Resumos
O conjunto de teste do "Instrumento de Avaliação do Desenvolvimento de Pré-escolares II" (IADPE-II) visa aumentar a sensibilidade na avaliação psicométrica em crianças de 5 a 6 anos. Com o objetivo de proceder a uma análise inicial das principais características estatísticas do "Instrumento II", foi avaliado seu poder de discriminação entre as idades de 5 a 6 anos e as correlações entre ele e os instrumentos "IADPE-I" e "Escala de Comportamento" usados inicialmente neste projeto. Os dados obtidos revelam que o "IADPE-II" aumenta a sensibilidade da avaliação psicométrica de crianças de 5 a 6 anos. Encontrou-se correlação positiva e altamente significativa com os instrumentos citados. Com base nesses resultados verificou-se que o "IADPE-II" pode ser utilizado como uma avaliação complementar para avaliação psicométrica de pré-escolares de 5 a 6 anos de idade.
Pré-escolares; Criança; Grupos etários; Programa CEAPE
This battery of tests - the "Instrument II" - was selected in order to increase the sensitivity of the psychometric evaluations for children from 5 to 6 years old and designed to be used as a complementary resource for the former mechanisms - the "IADPE" and the "Scale" both used on the CEAPE program. The present article studies the main statistical characteristics of the "Instrument II". It was found to increase the sensitivity of the psychometric evaluation of preschool children of the age quoted. A positive and significant correlation among the three methods mentioned was also obtained. On the basis of these results one can suggest that the "Instrument II" can be used as a complementary evaluation test for estimating the socio-psychological progress in preschool children of 5 and 6 years old belonging to low socio-economic classes.
Preschool child; Child development; Age factors; CEAPE Program
"Instrumento II" adicional de avaliação do desenvolvimento de pré-escolares seu valor na discriminação de grupos etários
The additional "Second Instrument" for the assessment of preschooler development its value for age-group differentiation
José FernandesI; Yaro R. GandraII
IDo Programa CEAPE Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 715 01255 São Paulo, SP Brasil
IIDo Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 715 01255 São Paulo, SP Brasil
RESUMO
O conjunto de teste do "Instrumento de Avaliação do Desenvolvimento de Pré-escolares II" (IADPE-II) visa aumentar a sensibilidade na avaliação psicométrica em crianças de 5 a 6 anos. Com o objetivo de proceder a uma análise inicial das principais características estatísticas do "Instrumento II", foi avaliado seu poder de discriminação entre as idades de 5 a 6 anos e as correlações entre ele e os instrumentos "IADPE-I" e "Escala de Comportamento" usados inicialmente neste projeto. Os dados obtidos revelam que o "IADPE-II" aumenta a sensibilidade da avaliação psicométrica de crianças de 5 a 6 anos. Encontrou-se correlação positiva e altamente significativa com os instrumentos citados. Com base nesses resultados verificou-se que o "IADPE-II" pode ser utilizado como uma avaliação complementar para avaliação psicométrica de pré-escolares de 5 a 6 anos de idade.
Unitermos: Pré-escolares, avaliação. Criança, desenvolvimento. Grupos etários. Programa CEAPE.
ABSTRACT
This battery of tests the "Instrument II" was selected in order to increase the sensitivity of the psychometric evaluations for children from 5 to 6 years old and designed to be used as a complementary resource for the former mechanisms the "IADPE" and the "Scale" both used on the CEAPE program. The present article studies the main statistical characteristics of the "Instrument II". It was found to increase the sensitivity of the psychometric evaluation of preschool children of the age quoted. A positive and significant correlation among the three methods mentioned was also obtained. On the basis of these results one can suggest that the "Instrument II" can be used as a complementary evaluation test for estimating the socio-psychological progress in preschool children of 5 and 6 years old belonging to low socio-economic classes.
Uniterms: Preschool child, evaluation. Child development. Age factors. CEAPE Program.
INTRODUÇÃO
Cada vez mais reconhece-se a importância dos anos pré-escolares não apenas para o desenvolvimento físico, como também para o desenvolvimento de aspectos psicológicos (emocional, cognitivo, de linguagem, entre outros), os quais, por sua vez, darão à criança os subsídios para eventos futuros, como a escolarização, por exemplo. Neste contexto, salienta-se a importância da alimentação adequada e da estimulação ambiental de certos processos psicológicos. Entretanto, nem sempre as famílias em que os pré-escolares vivem, especialmente as de baixo nível sócio-econômico, podem satisfazer plenamente estas duas condições. Uma das linhas de atuação, nesse sentido, é a implantação de programas econômicos, preventivos, que ofereçam a um número maior de pré-escolares alimentação suplementar e algum tipo de estimulação psico-pedagógica.
O programa CEAPE Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar (Gandra, 1973)9,10 é um modelo alternativo de atendimento aos pré-escolares de 2 a 6 anos, tendo por objetivo oferecer-lhes atividades psico-pedagógicas na forma de Recreação Orientada (Cavalcanti e col., 1976)3 e suplementação alimentar (merenda)13. Na medida em que o CEAPE apresenta características (uso de recursos materiais e humanos ociosos, baixo custo, flexibilidade, entre outros) que tornam factível sua implantação em larga escala, torna-se importante a tarefa de avaliação da extensão e da intensidade dos efeitos deste tipo de programa.
O processo de avaliação psico-pedagógica do programa CEAPE foi desenvolvido utilizando-se o teste "Instrumento de Avaliação do Desenvolvimento de Pré-Escolares IADPE"5 e a "Escala de Comportamento Intra-Teste" 14 que fornece uma avaliação do comportamento da criança, durante o teste. O "IADPE" 5 é um teste de aproveitamento ("achievement test") que tem por objetivo a avaliação de alguns aspectos que podem ser considerados básicos para a escolarização. Os resultados obtidos nos CEAPEs da cidade de Leme (São Paulo) mostraram que este teste foi altamente sensível às idades estudadas e à freqüência ao programa. Isto é, ele discriminou significativamente entre: a) crianças de idades diferentes (4, 5 e 6 anos); e b) considerando-se crianças da mesma idade, diferenciou as que freqüentaram o programa CEAPE (Leme) durante pelo menos 6 meses letivos, daquelas que não o freqüentaram. Foram obtidas correlações altamente significativas entre a "Escala" 7 e o "IADPE", nas idades estudadas. Entretanto, para as crianças "Ceapenses" a partir de 5 anos, observou-se que o "Instrumento" tendeu a tornar-se progressivamente mais "Fácil", o que diminuiu o poder de discriminação deste instrumento com o aumento da idade.
Dessa forma, iniciou-se o processo de elaboração de itens adicionais para esse teste, para as idades de 5 e 6 anos, com a finalidade de obter novas informações acerca da influência do programa CEAPE sobre o desempenho de pré-escolares em algumas tarefas cognitivas, perceptivas e de linguagem. Estes itens adicionais tentam seguir as mesmas orientações gerais que o "IADPE". Este conjunto de novos itens foi denominado "Instrumento II" e foi planejado para complementar aqueles cuja sensibilidade diminuiu com crianças de 5 e 6 anos. Para a composição deste "Instrumento II", foi feita uma avaliação preliminar de itens que abordavam os seguintes aspectos: discriminação visual de forma, cor, tamanho, posição; vocabulário ilustrado; ordenação temporal; "quebra-cabeças" e organização perceptiva. Os resultados preliminares com este material indicaram que os itens de vocabulário ilustrado comportaram-se como fáceis demais para essas idades. Por outro lado, os itens de ordenação temporal (colocar em seqüência temporal uma série de 3 eventos) e de "quebra-cabeças" (montar uma figura, a partir de 3 ou 4 recortes isolados) foram extremamente difíceis. Em muitos casos, a criança dava indícios de não ter compreendido a tarefa, mesmo alterando-se as instruções dos itens.
Em função destes resultados preliminares, o "Instrumento II" foi reorganizado: foram retirados os itens com as mais altas e com as mais baixas percentagens de acerto, e foram acrescentados novos itens e readaptados os que mostraram algum grau de discriminação entre 5 e 6 anos.
O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise inicial das características estatísticas principais do "Instrumento II", avaliando também o seu grau de discriminação entre as idades de 5 e 6 anos e as correlações entre este instrumento, o "IADPE" e a "Escala de Comportamento Intra-Teste".
MÉTODO
Características do "Instrumento II"
O "Instrumento II", adicional, contém 30 itens e foi planejado para ser aplicado a crianças de 5 e 6 anos, após o "IADPE". O material utilizado é composto por dois cadernos pequenos, que contém os estímulos apresentados à criança e também por quadrados de papelão colorido. O "Instrumento II" é aplicado individualmente, levando cerca de 20 min por criança. Para a construção do "Instrumento II", seguiu-se a mesma orientação geral utilizada pelo "IADPE", ou seja, a de avaliar, através de procedimentos simples e breves, alguns aspectos considerados importantes para a escolarização. Nesse sentido, foram elaborados itens de discriminação visual (forma, cor, tamanho, posição); organização perceptiva e também vários itens que são uma tentativa inicial de avaliar alguns aspectos de linguagem, dentro do contexto de uma testagem breve *. Os itens relativos à linguagem, portanto, não tem o objetivo de fornecer um quadro da competência lingüística da criança (o que obviamente não caberia dentro dos limites de uma testagem breve), mas são basicamente uma tentativa de estudar alguns poucos aspectos, com procedimentos bastante simples e pouco sofisticados, e que, em princípio, também são passíveis de estudo. Os 30 itens do "Instrumento II" foram distribuídos por 5 áreas. A Tabela 1 apresenta as áreas definidas, o número de itens de cada área, o total máximo de pontos de cada área e as tarefas solicitadas à criança.
a) Área I (DISCR) Discriminação e Formação de Conceitos (11 itens)
Estes itens baseiam-se no procedimento utilizado pela "Escala de Maturidade Mental Columbia" (Burgemeister e col., 1977)2 para a avaliação de pensamento conceitual. Adaptações deste procedimento tem sido bastante empregadas (Poppovic e col., 1975) 14 e Klein **.
No caso do "Instrumento II", em cada item desta área, apresenta-se à criança uma prancha diferente, cada uma com 3 desenhos, supondo que ela deve formar conceitos que lhe permitam classificar um determinado desenho. As tarefas solicitadas dizem respeito a identificação de "diferenças", "combinações" ou "posições" entre desenhos.
Todos os itens desta área admitem apenas as respostas "certo" (1 ponto) ou "errado" (zero). Assim, o total máximo de pontos desta área é 11.
b) Área II (PERC) Organização Perceptiva (4 itens)
Estes itens foram baseados no procedimento do teste "Cubos de Kohs" e do sub-teste "Cubos" da Wechsler Intelligence Scale for Children WISC (Wechsler, 1967)16. Cohen (1959)4, em sua análise fatorial do WISC, relatou que o sub-teste "Cubos" forneceu uma excelente medida de inteligência geral e de organização perceptual, para crianças com mais de 7 anos. Galifret Granjon e Santucci (1968)8 relataram que este tipo de teste é também bastante discriminativo entre idades de 7 e 12 anos. Estes dados sugerem que adaptações destes itens também podem ser adequadas para pré-escolares.
De um modo geral, o procedimento básico é apresentar mosaicos quadrados coloridos (desenhos-padrões) à criança e a sua tarefa é reproduzir corretamente o mosaico com cubos que tem faces de cores diferentes. Geralmente o desenho-padrão tem uma área menor que a área do mosaico que pode ser realmente formado com os cubos coloridos. Esses autores relataram que quanto maior a diferença entre estas duas áreas, maior a dificuldade de reprodução correta do desenho-padrão.
No caso do "Instrumento II", adicional, modificamos esses procedimentos em vários aspectos. Não foram utilizados, por exemplo, os cubos, mas quadrados de papelão colorido, com apenas uma cor. A área do desenho-padrão foi mantida igual à área do mosaico que poderia ser montado pela criança. Supôs-se que estas adaptações simplificariam a tarefa, tornando estes itens mais adequados para o uso com pré-escolares nas áreas de baixo nível sócio-econômico.
Os itens desta área admitem as respostas: "totalmente correto" (2 pontos); "parcialmente correto" (1 ponto) e "totalmente errado" (zero). Assim, o total máximo de pontos desta área é 8.
c) Área III (COR) Nomeação de cores (5 itens)
A tarefa pedida à criança é identificar 5 cores. Estes itens admitem apenas as respostas "certo" (1 ponto) ou "errado" (zero). O total máximo de pontos, nesta área, é pois, 5.
d) Área IV (FUNC) Nomeação da função de Objetos (5 itens)
A tarefa básica pedida à criança é nomear a função de 5 objetos comuns, apresentados a ela através de desenhos. Estudos anteriores mostraram que os desenhos utilizados representavam objetos familiares para a população em estudo.
Os itens desta área admitem as respostas: "totalmente correto" (2 pontos) e "totalmente errado" (zero). O total máximo é 10 pontos.
e) Área V (VERB) Extensão da Verbalização (5 itens)
A tarefa básica pedida à criança é relatar a ação apresentada em 5 desenhos diferentes, que representam situações cotidianas. As respostas dadas pelas crianças foram anotadas e pontuadas em função da presença das seguintes classes de elementos: sujeito (pronome ou substantivo); verbo (s); obejto(s) (pronomes ou substantivos); adjetivo(s) ou expressões adjetivas; advérbio (s) ou expressões adverbiais. Foi dado 1 ponto para cada classe desses elementos, presente na resposta. Considerando-se como "resposta completa" aquela que apresenta as 5 classes de elementos citados, fixou-se, por convenção, o valor máximo de cada item em 5 pontos. O total máximo desta área é 25 pontos.
f) Total do "Instrumento II"
Os pontos obtidos em cada área foram somados e constituem o total do "Instrumento II", cujo máximo é 59 pontos.
Descrição da Amostra
Os trabalhos foram realizados nos CEAPEs da cidade de Leme (Estado de São Paulo), que foi escolhida por contar com número razoável de centros em funcionamento, operando sob uma orientação comum.
Os grupos de pré-escolares objetos deste estudo serviram para testar a influência do tempo de freqüência ao programa no desenvolvimento psico-motor. Por esta razão os grupos estão divididos em "A": antigos de 5 e 6 anos, com mais de 6 meses de freqüência ao programa; e "R", recentes de 5 e 6 anos, com menos de 2 meses de freqüência ao programa.
A Tabela 2 apresenta o número de crianças, em cada grupo e a freqüência média de cada um ao programa, em meses letivos.
A Tabela 3 mostra as médias, os desvios-padrões amostrais e as medianas das idades, em meses, para cada grupo.
Foram também coletadas algumas informações sobre o nível sócio-econômico da família das crianças testadas, através de entrevista com a mãe ou responsável pela criança 6. Para resumir os dados levantados, pode-se dizer, a grosso modo, que as crianças testadas foram provenientes de famílias de baixo nível sócio-econômico, em termos de renda familiar mensal bruta (cerca de 80% das famílias recebiam mensalmente entre 1 e 5 salários mínimos); de renda familiar mensal per capita (cerca de 80% das famílias variaram entre zero e 1 salário mínimo per capita); de escolaridade do pai e da mãe (em ambos os casos, aproximadamente 85% variaram entre primário incompleto e completo) e nível de prestígio ocupacional do chefe da família (88% dos casos variaram entre ocupações manuais não-especializadas e especializadas).
Procedimento
Todas as crianças foram testadas nas instalações dos CEAPEs de Leme por uma equipe formada por psicólogos ou por estudantes dos últimos anos do Curso de Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Além do "Instrumento II", praticamente todas as crianças foram avaliadas com a "Escala de Comportamento Intra-Teste". Algumas crianças também foram testadas com o "IADPE". Todos os componentes da equipe foram previamente treinados quanto à aplicação e avaliação dos instrumentos utilizados, sendo também supervisionados nos trabalhos de campo5.
RESULTADOS
Serão analisados alguns aspectos estatísticos do "Instrumento II", assim como o seu grau de discriminação entre as idades de 5 e 6 anos e as correlações entre este teste e o "IADPE" e a "Escala de Comportamento Intra-Teste".
Médias, Desvios-Padrões e Medianas do total do "Instrumento II"
A Tabela 4 apresenta as médias, os desvios-padrões amostrais e medianas do total do "Instrumento II" para cada grupo.
Pode-se notar que ocorrem aumentos de 5 para 6 anos, tanto para as crianças dos grupos "R" como para as crianças dos grupos "A". A diferença entre os grupos 5A e 5R, em termos de médias e medianas, foi ligeiramente maior que a observada nos grupos de 6 anos, isto é, 6A e 6R.
Para a análise dos dados, optou-se por uma abordagem não-paramétrica. Os grupos foram inicialmente comparados através da prova de Kruskal-Wallis (Siegel, 1975)15, que revelou a existência de diferenças altamente significativas entre eles (H = 65,590; X2C, 2g.1 = 16,266; p <.001). Em seguida, o grupo 5A foi comparado com o grupo 6A e o grupo 5R com o grupo 6R através da prova de Mann-Whitney, encontrando-se novamente diferenças altamente significativas (Z 5A-6A = 3,708; Z 5R-6R * 4,655; p<.001). Estes resultados indicam que o total do "Instrumento II" adicional é altamente sensível a diferenças entre 5 e 6 anos, tanto para crianças recém-ingressas como para crianças "antigas" ao programa.
Resultados por Áreas do "Instrumento II"
Foram realizadas algumas análises dos resultados obtidos nas diversas áreas do "Instrumento II", adicional. As médias de pontos obtidas em cada área, em cada grupo, foram transformadas em percentagens, através da fórmula:
Esta transformação permite a comparação entre os resultados de áreas do teste que possuem totais máximos diferentes. As Figuras 1 e 2 apresentam as médias de pontos obtidos em cada área, em forma de percentagem do total máximo de pontos da respectiva área, para os grupos "R" e para o grupo "A".
Os itens da Área I DISCR envolviam algum grau de acerto casual, uma vez que o procedimento utilizado foi de escolha entre alternativas. Assim, foi introduzida a correção de acertos por acaso, conforme a fórmula proposta por Guilford (1954)12, originando a Área I (corrig.) DISCR' (pontilhada nas Figuras 1 e 2).
Conforme mostram as Figuras 1 e 2, todas as áreas apresentaram resultados crescentes, em função da idade.
Foram realizadas comparações entre os resultados obtidos aos 5 e 6 anos, separadamente para os grupos "R" e "A". Para isso, foi utilizada a prova não-paramétrica de Mann-Whitney. Os valores de Z encontram-se nas Figuras 1 e 2. Pode-se notar que todas as áreas apresentaram aumentos significativos em seus resultados, em função do aumento de idade, com exceção de IV FUNC e V VERB, para as crianças com, pelo menos, 6 meses letivos consecutivos de freqüência ao programa (grupos "A").
Estes resultados indicavam que, no geral, as diferenças observadas no total do "Instrumento II" adicional não são atribuíveis a áreas específicas, mas refletem diferenças de desempenho entre as idades, ao longo de todo o teste.
O "Instrumento II" é pois um teste razoavelmente sensível para as idades de 5 e 6 anos. A área de maior facilidade (pelo menos 75% de acerto, nas duas idades) foi III COR (nomeação de cores) para os grupos "A". Este resultado reproduziu o obtido com o "IADPE", em que se constatou que a tarefa de reconhecimento de cores é bastante fácil, nestas idades. Isto sugere, portanto, que a tarefa de reconhecimento e a de nomeação de cores são aparentemente equivalentes, em termos de dificuldade, considerando-se as cores avaliadas por estes testes.
A área de menor percentagem de acerto foi V VERB, para todos os grupos estudados. No geral, as respostas dadas variaram entre a presença de uma ou duas classes de elementos (só sujeito; só verbo (s); sujeito + verbo(s); verbo(s) + objeto). Construções com 3 classes de elementos (exemplo: sujeito + verbo(s) + objeto) foram menos freqüentes. A utilização de adjetivos, advérbios ou expressões equivalentes foi praticamente inexistente, em ambas as idades.
Conforme já foi levantado, é importante ressaltar que os resultados obtidos não podem ser considerados representativos da competência lingüística da criança, num sentido amplo, em função da pequena abrangência de aspectos avaliados e da necessidade de novos estudos dos próprios procedimentos utilizados. Entretanto, mesmo com estas ressalvas, os resultados indicam que podem ser obtidas discriminações significativas entre idades, mesmo com técnicas simples e pouco sofisticadas como foi o nosso propósito.
Coeficientes de Precisão do "Instrumento II"
Em seguida foi verificado em que grau as diferenças individuais nos resultados do teste são atribuíveis a erros casuais de mensuração ou a diferenças realmente existentes entre os indivíduos, naquelas características avaliadas pelo teste. Existem vários tipos de coeficientes de precisão e cada um fornece um tipo de informação diferente sobre o teste (Anastasi, 1967)1.
O coeficiente de precisão a de Cronbach é essencialmente uma medida de consistência interna do teste, ou seja, de homogeneidade (Guilford, 1956)11. Este coeficiente avalia qual o grau em que os itens do teste apresentam intercorrelações entre si. Portanto, ele é especialmente adequado para testes homogêneos, ou seja, para aqueles testes que possuem itens que avaliam características relacionadas.
A Tabela 5 apresenta os coeficientes de precisão a de Cronbach, para os grupos estudados.
Pode-se observar que os valores do coeficiente de precisão não são altos, mas ainda aceitáveis de acordo com critérios tradicionalmente aceitos. Esses valores dos coeficientes de precisão indicam que o "Instrumento II" não é um teste completamente homogêneo, ou seja, os seus itens não apresentam intercorrelações elevadas entre si, no geral. Este dado pode ser observado na própria composição do "Instrumento II", isto é, os itens das diferentes áreas não parecem, à primeira vista, avaliar características necessariamente relacionadas.
Dessa forma, o "Instrumento II" deve ser considerado como razoavelmente heterogêneo. Para testes heterogêneos, o melhor tipo de coeficiente de precisão é o de teste-reteste (Guilford, 1956)11. Neste caso, o mesmo instrumento é aplicado às mesmas pessoas, após um certo intervalo de tempo. Os resultados obtidos em ambas ocasiões são correlacionados e fornecem, portanto, uma medida da estabilidade temporal dos resultados, isto é, o grau em que os resultados no teste são afetados por flutuações casuais nas condições do indivíduo e do ambiente de avaliação.
No caso de pré-escolares, o intervalo entre teste e reteste não deve exceder poucas semanas, uma vez que ocorrem mudanças rápidas e sistemáticas, neste período, em termos de desenvolvimento (Anastasi, 1967)1.
Infelizmente, no caso do "Instrumento II", só foi possível aplicar o reteste após 6 meses, em algumas crianças de cada grupo.
A Tabela 6 apresenta os valores dos coeficientes de precisão teste-reteste (utilizando-se a correlação de Pearson) assim como o número de crianças retestadas, em cada grupo.
Conforme mostra essa Tabela, os valores continuam baixos, não sendo possível, no momento, atribuí-los ao instrumento em si, ou a outros fatores intervenientes no longo intervalo de 6 meses, ou mesmo ao pequeno número de crianças retestadas, em cada grupo.
Apesar das ressalvas quanto a ambos os tipos de coeficientes de precisão utilizados, os resultados obtidos sugerem valores ainda aceitáveis.
Erros-Padrões de Medida
A Tabela 7 apresenta os valores dos erros-padrões de medida para cada grupo, calculados com base no coeficiente de precisão a de Cronbach (consistência interna).
Pode-se notar que os valores de erro são razoalvelmente estáveis, ao longo dos diferentes grupos, isto é, cerca de ± 3 pontos ao redor do resultado obtido.
Correlações entre o "Instrumento II", o "IADPE" e a "Escala de Comportamento Intra-Teste"
Conforme foi levantado, o "Instrumento II" foi planejado para ser uma avaliação complementar ao "IADPE", para as idades de 5 e 6 anos. Torna-se, portanto, de interesse, verificar qual o grau em que o "Instrumento II" correlaciona-se com o "IADPE" e também com a "Escala de Comportamento Intra-Teste", que foram os instrumentos iniciais de avaliação do programa CEAPE.
A Tabela 8 apresenta os valores da correlação de Spearman (Siegel, 1975)15 entre o total do "Instrumento II" e estas duas outras formas de avaliação, para 5 e 6 anos, independentemente do tempo de freqüência ao programa. O "IADPE" foi aplicado a apenas algumas crianças dos grupos "A" e a "Escala" foi utilizada em, praticamente, todas as crianças.
Conforme mostra a Tabela 8, pode-se notar que o total do "Instrumento II" correlacionou-se positiva e significativamente com o total do "IADPE" e com o total da "Escala de Comportamento Intra-Teste". As correlações entre o total do "Instrumento II" e o total do "IADPE" foram maiores que as existentes com relação ao total da "Escala de Comportamento Intra-Teste". Existe também uma diminuição nos valores das correlações com o aumento da idade (isto é, de 5 para 6 anos), em ambos os instrumentos. Apesar desse decréscimo, todos os valores obtidos são significativos (p <.001).
Estes dados indicam que, em princípio, o "Instrumento II" pode ser utilizado como uma avaliação complementar ao "IADPE". As correlações significativas entre o total do "Instrumento II" e o total da "Escala de Comportamento" reproduziram resultados anteriores, obtidos com o "IADPE" e com outros testes psico-pedagógicos (Poppovic e col., 1975)14, que indicaram associações positivas entre os resultados na "Escala" e nestes instrumentos.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os dados obtidos com o "Instrumento II" mostraram que o resultado final neste teste de avaliação breve e de procedimentos simples é altamente sensível aos efeitos da idade, discriminando significativamente entre crianças de 5 e 6 anos. As diferenças entre estas idades refletem diferenças de desempenho em todas as áreas do teste, em função da idade.
As áreas menos discriminativas do instrumento são as relacionadas com a avaliação de alguns aspectos de uso de linguagem: IV FUNC e V VERB, para crianças com mais de 6 meses de freqüência ao programa. Nestas áreas e para estas crianças, os ganhos entre idades, embora existentes, são menores em relação às demais. É importante assinalar que os procedimentos utilizados nestas áreas são preliminares e merecem estudos posteriores. A área de maior acerto do instrumento foi a III COR, para crianças "antigas" ao programa. Esta área envolve uma tarefa bastante simples, que é a nomeação de cores. Este resultado reproduziu o obtido no teste com "IADPE", no qual encontraram-se percentagens de acerto bastante elevadas para o reconhecimento de cores.
Os coeficientes de precisão do "Instrumento II" (consistência interna) são aceitáveis para os diferentes grupos. Este dado indica que o "Instrumento II" é razoavelmente heterogêneo, ou seja, ele avalia características que não são necessariamente relacionadas.
Quanto aos coeficientes de precisão do tipo teste-reteste, os valores continuaram baixos. Entretanto, devido ao grande intervalo de tempo (6 meses) entre o teste e o reteste e o pequeno número de crianças retestadas, não se pode ainda levantar afirmações inequívocas quanto à estabilidade temporal dos resultados.
O "Instrumento II" apresentou correlações positivas e altamente significativas com o "IADPE" e com a "Escala de Comportamento Intra-Teste". Isto indica que os resultados nestes instrumentos tendem a variar no mesmo sentido.
Com base nestes resultados, verifica-se então que o "Instrumento II" pode ser utilizado como uma avaliação complementar ao "IADPE", para as idades de 5 e 6 anos, embora, conforme foi levantado, a avaliação de uso da linguagem mereça estudos posteriores.
Recebido para publicação em 10/07/1981
Aprovado para publicação em 17/11/1981
Convênio 10/77 INAN/DN/FSP/USP
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Abr 2006 -
Data do Fascículo
Dez 1981
Histórico
-
Aceito
17 Nov 1981 -
Recebido
10 Jul 1981