de Internação da Clínica Cirúrgica e Clínica Médica do referido hospital, entre agosto de 2013 e dezembro de 2014.
Amostra, critérios de inclusão e exclusão
Uma amostra consecutiva e não probabilística foi constituída por sujeitos de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos, que foram submetidos à primeira cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) e/ou cirurgia para correção de valvulopatias, e que tiveram o agendamento eletivo de suas cirurgias no período citado.
Foram excluídos os pacientes que não apresentaram condições cognitivas para responder os questionários, avaliadas pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM)(11), na versão adaptada para o português(12); que apresentaram descompensação clínica da doença cardíaca no dia que antecedeu a cirurgia (presença de dispneia, precordialgia e entubação orotraqueal); e que tiveram o agendamento eletivo das cirurgias com menos de 12 horas de antecedência.
Protocolo do estudo
Coleta de dados
Os dados foram coletados por entrevistas individuais com os participantes e por consulta aos seus prontuários, durante a internação. No dia que antecedeu a cirurgia cardíaca, foram coletados os dados de caracterização sociodemográfica e clínica. Após a alta da UTI, foram coletados do prontuário os dados referentes ao procedimento anestésico-cirúrgico, bem como a evolução do paciente na UTI. Transcorridas, no máximo, 48 horas da alta da UTI, foi aplicada a "Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva" (Environmental Stressor Questionnaire - ESQ)(13), na versão adaptada para o português(4), por meio de entrevista individual para avaliação dos estressores no POI.
Para a caracterização dos participantes, foi elaborado e validado um instrumento de coleta de dados, em que constavam variáveis sociodemográficas (data de nascimento; sexo; escolaridade em anos completos; estado civil; desempenho de atividades remuneradas e renda mensal familiar) e clínicas (data de internação; comorbidades pré-operatórias; diagnóstico principal; cirurgia realizada; presença de intercorrências no POI; tempo de entubação orotraqueal; procedimentos realizados no POI; uso de psicotrópicos no POI). A idade dos participantes foi calculada subtraindo a data de nascimento da data da entrevista.
O uso de psicotrópico no POI foi investigado pela possibilidade de comprometer a avaliação dos participantes no que se refere à própria percepção sobre os estressores. Essa variável foi coletada da prescrição médica do paciente.
A Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva é composta por cinquenta itens avaliados por meio de Escala tipo Likert de cinco pontos: (1) não estressante; (2) moderadamente estressante; (3) muito estressante; (4) extremamente estressante e (0) não se aplica. O escore total foi obtido por meio da soma das respostas aos 50 itens, sendo possível uma variação de 0 a 200, em que quanto maior o valor, maior o estresse percebido pelo paciente. Foi calculada a média para cada um dos 50 itens e ranqueada desde a mais estressante até a menos estressante (quanto maior a média, mais estressante o item)(4).
Análise dos dados
Todos os dados foram analisados usando o Programa IBM SPSS versão 22.0 para Windows (SPSS, Inc., Chicago, IL, USA). Utilizamos a análise descritiva para todas as variáveis. Realizamos o Teste t de Student para amostras independentes para investigarmos diferenças nas médias dos estressores segundo o sexo (feminino e masculino), idade (adulto e idoso), tipo de cirurgia (CRVM, correção de valvulopatias e CRVM concomitantemente com correção de valvulopatias), tempo da cirurgia, presença de dor no POI (sim ou não), tempo de entubação no POI, uso de psicotrópicos no POI (sim ou não) e tempo de permanência na unidade. Para dicotomizarmos as variáveis numéricas "tempo da cirurgia, tempo de entubação no POI e tempo de permanência na unidade", utilizamos os valores das medianas encontradas neste estudo. O nível de significância adotado foi de 0,05.
RESULTADOS
No período de coleta de dados, de agosto de 2013 a dezembro de 2014, foram realizadas 186 cirurgias cardíacas no referido hospital. Desse total, 105 pacientes atenderam os critérios de inclusão e participaram do estudo.
A caracterização sociodemográfica e clínica dos 105 participantes encontra-se na Tabela 1.
Caracterização sociodemográfica e clínica dos 105 participantes, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2013-2014
Dos pacientes em tratamento cirúrgico da coronariopatia (incluindo aqueles com coronariopatia + valvulopatia) (n=63), 14 pacientes (22,2%) apresentaram angina estável, 13 (20,6%) foram diagnosticados com infarto agudo do miocárdio (IAM) recente, 12 pacientes (19,0%) apresentaram IAM prévio e nove (14,3%) apresentaram angina instável. A apresentação clínica da coronariopatia não estava descrita no prontuário de 15 (23,8%) pacientes.
Dos 50 pacientes em tratamento cirúrgico das valvulopatias (incluindo aqueles com coronariopatia + valvulopatia), 26 (52,0%) apresentaram estenose e insuficiência concomitantemente, 15 (30,0%) somente insuficiência, oito pacientes (16,0%) apenas estenose e em um caso (2,0%) não foi possível identificar, pois não estava descrito no prontuário do paciente. A válvula aórtica foi a mais acometida (n=23; 46,0%), seguida da válvula mitral (n=16; 32,0%), mitral e aórtica (n=10; 20,0%) e mitral, aórtica e tricúspide (n=1; 2,0%).
Quanto à presença de comorbidades dos pacientes no pré-operatório, verificamos que os pacientes já apresentavam hipertensão arterial sistêmica (n=76; 72,4%), sobrepeso/obesidade (n=63; 60,0%), dislipidemia (n=58; 55,2%), Diabetes mellitus (n=43; 41,0%), tabagismo pregresso (n=38; 36,2%) e tabagismo atual (n=20; 19,0%).
O tempo médio de internação pré-operatório foi de 12,4 dias (D.P.=9,4; mediana=9,0), variando de um a 40 dias.
Com relação ao tipo de cirurgia realizada, 54 (51,4%) pacientes foram submetidos à CRVM, 44 (41,9%) foram submetidos à correção de valvopatias e 7 (6,7) pacientes foram submetidos à CRVM e correção de valvopatias.
As principais intercorrências apresentadas pelos pacientes no POI foram: diminuição da hemoglobina e do hematócrito (n=102; 97,1%), seguida por hiperglicemia (n=100; 95,2%), dor (n=86; 81,9%), hipotensão arterial sistêmica (n=54; 51,4%), náusea (n=44; 41,9%), hipertensão arterial sistêmica (n=35; 33,3%), vômito (n=28; 26,7%), febre (n=28; 26,7%), agitação psicomotora (n=22; 21,0%), arritmia (n=22; 21,0%), insuficiência renal aguda (n=8; 7,6%) e sangramento (n=7; 6,7%).
Quanto ao tempo de entubação orotraqueal na UTI, os pacientes permaneceram entubados por 16,7 horas em média (D.P.=22,8; mediana=12,0), variando de duas a 187 horas.
A maioria dos pacientes recebeu psicotrópico no POI (n=85; 81,0%).
O tempo médio de permanência dos pacientes na UTI foi de 3,3 dias (D.P.=1,9; mediana=3,0), variando de dois a 13 dias de internação.
Na Tabela 2, apresentamos a distribuição das médias dos itens das respostas para a "Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva".
Distribuição das médias, desvio padrão e rank dos itens das respostas da “Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva”, segundo a amostra total, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2013 – 2014
O item avaliado como mais estressante pelos pacientes foi "ter sede" (média=2,6; D.P.=1,0), seguido por "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca" (média=2,3; D.P.=1,2). O item avaliado como menos estressante foi "membro da equipe de enfermagem não se apresentar pelo nome" (média=0,9; D.P.=0,8).
Na Tabela 3, apresentamos a distribuição das respostas a cada item segundo a "Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva".
Distribuição das porcentagens das respostas a cada item da “Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva” segundo a escala de resposta do tipo Likert de cinco pontos, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2013 – 2014
Se agruparmos as opções de resposta em apenas duas categorias, "não se aplica/não estressante" ou "algum grau de estresse (moderadamente, muito ou extremamente)", verificamos que, em apenas 13 dos 50 itens, tivemos mais de 50% dos pacientes classificando-os como "algum grau de estresse" (itens 1, 4, 14, 18, 27, 28, 29, 31, 32, 37, 44, 46 e 47).
Com relação ao escore total da "Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva", verificamos que os pacientes apresentaram a média de 75,7 (D.P.=22,5; mediana=71,0), e o intervalo obtido foi de 30 a 129.
Na Tabela 4 encontramos as médias dos estressores, segundo as características sociodemográficas e clínicas.
Distribuição das médias e desvio padrão dos estressores, segundo o sexo, a idade, o tipo de cirurgia, o tempo da cirurgia, a presença de dor no pós-operatório imediato, o tempo de entubação no pós-operatório imediato, o uso de psicotrópicos no pós-operatório imediato e o tempo de permanência na unidade, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2013 – 2014
Os pacientes que apresentaram dor no POI avaliaram como mais estressante o período de internação na UTI, e essa diferença foi estatisticamente significante (p=0,02). Para as demais variáveis não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos.
DISCUSSÃO
Ao investigar os principais estressores percebidos pelos pacientes no POI de cirurgia de CRVM e/ou correção de valvulopatias, verificamos que os itens avaliados como mais estressantes foram "ter sede", "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca" e "não conseguir dormir". Nossos resultados corroboram outros estudos disponíveis na literatura. O item "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca" foi considerado o mais estressante tanto por pacientes idosos quanto por pacientes adultos submetidos às cirurgias eletivas de CRVM e/ou correção de valvulopatias(10). O item "não conseguir dormir" foi o segundo mais estressante na percepção dos idosos, ao passo que o item "ter sede" foi o segundo mais estressante para os adultos(10). O item "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca" também foi considerado um dos mais estressantes por pacientes submetidos à CRVM(8).
Em um outro estudo, também realizado com pacientes submetidos às cirurgias eletivas de CRVM e/ou correção de valvulopatias, os pesquisadores constataram que os itens "não conseguir dormir", "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca" e "ter sede" foram considerados os mais estressantes pelos pacientes, além do item "sentir dor"(9). Esse estudo foi realizado no mesmo hospital que desenvolvemos a pesquisa atual, no período de maio de 2007 a novembro de 2008, e mesmo depois de cinco anos, os pacientes permanecem vivenciando esses estressores(9).
A sensação de sede no POI de cirurgias cardíacas pode ser explicada pela desidratação inerente ao ato cirúrgico. Isso ocorre por vários fatores, mas, sobretudo pela importante perda líquida insensível, devido à toracotomia prolongada, estimada entre 6ml/kg/h e 8ml/kg/h. Além disso, a CEC induz o extravasamento capilar difuso pela ativação das cininas e dos sistemas de complemento, resultando em edema intersticial importante, volume intravascular diminuído e volume corporal aumentado. Deve ser considerada também a perda sanguínea no procedimento cirúrgico e no pós-operatório. Esse déficit volêmico é, por vezes, difícil de ser reposto ou corrigido no centro cirúrgico, devido ao aumento da resistência vascular periférica induzido, muitas vezes, pela hipotermia. Considera-se, ainda, que há diminuição da complacência ventricular esquerda, pelo edema miocárdico, resultante do trauma cardíaco ou da inadequada proteção miocárdica à isquemia. Então, a hidratação, parcialmente iniciada no centro cirúrgico, é continuada na UTI(14).
Com relação ao estressor "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca", já é esperado que o paciente permaneça entubado nas primeiras horas do POI de cirurgia cardíaca(15). Ao final do procedimento cirúrgico, os pacientes são transferidos sob ventilação mecânica para a UTI, e ele reassume a ventilação espontânea na medida em que a anestesia vai sendo revertida pelo organismo(16). Existe a possibilidade de extubação do paciente ainda no centro cirúrgico, porém, a ocorrência de hipotermia, sangramento e instabilidade hemodinâmica contrapõem seu potencial benefício(17). Mais uma vez, o próprio procedimento cirúrgico e o uso da CEC favorecem a deterioração da função pulmonar intra- e pós-operatória, por meio das reações inflamatórias sistêmicas, que podem desencadear complicações como atelectasia e infecções pulmonares(16,18). No presente estudo, todos os pacientes permaneceram entubados no POI, e o tempo médio de entubação no pós-operatório foi de 16,7 horas (D.P.=22,8; mediana=12,0), variando de duas a 187 horas. Considerando que a extubação endotraqueal é recomendada ainda nas primeiras horas de pós-operatório, preferencialmente antes da sexta hora após a chegada à UTI(15), podemos observar que os pacientes permaneceram por um tempo considerado prolongado sob ventilação mecânica, entubados. Tal fator pode ter contribuído para a avaliação desse item como o segundo mais estressante pelos pacientes.
Já com relação ao terceiro estressor com maior escore neste artigo, "não conseguir dormir", atualmente há evidências na literatura de que o ambiente de cuidados intensivos é considerado perturbador do padrão do sono dos pacientes, devido à monitorização, intervenções assistenciais ao longo das 24 horas do dia, ruídos e exposição ininterrupta à luz(19). No presente estudo, 19 pacientes (18,1%) classificaram esse estressor como moderadamente estressante, 28 (26,7%) como muito estressante e 21 (20,0%) como extremamente estressante. Nossos resultados corroboram a literatura(9-10). Pacientes submetidos à primeira cirurgia cardíaca (CRVM e/ou correção de valvulopatias), em um hospital universitário do interior de paulista, avaliaram o item "não conseguir dormir" como o segundo item mais estressante durante a permanência na UTI(9). Outro estudo realizado com pacientes também no POI de cirurgias cardíacas, desenvolvido no Distrito Federal, constatou que os pacientes idosos avaliaram o item "não conseguir dormir" como o segundo mais estressante durante a permanência na UTI, ao passo que os pacientes mais jovens avaliaram-no como o sétimo mais estressante(10).
Em um estudo realizado no Brasil(20), os pesquisadores investigaram a influência das intervenções assistenciais realizadas pela equipe de saúde na continuidade do sono de 20 pacientes internados na UTI, utilizando filmagem e o dispositivo "ActiSleep", que permite a mensuração de interrupções no sono por meio da detecção do despertar do paciente. Encontraram 529 intervenções assistenciais no período de coleta de dados, com uma média de 44,1 intervenções assistenciais por paciente a cada 24 horas, o que representa uma média de 1,8 intervenções assistenciais por hora em cada paciente. Já na análise das 288 horas de filmagem, somente em 63 horas (21,8%) não foram observadas intervenções assistenciais. Os intervalos sem intervenção se concentraram no período noturno. Observaram ainda que todos os pacientes apresentaram intervalos de uma hora sem a realização de intervenções assistenciais, e somente cinco (41,7%) pacientes apresentaram intervalos de 120 minutos consecutivos, que os permitiu dormirem um ciclo completo de sono. Outro achado importante desse estudo foi que as intervenções assistenciais foram realizadas de acordo com horários pré-estabelecidos em prescrição médica, rotinas de cada profissional e rotinas do setor(20).
A privação do sono pode causar alterações fisiológicas no paciente, como anormalidades no sistema imunológico, termorregulador, alterações no metabolismo, ativação excessiva do sistema nervoso simpático, além de distúrbios psicológicos(21). Além disso, já existem evidências na literatura de que a privação do sono é um potencial fator de risco para o aparecimento do delirium em pacientes internados em UTI(22). Daí a importância de sua detecção e intervenção precoces, pois o delirium está associado com piores desfechos para pacientes criticamente enfermos, inclusive aumento da duração da ventilação mecânica, permanência na UTI e mortalidade(22).
Os itens avaliados como menos estressantes pelos pacientes foram "membro da equipe de enfermagem não se apresentar pelo nome", seguido por "sentir que a enfermagem está mais atenta aos aparelhos do que a você" e "enfermagem e médicos falando muito alto". Os nossos resultados diferem dos encontrados na literatura. Os itens "escutar o telefone tocar", "ter que usar oxigênio" e "ver a família e amigos por apenas alguns minutos" foram considerados menos estressantes por pacientes idosos submetidos às cirurgias eletivas de CRVM e/ou correção de valvulopatias(10). Já os adultos investigados nesse mesmo estudo avaliaram os itens "ter a enfermagem constantemente fazendo tarefas ao redor do leito", "ser examinados por médicos e enfermeiros constantemente" e "escutar o telefone tocar" como os menos estressantes(10).
Os itens "ter a enfermagem constantemente fazendo tarefas ao redor do leito" e "ser examinado por médicos e enfermeiros constantemente" também foram os menos estressantes para os pacientes avaliados em outros dois estudos nacionais(8-9).
Quando agrupamos as opções de respostas da escala de estressores em duas categorias, "não se aplica/não estressante" ou "algum grau de estresse (moderadamente, muito ou extremamente)", verificamos que, em apenas 13 dos 50 itens, tivemos mais de 50% dos pacientes classificando-os como "algum grau de estresse", sendo eles "estar preso por tubos e drenos"; "ter sede"; "sentir falta do marido, esposa, ou companheiro(a)"; "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou na boca"; "ter que ficar olhando para os detalhes do teto"; "não conseguir dormir"; "não conseguir mexer as mãos ou braços devido ao soro ou medicação na veia"; "ter luzes acesas constantemente"; "sentir dor"; "não ter controle sobre si mesmo"; "não conseguir se comunicar"; "desconhecer o tempo de permanência na UTI" e "estar incapacitado para exercer o seu papel na família".
No presente estudo, o item "sentir dor" foi o sexto estressor no rank geral da escala, considerado moderadamente estressante por 18 (17,1%), muito estressante por 23 (21,9%) e extremamente estressante por 17 (16,2%) pacientes. Além disso, encontramos descrita no prontuário de 86 pacientes (81,9%) a queixa de dor no POI. Esse item foi avaliado como o mais estressante(8-9) ou um dos mais estressantes(10) em outros estudos com pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Vale ressaltar ainda que, no presente estudo, os pacientes que apresentaram dor no POI apresentaram escores mais elevados dos estressores do que os pacientes que não apresentaram, sendo a diferença estatisticamente significante.
O escore total médio da "Escala de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva" foi de 75,7 (D.P.=22,5). Considerando que a escala assume os valores de 0 a 200, sendo que maiores valores indicam maior estresse percebido pelos pacientes, podemos inferir que de um modo geral, o POI foi avaliado como "não estressante" a "moderadamente estressante" pelos pacientes. A comparação desse resultado com trabalhos encontrados na literatura fica prejudicada, uma vez que os estudos disponíveis utilizaram a versão traduzida da referida escala(8-10), e não a versão adaptada para o português(4). Na versão traduzida(23), encontramos uma escala com 42 itens, com escala de resposta do tipo Likert de quatro pontos, em que (1) significa não estressante; (2) pouco estressante; (3) estressante e (4) muito estressante. Dessa forma, o escore pode variar de 42 a 168 pontos.
Por fim, não encontramos relação estatisticamente significante dos estressores com o sexo, a idade, o tipo de cirurgia, o tempo da cirurgia, o tempo de entubação no POI, o uso de psicotrópicos no POI e o tempo de permanência na unidade. Nossos resultados corroboram um estudo(9) no qual não houve diferenças estatisticamente significantes nos escores dos estressores, considerando o sexo, a idade e o tempo de permanência na UTI de pacientes no POI de cirurgias de CRVM e/ou correção de valvopatias. Resultados semelhantes também foram encontrados em outro estudo(10), no qual os pesquisadores não encontraram correlações significativas da idade e do sexo com o escore total dos estressores percebidos pelos pacientes. Nesse mesmo estudo, o uso de psicotrópicos no POI, o tipo de cirurgia e o tempo de permanência na UTI também não apresentaram relação com o escore total dos estressores no grupo de pacientes adultos. Entretanto, o uso de psicotrópicos no POI apresentou relação estatisticamente significante no grupo de pacientes idosos, ou seja, pacientes idosos que receberam esses medicamentos no POI apresentaram um grau mais elevado de estresse(10).
CONCLUSÃO
Os itens percebidos como mais estressantes pelos pacientes em POI de cirurgia cardíaca foram "ter sede", "ficar com tubos/sondas no nariz e/ou boca" e "não conseguir dormir". Dentre as características sociodemográficas e clínicas analisadas no estudo, apenas a dor no POI apresentou diferença estatisticamente significante na percepção dos estressores pelos pacientes. Esses resultados podem subsidiar a construção de protocolos assistenciais, com o objetivo de diminuir a exposição dos pacientes aos principais estressores vivenciados no POI de cirurgias cardíacas, considerando que vários dos fatores considerados estressantes pelos pacientes podem ser controlados pela equipe de saúde. Como exemplo, a dor referida pelo paciente, pode ser controlada com a implementação de um protocolo de avaliação e tratamento, subsidiada na prática clínica, com avaliação da dor objetiva e sistematizada, associada à administração de analgésicos.
O conhecimento dos itens avaliados como mais estressantes para os pacientes no POI de cirurgia cardíaca podem auxiliar a implementação de práticas relacionadas à redução desses estressores, incluindo a realização de educação em saúde sobre o ambiente de UTI e os procedimentos comuns a pacientes submetidos a esse procedimento cirúrgico e efetuação de práticas que facilitem o início do sono e que reduzam o número de interrupções.
Consideramos importante também a realização de estudos longitudinais, investigando a eficácia da implementação de protocolos assistenciais, com o enfoque no preparo do paciente para o procedimento anestésico-cirúrgico, bem como a sua permanência na UTI, com o objetivo maior de diminuir a exposição dos pacientes aos estressores.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Aug 2016
Histórico
-
Recebido
18 Jun 2015 -
Aceito
11 Abr 2016