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A profissionalização do administrador paulista

ARTIGOS

A profissionalização do administrador paulista

Flávio Penteado Sampaio

Professor de Sociologia e Diretor da Escola de Administração de Empresas, de São Paulo

"Com a passagem do tempo, à medida que a industrialização avança, cada nação, em seu desenvolvimento, se distancia de seu estágio pré-indostrial e de, seus líderes industriais originais." - KERR, DUNLOP, HARBISON e MYERS

O Brasil está, indubitavelmente, caminhando em ritmo acelerado para a transposição de seu estágio pré-industrial, com a gradual consolidação de sua indústria de base, em que pêse à sua luta no sentido de procurar resolver o grave problema da escassez de capitais e da conseqüente montagem de um sistema de crédito menos incerto e menos oneroso.

Um dos meios que mais se têm destacado por sua eficácia para solução dêsse problema nos países em fase de expansão é o investimento em recursos humanos ao nível de gerência. Êstes, se mobilizados como recursos econômicos, ao mesmo tempo que preparados para tratamento, com alvos sociais, dos processos tecnológicos no sentido do bem-estar coletivo, contribuirão para evitar "a mecanização da vida, que se arrisca a produzir monstros, biológica e moralmente"(1 1 ) MARCEL BRESARD, Le Chef d'Enterprise et la Mobilité Sociale, Paris: Editions de l'Entreprise Moderne, 1961, pág. 26. ).

Tal investimento tem, como uma de suas conseqüências, o sentido crescentemente "organizacional" aplicado ao esforço conjugado de todos os fatores de produção acionados na emprêsa pelo talento administrativo e pelo impulso inovador do dirigente moderno.

Ocorre que o rendimento econômico da utilização crescente dos recursos humanos na direção executiva das emprêsas esbarra com os elementos que condicionam sua capacidade administrativa para exercer a combinaçao ótima dos demais fatôres de produção, sendo dois dos maiores dêsses elementos o tempo e a qualidade da expenencia do administrador. De outra parte, a sensibilidade do executivo para com a conjuntura política, econômica e social em que a emprêsa opere tem relação direta com o grau de eficiência com que êle toma decisões e assume riscos.

Pouco ou nada se sabe, em bases seguras, acêrca do aparecimento e da atuação do gerente brasileiro nesse sentido Seu recrutamento e sua formação têm sido feitos por critérios improvisados e a partir de noções e conceitos ainda não devidamente justificados.

Os primeiros estudos nessa área entre nós datam de há menos de cinco anos. Êste artigo se refere, arnda que ligeiramente, a um dêsses estudos, sendo seu objeto a caracterização de um dos aspectos do problema: a mobilidade profissional com base na estrutura social da empresa.

O ADMINISTRADOR PROFISSIONAL E A INDUSTRIALIZAÇÃO

A sociedade contemporânea - particularmente a brasileira é uma sociedade em expansão. E "a empresa é atualmente um lugar privilegiado no plano do dinamismo social, pois é a fonte de muitos problemas sociais e econômicos e, também, de algumas soluções"(2 (2 ) MARCEL BRESARD, obra citada. ).

Na etapa preliminar e pioneira da industrialização - não só no Brasil, mas na maioria dos países que se industrializaram por mudança da tradicional fisionomia economico-social para um tipo de sociedade fortemente diferenciada - predominava, na iniciativa e no "comando" da produção por métodos pré-industriais de cunho patrimonial, a figura do chefe-de-família empreendedor, auxiliado por seus filhos ou por pessoas de inteira confiança do "patrão-proprietário". Correspondia essa inicipente estrutura empresária a uma também incipiente sociedade industrial, intentada pela inversão no campo fabril das reservas de capital acumuladas na produção agrícola de exportação. Essa foi a origem da industrialização brasileira, notadamente em São Paulo.

Mas, aquela mesma sociedade fabril incipiente trazia em seu bôjo o fermento de uma sociedade industrial onde as. crescentes reservas de mão-de-obra teriam de ser recrutadas de modo racional (e não mais pela via tradicional do parentesco), bem como remuneradas e contratadas de conformidade com os princípios do Direito Social (e não mais conforme, apenas, o arbítrio unilateral do patrão). O mercado de produtos manufaturados cresceu, mas, ao mesmo tempo, tornou-se competitivo; e os capitais iniciais não foram suficientes para suportar as exigências de expansão da produção, necessàriamente mais racional quando favorecida e controlada por sistemas mecanizados, com introdução articulada de estratégias e procedimentos mercadológicos. Finalmente, a tomada de posição e a adoção de medidas reguladoras e incentivadoras pelo poder estatal fizeram com que reforços financeiros do exterior tivessem de ser solicitados para o empreendimento industrial, a fim de serem acrescentados aos capitais originais. Assim, representantes de grupos estranhos à família do empreendedor puderam participar da direção da organização empresária, chegando, por vêzes, a ter predominância sôbre ela, como foi o caso da indústria automobilística.

É natural que êsse processo de transformação tenha sido mais acentuado no setor da média e da grande emprêsa, pois a eficiência das pequenas emprêsas familiares, quer na manufatura, quer no comércio de atacado e varejo, é maior em economias em desenvolvimento, como ficou comprovado por pesquisas de âmbito internacional(3 (3 ) FREDERICK HARBISON e CHARLES MYERS, Management in the Industrial World, Nova Iorque: McGraw-Hill, 1959, pág. 71. ).

No Brasil o processo de transição gerou também, fortemente, outro tipo de mobilidade com o surgimento de oportunidades novas para os mais ousados, como foi o caso de inúmeros proprietários de oficinas ou pequenas fábricas, originários dos quadros técnicos de grandes emprêsas ou de escolas técnicas de nível superior e de nível médio.

Essa transição da emprêsa produtora, de características tradicionais e com apenas alguns traços de organização industrial, para a emprêsa moderna, típica da sociedade Industrial, revelou o momento de mudança do caráter estático da economia com unidades produtoras auto-suficientes, para uma economia dinâmica, com crescente especialização das atividades, onde o status familial ou a posição social do dirigente cede lugar aos novos requisitos da divisão social e técnica do trabalho, segundo critérios racionais, reclamando a profissionalização do administrador, seja êle gerente ou diretor.

Essa transformação se deveu menos ao fato de a emprêsa haver passado da condição jurídica de sociedade mercantil de responsabilidade limitada para a de sociedade anônima, de participação teoricamente ilimitada, do que ao fato econômico-social de as características dêsse segundo tipo terem: (a) diminuído a importância do status social atribuído por herança, e elevado a do status profissional obtido por diligência pessoal; (b) sobreposto à legitimidade dos interêsses particulares de natureza econômica o direito universal às oportunidades; (c) preterido o caráter difuso das relações sociais, em favor do caráter específico da capacidade técnica; (d) preferido à impulsividade das emoções e à afetividade dos sentimentos, dos estados-dehumor e das paixões o critério racional e eqüitativo da justiça.

A emprêsa é hoje, em conseqüência, a agência do esforço social organizado, visando a resultado econômico, dentro de um contexto político-social cada vez mais ativo. Deverá a emprêsa ser estruturada institucionalmente, consoante sua finalidade específica e o tipo de planejamento de que se tenha originado em cada caso concreto; mas, antes de mais nada, deverá ser um sistema de ações humanas coletivas, do qual participem e atuem forças associativas e dissociativas, alimentando contínuo processo de reajustamento do comportamento individual e grupal, não só dentro do âmbito de trabalho como na comunidade social externa.

À medida que a industrialização progride, a administração de emprêsas, vista não somente como modalidade de recurso econômico, mas como geradora de uma neva classe social, torna-se efetivamente uma atividade profissional com apelos e responsabilidades definidos na obtenção de reforços de capitais, no processo inovador de gerência, na estratégia de penetração de mercados em expansão, na liderança dos movimentos de avanço de uma sociedade industrial e nos vários sistemas de que se compõe a estrutura social.

A rigor, somente nos últimos 10 ou 15 anos desenvolveram-se condições capazes de permitir o crescimento autônomo da indústria brasileira como setor econômico, ligado ao processo de urbanização como tipo de vida, pois até então não ocorrera suficiente expansão da produção nacional de bens de capital simultáneamente ao fortalecimento do mercado interno, e, em conseqüência, ficara ela submetida às injunções dos capitais e dos mercados internacionais(4 (4 ) FERNANDO H. CARDOSO, "Proletariado no Brasil - Situação e Comportamento Social", Revista Brasiliense, Editôra Revista Brasiliense, maio/julho de 1962, pág. 100. ).

E tudo indica que surgiu para as emprêsas o problema de rever sua política de pessoal dirigente, sobretudo na faixa médio-superior da administração (middle management), onde atuam os gerentes, os chefes de seção e de departamento, os engenheiros de administração técnica da produção e os diretores de carreira.

Ao mesmo tempo, com o tênue desabrochar de uma consciência de classe por parte do proletariado, provocada pelo nôvo modo-de-vida industrial e urbano, que o libera, aos poucos, do sistema de dominação tradicional, surge, também discretamente, a classe dos dirigentes industriais, "classe" menos no sentido político do que no sentido técnico e profissional, em face de sua ainda débil e hesitante presença no cenário governamental da Nação. Ao lado dêsse, outro tipo de administração de origem política, mas tendente a adquirir o sentido técnico de que falamos, está sendo ensaiado no país pela presença do Govêrno na iniciativa da instalação ou no controle acionário de algumas indústrias de base, como as do aço, do petróleo, dos transportes ferroviários etc..

Êsse desenvolvimento da classe de administradores de emprêsas, ao que parece, não foi programado: ocorreu em função da dinâmica econômico-social das chamadas "regiões motoras"(5 (5 ) Quanto ao conceito de "região motora" e "zona crítica", ver: Economie Appliquée, Paris: François Perroux, 1950, n.º 1. ), como exigência de um sistema empresário mais autônomo, mais complexo e com um regime de relações industriais impossível ou, pelo menos, bastante difícil de ser praticado por um corpo dirigente constituído pelo nepotismo dos "chefões". A administração normalmente praticável por um quadro burocrático composto de homens selecionados à base de seu preparo técnico e profissional e de sua competência para a sistemática tomada de decisões em constantes condições de risco - assim é a moderna administração de emprêsas - está consagrada no mundo capitalista e já vem sendo experimentada, mesmo em áreas socialistas, como nova linha de decisões independentes.

Muito embora concordemos em que administração não seja estritamente uma profissão, o que não se pode deixar de reconhecer é que ela é, como modêlo de ação organizada com métodos e técnicas próprios, uma forma distinta de liderança, caraterizada por um tipo de trabalho de "sentido profissional". Poder-se-ia, assim, falar, com maior propriedade, em administração como carreira(6 (6 ) FREDERICK HARBISON e CHARLES MYERS, op. cit., págs. 75 e 76. ).

Todavia, a acumulação dêsse eficaz contingente de recurso humano, já chamado por economistas modernos de "capital tecnológico", requer um crescente programa de educação técnica para a preparação de cientistas e administradores. Mas, quem deverá ser recrutado para essas importantes funções sociais? Nenhuma elite detém o monopólio dos talentos, das inteligências ou de outras habilidades; não obstante, as elites sociais tendem a monopolizar as oportunidades educacionais, o que, aliás, não parece ser fenômeno apenas brasileiro(7 (7 ) SEYMOUR M. LIPSET e REINHARD BENDIX, Social Mobility in Industrial Society, Bekerley: University of California Press, 1962. ).

Como corolário dessa complexa causação econômico-social do desenvolvimento de uma categoria nova n'e membros da comunidade nacional e de nova carreira no sistema empresário, haverá, possivelmente, conseqüências sociais com a transposição de barreiras à mobilidade social numa sociedade em expansão como a nossa, que quer o maior acervo de líderes qualificados, pois "a mobilidade social é um aspecto integrante e contínuo do processo de industrialização"(8 (8 ) ARTHUR M. ROSS, prefácio da obra citada na nota 7. ). Em conseqüência, novas preocupações e procedimentos visantes a criar oportunidades de ascenção e formação a novos dirigentes surgem na estrutura empresária, com repercussão nos planos educacionais e na ordem social em geral.

A PESQUISA

Partindo dêsses pressupostos, julgamos necessário e oportuno realizar estudos sôbre a composição e a mobilidade dos quadros dirigentes (faixa médio-superior) das emprêsas de São Paulo, onde o processo de industrialização lidera êsse tipo de mudança social no País.

Uma investigação inicial a êsse respeito, limitada à área mais fortemente industrializada do chamado "Grande São Paulo" (a Capital e outros 21 municipios adjacentes escolhidos segundo a combinação dos critérios adotados para a divisão territorial dessa área, pela SAGMACS e pelo Plano de Ação do Govêrno do Estado, aquela sob os pontos de vista urbano e sociológico, éste sob os aspectos econômico e administrativo), está em andamento sob os auspicios da Fundação de Amparo à Pesquisa, do Estado de São Paulo. Essa pesquisa foi, para fins subsidiários, antecedida por ligeira manipulação, sem rigor estatístico, de alguns dados relacionados com as características dos executivos de empresas (quase todos, militantes em organizações privadas) que freqüentaram e concluíram os vinte primeiros cursos intensivos para administradores, ministrados pela Escole de Administração de Emprésas, de São Paulo, entre 1954 e 1962. As sugestões colhidas enriqueceram a área de indagação, reforçaram a hipótese de trabalho e contribuíram para a elaboração dos questionários que vêm sendo usados na pesquisa.

O plano da pesquisa, em seus têrmos genéricos, está assim formulado:

A) Tema da indagação - Composição e mobilidade do quadro de administradores da faixa médio-superior nas emprêsas do "Grande São Paulo".

B) Hipótese geral - A carreña de administrador de emprêsas ainda não está amplamente profissionalizada; mas, nos últimos 8 a 10 anos iniciou-se um movimento tendente a reconhecer a importância e a necessidade do administrador profissional, determinado pelo crescente funcionamento do sistema de competição dos produtos manufaturados no mercado interno, bem como pela crescente dificuldade e complexidade do processo financeiro e dos controles nas emprêsas. Em outras palavras, à medida que o País se desenvolve economicamente e as emprêsas crescem, não mais podem elas ser dirigidas de acordo com critérios puramente familiares e patrimoniais, e tendem a ser organizadas e administradas cada vez mais racional e impessoalmente. Com efeito, as emprêsas no Brasil estão passando por um processo de transformaçáo, do estágio patrimonial tradicional para o estágio de organização burocrática(9 (9 ) A expressão é aqui usada em consonância com o conceito de MAX WEBER sôbre "burocracia". ). A gradual profissionalização do administrador faz parte do processo de racionalização das emprêsas.

C) Hipótese específica da pesquisa (ou hipótese de trabalho) - Já existe certo grau de profissionalização nas emprêsas paulistas, especialmente nas áreas de maior concentração industrial. Quanto maiores as emprêsas, tanto maior tende a ser o grau de profissionalização nelas existente.

ESCOPO DA INDAGAÇÃO

A fim de determinar o grau de profissionalização dos administradores paulistas (ainda com relação, exclusivamente, ao "Grande São Paulo"), duas feições do problema devem ser encaradas: (a) a composição atual do universo de administradores (fonte: "relações-de-2/3" fornecidas anualmente pelas emprêsas ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social); e (b) a mobilidade verificada nesse universo, por movimento ascendente ou descendente dentro da emprêsa (vertical) e por deslocamento entre emprêsas (horizontal).

Assim, combinando os temas da hipótese de trabalho com as sugestões colhidas na manipulação de informações relacionadas na investigação preliminar, a pesquisa está orientada no sentido de buscar dados esclarecedores nos seguintes tópicos:

A) Caracterização do universo das emprêsas nas quais trabalham os gerentes entrevistados, considerando-se o tamanho da emprêsa, o número de seus empregados, a nacionalidade de seus capitais, o seu ramo de atividade industrial e outros aspectos semelhantes.

B) Grau de instrução dos 125 gerentes entrevistados que constituem amostra da pesquisa, colhida pelo critério eqüiprobabilístico, e que foram distribuídos por 91 emprêsas escolhidas pelo mesmo critério. Quer-se saber a distribuição dêsses gerentes pelos níveis de escolaridade completa - primária, secundária ou superior - e a possível influência dessa instrução sobre suas carreiras.

C) Concentração por classe de idade no momento em que os entrevistados tenha atingido o nível de função "gerencial"; tempo que tenham levado essas pessoas para atingir a posição "gerencial" desde quando tenham começado a trabalhar; tempo gasto para atingir essa posição na emprêsa atual, nos casos de gerentes que hajam sido promovidos a essa função.

D) Mobilidade "ocupacional" e profissional dos gerentes, a partir do momento em que tenham começado a trabalhar; mobilidade comparada com a ocupação dos pais e avós paternos; mobilidade horizontal na carreira (de emprêsa para emprêsa).

E) Formas e vias de recrutamento por que tenham passado os gerentes para ocupar posição nessa faixa da estrutura burocrática empresária; possibilidade de ascensão a escalões superiores na emprêsa; comparação dessas possibilidades entre emprêsas nacionais e estrangeiras.

F) Origem étnica: naturalidade e ascendência étnica dos gerentes desde duas gerações anteriores.

G) Origem social e econômica: situação econômica das famílias dos entrevistados durante sua infância; instrução dos pais; determinação da origem social dos atuais gerentes, os quais, teoricamente, a pesquisa situa na classe média(10 (10 ) Para caraterizar cada uma das classes sociais a pesquisas adotou os critérios econômico-sociais de MARGARET MEAD e LLOYD WILLIAM WARNER. ).

H) Tentativa de determinação da distribuição de posições sociais dos gerentes por critérios econômico-sociais, tais como nível salarial, estado civil, atividade profissional ou doméstica das esposas, valor locativo das moradias, residência (bairro), vida associativa etc..

1) Coleta de dados: (a) sôbre a estrutura administrativa das emprêsas em que os entrevistados trabalhem, mediante verificação do número de pessoas diretamente subordinadas a êles na hierarquia de funções, e da natureza da responsabilidade "gerencial" por áreas funcionais; (b) sôbre certos níveis de responsabilidade para tomada de decisões quanto a despesas e investimentos pequenos; (c) sôbre a autoridade para contratar empregados e alterar listas de preços, isto com relação às funções de diretor; deseja-se saber, também, vários aspectos relacionados com as condições de acesso a essa faixa administrativa, em aditamento ao que venha a ser apurado, a êsse respeito, no tocante aos gerentes.

Sob o aspecto metodológico, a pesquisa foi programada em seis fases: (a) formulação da hipótese geral, determinação do âmbito e do escopo do inquérito e teste da hipótese de trabalho mediante investigação preliminar, elaboração e teste dos questionários para gerentes e diretores; (b) entrevista dos gerentes, "tabulação" dos dados e levantamento das primeiras evidências empíricas; (c) entrevista dos diretores, "tabulação" de dados e levantamento de evidências; (d) análhe comparativa das duas faixas de evidências; (e) conclusões ao nível de sugestões finais; e (f) publicação de monografia.

Tenciona-se apenas colhêr sugestões finais, não generalizá-las por inferências, uma vez que o trabalho não sofre elaboração estatística capaz de permitir êsse grau de conclusão e, também, porque o âmbito do inquérito (o "Grande São Paulo") é demasiado restrito para que seus resultados exprimam situação geral. O método adotado, em face da escassez de recursos financeiros e de tempo por parte de seus responsáveis diretos, permitirá, no entanto; concluir, a partir das evidências émpíricas em cada faixa de indagação, que no âmbito estudado as tendência sejam, efetivamente, as que forem observadas.

AMOSTRAGEM

O critério de amostragem foi o seguinte, em resumo:

• Determinado o universo de emprêsas no "Grande São Paulo", com base nas relações de indústrias do SENAI e nas "relações-de-2/3" referentes ao período compreendido de 26-IV-1961 a 25-IV-1962, foram arroladas 541 emprêras, 323 das quais (256 na Capital e 67 na área complementar) com 250 a 499 empregados cada um, tendo as demais 218 (144 na Capital e 74 na área complementar) 500 ou mais empregados. Dêsse universo de emprêsas foram sorteadas, ao acaso, 85 emprêsas (com margem de êrro igual a 5% ) nas quais trabalham, ao todo, 236 gerentes. Dêstes foram selecionados 150, também por critério eqüiprobabilístico, mas com margem de êrro igual a 2,5%, sendo que, no decorrer da aplicação do questionário para gerentes, se tornou necessário repor certo número de participantes da amostra, em virtude da grande mobilidade evidenciada, porquanto vários dês ses participantes: ou (a) mudaram-se para outro Estado; ou (b), inscritos na amostra como gerentes, tornaram-se diretores; ou (c) desligaram-se das emprêsas onde estavam, sem que fôsse possível localizá-los; ou, ainda, (d) passaram a exercer funções ou cargos inferiores aos da faixa médio-superior do quadro administrativo, deslocando-se, por isso, para fora do universo.

• De um segundo extrato - constante de 31 emprêsas com 93 gerentes - foram sorteados, para fins de reposição, 42 gerentes, apresentando-se a amostra final da se maneira:

Na época das entrevistas a situação dos gerentes repostos era esta:

• Para o levantamento de outro extrato da faixa médio-superior do quadro administrativo, ou seja, dos diretores, com base na mesma amostra de 91 emprêsas, foram apanhados os ncmes dos diretores, e, em cada emprêsa, foi sorteado um dêles, ao acaso.

• "Tabulados" os resultados das entrevistas com gerentes, algumas alterações tiveram de ser introduzidas nos questionários dirigidos aos diretores. As entrevistas dos diretores processaram-se em ritmo mais lento do que as entrevistas dos gerentes, por serem maiores naquele do que neste caso as dificuldades de acesso aos entrevistandos.

CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO

Alguns algarismos colhidos da tabulação feita para caraterizar o universo de emprêsas industriais nas quais trabalham os gerentes entrevistados revelam, como informação meramente descritiva, que:

A) Das 91 emprêsas a que pertencem os 125 gerentes entrevistados 63 (69,2%) são nacionais e 28 (30,8%) são estrangeiras. Das emprêsas nacionais 35 (55,5%) têm mais e 28 (44,4%) têm menos de 500 empregados. Quanto às estrangeiras, 17 (60,7%) possuem mais de 500 empregados e 11 (39,2%) possuem menos.

B) Dessas mesmas 91 emprêsas 42 (46,1%) pertencem ao ramo eletrometalúrgico, sendo 28 nacionais e 14 estrangeiras; 18 (9 nacionais e 9 estrangeiras) pertencem aos ramos químico e farmacêutico, representando 19,7% do total; aos ramos têxtil e de vestuário pertencem 9 (9,9%) emprêsas, todas nacionais; as 22 restantes (24,1%) pertencem a diversos ramos, sendo 17 nacionais e 5 estrangeiras.

C) Dos 125 gerentes entrevistados 82 (60,8%) pertencem a emprêsas nacionais (53 - 64,6% - a emprêsas com mais de 500 empregados, e 29 - 35,4% - a emprêsas com menos de 500 empregados). Os 43 restantes pertencem a emprêsas estrangeiras (31 - 72,1% - a emprêsas com mais de 500 empregados e 12 - 27,9% - a emprêsas com menos de 500 empregados). Portanto, 84 (67,2% ) dos 125 gerentes estão em emprêsas com mais de 500 empregados.

D) 5 (4%) dos 125 gerentes exercem o cargo de gerente-geral; 25 (19,2%) pertencem à administração-geral; 27 (21,6%) pertencem à área de produção; 12 (9,6%) são da área de contabilidade e finanças; 16 (13,6%) chefiam os setores de pessoal e relações industriais; 26 (20,8%) pertencem a setores mercadológicos; 3 (2,4%) são responsáveis por compras e almoxarifado; e 11 (8,8%) têm diferentes funções "gerenciais".

E) Parece que o fenômeno de descentralização na localização de indústrias, tal como já foi verificado anteriormente, se confirma, no sentido de as indústrias de bens de produção serem aquelas que tendem a evitar a Capital para se situarem em outros municípios. No Município de São Paulo fica o maior número de indústrias de bens de consumo, assim como de construção civil, energia elétrica, transportes e serviços urbanos. Na área do "Grande São Paulo" verificamos que 88 das 118 indústrias de bens de consumo com mais de 500 empregados estão na Capital e apenas 30 estão nos municípios da área complementar. Inversamente, das 66 indústrias de bens de produção, enquanto 29 estão na Capital, 37 estão nos municípios vizinhos. Nos outros ramos industriais excluídos dessas duas grandes categorias 27 das 34 emprêsas estão na Capital e apenas 7 nos municípios da área complementar.

Nas emprêsas de tamanho imediatamente menor, ou seja, naquelas com 250 a 499 trabalhadores, a tendência encontrada confirma inteiramente a observação feita com relação às grandes unidades.

O interêsse dêsse processo de mobilidade das emprêsas (por especialização de seus ramos industriais) está em que êle se desenvolve concomitantemente com a mobilidade (por especialização profissional) do administrador.

CONCLUSÕES

Falando das características dos gerentes, PETER DRUCKER lembra que BISMARCK teria satirizado a importância de um ministro da educação ao afirmar ser o único requisito para essa função ter uma longa barba branca, enquanto que para ser cozinheiro é preciso ter um gênio universal(11 (11 ) PETER DRUCKER, Prática de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1962, tomo 2, cap. 27. ). Pergunta DRUCKER: será que para ser gerente é necessário ter um gênio universal? Segue-se todo um capítulo do livro para analisar a difícil função do gerente, cujo atributo caraterístico êsse autor entende ser a capacidade para realizar, além de outras, estas duas tarefas essenciais: (a) criar um "todo maior do que a soma de suas partes", vale dizer, uma entidade produtiva que execute mais do que a soma dos recursos nela aplicados; e (6) harmonizar em cada ação e em cada decisão os requisitos do futuro próximo ou remoto. Nenhuma dessas tarefas pode ser sacrificada sem que a emprêsa se ponha em risco. E conclui: "[... ] a função que distingue o administrador de todos os outros é a educacional. O único papel que cabe exclusivamente a êle é o de dar aos outros visão e capacidade para se realizarem"12 (12 ) PETER DRUCKER op. cit., pág. 228. .

Essa referência de DRUCKE R a propósito das "barbas brancas" e do grau de maturidade capaz de assegurar "visão e capacidade" - apanágio, segundo êsse autor, da ação "gerencial" - sugere-nos cogitar de qual seja a idade adequada para desempenhar êsse papel a contento. Ora, examinando a "tabulação" dos dados referentes à idade cronológica da maioria dos gerentes da região estudada na pesquisa de que ora falamos, pudemos apurar que 76% dêles estão abaixo dos 46 anos de idade, e 30,4% abaixo dos 35 anos. Isso nos leva a concluir que essa geração jovem de gerentes cresce juntamente com o desenvolvimento recente da industrialização no nosso meio, e que somente um grande esforço "organizacional" e muito treinamento de alto nível poderão ajudar as novas levas de gerentes a adquirir a maturação necessária ao exercício das funções essenciais descritas por DRUCKER, conhecidos que são os graves e complexos problemas enfrentados pelas emprêsas em face das enormes mudanças na conjuntura econômico-social em que operam e nas técnicas de produção e distribuição de bens.

Esses dados referentes à idade cronológica, se examinados à luz de outras informações (a de que 85,6% dos gerentes entrevistados são brasileiros natos; a de que 48,8% dos gerentes foram admitidos diretamente, ou seja, sem estágio em níveis inferiores; e, ainda, a de que 31,6% dêsses gerentes atingiram a posição "gerencial" entre 31 e 35 anos de idade), fortalecem a noção de que efetivamente está sendo formada uma geração de gerentes brasileiros na região de maior concentração industrial do País. A essa geração caberá substituir gradualmente os empresários dos quais, como o demonstrou pesquisa anterior realizada praticamente nessa mesma região, cêrca de 50% são emigrantes e cêrca de 50% são brasileiros13 (13 ) LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, "Origens Étnicas e Sociais dos Empresários Paulistas", Revista de Administração de Emprêsas, vol. 4, n. 11 pág. 92. . A êsses empresários coube a tarefa pioneira do empreendimento criador ao fundarem e darem impulso às sociedades mercantis de responsabilidade limitada, atuando comc proprietários e dirigentes ao mesmo tempo, segundo os moldes tradicionais já descritos. Aos novos dirigentes, hierarquizados e profissionalizados, caberá o papel de liderança no processo moderno de gestão da emprêsa industrial.

Mais algumas evidências corroboram a sugestão de que esteja sendo constituída a classe profissional dos gerentes industriais, como, por exemplo, o informe de que 34,4% dos gerentes entrevistados possuem formação escolar de nível superior (Engenharia, Economia, Administração, Direito etc.); 72,8% são originários dos estratos médio e inferior da classe média; e 73,8% trabalharam em outras emprêsas, 59% das quais pertencentes a ramos industriais diversos dos das emprêsas em que ora trabalham, o que indica elevado índice de mobilidade profissional horizontal.

Para que se possa concluir que essa classe de gerentes ora em formação substituirá de fato os antigos empresários por acesso a posições de controle ainda em larga escala ocupadas por descendentes dêsses empresários ou por pe soas intimamente ligadas às famílias dêsses pioneiros, é preciso examinar, através de alguma extrapolação, dados que por ora não foram apurados por completo, relativos aos índices de mobilidade (efetivos e esperados) entre a classe de gerentes e a de diretores.

Tal como se fêz no caso dos gerentes, é possível cotejar alguns dêsses dados relativos aos diretores. Por exemplo, 81,6% dos 60 diretores entrevistados, pertencentes ao mesmo universo de emprêsas, trabalharam em outras organizações, sendo que 80% dêles em outros ramos industriais, indício incontestável de grande mobilidade profissional no sentido horizontal, na carreira dêsses administradores, com tendência a u'a menor especialização por ramo e à crescente integração nas áreas funcionais de suas responsabilidades.

Quanto à idade dos diretores em questão, foi possível averiguar que 76,7% têm mais de 36 anos e 46,7% têm mais de 46 anos. Aliás o que parece sobremodo significativo é que nas grandes emprêsas (com mais de 500 empregados) predominam os diretores com mais de 46 anos, enquanto que nas médias-grandes 34,8% dos diretores têm menos de 36 anos. É curial notar, ainda, que 61,8% dêsses diretores atingiram essa posição entre 26 e 40 anos. Sucede, porém, que nas grandes emprêsas apenas 50,4% de seus diretores atingiram êsse nível na referida faixa de idade, enquanto que nas médias-grandes 73,1% o fizeram com essa idade, o que contraria um dos pressupostos de nossa hipótese de trabalho - o de que quanto maior fôsse a emprêsa, tanto maior haveria de ser a mobilidade de seu pessoal executivo. Note-se, ainda, que dos 60 diretores entrevistados apenas 23,3% estão na emprêsa há mais de 20 anos, enquanto 66,8% aí estão faz de 2 a 15 anos. E mais: 66,6% estão no cargo há de 2 a 10 anos somente.

Êsses e outros informes sugerem a existência de ativa mobilidade profissional, quer no caso dos gerentes, quer no dos diretores. E parecem confirmar a formação de uma nova classe, não no sentido econômico, mas no sentido profissional. Porque não deixa de ser significativo o fato de que 73,3% das emprêsas visitadas foram fundadas pelos pais ou por parentes do diretor, ou pelo próprio diretor, sós ou com sócios, sendo que 66,7% dêles ainda detêm 51% (ou mais) do capital da emprêsa.

  • 1) MARCEL BRESARD, Le Chef d'Enterprise et la Mobilité Sociale, Paris: Editions de l'Entreprise Moderne, 1961, pág. 26.
  • (3) FREDERICK HARBISON e CHARLES MYERS, Management in the Industrial World, Nova Iorque: McGraw-Hill, 1959, pág. 71.
  • (4) FERNANDO H. CARDOSO, "Proletariado no Brasil - Situação e Comportamento Social", Revista Brasiliense, Editôra Revista Brasiliense, maio/julho de 1962, pág. 100.
  • (5) Quanto ao conceito de "região motora" e "zona crítica", ver: Economie Appliquée, Paris: François Perroux, 1950, n.ş 1.
  • (7) SEYMOUR M. LIPSET e REINHARD BENDIX, Social Mobility in Industrial Society, Bekerley: University of California Press, 1962.
  • (11) PETER DRUCKER, Prática de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1962, tomo 2, cap. 27.
  • (13) LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, "Origens Étnicas e Sociais dos Empresários Paulistas", Revista de Administração de Emprêsas, vol. 4, n. 11 pág. 92.
  • 1
    ) MARCEL BRESARD,
    Le Chef d'Enterprise et la Mobilité Sociale, Paris:
    Editions de l'Entreprise Moderne, 1961, pág. 26.
  • (2
    ) MARCEL BRESARD, obra citada.
  • (3
    ) FREDERICK HARBISON e CHARLES MYERS,
    Management in the Industrial World, Nova Iorque:
    McGraw-Hill, 1959, pág. 71.
  • (4
    ) FERNANDO H. CARDOSO, "Proletariado no Brasil - Situação e Comportamento Social",
    Revista Brasiliense, Editôra Revista Brasiliense, maio/julho de 1962, pág. 100.
  • (5
    ) Quanto ao conceito de "região motora" e "zona crítica", ver:
    Economie Appliquée, Paris:
    François Perroux, 1950, n.º 1.
  • (6
    ) FREDERICK HARBISON e CHARLES MYERS,
    op. cit., págs. 75 e 76.
  • (7
    ) SEYMOUR M. LIPSET e REINHARD BENDIX,
    Social Mobility in Industrial Society, Bekerley:
    University of California Press, 1962.
  • (8
    ) ARTHUR M. ROSS, prefácio da obra citada na nota 7.
  • (9
    ) A expressão é aqui usada em consonância com o conceito de MAX WEBER sôbre "burocracia".
  • (10
    ) Para caraterizar cada uma das classes sociais a pesquisas adotou os critérios econômico-sociais de MARGARET MEAD e LLOYD WILLIAM WARNER.
  • (11
    ) PETER DRUCKER,
    Prática de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1962, tomo 2, cap. 27.
  • (12
    ) PETER DRUCKER
    op. cit., pág. 228.
  • (13
    ) LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, "Origens Étnicas e Sociais dos Empresários Paulistas",
    Revista de Administração de Emprêsas, vol. 4, n. 11 pág. 92.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1964
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