Resumo
Objetivo: Desenvolver um modelo treinamento utilizando tomates para aquisição de habilidades microcirúrgicas oftalmológicas.
Métodos: Duas espécies de tomates (Tomate longa vida e cereja) foram utilizados, sendo utilizados tomates verdolengos e maduros. Delimitou-se com marcador permanente um círculo de raio de 0,5cm. Sob magnificação de um sistema de vídeo, foi realizado a separação da casca, tentando evitar lesionar a fruta. Após a dissecção, foi realizado a rafia da região removida com fio de mononáilon 10-0.
Resultados: Os modelos utilizados mostraram-se viáveis para a realização do treinamento de dissecção microcirúrgica independente da espécie. O custo médio de cada simulador foi de menos de R$2,00. O tempo médio de dissecção foi de 10,40 ±1,84 minutos no tomate maduro e 15,20 ±2,25 minutos no verdolengos. Apenas nos tomates verdolengos foi possível realizar a rafia.
Conclusão: O modelo de treinamento desenvolvido mostrou-se adequado para o treinamento inicial de várias habilidades oftalmológicas. Além disso, apresenta um baixo custo e fácil aquisição e confecção.
Descritores: Microcirurgia; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos; Treinamento por simulação; Dissecação
Abstract
Objectives: Develop a training model using tomatoes to acquire ophthalmic microsurgical skills.
Methods: Two species of immature and mature tomatoes (long life and cherry tomato) were used. A 0.5cm radius circle was delimited with a permanent marker. Under a magnification by a video system, the peel was separated, trying to avoid damaging the fruit. After dissection, it was performed the raffia of the peel with 10-0 mononylon thread.
Results: The models used proved to be viable for training in microsurgical dissection, regardless of the species. The average cost of each simulator was less than U$ 1.00. The average dissection time was 10.40 ± 1.84 minutes for ripe tomatoes and 15.20 ± 2.25 minutes for greens. Only in immature tomatoes was it possible to make the raffia.
Conclusion: The training model developed proved to be suitable for the initial training of many ophthalmic skills. In addition, it has a low cost and is easy to purchase and manufacture.
Keywords: Microsurgery; Ophtalmologic surgical procedures; Simulation training; Dissection
Introdução
As bases da formação cirurgiões foi baseada, desde o século XIX, pela máxima “see one, do one” onde o acadêmico ou residente inicialmente era apresentado a uma situação problema e após um breve período de exposição era realizada a prática em serviço.(1-4) Este modelo traz diversas vantagens, porém fere gravemente os princípios de segurança do paciente, visto que a baixa experiencia está associado a um maior tempo de internação hospitalar, complicações e morbimortalidade.(2-6)
No contexto da oftalmologia, as atividades cirúrgicas necessitam de grandes curvas de aprendizado, visto que as estruturas anatômicas abordadas apresentam grande fragilidade e um calibre diminuto, além da necessidade de treinamento com microscópio microcirúrgico.(7,8)Assim, destaca-se a importância da simulação para garantir o respeito a segurança do paciente.
Em virtude das novas tecnologias, diversos sistemas de simulação foram recentemente incorporados a grandes centros de treinamento e formação.(4,5,8) Contudo, devido ao elevado investimento inicial com a infraestrutura e instrumentais microcirúrgicos diversos centros não conseguem adaptar-se a esta nova realidade, mantendo o sistema tradicional.(9-11)
Portanto, devido às limitações atuais, o objetivo deste trabalho é desenvolver um modelo economicamente viável para o início do treinamento microcirúrgico de estruturas oculares, utilizando tomates como modelos de treinamento.
Métodos
Essa pesquisa caracteriza-se como um estudo experimental e transversal. Foram seguidas as leis brasileiras de uso e criação de animais (Lei nº11.794/08). Sendo o protocolo de pesquisa avaliado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais e recebendo o parecer de ‘dispensa' de avaliação em virtude de não utilizar diretamente animais.
Foram utilizados duas espécimes de tomates: 1) tomate longa vida (Solanum lycopersicum L.) e 2) tomate cereja (Solanum lycopersicon L. var. cerasiforme); adquiridas em supermercado local e mantidas em ambiente arejado até o início do estudo. Foram utilizadas dez unidades (5 verdolengos e 5 maduros) de cada espécie. Cada tomate foi fixado na sua base numa prancha cirúrgica com o auxílio de esparadrapo. Foi delimitado com marcador permanente um círculo de raio de 0,5cm. Então, sob magnificação de um sistema de vídeo, foi realizado a separação da casca, tentando evitar lesionar a fruta. Foram utilizadas tesouras e pinças microcirúrgicas convencionais.
Após a dissecção da casca, foi realizado a rafia da região removida com fio de mononáilon 10-0. Foram confeccionados inicialmente 04 pontos simples nas posições cardinais e após mais 04 pontos simples nas interseções dos primeiros pontos. A Figura 1 esquematiza as etapas do treinamento proposto.
Etapas de treinamento. A – Dissecção da casca. B – Liberação da casca. C- Posicionamento da casca. D – Casca suturada.
O sistema de magnificação(9,10) utilizado nesse estudo foi composto por uma câmera Sony© Handycam HDR-XR160 conectada a uma TV 55' Curva Full HD por meio de um cabo HDMI. Duas fontes de luz fluorescentes foram usadas próximas à prancha para fornecer iluminação adequada do campo operatório. O procedimento foi realizado por dois microcirurgiões com mais de 5 anos de experiencia em videomicrocirurgia.
Os parâmetros analisados foram: 1) custo do modelo; 2) Tempo de dissecção; 3) Perfeição do círculo; 4) Área da casca com polpa, calculada por meio do software ImageJ©, avaliando a área total e a área com polpa; e 5) Tempo de rafia. Foram utilizados os softwares Microsoft® Word e Excel para análise dos dados e confecção dos gráficos e edição das fotos.
Resultados
Os modelos utilizados mostraram-se viáveis para a realização do treinamento de dissecção microcirúrgica independente da espécie ou do grau de maturação. O custo médio de cada simulador foi de menos de R$2,00. O tempo médio de dissecção foi de 10,40 ±1,84 minutos no tomate maduro e 15,20 ±2,25 minutos no verdolengos.
Independente da espécie ou do grau de maturação, conseguiu-se realizar perfeitamente a dissecção do flap de casca em relação ao formato desejado (Figura 2). Contudo, em relação a área do flap contendo partes da polpa foi em média de 1% nos tomates maduros e 2% nos tomates verdolengos, para ambas as espécies.
Nos tomates maduros não foi possível realizar as suturas, visto que durante a confecção dos nós ocorreu rasgaduras na casca permitindo apenas simular a confecção porem sem conseguir aperta-los. Nos tomates verdolengos foi possível realizar as microsuturas normalmente, sendo o tempo médio de rafia de 24,64 ±4,88 minutos.
Discussão
Residentes de oftalmologia que treinaram em simuladores apresentam menor tempo cirúrgico, complicações intraoperatórias e curva de treinamento.(12,13) Evidenciando a importância do treinamento em ambientes protegidos antes da realização da pratica em seres humanos.
O presente modelo de treinamento apresenta um custo ínfimo e fácil aquisição em relação ao principal modelo de treinamento utilizado – olho de porco.(14) Além disso a utilização de sistemas de vídeo magnificação reduzem o custo inicial dos centros de treinamento além de permitir a realização do treinamento fora do ambiente de trabalho e minimizar o risco de contaminação pela utilização de material orgânico.(10,15)
O modelo mostrou-se viável para o treinamento e acompanhamento de habilidades, visto que é possível utilizar-se de parâmetros fechados (tempo de dissecção, perfeição do círculo, área da casca com polpa) para confirmar o ganho de habilidades. A partir desses dados pode-se determinar um cut-off que permite ao oftalmologista em formação passar de um treinamento mais simples para outro mais complexo ou iniciar a prática em humanos.
Quando comparado os resultados entre os estágios de maturação dos tomates percebe-se que os verdolengos apresentam uma maior aderência da casca a polpa em relação aos maduros, sendo assim um modelo mais avançado. Visto que no modelo descrito, a casca dos tomates representa a córnea ocular, enquanto a polpa do fruto o humor aquoso. Assim, essa maior adesão necessita da realização de movimentos mais delicados e precisos para evitar danificar a polpa.
Outro ponto a ser destacado é que somente nos tomates verdolengos foi possível realizar a sutura da casca e assim simular a confecção de uma rafia de córnea. Reforçando o maior grau de dificuldade e a ampla variedade de técnicas que podem ser simuladas neste modelo de treinamento. Esse treinamento é de vital importância pois simula a confecção de nós que são a maior dificuldade do treinamento inicial microcirúrgico.(16)
Um ponto a ser destacado é que o tomate cereja apresenta um diâmetro (14.85 mm)(17) semelhante ao do bulbo do olho (25mm)(18), enquanto o tomate longa vida apresenta um diâmetro bem maior de aproximadamente 52,66mm de diâmetro(19) Sendo este último mais adequado no início do treinamento e o tomate cereja nas etapas finais do treinamento.
Uma das limitações para a utilização do tomate como simulador é a sua difícil fixação, devido ao formato arredondado, que pode ser minimizado pela realização de um corte transversal no plano mediano, além da falta de visão em três dimensões devido a utilização do sistema de vídeo. Além disso, este modelo não consegue simular perfeitamente todas as estruturas do olho humano. Porém, essas limitações não inutilizam o modelo que pode ser amplamente utilizado nas etapas iniciais do treinamento.
Conclusão
O modelo de treinamento desenvolvido mostrou-se adequado para o treinamento inicial de várias habilidades oftalmológicas. Além disso, apresenta um baixo custo e fácil aquisição e confecção. Os tomates verdolengos possuem a casca mais aderida, sendo um modelo de maior dificuldade que permite a realização de treinamento de rafia.
-
Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade do Estado do Pará. Belém, PA, Brasil.
Referências
- 1 Khodaverdi D. See one, do one, teach one: is it enough? Yes. Emerg Med Australas. 2018;30(1):107-8.
- 2 Speirs C, Brazil V. See one, do one, teach one: is it enough? No. Emerg Med Australas. 2018;30(1):109-10.
- 3 Ezra DG, Aggarwal R, Michaelides M, Okhravi N, Verma S, Benjamin L, et al. Skills acquisition and assessment after a microsurgical skills course for ophthalmology residents. Ophthalmology. 2009;116(2):257-62.
- 4 Lorch AC, Kloek CE. An evidence-based approach to surgical teaching in ophthalmology. Surv Ophthalmol. 2017;62(3):371-7.
- 5 Javid P, Aydin A, Mohanna PN, Dasgupta P, Ahmed K. Current status of simulation and training models in microsurgery: A systematic review. Microsurgery. 2019;39(7):655-68.
- 6 Ortiz R, Sood RF, Wilkens S, Gottlieb R, Chen NC, Eberlin KR. Longitudinal Microsurgery Laboratory Training during Hand Surgery Fellowship. J Reconstr Microsurg. 2019 Nov;35(9):640-5.
- 7 Serna-Ojeda JC, Graue-Hernández EO, Guzmán-Salas PJ, Rodríguez-Loaiza JL. La simulación en la enseñanza de la oftalmología. Gac Med Mex. 2017;153(1):111-5.
- 8 Al-Jindan M, Almarshood A, Yassin SA, Alarfaj K, Al Mahmood A, Sulaimani NM. Assessment of learning curve in phacoemulsification surgery among the Eastern Province ophthalmology program residents. Clin Ophthalmol. 2020;14:113-8.
- 9 Teixeira RK, Feijó DH, Valente AL, de Carvalho LT, Brito MV, de Barros RS. Can Smartphones Be Used to Perform Video-Assisted Microanastomosis? An Experimental Study. Surg Innov. 2019;26(3):371-5.
- 10 Sergio R, de Barros M, Brito MV, Leal RA, Teixeira RK, Sabbá MF, et al. A Low-Cost High-Definition Video System for Microsurgical Hindlimb Replantation in Rats. J Reconstr Microsurg. 2017;33(3):158-62.
- 11 Maluf Junior I, da Silva AB, Groth AK, Lopes MA, Kurogi AS, Freitas RS, et al. An alternative experimental model for training in microsurgery. Rev Col Bras Cir. 2014;41(1):72-4.
- 12 Belyea DA, Brown SE, Rajjoub LZ. Influence of surgery simulator training on ophthalmology resident phacoemulsification performance. J Cataract Refract Surg. 2011;37(10):1756-61.
- 13 Taylor JB, Binenbaum G, Tapino P, Volpe NJ. Microsurgical lab testing is a reliable method for assessing ophthalmology residents' surgical skills. Br J Ophthalmol. 2007;91(12):1691-4.
- 14 Mohammadi SF, Mazouri A, Jabbarvand M, Rahman-A N, Mohammadi A. Sheep practice eye for ophthalmic surgery training in skills laboratory. J Cataract Refract Surg. 2011;37(6):987-91.
- 15 Monteiro de Barros RS, Brito MV, Teixeira RK, Yamaki VN, Costa FL, Sabbá MF, et al. High-Definition Video System for Peripheral Neurorrhaphy in Rats. Surg Innov. 2017;24(4):369-72.
- 16 Furka I, Brath E, Nemeth N, Miko I. Learning microsurgical suturing and knotting techniques: comparative data. Microsurgery. 2006;26(1):4-7.
- 17 Santiago EJ, de Oliveira GM, Leitão MM, Rocha RC, Pereira AV. Yield characteristics of cherry tomato cultivated with and without shading screen at different irrigation levels. Pesqui Agropecu Trop. 2018;48(4):374-81.
- 18 Özer CM, Öz II, Serifoglu I, Büyükuysal MÇ, Barut Ç. Evaluation of eyeball and orbit in relation to gender and age. J Craniofac Surg. 2016;27(8):e793-800.
- 19 Taheri-Garavand A, Rafiee S, Keyhani A. Study on some morphological and physical characteristics of tomato used in mass models to characterize best post harvesting options. Aust J Crop Sci. 2011;5(4):433-8.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Fev 2021 -
Data do Fascículo
Nov-Dec 2020
Histórico
-
Recebido
27 Jun 2019 -
Aceito
10 Set 2020