RESUMO
O ápice orbitário é uma região na qual estão contidas estruturas ósseas, vasculares e neurais. Patologias que acometem essa região podem desencadear um conjunto de sinais e sintomas característicos, dando origem a síndrome do ápice orbitário. É uma entidade rara, que consiste em sinais de envolvimento das estruturas nervosas, que atravessam o forame óptico e a fissura orbitária superior, comprometendo os nervos oculomotor, troclear, abducente; a divisão oftálmica do nervo trigêmeo e o nervo óptico. Suas causas incluem afecções neoplásicas, vasculares, traumáticas, infecciosas, inflamatórias e idiopáticas. Muitas vezes, nós nos deparamos com patologias sem tratamento curativo, portanto deve-se atentar para o controle da sintomatologia e a prevenção das possíveis implicações tardias. O objetivo desta série de casos é relatar algumas das causas da síndrome do ápice orbitário e sua apresentação clínica aguda, além de alertar sobre as possíveis implicações crônicas.
Órbita/patologia; Doenças orbitárias; Sindrome; Oftalmoplegia
ABSTRACT
Orbital apex is a region involving bone, vascular and neural structures. Pathologies involving this region may lead to several symptoms and signals and to orbital apex syndrome. It is a rare syndrome that is characterized by signals involving nervous ocular motor nerves through the optic foramen and the superior orbital fissure. This can affect the oculomotor, the third canal and abducens nerves; the ophthalmic division of the fifth cranial nerve and the optic nerve. Its causes include neoplastic, vascular, traumatic, infectious, inflammatory, and idiopathic conditions. We often deal with conditions with no treatment, so it is necessary to control the symptoms and prevent late implications. The purpose of this case series is to report on the causes of orbital apex disease and its potential chronic implications.
Orbit/pathology; Orbital diseases; Syndrome; Ophthalmoplegia
INTRODUÇÃO
A órbita humana tem a forma de uma pirâmide, com o ápice direcionado posteriormente. Essa região é anatomicamente complexa, devido às interações entre estruturas ósseas, vasculares e neurais. Patologias que acometem essa região podem desencadear um conjunto de sinais e sintomas característicos dando origem à síndrome do ápice orbitário (SAO). ( 11. Yeh S , Foroozan R . Orbital apex syndrome . Curr Opin Ophthalmol . 2004 ; 15 ( 6 ): 490 - 8 . , 22. Lenzi GL , Fieschi C . Superior orbital fissure syndrome . Review of 130 cases. Eur Neurol. 1977 ; 16 ( 1-6 ): 23 - 30 . ) Essas estruturas incluem os quatro músculos retos que se originam do anel tendinoso de Zinn; o nervo óptico e a artéria oftálmica através do canal óptico. Também os ramos superior e inferior do nervo oculomotor, nervo abducente e nervo nasociliar passam pelo anel de Zinn, pela porção média da fissura orbital superior.
A SAO é uma entidade rara caracterizada por oftalmoplegia, proptose, ptose e perda de visão. Consiste em sinais do envolvimento das estruturas nervosas, que atravessam o forame óptico e a fissura orbitária superior, comprometendo os nervos oculomotor, troclear, abducente, divisão oftálmica do nervo trigêmeo e nervo óptico. ( 33. Kline LB . The Tolosa-Hunt syndrome . Surv Oftalmol. 1982 ; 27 ( 2 ): 79 - 95 . )
Devido à grande variedade de condições capazes de afetar o ápice orbitário, os sintomas clínicos e a severidade deles podem ser bastante variáveis. As causas incluem processos inflamatórios orbitários externos e difusos, traumas, massas retro-orbitárias, bloqueio do sistema de drenagem orbital, idiopáticas e distúrbios arteriais, como, por exemplo, aneurisamas. ( 44. Rodrigues-Alves CA, Santo RM. Pseudotumor de órbita. In: Rodrigues-Alves CA. Neuroftalmologia. São Paulo: Roca; 2000 . p. 193-211. , 55. Gawley SD , McAvoy CE , Best RM , Flynn PA . Traumatic self-induced orbital apex syndrome . Eye (Lond). 2007 ; 21 ( 11 ): 1451 - 2 . ) Os aneurismas tendem a aumentar, tornando-se “gigantes”, e comprimem as estruturas adjacentes, resultando em um quadro doloroso indolente. ( 66. Bone I , Hadley DM . Syndromes of the orbital fissure, cavernous sinus, cerebello- pontine angle, and skull base . J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005 Sep; 76 Suppl 3(Suppl 3): iii29 - iii38 . )
O objetivo deste estudo foi relatar três casos de transtornos de ápice orbital tratados e sua apresentação clínica aguda, além de alertar sobre as possíveis implicações crônicas e relacionar a essas condições.
RELATO DOS CASOS
Caso 1
Paciente do sexo feminino, 56 anos, hipertensa, referia baixa acuidade visual (BAV) associada à diplopia e dor lancinante em região ocular, que irradiava para cabeça há 6 dias, acompanhada de náusea e vômitos. Nega antecedentes familiares e oftalmológicos relevantes.
Ao exame oftalmológico, apresentou acuidade visual melhor corrigida (AVcc): 20/20 e 20/80, com reflexo pupilar fotomotor direto e consensual ausentes em olho esquerdo (OE) e defeito pupilar aferente relativo (DPAR) à esquerda. Apresentou limitação da musculatura ocular extrínseca (MOE): abdução, adução e abaixamento -3 e elevação -2 ( Figura 1 ). À biomicroscopia, observaram-se ptose palpebral, conjuntiva calma e midríase OE. A pressão intraocular (Goldman) era de 10 e 12 mmHg. À fundoscopia, estava sem alterações. Angiotomografia de crânio evidenciou aneurisma sacular no segmento intracavernoso da artéria carótida interna esquerda (20x26mm) ( Figura 2 ).
Apresentação aguda de oftalmoplegia em olho esquerdo com limitação de adução, abaixamento, adução e elevação.
Caso 1: Aneurisma sacular de artéria carótida interna esquerda em topografia de seio cavernoso nos cortes coronal e transversal na ressonência magnética de crânio com contraste (A e B) e angiotomografia de crânio (C e D).
Caso 2
Paciente do sexo feminino, 58 anos, hipertensa e tabagista, refere BAV em OE associada à ptose há 3 anos.
Ao exame oftalmológico, apresentou AVcc 20/20 e 20/200, esotropia (ET) e reflexo pupilar fotomotor direto e consensual ausentes em OE, com DPAR à esquerda. Havia limitação da MOE com abdução, adução, abaixamento -1 e elevação -4 (Figura 3A). À biomicroscopia, apresentou ptose palpebral e hiperemia conjuntival 1+/4+, ceratopatia em faixa paracentral inferior das 4 às 9h com pannus em região interpalpebral (Figura 3B). Foi solicitada angiotomografia de crânio, que evidenciou aneurisma sacular no segmento intracavernoso da artéria carótida interna esquerda (12x11mm).
Caso 2: Apresentação tardia de oftalmoplegia em olho esquerdo com esotropia em posição primária do olhar e limitação de abdução, abaixamento e elevação. À biomicroscopia do olho esquerdo com ceratopatia em faixa paracentral inferior das 4 ás 9h, corando com colírio de fluoresceína.
Caso 3
Paciente do sexo masculino, 49 anos, referia diplopia e dor periocular latejante, com piora há 6 meses.
Ao exame oftalmológico apresentou AVcc 20/20 e 20/80, reflexo pupilar fotomotor consensual diminuído em OE com DPAR à esquerda e oftalmoplegia. À biomicroscopia apresentou ptose, hiperemia conjuntival 2+ e quemose OE. Foi solicitada tomografia de crânio e órbitas, que apresentou espessamento do canal óptico. À angiotomografia de crânio evidenciou assimetria de seios cavernosos, à custa de lesão ovalada adjacente à artéria carótida interna em sua porção intracavernosa, medindo aproximadamente 15x10mm nos maiores eixos e discreta proptose a esquerda ( Figura 4 ).
Caso 3: Ressonância magnética de crânio e órbitas contrastada: assimetria de seios cavernosos, à custa de lesão ovalada adjacente à artéria carótida interna em sua porção intracavernosa, medindo aproximadamente 15x10mm nos maiores eixos (A e C) e discrete proptose à esquerda (B). Tomografia de crânio e órbitas: espessamento do canal óptico e da MOE à esquerda.
DISCUSSÃO
A complexidade do ápice orbitário está relacionada com a confluência de estruturas neurovasculares no crânio com transição para órbita e face. Kjoer, em 1945, descreveu uma síndrome constituída de oftalmoplegia com envolvimento do nervo óptico, neurite retrobulbar ou papiledema, a qual poderia evoluir para atrofia e síndrome do ápice orbital. ( 22. Lenzi GL , Fieschi C . Superior orbital fissure syndrome . Review of 130 cases. Eur Neurol. 1977 ; 16 ( 1-6 ): 23 - 30 . ) A SAO reflete lesões de estruturas neurovasculares que cruzam a fissura orbital, causando ptose e oftalmoplegia (nervos III, IV, VI) e proptose (veia oftálmica superior); anestesia da pálpebra superior e fronte (cranial nervo V) ( 11. Yeh S , Foroozan R . Orbital apex syndrome . Curr Opin Ophthalmol . 2004 ; 15 ( 6 ): 490 - 8 . ) ocorre de forma total ou parcial associada à etiologia traumática, infecção, tumores ou hemorragias. ( 77. Beck RW, Smith CH. Orbital apex syndrome. In: Beck RW, Smith CH. Neuroophthalmology: a problem oriented approach. Boston: Little-Brown; 1988 . p. 216-8. , 88. Bray WH , Giangiacomo J , Ide CH . Orbital apex syndrome . Surv Ophthalmol . 1987 ; 32 ( 2 ): 136 - 40 . ) Esse fato corrobora o caso já apresentado de paciente com alterações clínicas devido ao acometimento da região do ápice orbitário, porém com etiologia fora do esperado.
As apresentações mais comuns são baixa visual associada à oftamoplegia dolorosa, como apresentado no primeiro caso. Outros sinais e sintomas podem auxiliar na localização da lesão, por exemplo, dor ou sensibilidade da pele periorbitária denotam envolvimento da divisão oftálmica, como o paciente do terceiro caso, enquanto dor da região da face apontaria para acometimento da divisão maxilar do nervo trigêmeo. Já a oftalmoplegia decorre do envolvimento dos nervos oculomotor, abducente e troclear em diversas combinações, levando à diplopia vertical, horizontal ou torcional, com ou sem postura compensatória da cabeça. Podem estar associados também ptose, proptose, alteração da sensibilidade corneana, DPAR, anisocoria e edema de papila.
Os relatos apresentam o aneurisma acometendo seio cavernoso e causando a SAO, sendo um tipo de manifestação diferente do que é visto na maioria dos casos. Na literatura, há casos secundários a herpes-zóster, ( 99. Tarazi AE , Shikani AH . Irreversible unilateral visual loss due to acute sinusitis . Arch Otolaryngol Head Neck Surg . 1991 ; 117 ( 12 ): 1400 - 1 . ) infecção por Aspergillus ( 1010. Bikhazi NB , Sloan SH . Superior orbital fissure syndrome caused by indolent Aspergillus sphenoid sinusitis . Otolaryngol Head Neck Surg. 1998 ; 118 ( 1 ): 102 - 4 . ) e até invasão orbitária por carcinoma espinocelular. Lenzi e Fieschi ( 22. Lenzi GL , Fieschi C . Superior orbital fissure syndrome . Review of 130 cases. Eur Neurol. 1977 ; 16 ( 1-6 ): 23 - 30 . ) apontam as causas inflamatórias como as mais comuns (74%). ( 1111. Gupta D , Vishwakarma SK . Superior orbital fissure syndrome in trigemino-facial zoster . J Laryngol Otol. 1987 ; 101 ( 9 ): 975 - 7 . )
A SAO tem sido bem definida em termos de critérios clínicos para diagnóstico, mas a literatura patológica e radiológica pode atrasar a descrição clínica da entidade. Isso pode ocorrer devido à localização e ao pequeno tamanho da lesão em uma região de difícil imagem – o seio cavernoso. Por essas razões, o diagnóstico foi de exclusão nos pacientes relatados e somente com o resultado da angiotomografia e da ressonância magnética podem ser visualizadas lesões do seio cavernoso diretamente.
Para o diagnóstico e o planejamento cirúrgico de aneurismas, o estudo tomográfico é imprescindível. Os sintomas presentes causados pelo aneurisma podem variar de acordo com o grau de severidade das lesões e as estruturas acometidas. Diferentes níveis de paralisia da movimentação ocular podem ocorrer, dependendo do comprometimento dos pares cranianos envolvidos na motricidade extrínseca. ( 1212. Deda, H . Demirci, I . Traumatic superior orbital fissure syndrome:case report. Turkish Neurosurg. 2002;12:124-7. ) Essas alterações foram preenchidas pelo nosso paciente, o que corroborou o diagnóstico. O tratamento não está claramente definido, principalmente nos casos de abordagem conservadora. Diferentes condutas medicamentosas são adotadas, e alguns autores sugerem o uso de grandes doses de esteroides em tratamentos conservadores. ( 1313. Jin H , Gong S , Han K , Wang J , Lv L , Dong Y , Zhang D , Hou L . Clinical management of traumatic superior orbital fissure and orbital apex syndromes . Clin Neurol Neurosurg . 2018 ; 165 : 50 - 4 . )
Nestes relatos, a associação entre sintomas primários, manifestações oculares, quadro clínico oftalmológico, justificam o diagnóstico de SAO por aneurisma sacular do seio cavernoso. Por essa associação ser rara, há poucas informações novas sobre a duração do tratamento ou as formas alternativas de terapia. São de suma importância o rápido diagnóstico e o tratamento adequado e imediato, na tentativa de se obter prognóstico mais favorável, evitando complicações e, consequentemente, lesões crônicas irreversíveis para o paciente.
REFERÊNCIAS
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1Yeh S , Foroozan R . Orbital apex syndrome . Curr Opin Ophthalmol . 2004 ; 15 ( 6 ): 490 - 8 .
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2Lenzi GL , Fieschi C . Superior orbital fissure syndrome . Review of 130 cases. Eur Neurol. 1977 ; 16 ( 1-6 ): 23 - 30 .
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3Kline LB . The Tolosa-Hunt syndrome . Surv Oftalmol. 1982 ; 27 ( 2 ): 79 - 95 .
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4Rodrigues-Alves CA, Santo RM. Pseudotumor de órbita. In: Rodrigues-Alves CA. Neuroftalmologia. São Paulo: Roca; 2000 . p. 193-211.
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5Gawley SD , McAvoy CE , Best RM , Flynn PA . Traumatic self-induced orbital apex syndrome . Eye (Lond). 2007 ; 21 ( 11 ): 1451 - 2 .
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6Bone I , Hadley DM . Syndromes of the orbital fissure, cavernous sinus, cerebello- pontine angle, and skull base . J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005 Sep; 76 Suppl 3(Suppl 3): iii29 - iii38 .
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7Beck RW, Smith CH. Orbital apex syndrome. In: Beck RW, Smith CH. Neuroophthalmology: a problem oriented approach. Boston: Little-Brown; 1988 . p. 216-8.
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8Bray WH , Giangiacomo J , Ide CH . Orbital apex syndrome . Surv Ophthalmol . 1987 ; 32 ( 2 ): 136 - 40 .
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9Tarazi AE , Shikani AH . Irreversible unilateral visual loss due to acute sinusitis . Arch Otolaryngol Head Neck Surg . 1991 ; 117 ( 12 ): 1400 - 1 .
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10Bikhazi NB , Sloan SH . Superior orbital fissure syndrome caused by indolent Aspergillus sphenoid sinusitis . Otolaryngol Head Neck Surg. 1998 ; 118 ( 1 ): 102 - 4 .
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11Gupta D , Vishwakarma SK . Superior orbital fissure syndrome in trigemino-facial zoster . J Laryngol Otol. 1987 ; 101 ( 9 ): 975 - 7 .
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12Deda, H . Demirci, I . Traumatic superior orbital fissure syndrome:case report. Turkish Neurosurg. 2002;12:124-7.
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13Jin H , Gong S , Han K , Wang J , Lv L , Dong Y , Zhang D , Hou L . Clinical management of traumatic superior orbital fissure and orbital apex syndromes . Clin Neurol Neurosurg . 2018 ; 165 : 50 - 4 .
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Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
4 Out 2022 -
Aceito
20 Jan 2023