Open-access Níveis plasmáticos de zinco e antropometria de crianças da periferia de centro urbano no Brasil

Plasma zinc levels and the anthropometry of children on the outskirts of the urban center, Brazil

Resumos

Foi determinada a concentração plasmática de zinco em crianças pertencentes a famílias de baixa renda que residiam em três bairros da periferia de Ribeirão Preto, SP (Brasil), e verificada uma possível correlação desses níveis com algumas medidas antropométricas. Foram estudadas 126 crianças de 2 a 7 anos. Os níveis plasmáticos de zinco foram inferiores a 70 µg% em 13% das crianças estudadas. As medidas antropométricas mostraram que 42,9% das crianças estudadas apresentavam peso, 6,3% apresentavam altura e 9,5% apresentavam peso/altura inferiores a 90% do percentil 50 do National Center for Health Statistics (NCHS). A prega tricipital e a circunferência braqueal e muscular foram inferiores a 90% do percentil 50 do NCHS em respectivamente 65,8%, 11% e 7,5% das crianças estudadas. Não se observou correlação significante entre os níveis plasmáticos de zinco e os parâmetros antropométricos estudados.

Zinco; Antropometria; Fatores sócio-econômicos


The main objective of the present study was to estímate plasma zinc concentration in children belonging to low-income families residing in three different neighborhoods on the outskirts of Ribeirão Preto, SP, Brazil, and to determine a possible correlation of this parameter with several anthropometric measurements. Plasma zinc levels were lower than 70 µg% in 13% of the children studied. Weight for age, height for age and weight/height ratio were below 90% of the 50th percentile of National Center for Health Statistics (NCHS) in 42.9%, 6.3% and 9.5% of children, respectively. Tricipital fold, arm circumference and muscle circumference were also below 90% of the 50th percentile in 65.8%, 11.0% and 7.3% of the children, respectively. No correlation was observed between plasma zinc levels and the anthropometric parameters studied.

Zinc; Anthropometry; Socioeconomic factors


ARTIGO ORIGINAL

Níveis plasmáticos de zinco e antropometria de crianças da periferia de centro urbano no Brasil

Plasma zinc levels and the anthropometry of children on the outskirts of the urban center, Brazil

Rosa Maria Duarte Fávaro; Helio Vannucchi

Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo — Av. Bandeirantes, 3.900 — 14049 — Ribeirão Preto, SP — Brasil

RESUMO

Foi determinada a concentração plasmática de zinco em crianças pertencentes a famílias de baixa renda que residiam em três bairros da periferia de Ribeirão Preto, SP (Brasil), e verificada uma possível correlação desses níveis com algumas medidas antropométricas. Foram estudadas 126 crianças de 2 a 7 anos. Os níveis plasmáticos de zinco foram inferiores a 70 µg% em 13% das crianças estudadas. As medidas antropométricas mostraram que 42,9% das crianças estudadas apresentavam peso, 6,3% apresentavam altura e 9,5% apresentavam peso/altura inferiores a 90% do percentil 50 do National Center for Health Statistics (NCHS). A prega tricipital e a circunferência braqueal e muscular foram inferiores a 90% do percentil 50 do NCHS em respectivamente 65,8%, 11% e 7,5% das crianças estudadas. Não se observou correlação significante entre os níveis plasmáticos de zinco e os parâmetros antropométricos estudados.

Descritores: Zinco, sangue. Antropometria. Fatores sócio-econômicos.

ABSTRACT

The main objective of the present study was to estímate plasma zinc concentration in children belonging to low-income families residing in three different neighborhoods on the outskirts of Ribeirão Preto, SP, Brazil, and to determine a possible correlation of this parameter with several anthropometric measurements. Plasma zinc levels were lower than 70 µg% in 13% of the children studied. Weight for age, height for age and weight/height ratio were below 90% of the 50th percentile of National Center for Health Statistics (NCHS) in 42.9%, 6.3% and 9.5% of children, respectively. Tricipital fold, arm circumference and muscle circumference were also below 90% of the 50th percentile in 65.8%, 11.0% and 7.3% of the children, respectively. No correlation was observed between plasma zinc levels and the anthropometric parameters studied.

Keywords: Zinc, blood. Anthropometry. Socioeconomic factors.

INTRODUÇÃO

O zinco é um nutriente essencial ao organismo humano, sendo constituinte de diversas enzimas envolvidas no metabolismo intermediário 24.

A deficiência severa de zinco ocorre com maior freqüência em doenças como a cirrose alcoólica e acrodermatite enteropática, sendo que as manifestações clínicas classicamente descritas são: alterações neuropsiquiátricas, dermatite perioral e de extremidades, diarréia e alopecia24.

A deficiência leve de zinco pode ocorrer associada à ingestão insuficiente ou à baixa biodisponibilidade desse mineral na dieta, tendo sido observada em comunidades por vários autores4,6, 31,33. Krebs e col.21, ao estudarem um grupo de crianças deficientes, em Denver, demonstraram um aumento da ingestão de alimentos quando havia suplementação com zinco em comparação às crianças que receberam placebo. A associação de deficiência de zinco com hipogeusia é ainda discutida requerendo observações posteriores1. A melhoria da resposta imune com a suplementação de zinco foi descrita em pacientes obesos7, em crianças com Síndrome de Down2, e em idosos3. O hipogonadismo, com desenvolvimento retardado dos caracteres sexuais secundários, foi mostrado em adolescentes com nanismo nutricional e deficiência de zinco no Egito25 e Irã16. A deficiência leve de zinco tem sido apontada como causa reversível de disfunção gonadal secundária em pacientes com uremia23 e também oligospermia1. Crianças, com deficiência leve de zinco, quando receberam suplementação desse mineral, apresentaram melhor recuperação do peso comparadas às que receberam placebo31. Halsted e col.16 demonstraram, ainda, maior ganho na altura por adolescentes suplementados com zinco.

No Brasil, poucos estudos populacionais sobre o estado nutricional relativo ao zinco têm sido publicados, e os existentes mostram baixas concentrações no cabelo ou plasma de fração significativa dos indivíduos estudados, principalmente crianças10,11,12,26. Lamounier e col.22 demonstraram, ainda, que a concentração de zinco no leite de mães de baixo nível sócio-econômico, moradoras do Município de Ribeirão Preto, SP, é inferior às recomendações diárias desse mineral para lactentes.

O presente estudo teve por objetivo determinar as concentrações plasmáticas de zinco de crianças de baixo nível sócio-econômico, moradoras na periferia de Ribeirão Preto, e correlacioná-los aos parâmetros antropométricos.

MATERIAL E MÉTODOS

Indivíduos — Casuística

Foram estudadas 126 crianças, 69 do sexo masculino e 57 do sexo feminino, de 2 a 7 anos de idade, moradoras de três bairros periféricos de Ribeirão Preto. Essas crianças pertenciam a famílias cuja renda mensal era inferior a três salários mínimos. As famílias foram selecionadas ao acaso, sendo que participaram do estudo aquelas com crianças pré-escolares e cujos pais permitiram a participação no projeto. Das crianças estudadas, 45% freqüentavam parques infantis próximos de suas residências.

Medidas Antropométricas

Peso, altura, prega tricipital e circunferência braquial foram medidas usando procedimentos padronizados20. Os valores de referência usados para comparar os dados de peso e altura foram os do National Center for Health Statistics (NCHS), reportados por Hamill e col.19 Os padrões de referência usados para comparação da prega tricipital, circunferência braquial e circunferência muscular foram também os do NCHS, descritos por Frisancho13. Os parâmetros antropométricos das crianças estudadas foram comparados de acordo com sexo e idade, com valores do percentil 50 do NCHS.

Níveis Plasmáticos de Zinco

O sangue venoso foi coletado em jejum e colocado em tubos de polietileno contendo EDTA como anticoagulante. A seguir, os tubos eram transportados para o laboratório onde o sangue era centrifugado, o plasma separado e então congelados (-15°C) até o momento das dosagens. O zinco plasmático foi medido por espectrofotometria de absorção atômica, usando-se um aparelho Perkin-Elmer 290B, após diluição adequada com água deionizada (1:3). Os padrões foram preparados com solução de titrisol-Merck (ZnCl2) e com solução de revestimento para análises de soro e plasma (Merck). Todo o material utilizado para a coleta e dosagem das amostras foi lavado com solução de Extran (Merck) e a seguir com solução de ácido nítrico P.A. a 30% e enxaguado com água deionizada.

Consideraram-se deficientes os níveis plasmáticos de zinco inferiores a 70 µg%4,14,17.

Análise Estatística

Os valores de zinco plasmático apresentaram uma distribuição normal e os grupos de dados foram comparados por meio de análise de variância29. Utilizou-se análise de regressão para determinar os coeficientes de correlação entre níveis plasmáticos de zinco e parâmetros antropométricos29.

RESULTADOS

Parâmetros Antropométricos

A distribuição das 126 crianças estudadas de acordo com peso, altura, peso/altura, prega tricipital, circunferência braquial e circunferência muscular está apresentada na Figura 1. Das crianças estudadas, 42,9% apresentaram peso inferior a 90% do percentil 50 do NCHS. O parâmetro altura por idade de 6,3% das crianças apresentou valor inferior a 90% do percentil 50 do NCHS. Encontraram-se, nesta casuística, valores inferiores a 90% do percentil 50 do NCHS dos seguintes parâmetros: peso/altura (9,5%), prega tricipital (65,8%), circunferência braquial (11%) e circunferência muscular (7,3% das crianças).


Níveis Plasmáticos de Zinco

A freqüência da distribuição dos níveis plasmáticos de zinco está apresentada na Figura 2. Das crianças estudadas, 14% das meninas e 11,7% dos meninos apresentaram níveis plasmáticos de zinco inferiores a 70 µg%; 24,6% das meninas e 18,8% dos meninos, entre 70 e 79,9 µg%; 19,3% das meninas e 33,3% dos meninos, entre 80 e 89,9 µg%; e 42,1% das meninas e 36,2% dos meninos apresentaram níveis superiores a 90 µg%. A Tabela 1 mostra a média e desvio padrão das concentrações plasmáticas de acordo com o sexo e idade. A análise de variância não mostrou diferenças estatisticamente significantes segundo idade e sexo.


Correlações entre Níveis Plasmáticos de Zinco e Parâmetros Antropométricos

Os coeficientes de correlação entre níveis plasmáticos de zinco e os parâmetros: peso, altura, peso/altura, prega tricipital, circunferência braquial e muscular de todas as crianças estudadas não são estatisticamente significantes, como mostra a Tabela 2.

DISCUSSÃO

Das 126 crianças estudadas nesse trabalho, 13% apresentou níveis plasmáticos de zinco considerados deficientes.

Para caracterizar o estado nutricional, em relação ao zinco, tem-se medido esse mineral nos fluidos biológicos e em vários tecidos, como: plasma, soro, saliva, suor, hemácias, glóbulos brancos, pele, cabelo, unha e urina. O parâmetro mais freqüentemente utilizado tem sido a medida do zinco plasmático ou sérico por meio de espectrofotometria de absorção atômica30, apesar dos cuidados necessários para a interpretação dos resultados, uma vez que algumas situações, tais como estresse e infecções, provocam uma redução desses valores4.

A deficiência desse mineral tem sido observada em outras regiões brasileiras. Assim, em trabalhadores de baixa renda de Manaus, AM, mostram-se baixos os níveis plasmáticos de zinco27. Em crianças, Rocha e col.26, em Manaus, e Donangelo e Azevedo10, no Rio de Janeiro, encontraram também valores deficientes, especialmente naquelas com processo de desnutrição protéico-calórica. Usando a dosagem do zinco no cabelo também tem-se chamado a atenção para a existência de uma inadequação desse nutriente em crianças brasileiras9,11,12.

De forma semelhante a outros trabalhos, não se observam, neste estudo, diferenças significativas entre os valores plasmáticos de zinco e o sexo e ainda entre as diferentes faixas de idade14.

As observações de deficiência de zinco em adolescentes com nanismo nutricional vem motivando estudos para avaliação da influência do estado nutricional em relação ao nutriente no crescimento25. Estudos em animais de laboratório demonstram que o oferecimento de dieta deficiente leva ao retardo de crescimento, com menor síntese muscular15. Os valores de zinco, no cabelo, apresentaram correlação positiva com o parâmetro peso/ altura em um estudo realizado na China33, o mesmo não acontecendo com crianças estudadas em Ilhéus, BA12 e Planaltina, GO11. Chiou e col.8 encontraram uma correlação positiva entre os valores de zinco plasmáticos e área muscular do braço e, por outro lado, correlação negativa com os dados de prega tricipital e área gordurosa do braço. No presente estudo, porém, não se observou correlação significativa entre os níveis plasmáticos de zinco e os dados antropométricos de: peso, altura, relação peso/altura, prega tricipital, circunferência braquial e circunferência muscular.

A suplementação de zinco fornecida a crianças deficientes, comparadas às crianças recebendo placebo mostram, do mesmo modo, resultados diversos, ora com maior ganho de peso32, ora com maior velocidade de crescimento na altura16,18, e, ao mesmo tempo, sem diferenças no crescimento do grupo suplementado5,28.

Desta forma, os dados existentes parecem ser ainda insuficientes para a conclusão definitiva sobre o papel exato da deficiência de zinco no crescimento e desenvolvimento corporal ao nível populacional. Outro aspecto, também importante, é a impossibilidade de afastar a existência de deficiências simultâneas de outros nutrientes, que poderiam estar concorrendo para uma alteração no crescimento.

Conclui-se dos dados do presente estudo que, devido aos baixos níveis plasmáticos de zinco encontrados, a ingestão dietética desse nutriente pode ser insuficiente entre crianças de famílias de baixa renda em Ribeirão Preto, SP, entretanto sem repercussão evidente sobre o seu desenvolvimento pondero-estatural.

Recebido para publicação em21/11/1988

Reapresentado em 11/10/1989

Aprovado para publicação em 13/10/1989

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Fev 1990

Histórico

  • Aceito
    13 Out 1989
  • Revisado
    11 Out 1989
  • Recebido
    21 Nov 1988
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