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Civil service reform in Brazil principles versus practice

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Civil service reform in Brazil principles versus practice

Gabriel Cohn

Universidade de São Paulo

CIVIL SERVICE REFORM IN BRAZIL PRINCIPLES VERSUS PRACTICE - Por LAWRENCE S. GRAHAM, University of Texas Press, Austin, 1968, 233 páginas. (Latin American Monographs, n.º 13, Institute of Latin American Studies, Texas).

Há algo de enganador no título dêste livro, escrito por um especialista em Ciência Política da Universidade do Texas; mas, à diferença de tantos outros, neste caso o título promete menos do que o texto oferece. Na realidade, o tema tratado é mais amplo do que a referência à problemática da reforma administrativa sugere. Seu alcance é mais propriamente indicado pelo título do seu capítulo final: trata-se mais de um estudo sôbre Politics and Administration, aplicado ao caso brasileiro.

A perspectiva adotada na análise é, fundamentalmente, a do cientista político; secundàriamente, comparecem o sociólogo e também o historiador; e é somente através da filtragem dos fatos por êsse crivo analítico que o rico material de cunho propriamente administrativo é incorporado à análise. Trata-se de compreender "o modo pelo qual o sistema administrativo brasileiro operou em seu contexto sociopolítico", visto que, sem isso, não há como introduzir e implementar mudanças nesse sistema (p. 7).

Para construir o seu estudo, o autor parte de uma questão básica na configuração de um sistema administrativo: o problema do grau e da forma de centralização (ou de descentralização) do poder na sociedade global dada. Isso o conduz diretamente a pôr ênfase em duas ordens de problemas correlatos: aquela que se refere à integração do sistema sociopolítico, por um lado, e aquela referente à racionalidade do sistema administrativo, por outro.

Tomando como ponto de referência o modêlo para a análise do desenvolvimento político de HOSELITZ (pelo qual uma sociedade em desenvolvimento é confrontada, pela ordem, com os seguintes requisitos funcionais básicos: solidariedade e integração, consecução de metas sistêmicas, adaptação, o autor opera com base na sugestão de que o Brasil se encontra no primeiro dêsses estágios, no qual "as funções integrativas ainda predominam" (p. 170). Isso se torna manifesto através da análise das oscilações entre períodos de maior centralização do poder nacional - como no Estado Nôvo de VARGAS - e de maior descentralização - como no período posterior a 1945.

A maior centralização do poder corresponde a um maior esfôrço no sentido da racionalização do aparêlho administrativo, e, paralelamente, da subjugação dos interêsses e valôres tradicionais, que têm seu ponto de apoio nos desníveis regionais e setoriais de um sistema sociopolítico pouco integrado. Por sua vez, a descentralização do poder, tal como ocorreu após a queda de VARGAS em 1945 corresponde à reemergência dêsses interêsses e valôres, ainda quando redefinidos à luz da aceleração dos processos de urbanização e industrialização. Isso provoca o agravamento de um vício já inerente ao sistema administrativo, constituído na fase de maior centralização a saber, o alto grau de formalismo que o afeta. Na análise dêsse processo, GRAHAM utiliza intensivamente as contribuições de HÉLIO JAGUARIBE, sôbre o Estado Cartorial, de JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES, a respeito da persistência dos componentes tradicionalistas na vida pública brasileira, e de GUERREIRO RAMOS, sôbre o formalismo do sistema administrativo brasileiro.

Para GRAHAM, contudo, essa tendência ao formalismo não deriva ùnicamente da problemática inerente a um sistema sociopolítico às voltas com metas de caráter integrativo. Uma contribuição fundamental para a origem dessa perversão da racionalidade do sistema administrativo brasileiro é devida a uma opção feita pelos responsáveis pelas tentativas de modernizá-lo e dar-lhe maior eficiência, ainda no primeiro período VARGAS, quando se decidiu adotar o padrão norte-americano na reforma do serviço público no Brasil. Com efeito, para GRAHAM, "a tentativa de reformar o serviço público federal brasileiro através do uso de diretrizes de organização e funcionamento do funcionalismo - public personnel policies - de estilo americano conduziu à criação de um sistema administrativo caracterizado por um alto grau de formalismo, no qual há considerável discrepância entre normas e realidade. Êsse formalismo é conseqüência da infra-estrutura política na qual o serviço público tem sua base; do uso de normas diretrizes do comportamento administrativo que entram em conflito com as exigências do sistema social e político; e da aplicação da técnica de scientific management sem uma atenção adequada às exigências funcionais do sistema administrativo existente e sem consideração suficiente pelos elementos humanos envolvidos" (p. 6 e 7).

Cada uma dessas questões é intensivamente examinada, sempre da perspectiva do cientista político - mesmo porque GRAHAM dirige à "abordagem sociológica" a crítica de que ela tende a "não levar em conta as diferenças entre a administração no âmbito governamental e a administração na emprêsa privada", (p. 62). O autor tenta estabelecer um equilíbrio entre o estudo histório específico do sistema sociopolítico brasileiro e a análise comparativa baseada nos modelos para a análise do desenvolvimento político e da administração pública elaborados por autores como ALMOND, DIAMANT, HOSELITZ e RIGGS. No cômputo geral, o pêso do trabalho, naquilo que êle tem de mais substantivo, tende a recair sôbre os aspectos históricos específicos da sociedade brasileira, ficando os grandes modelos analíticos numa posição subsidiária. Se há nisso um desequilíbrio na análise, é um desequilíbrio muito salutar, porque a obra só ganha com êle. Com efeito, a leitura do trabalho de GRAHAM deixa a impressão de um uso muito judicioso, quando não levemente cético, dêsses modelos para a análise política. Mesmo assim, o uso dessas construções analíticas permite-lhe ressaltar um ponto de importância em seu estudo: o de que o padrão mais adequado para examinar a ordem política e o sistema administrativo do Brasil não é dado pelos Estados Unidos da América, mas sim pela Europa, em particular pelos "países latinos do Continente" (p. 195 e 196).

No contexto da obra, êsse ponto adquire importância porque permite ao autor sustentar a sua tese de relativa inadequação das soluções norte-americanas no campo da administração pública ao caso brasileiro. Mas o seu exame dêsse problema revela uma limitação séria do trabalho: a incapacidade, que o autor revela, de considerar as influências externas sôbre as soluções administrativas encontradas no Brasil de outra forma que não sob o prisma das influências intelectuais sofridas pelos seus formuladores ou dos efeitos da assessoria técnica norte-americana. Apesar do cuidado dedicado por GRAHAM à análise dêsses aspectos da questão - a ponto de formular algumas hipóteses ao nível de uma "sociologia do conhecimento" das soluções administrativas - há um tema fundamental que não é explorado no trabalho. Trata-se do estudo da inserção do sistema sociopolítico brasileiro no campo internacional; ou, em outros têrmos, da abertura do sistema para o exterior.

Uma consideração mais ampla por êsse tema possivelmente levaria o autor a discutir fenômenos tão importantes quanto a dependência do sistema brasileiro em relação a outros, ao longo da sua história recente, e permitir-lhe-ia ir mais longe nessa área do que o fazem as suas poucas e muito genéricas observações a respeito da situação do Brasil no mundo.

Formular essa exigência não significa tentar impor ao autor um esquema de análise que lhe é estranho. Traduz apenas a convicção de que êle saberia incorporar essa questão ao seu estudo com a mesma lucidez e argúcia com que desenvolveu tôda a sua obra, cuja utilidade para o estudo do recente desenvolvimento político-administrativo do Brasil é muito apreciável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1969
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