Resumo
O artigo analisa os efeitos do tamanho do governo na corrupção dos municípios brasileiros entre 2005 e 2016. Para tal, é utilizada uma medida de corrupção objetiva, construída com base em dados disponibilizados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e na técnica de dados em painel. Os resultados revelaram uma relação significativa e inversa entre tamanho do governo e corrupção nos municípios brasileiros. Assim, a corrupção pode não estar relacionada ao tamanho do governo. A boa governança, em conjunto com a efetividade das normas legais, é uma forma de inibir atividades ligadas à corrupção nos municípios brasileiros.
Palavras-chave: corrupção; tamanho do governo; gastos municipais
Resumen
El artículo analiza los efectos del tamaño del gobierno sobre la corrupción en los municipios brasileños entre 2005 y 2016. Para ello, se utiliza una medida objetiva de corrupción, construida a partir de los datos facilitados por la Contraloría General de la Unión (CGU) y sobre técnica de datos en panel. Los resultados revelaron una relación significativa e inversa entre el tamaño del gobierno y la corrupción en los municipios brasileños. Por tanto, la corrupción puede no estar relacionada con el tamaño del gobierno. La buena gobernanza, junto con la efectividad de las normas legales, es una forma de inhibir las actividades vinculadas a la corrupción en los municipios brasileños.
Palabras clave: corrupción; tamaño del gobierno; gasto municipal
Abstract
The article analyzes the effects of government size on corruption in Brazilian municipalities between 2005 and 2016. An objective corruption measure is used, constructed from data provided by the Federal Comptroller General (CGU), using the panel data technique. The results revealed a significant and inverse relationship between government size and corruption in Brazilian municipalities. Therefore, corruption in Brazilian municipalities may not be related to the government’s size. In this sense, the issue of good governance in conjunction with the effectiveness of legal rules is highlighted as a way of inhibiting activities related to corruption in Brazilian municipalities.
Keywords: corruption; government size; municipal spending
1. INTRODUÇÃO
A intervenção do governo na economia é vista como necessária graças a falhas de mercado. Essa intervenção, contudo, pode implicar um aumento no tamanho do governo, que, entre outros fatores, logra afetar o nível de corrupção do país (Kotera, Okada & Samreth, 2012).
A corrupção é um problema encontrado em todos os países, mas em diferentes escalas. A opinião pública tende a associá-la ao comportamento de funcionários públicos e dirigentes políticos. Esta visão de que a corrupção é inerente ao Estado leva ao pensamento de que a solução para tal mazela está em sua redução.
Como aponta Filgueiras (2009), a abordagem dada à corrupção na literatura é, em geral, restrita ao âmbito da política, tendo em vista a indisponibilidade de dados que permitam tratá-la de forma mais abrangente. Contudo, a corrupção é um fenômeno multifacetado, por vezes caracterizada no Brasil e em diversos outros países em desenvolvimento como sistêmica, ou seja, presente em todos os setores da sociedade.
O Brasil passou por períodos de ditadura e traz a corrupção enraizada desde a época colonial. Da década de 1990 até os dias atuais, dois presidentes da República sofreram impeachment, o que revela maior envolvimento da população na vida pública no sentido de responsabilizar seus dirigentes políticos por crimes contra o bem público. No entanto, há muito a avançar no combate à corrupção, como evidenciam os frequentes escândalos expostos pela mídia e os números a seguir.
De acordo com dados do Banco Mundial (2019), o Brasil alcançou, em 2018, uma pontuação de -0,42, numa escala de -2,5 a 2,5, no componente de controle da corrupção dos Indicadores de Governança Mundial (WGI). No ano anterior, apresentou a pior pontuação desde que o índice passou a ser calculado, em 1996, com uma pontuação de -0,53 - em comparação, a Nova Zelândia, considerada a nação menos corrupta, atingiu 2,24 pontos.
Já no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), o país obteve, em 2018 e 2019, a pior nota desde 2012, quando os dados passaram a ser comparáveis ano a ano, com 35 pontos de um total de 100, muito abaixo da média global de 43 pontos e atrás de países africanos como Ruanda e Gana, que obtiveram média de 53 e 41, respectivamente. O Brasil ocupa atualmente a 106ª posição entre 180 países no ranking de Transparência Internacional (2019), perdendo posições em relação a 2017, quando ficou em 96º.
Essas informações evidenciam a necessidade de mais esforços na governança contra a corrupção, tendo em vista sobretudo que, de acordo com dados da plataforma Trading Economics (2019), o tamanho do governo brasileiro está no patamar dos países desenvolvidos.
A constituição de 1988, hoje em vigor, promoveu diversas mudanças no federalismo fiscal, tendo havido um fortalecimento de estados e municípios frente ao poderio do governo central, como forma de fortalecer a democracia após seu restabelecimento em 1985. Nessa época, foi outorgada aos governos municipais a responsabilidade por uma parcela substancial da prestação de serviços públicos, em particular nas áreas de educação e saúde. Com essa descentralização fiscal, grandes quantidades de recursos federais passaram a ser transferidas para os municípios (Guedes & Gasparini, 2007). O maior afluxo de fundos federais acabou por tornar a corrupção em nível municipal uma preocupação abrangente para o Brasil (Ferraz & Finan, 2005).
Embora a corrupção seja um tema já explorado por vários pesquisadores no país, a influência do tamanho do governo sobre a incidência de atividades corruptas não se configura como um tema em ampla discussão na literatura, sendo essa uma importante motivação deste estudo. Outra motivação provém da importância de verificar se, de fato, um governo “grande”, no sentido de efetuar mais gastos na economia, pode resultar em maior nível de corrupção.
As principais hipóteses defendidas acerca desse tema, conforme Bergh, Fink e Öhrvall (2012), são que a maior disponibilidade de recursos aumenta os ganhos potenciais de atividades corruptas, de modo que haveria uma relação direta entre tamanho do governo e corrupção. Em oposição, segundo os mesmos autores, um gasto público mais elevado pode induzir os cidadãos a exigir maior comprometimento do governo em relação à forma como a receita tributária é usada - por exemplo, no atendimento às necessidades da população, mormente em educação e saúde -, resultando em redução da corrupção.
Expostas tais razões, o objetivo deste estudo é investigar o impacto do tamanho do governo na corrupção dos municípios brasileiros entre os anos de 2005 e 2016. Para tal, é utilizada uma medida de corrupção objetiva, construída com base nos dados disponibilizados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e com a técnica de dados em painel.
O presente estudo é composto por cinco seções. Após a Introdução, a próxima traz uma revisão da literatura sobre corrupção, seus conceitos e formas de mensuração, além de um tópico dedicado às principais análises empíricas acerca da influência do tamanho do governo na corrupção. A descrição dos dados e a estratégia metodológica são apresentadas na terceira parte. Os resultados são discutidos na quarta seção, ao passo que na quinta há as considerações finais da pesquisa.
2. Conceitos, Tipos e Medidas da Corrupção e sua Relação com o Tamanho do Governo
A definição da Transparência Internacional caracteriza a corrupção como o abuso do poder confiado a um agente para ganhos privados. Já para o Banco Mundial, corrupção é o “uso indevido de cargos públicos para ganhos privados” (Tafa, 2014). Para alguns autores, como Rose-Ackerman (2005), a corrupção representa o mau uso do poder público para obter ganhos privados e políticos.
Segundo Tafa (2014), há diferentes abordagens para diferenciar os tipos de corrupção. Uma delas diz respeito à posição que um indivíduo ocupa numa instituição. De acordo com ela, a corrupção se diferencia entre “nível superior” e “nível inferior”. Quando praticada por funcionários de alto escalão, é dita de nível superior. Por outro lado, se os envolvidos são funcionários públicos, caracteriza-se como corrupção de nível inferior. Além disso, divide-se em política e burocrática. Corrupção política se refere àquela praticada na fase de tomada de decisões, enquanto a burocrática diz respeito ao ato ocorrido na implementação de políticas e decisões.
Outra abordagem envolve a natureza da transação, fazendo uma distinção entre “suborno” e “extorsão”. O primeiro se refere a um pagamento “extra” feito por um indivíduo do público em geral a funcionários públicos, de modo a alcançar algo que deseja, passando por cima de determinadas normas. Já na extorsão ocorre o inverso: o servidor público é que exige pagamentos extras pela prestação de um serviço (Tafa, 2014).
Uma classificação também utilizada por muitos estudiosos categoriza a corrupção como pequena ou grande. A última, por vezes também chamada de corrupção política, é aquela ocorrida no mais alto nível de governança e que envolve altas quantias de dinheiro. A corrupção pequena, ou “mesquinha”, ocorre nos níveis mais baixos, em que há o contato direto entre funcionários públicos e a população em geral. Esses subornos, embora envolvam menores quantias de dinheiro, são cumulativos (Scott, 1972).
A corrupção é muito difícil de ser medida em virtude de sua natureza ilegal e das diferentes formas como é vista. Entretanto, organizações como o Banco Mundial e a Transparência Internacional criaram alguns índices para mensurá-la. A Transparência Internacional usa o Índice de Percepção de Corrupção (IPC), ao passo que o Banco Mundial utiliza o Índice de Controle da Corrupção (ICC) dos Indicadores de Governança Mundial (WGI).
De igual modo, a Political Risk Services (PRS) estabeleceu um índice diferente, o International Country Risk Guide (ICRG), usado por empresas transnacionais e gestores de carteiras para gerenciar o risco de um país. Os três índices citados são considerados medidas subjetivas de corrupção, por se basearem na corrupção percebida.1
A maioria dos estudos envolvendo corrupção considera essas medidas subjetivas. Magtulius e Poquiz (2017), por exemplo, usam duas medidas para a corrupção: o Índice de Controle da Corrupção, dos Indicadores Mundiais de Governança do Banco Mundial, e o Índice de Liberdade de Corrupção, do Índice de Liberdade Econômica, baseado no Índice de Percepção da Corrupção elaborado pela Transparência Internacional. Outros autores, entretanto, preferem usar medidas mais objetivas, como Liu e Mikesell (2014), que utilizam o número de condenações por crimes relacionados à corrupção, e Caldas, Costa e Pagliarussi (2016), que criaram uma medida de corrupção com base nos relatórios de auditorias realizadas pela CGU.
Em geral, no que se refere aos estudos empíricos sobre corrupção, Kotera et al. (2012) ressaltam que eles seguem basicamente duas direções: uma corrente enfatiza os efeitos da corrupção sobre o crescimento econômico ou as implicações de gastos públicos específicos, ao passo que outros pesquisadores investigam os determinantes da corrupção. Quanto a estes, embora haja consenso, o impacto de alguns fatores sobre a corrupção ainda não está bem-definido. Um desses fatores é o tamanho do governo, objeto de estudo desta pesquisa.
2.1 Contexto social e corrupção
O fenômeno da corrupção é influenciado pelas ações comportamentais da sociedade. Essa assertiva pode ser implicitamente vislumbrada em estudos como o de Putnam (1993), que elucida as benesses da tradição cívica, materializada como capital social e empiricamente em Weber (2006), ao realizar uma pesquisa analisando o papel das associações na corrupção pública.
Nesse estudo de Weber (2006), válido para pequenos e médios municípios brasileiros, constatou-se que há uma relação moderadamente forte entre densidade associativa dos municípios e ocorrências de corrupção detectados pelos auditores da CGU na administração pública, sugerindo que um maior estoque de capital social tende a reduzir o nível de corrupção no município.
Nessa direção, e sendo a confiança um importante atributo do capital social, uma pesquisa de opinião pública sobre corrupção realizada no Brasil em fevereiro de 2005 apontou que o nível de desconfiança por parte da sociedade em seus políticos e nas instituições públicas é mais evidente em locais com baixos níveis de capital social. Essas regiões são também aquelas com mais casos de irregularidades no manuseio de recursos públicos (Weber, 2006).
A confiança interpessoal pode ser solidificada por meio das associações, as quais, por sua vez, podem induzir a uma maior eficiência na prestação de serviços públicos. Nesses termos, Putnam (1993) constatou que regiões economicamente mais desenvolvidas têm gestões públicas mais eficientes por terem também maior participação cívica. Assim, quanto maior o engajamento cívico da região, menores são os níveis de corrupção, mais eficaz é o governo e, consequentemente, maior o desenvolvimento econômico.
Por fim, é importante ressaltar também que a corrupção, por ter consequências diretas tanto sobre fatores econômicos quanto de governança, influi indiretamente na pobreza. Sobre esse aspecto, Chetwynd et al. (2003) argumentam que a baixa oferta e a ineficiência na alocação de serviços públicos básicos, decorrentes das práticas de corrupção, afetam os mais pobres por serem estes os mais dependentes de tais serviços, sobretudo educação e saúde. Não por acaso, os países com menores Índices de Percepção de Corrupção (IPC) no mundo são também os mais ricos, notadamente com menor proporção de pobres.2
Parece haver uma relação causal entre pobreza e corrupção. Dois estudos recentes que mostram tal causalidade são os de Bayar e Aytemiz (2019) e os de Castro e González (2019). Em linhas gerais, essas pesquisas apontam que alta desigualdade de renda e pobreza induzem a uma elevação no grau de corrupção; por outro lado, altos níveis de corrupção favorecem a elevação da pobreza e da desigualdade.
2.2 Os efeitos do tamanho do governo na corrupção
Há diferentes métodos para medir o tamanho do governo, porém os mais utilizados são os gastos do governo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e a fração da população empregada no funcionalismo público (Magtulius & Poquiz, 2017).
A intervenção do Estado na economia, por meio de um aumento dos gastos públicos - ou seja, um maior tamanho do governo -, gera efeitos controversos. Ainda que, de um lado, maiores gastos possam implicar fomento ao desenvolvimento, uma distribuição de renda mais justa e melhor provisão de bens e serviços públicos (Mueller, 2003), de outro, podem gerar mais oportunidades para funcionários públicos se envolverem em práticas corruptas (Goel & Nelson, 1998).
O senso comum associaria maior incidência de corrupção a governos maiores, pois um maior tamanho do setor público implica mais burocracia, o que gera mais oportunidades para burocratas exigirem subornos (Arvate, Zaintune, Rocha & Sanches, 2010).
Nessa mesma linha de pensamento, Goel e Nelson (1998) expõem que, com “governos maiores”, é razoável esperar mais trapaças políticas, além de um setor público maior implicar mais burocracia, induzindo os cidadãos a oferecerem maiores subornos a servidores públicos para burlar as barreiras burocráticas. Esta premissa proposta pelos autores, de que um governo maior gera incentivos para práticas ilegais como a corrupção, é em parte inspirada no modelo de crime e castigo de Becker (1968).3
Goel e Nelson (1998) examinaram a correlação entre tamanho do governo e corrupção nos Estados Unidos, usando um conjunto de dados em nível estadual para o período de 1983 a 1987. Foram estimados dois modelos de regressão: um utilizando dados em painel e o outro, uma seção transversal de estados. Os resultados revelaram uma forte influência positiva do tamanho do governo na corrupção, em especial quando analisados os gastos dos governos estaduais. Contudo, houve contrastes entre os resultados para os níveis federal e estadual de determinado estado, sugerindo não linearidades na relação entre essas variáveis.
Arvate et al. (2010), por sua vez, ao utilizarem a especificação dinâmica sugerida por Arellano e Bond (1991) e dados do período de 1996 a 2003, verificaram se existe um padrão distinto para a relação tamanho do governo e corrupção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os autores descobriram que o tamanho do governo causa corrupção em ambas as amostras. Na dos países em desenvolvimento, a relação estatística entre as duas variáveis apontou, por exemplo, que o Brasil e a Colômbia apresentaram, ao longo do período analisado, um nível mais alto de corrupção associado a maiores governos.
Por outro lado, alguns estudiosos, como La Porta et al. (1999 como citado em Kotera et al., 2012) e Billger e Goel (2009), sugerem que “governos maiores” promovem uma redução da corrupção. Inferem esse ponto de vista com base no fato de alguns países desenvolvidos terem, em geral, setores públicos maiores, contudo apresentarem menores níveis de corrupção do que os países em desenvolvimento.
Nessa direção estão estudos como o de Kotera et al. (2012). Buscando explicar os resultados ambíguos acerca da relação entre tamanho do governo e corrupção, os autores investigaram o efeito da primeira variável sobre a segunda, considerando o papel da democracia. Com dados de 82 países para os anos de 1995 a 2008, os resultados indicaram que a democracia exerce forte influência sobre essa relação.
A pesquisa de Kotera et al. (2012) revelou que, nos países onde a democracia está suficientemente consolidada, um aumento do tamanho do governo leva a uma diminuição da corrupção. Isso por haver nesses países eleições e imprensa livres, o que é eficiente em monitorar e fiscalizar as atividades de políticos e burocratas, tornando práticas ilegais como a corrupção menos atrativas. Em contrapartida, em países com democracia deficiente, como esses mecanismos de controle e monitoramento não funcionam bem, o aumento do tamanho do governo agrava a corrupção.
Também contrariando o senso comum, os achados de Bergh et al. (2012) apontaram uma relação negativa entre corrupção e gastos públicos. Usando dados de uma pesquisa sobre corrupção realizada em 2007 com os principais políticos e funcionários públicos da Suécia como base para a construção de medidas de corrupção, em conjunto com dados do nível administrativo dos municípios, os autores investigaram os efeitos do tamanho do governo na corrupção nos municípios suecos. Os resultados apontaram para uma relação robusta e negativa entre o gasto público total e a corrupção.
Outra pesquisa que convergiu para esse mesmo resultado foi a de Magtulius e Poquiz (2017), que investigaram a relação entre tamanho do governo e corrupção pública nas Filipinas por meio de um modelo de vetor autorregressivo (VAR). Contrariando as expectativas teóricas, os resultados revelaram que maiores gastos melhoram a percepção da corrupção pública, ou seja, governos maiores contribuem para reduzir a corrupção nesse país. Os resultados não evidenciaram uma causalidade bidirecional na relação entre as duas variáveis.
Como exposto, as pesquisas empíricas realizadas para vários países fornecem resultados mistos acerca dos efeitos do tamanho do governo na corrupção. Assim, a pergunta que se faz é: qual é o impacto de um “governo grande”, tendo como medida os gastos do governo em relação ao PIB, na corrupção no Brasil? A seção a seguir apresenta a estratégia metodológica utilizada para procurar responder a esse questionamento.
3. METODOLOGIA
Esta seção é dedicada à descrição dos dados utilizados neste trabalho e à especificação dos modelos econométricos utilizados para analisar o impacto do tamanho do governo na corrupção nos municípios brasileiros.
3.1 Apresentação dos dados
A base de dados utilizada neste trabalho foi construída pela combinação de cinco diferentes fontes, contando com dados do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Finbra/Siconfi), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops/Datasus), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) e da CGU.
Dessa base de dados, retiraram-se informações sobre gastos totais, população, investimentos, despesas com pessoal e encargos sociais, despesas com saúde, PIB, Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) e número de processos relacionados ou não à corrupção (CGU, 2019; Firjan, 2018; IBGE, 2016; Secretaria do Tesouro Nacional, 2017; Siops, 2017) para os anos de 2005 a 2016.
Como afirmam Caldas et al. (2016), não há disponibilidade de dados diretos relativos ao nível de corrupção nos municípios brasileiros, de modo que foi necessária a utilização de uma proxy para mensurar essa variável.
Para esse propósito, foram utilizadas irregularidades obtidas dos relatórios do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos (PFSP), que a partir de 2015 passou a se chamar Programa de Fiscalização em Entes Federativos, realizado pela CGU. Dados desse mesmo programa já foram utilizados anteriormente por outros autores em pesquisas envolvendo corrupção, como por Albuquerque e Ramos (2006), Bologna e Ross (2015), Caldas et al. (2016), Ferraz e Finan (2008), Ferraz, Finan e Moreira (2012) e Sodré e Alves (2010).
O Programa de Fiscalização em unidades federativas é realizado por meio de sorteios públicos, de forma que os municípios selecionados em cada sorteio são extrações aleatórias de uma população que abrange todos os municípios brasileiros com até 500 mil habitantes (Brasil, 2019). As variáveis incluídas nessa análise estão sintetizadas no Quadro 1, que contém uma breve descrição delas e a fonte de dados de onde foram extraídas.
A variável corrupção foi obtida somando-se o número de processos abertos, investigados e julgados por ano para cada município na amostra. Entre esses processos, incluem-se: utilização indevida de recursos por parte de funcionários públicos, concessão irregular de benefícios por parte desses funcionários, recebimento de propina ou comissão e irregularidades em carreiras específicas em empresas públicas.
Com relação ao PIB per capita, trata-se de uma variável recorrente em análises que envolvem corrupção e tamanho do governo. Sua inclusão para explicar a corrupção, segundo Svensson (2005 como citado em Hessami, 2011), decorre da constatação geral na literatura de que um menor nível de desenvolvimento econômico e menores níveis de renda implicam maior probabilidade de ocorrência de corrupção. Além disso, numerosos estudos associam a corrupção pública ao aumento da desigualdade de renda e da pobreza,4 pelo que também se justifica a inclusão da variável IFDM.
Já a variável despesas foi adotada graças a indícios de que pode haver uma relação direta dela variável com a corrupção. De acordo com Liu e Mikesell (2014), despesas com pessoal e encargos sociais tendem a ser mais elevados em conjunto com maiores níveis de corrupção.
A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas das variáveis. Pode-se verificar que o valor médio do indicador de corrupção, aqui consistindo na soma do número de processos investigados e julgados instaurados por ano em cada município incluído na amostra, foi de aproximadamente 9. O valor máximo de 1.074 investigados foi atingido no Distrito Federal, no ano de 2016. Já o tamanho médio do governo nesse período foi de cerca de 20% do PIB, apresentando um valor mínimo de -481,89% e máximo de 15.457,56%, este pertencente ao município mineiro de Belmiro Braga, também em 2016.
O IFDM médio no período analisado ficou em cerca de 0,63 (numa escala de 0 a 1), nível de desenvolvimento considerado moderado, sendo que o mínimo foi de 0,18, para o município baiano de Santa Luzia, no ano de 2006, e o máximo, 0,93, alcançado no mesmo ano pelo município paulista de São Caetano do Sul. No que se refere à produtividade dos gastos, esta apresentou uma média de 3,92%. O PIB per capita dos municípios ficou em torno de 12.357,79 reais, sendo que o valor mínimo foi de -1.459,79, para o município potiguar de Guamaré, no ano de 2012. Já o maior PIB per capita entre os municípios incluídos na amostra, 815.697,80 reais, foi registrado em 2014 no município capixaba de Presidente Kennedy.
No período analisado, o gasto médio dos municípios com pessoal e encargos sociais - variável despesas - foi de aproximadamente 25,6 milhões de reais, atingindo um máximo de 20,3 bilhões. Já o investimento médio dos municípios ficou em torno de 5,05 milhões, apresentando um valor máximo de 4,93 bilhões.
3.2 Modelo econométrico
Tendo como referência Cameron e Trivedi (2013), estimou-se inicialmente o modelo Pols (Pooled Ordinary Least Squares), ou, de forma mais simples, Pooled. Em seguida, foram estimados os modelos de efeitos fixos e aleatórios. Com Corrup, a variável dependente utilizada como proxy para a corrupção, tem-se o modelo Pooled dado por:
Já os modelos de efeitos fixos e aleatórios têm suas especificações dadas, respectivamente, pelas seguintes expressões:
Em que i representa a i - ésima unidade de corte transversal e t, a t - ésima unidade de período de tempo. Os termos TGov , IFDM, ProdG, PIBpc, DesPes e Invest representam, respectivamente, as variáveis explicativas “tamanho do governo”, “índice de desenvolvimento municipal”, “produtividade dos gastos”, “PIB per capita”, “despesas com pessoal e encargos sociais” e “investimentos”. Foram consideradas também variáveis dummies para cada ano, representadas por DTemp, com vistas a controlar o efeito do tempo sobre a corrupção.
Um aspecto da análise de dados em painel diz respeito aos testes estatísticos utilizados para detectar a presença de autocorrelação e heterocedasticidade no painel, auxiliando na escolha do modelo mais adequado.
Após realizada a estimativa de efeitos fixos, foi aplicado um teste de Chow (ou teste F restrito) para verificar se os interceptos são os mesmos para todas as unidades de corte transversal, ou seja, se o efeito específico a cada indivíduo na equação (2) é igual a 0.
Como resultado do teste, observou-se a rejeição de Ho, do que se conclui que o modelo de efeitos fixos é preferível ao Pooled. Em outras palavras, a heterogeneidade não observada é importante na análise e não pode ser descartada do modelo.
Destaca-se que os efeitos não observados podem ser modelados por meio dos efeitos fixos ou aleatórios. O teste de Hausman, que é um teste de independência entre o termo de erro e os regressores, auxilia na escolha entre os dois modelos. A hipótese nula subjacente ao teste de Hausman é a de que não há diferença sistemática entre os estimadores de efeitos fixos e aleatórios. Em outras palavras, testa-se a consistência dos estimadores de efeitos aleatórios (Wooldridge, 2002).
Rejeitar a hipótese nula desse teste significa dizer que o modelo de efeitos aleatórios não é adequado - os efeitos não observados provavelmente estarão correlacionados com um ou mais regressores - e que, portanto, o modelo de efeitos fixos seria preferível (Gujarati & Porter, 2011; Kennedy, 2009).
O resultado obtido por esse teste foi a rejeição de H0 e a consequente inadequação do modelo de efeitos aleatórios. Ou seja, novamente a preferência é pelo modelo de efeitos fixos.
Foi aplicado ainda, sobre a equação (3), o teste do Multiplicador de Lagrange desenvolvido por Breusch e Pagan em 1980, utilizado, segundo Gujarati e Porter (2011), para testar a hipótese de que não há efeitos aleatórios no nível do indivíduo. A rejeição da hipótese nula, nesse caso, implica uma inadequação do modelo Pooled e na preferência pelo de efeitos aleatórios.
O resultado obtido nesse teste, porém, foi a não rejeição de H0, ou seja, o modelo Pooled é preferível ao de efeitos aleatórios. Olhando de outra forma, o teste LM de Breusch e Pagan reforça o teste de Hausman, por meio do qual também foi constatado que o modelo de efeitos aleatórios não é o mais adequado nesse caso.
Em relação à presença/ausência de autocorrelação e heterocedasticidade, foram realizados os testes de Wooldridge para autocorrelaçao em painel e de Wald para heterocedasticidade em grupo (efeitos fixos), cujos resultados foram ausência de autocorrelação (de 1ª ordem) e presença de heterocedasticidade, respectivamente. Por isso, houve uma estimação com erros padrão robustos à presença de heterocedasticidade foi realizada.
3.3 Modelo de seleção amostral de Heckman
Embora haja sorteios aleatórios para fiscalização dos municípios, referente à aplicação de recursos repassados pela União para execução descentralizada dos recursos federais, o número de casos de corrupção por si, medido pelo número de processos abertos e investigados pela CGU, não permite inferir o tamanho efetivo da corrupção. No entanto, dado a inexistência de uma medida concreta em nível municipal, faz-se necessário o uso de informações alternativas que nos dê evidências mínimas desse fenômeno.
Assim, a variável de corrupção utilizada na estimação dos modelos de painel Pooled, efeitos fixos e aleatório, pode apresentar vieses porque uma parcela significativa dos municípios têm informações latentes quanto à existência ou não de corrupção e também pela impossibilidade de os municípios conseguirem dimensionar o tamanho efetivo da corrupção e seu mecanismo de funcionamento.
A propósito, é possível que um caso de corrupção em determinado município tenha mais relevância do que em outro. Além disso, como a CGU sorteia no máximo 605 municípios para serem fiscalizados por ano, o fenômeno da corrupção permanece desconhecido na maior parte deles, levando a um viés que é resultante da amostra selecionada para estimação dos fatores determinantes desse fenômeno.
Como destacado por Baltagi (2005), caso se considere apenas o painel balanceado, com as informações conhecidas, a inferência baseada nele é ineficiente, mesmo em dados ausentes aleatoriamente, pois estaríamos descartando dados. Assim, em dados ausentes não aleatoriamente, essa inferência seria enganosa porque não é mais representativa da população.
A distinção ente as regras de seleção de dados ignoráveis e não ignoráveis, ou seja, entre os dados faltantes ou não numa pesquisa, foi analisada por Verbeek e Nijman (1996). Isso é importante porque, se a regra de seleção for ignorável para os parâmetros de interesse, podem-se usar os métodos de dados de painel padrão para estimativa consistente. Se a regra de seleção não for ignorável, deve-se levar em conta o mecanismo que causa as observações ausentes para obter estimativas consistentes dos parâmetros de interesse.
Assim, Heckman (1979) propôs um estimador simples para tratar o viés resultante da seleção de uma amostra de forma não aleatória, ou seja, de uma amostra truncada e que pretenda estimar relações comportamentais. O problema nas estimações por efeitos fixos e aleatórios está no fato de que os processos de corrupção são observados apenas para parcela dos municípios que são fiscalizados pela CGU, portanto a omissão de informações para os demais municípios não é aleatória.
O modelo a ser ajustado, portanto, será dado da seguinte forma:
Em que y it é a variável dependente com omissão de informações, x it são as variáveis utilizadas para modelar o resultado, α 1i é o efeito individual da equação principal e ε 1it é o termo de erro. A equação de seleção, dada por S it , que determina quais y it são dados omitidos, é dada por:
Em que S it é uma variável dummy que assume o valor 1, caso uma observação seja selecionada, e 0, caso contrário; 1[.] é uma função indicadora que é igual a 1 se seu argumento interior é verdadeiro e zero caso contrário, Z it é um vetor de variáveis utilizadas para modelar a seleção, associado a um parâmetro γ, α 2i é o efeito individual e ε2it o termo de erro da equação de seleção.
Dado que não existe um estimador paramétrico para estimadores com efeitos fixos no caso de seleção amostral endógena, utilizou-se o estimador de Heckman para efeitos aleatórios.
Para a equação de seleção, fez-se uso da variável IFDM, pertencente à equação principal, conjuntamente com indicadores de gestão financeira, conforme recomenda Macedo e Corbari (2009). A finalidade da inclusão de tais indicadores é captar a influência dos desequilíbrios financeiros advindos de práticas corruptas pelos municípios. Além dessas, foram incluídas também a variável população, a fim de capturar o aumento na probabilidade de ocorrência de corrupção, em virtude da magnitude da população municipal. Os indicadores de gestão financeira estão descritos no Quadro 2.
O grau de dependência dos municípios, frente as suas receitas próprias, reflete o baixo esforço fiscal, que pode estar relacionado a dois fatores principais. O primeiro é dado pelo desincentivo provocado pela garantia de transferência de recursos pela União e pelos estados. O segundo, por haver estrutura arrecadatória ineficiente e que, ao mesmo tempo, permita conchavos para remissão de dívidas em troca de apoio político.
Para o indicador de despesa com pessoal, da mesma forma, espera-se captar os impactos do excesso de contratações sem concurso público e que são realizados apenas para pagamento pelo apoio recebido durante o pleito eleitoral.
Por fim, o indicador de despesa com investimentos não apenas reflete o grau de preocupação com o desenvolvimento local, mas também pode servir como mecanismo para acordos não formais entre os governantes local e as empresas prestadoras dos serviços.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
A Tabela 2 apresenta as estimativas obtidas por meio dos modelos Pooled, de efeitos aleatórios e fixos. Como diz Fávero (2013), no modelo para dados empilhados, a inferência requer um controle da correlação within do termo de perturbação para um dado indivíduo, portanto é preciso usar erros-padrão robustos com agrupamento no nível do indivíduo (clusterizados).
O primeiro aspecto a observar é que os coeficientes estimados pelos modelos Pooled e de efeitos aleatórios são idênticos. Isso ocorre porque a variância do termo de erro específico ao indivíduo é igual a 0 no modelo de efeitos aleatórios, de modo que o estimador GLS é equivalente ao OLS aplicado ao modelo Pooled, uma vez que são dados pesos idênticos às variações within e between,6 conforme esclarece Marques (2000). As estimativas por efeitos fixos, por sua vez, apresentam diferenças substanciais em relação aos outros dois modelos. Contudo, é importante destacar que, não obstante o modelo adotado, o impacto gerado pelo tamanho do governo sobre a corrupção é sempre negativo, e esse é o ponto principal de análise aqui.
A análise dos resultados será baseada na estimação da equação (4), dado pelo modelo de Heckman após a estimação da equação de seleção (5) - realizada pelo modelo probit no primeiro estágio -, e interpretada como se fossem observados os dados de corrupção para todos os municípios na amostra. Dado que o coeficiente referente à razão inversa de Mills se apresentou estatisticamente significativo ao nível de 1%, pode-se considerar que a amostra foi selecionada aleatoriamente, portanto se considera na estimação principal o viés de variável omitida no modelo.
Como é possível observar na Tabela 2, o coeficiente da variável tamanho do governo, TGov, apresentou significância estatística ao nível de 5%, ao passo que a significância das variáveis IFDM, PIBpc, de despesas com pessoal e encargos sociais, DesPes, e investimentos, Invest, ficou no nível de 1%. Já o coeficiente da variável ProdG não apresentou significância estatística para o modelo de efeito fixo e de Heckman.
Como demonstra a Tabela abaixo, o efeito da principal variável de interesse, TGov, sobre a corrupção, sugere que um aumento no tamanho do governo reduz o nível de corrupção do município. O coeficiente dessa variável indica que um aumento de 1% no tamanho do governo, mantendo os demais fatores constantes, reduz a incidência de corrupção em aproximadamente 0,05 unidade.
Tal resultado contraria os estudos de Goel e Nelson (1998) para os Estados Unidos e também de Arvate et al. (2010) para países da América Latina, em que foi inclusive apontado que o Brasil apresentou um nível de corrupção mais alto associado a maiores governos. Mas, por outro lado, esse achado converge com os resultados apresentados por Bergh et al. (2012) para a Suécia e Magtulius e Poquiz (2017) para as Filipinas, que encontraram um efeito negativo do tamanho do governo na corrupção.
Com relação à constatação de Arvate et al. (2010) para o Brasil, diferentemente da presente pesquisa, os autores utilizaram um indicador de natureza subjetivo, dado pelos índices de percepção da corrupção, além de utilizarem dados amostrais de um período anterior ao da pesquisa em questão, o que pode justificar a produção de resultados distintos entre ambos os estudos.
Outra conexão pode ser feita com o estudo de Kotera et al. (2012), que afirmam que o efeito do tamanho do governo sobre a corrupção depende do nível de democracia do país, de modo que um governo maior corrobora para o agravamento da corrupção se a democracia não estiver suficientemente consolidada. Se estiver, porém, um aumento do tamanho do governo pode implicar redução da corrupção. Comparativamente a outros países latino-americanos, como Venezuela e Bolívia, o Brasil pode ser considerado um país com democracia relativamente forte, embora incompleta - algo que pode, em parte, explicar a relação negativa entre tamanho do governo e corrupção captada pela regressão estimada.
Com relação à variável IFDM, o índice de desenvolvimento municipal, um aumento unitário nesse índice implica uma redução de 18,76 unidades no indicador de corrupção. O resultado apontado pelo IFDM, que engloba dimensões de emprego e renda, saúde e educação, está em consonância com estudos anteriores que associaram a corrupção pública ao aumento da desigualdade e da pobreza. Entre esses estudos, estão o de Mauro (1995), Rose-Ackerman (2005) e Tanzi e Davoodi (1997).
Já a despesa com pessoal e encargos sociais, variável DesPes, contribui para um aumento no nível de corrupção do município. Isso já era esperado, visto que tal variável guarda uma relação direta com práticas corruptas, no sentido de que um gestor que usa o poder a ele confiado para ganhos privados, em geral, infla o número de funcionários públicos, principalmente em municípios do interior, seja por meio de cargos comissionados em demasia - como é prática comum no Brasil -, seja por inserir na folha de pagamentos despesas que dela não deveriam constar, isso sem falar da fraude dos funcionários fantasmas. Esses atos elevam os gastos com pessoal e resultam muitas vezes em descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que fixa um teto para esse tipo de despesa pública.
Dessa forma, com frequência, os salários do funcionalismo público representam gastos que estão além daquele necessário para atender às demandas da população. Isso está de acordo com a afirmação de Liu e Mikesell (2014) de que as despesas com o total de salários e vencimentos do setor público tendem a ser maiores em conjunto com níveis de corrupção mais altos.
Na mesma direção, o coeficiente da variável investimentos, Invest, se apresenta como positivo, o que indica que um aumento no montante investido pelos municípios tende a corroborar para um aumento da corrupção. De fato, tais recursos, não raro, são desviados para corrupção por meio de superfaturamento de obras, fraudes em contratos e licitações e outras atividades corruptas afins.
Uma consideração a fazer é que os baixos valores apresentados pelos coeficientes das variáveis DesPes e Invest não significam necessariamente um reduzido impacto destas sobre a corrupção, uma vez que os modelos captam variações na corrupção por unidade de real e esses regressores têm grande amplitude.
Ainda que o coeficiente da variável produtividade dos gastos, ProdG, não tenha apresentado significância estatística para o modelo de efeito fixo e de Heckman, é válido uma breve análise do efeito delas no nível de corrupção, tendo em vista as significâncias dessas variáveis captadas pelos outros dois modelos apresentados na Tabela 2.
Assim, quanto à variável ProdG, os resultados do modelo aleatório apontam uma redução de 0,47 unidade no indicador de corrupção a cada aumento de 1% nos gastos saúde/produto, utilizados como proxy para a produtividade. Liu e Mikesell (2014) citam que a ineficiência dos gastos públicos está diretamente ligada a um cenário de maior corrupção. Logo, uma elevação nos gastos com saúde em relação ao PIB tende a implicar menores índices de corrupção.
Já em relação ao PIBpc, os coeficientes dessa variável para todos os modelos - com exceção do de efeito fixo, que não apresentou significância - sugerem um impacto negativo dessa variável sobre a corrupção, convergindo com as constatações de Kotera et al. (2012) e Svensson (2005 como citado em Hessami, 2011). Isso não é difícil inferir. Com uma simples análise de índices de percepção de corrupção para diversos países publicados por organizações internacionais, como o IPC e o WGI, é possível concluir que países mais desenvolvidos em geral apresentam menores níveis de corrupção.
Para finalizar, as variáveis dummies referentes aos anos também apresentaram um efeito positivo sobre a corrupção ao longo do período analisado. Pelos resultados expostos na Tabela 2, fica evidente que o ano de 2013 foi o que teve o maior incremento sobre o nível de corrupção. A partir desse ano, o efeito passou a decrescer nos dois anos seguintes.
Essa constatação vai ao encontro das operações de combate aos crimes de corrupção realizadas nesse período e à maior independência dada ao Poder Judiciário para julgar esse tipo de crime, além da maior atenção por parte da mídia e da população em geral. Houve ainda, em 2013, a aprovação da Lei Anticorrupção, que passou a responsabilizar as empresas por atos lesivos à administração pública. Tal assertiva está de acordo com o modelo de crime e castigo de Becker (1968) e com os resultados encontrados por Goel e Nelson (1998), pelos quais foi apontado que uma maior fiscalização e probabilidade de punição desincentivam atividades ilegais como a corrupção. Ademais, há que considerar a crise econômica a partir de 2014, não necessariamente por levar a uma redução da corrupção, mas por tornar os recursos mais limitados.
Fazendo uma síntese das evidências produzidas, conclui-se que o problema não está no tamanho do governo - ao contrário das expectativas, um maior tamanho do governo se mostrou um fator que contribui para reduzir a corrupção -, e sim na forma como os recursos públicos são utilizados. Salienta-se a questão da boa governança em conjunto com a efetividade das normas legais como forma de inibir atividades ligadas à corrupção nos municípios brasileiros.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo investigou, por meio da análise de dados em painel, o impacto do tamanho do governo na corrupção nos municípios brasileiros entre os anos de 2005 a 2016, utilizando uma medida de corrupção construída mediante dados disponibilizados pela CGU.
Os resultados revelaram uma relação significativa e inversa entre tamanho do governo e corrupção nos municípios brasileiros. Isto é, os indícios foram de que, quanto maior o tamanho do Estado, menor será a incidência de corrupção no município. Embora entre em desacordo com as expectativas teóricas e o senso comum, essa constatação não é absurda, considerando que o Brasil tem um nível razoável de democracia e liberdade de imprensa, fatores que funcionam como sistema de freios e contrapesos.
Quanto à influência das demais variáveis, os parâmetros indicaram que “gastos com pessoal e encargos sociais” e “investimentos” induzem a um aumento na corrupção municipal, enquanto “índice de desenvolvimento municipal” e “PIB per capita” tendem a contribuir para uma redução na sua incidência. Foi constatado também, por meio do fator tempo, que houve um incremento na corrupção ao longo do período analisado. Contudo, após 2013, esse efeito se revelou decrescente até 2015, com ligeiro aumento para 2016.
Diante das evidências produzidas, infere-se que a questão da corrupção nos municípios brasileiros não está relacionada ao quão grande o governo é. O problema pode estar na forma como os recursos públicos são aplicados e, ressalte-se, na baixa aplicabilidade das leis. Destaca-se a questão da boa governança, com uma gestão transparente e responsável, em conjunto com a efetividade do sistema legal, como forma de inibir práticas corruptas nos municípios brasileiros.
A complexidade social é um fator que interfere no nível de corrupção nos municípios. Uma sociedade civil mais ativa e regiões com desenvolvimento econômico mais elevado tendem a ter menores casos de irregularidades no manuseio de recursos públicos, conforme apontam evidências empíricas.
Apesar das inegáveis vantagens trazidas pelo liberalismo econômico para os países, com a prerrogativa do Estado Mínimo, dadas as características intrínsecas à nação brasileira - onde a corrupção é considerada sistêmica e há uma enorme desigualdade de renda -, evidencia-se a necessidade da intervenção do Estado na economia, por meio de políticas públicas que garantam o acesso de todos a serviços básicos como saúde e educação, o que se sugere medidas mais rigorosas na governança contra a corrupção. Para isso, é crucial a efetiva aplicação das sanções previstas em lei àqueles que utilizarem recursos públicos de forma indevida visando a interesses próprios.
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1
A Transparência Internacional constrói seu índice baseado em pesquisas de opinião pública, experiências de analistas de países e avaliações de risco de pessoas que fazem negócios nessas nações. O índice do Banco Mundial é construído de forma similar, porém com um algoritmo diferente e envolvendo menos pesquisas de países individuais (Nelson, 2013). O ICRG fornece uma classificação dos países quanto a riscos políticos, econômicos e financeiros. Embora o componente corrupção responda por apenas 6% da subcategoria “risco político”, é possível desagregar o indicador e extrair só o componente de interesse (Melo, 2010). A pontuação do ICC vai de -2,5 a 2,5, ao passo que o IPC e o ICRG variam de 0 a 100, sendo que valores mais altos correspondem a países considerados menos corruptos (Magtulius & Poquiz, 2017).
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2
No ranking dos países com menor Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado pela Transparência Internacional, a Dinamarca, a Nova Zelândia, a Finlândia e a Suécia ocupam, na ordem, os quatro primeiros lugares.
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3
Em linhas gerais, esse modelo prediz que a incidência da corrupção é diretamente proporcional aos ganhos potenciais de atividades corruptas e inversamente proporcional à probabilidade de ser pego e à severidade da punição.
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4
Mauro (1995), Rose-Ackerman (2005) e Tanzi e Davoodi (1997) são alguns exemplos.
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5
Informação disponível no portal da CGU para o ano de 2020.
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6
Enquanto o modelo de efeitos fixos considera apenas a within variance, a variação ao longo do tempo ou para um dado indivíduo, o modelo de efeitos aleatórios pode ser visto como uma combinação ótima das variações within e between - está se refere à variação entre os indivíduos (Fávero, 2013; Kennedy, 2009; Marques, 2000).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Maio 2021 -
Data do Fascículo
Mar-Apr 2021
Histórico
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Recebido
24 Ago 2020 -
Aceito
27 Set 2020