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Recente contribuição da Organização Mundial de Saúde para o controle da tuberculose na infância

Resumos

O artigo comenta a pioneira e recente publicação da Organização Mundial da Saúde denominada Guidance for National Tuberculosis Programmes on the Management of Childhood Tuberculosis in Children, buscando divulgar aspectos que tem interesse na prática dos profissionais de saúde. Estabelece-se paralelo entre a América Latina e o continente africano no que diz respeito à co-infecção TB-HIV e a tuberculose infantil.

Tuberculose; Infecções por HIV; Infecções oportunistas relacionadas com a Aids; Saúde da criança; Organização Mundial da Saúde


The article comments the pioneer and recent publication of the World Health Organization called "Guidance for National Tuberculosis Programmes on the Management of Childhood Tuberculosis in Children", aiming at spreading interesting aspects on the practice of health professionals. A parallel between Latin America and the African continent is established, concerning the co-infection TB-HIV and childhood tuberculosis.

Tuberculosis; HIV Infections; AIDS-related opportunistic infections; Child health; National health programs; World Health Organization


ARTIGOS ORIGINAIS

Recente contribuição da Organização Mundial de Saúde para o controle da tuberculose na infância

Clemax Couto Sant'AnnaI; Miguel Aiub HijjarII

IDepartamento de Pediatria. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IICentro de Referência Prof. Hélio Fraga. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Clemax Couto Sant'Anna R. Sá Ferreira 159 ap. 405 Copacabana 22071-100, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: clemax@vetor.com.br

RESUMO

O artigo comenta a pioneira e recente publicação da Organização Mundial da Saúde denominada Guidance for National Tuberculosis Programmes on the Management of Childhood Tuberculosis in Children, buscando divulgar aspectos que tem interesse na prática dos profissionais de saúde. Estabelece-se paralelo entre a América Latina e o continente africano no que diz respeito à co-infecção TB-HIV e a tuberculose infantil.

Descritores: Tuberculose, prevenção e controle. Infecções por HIV. Infecções oportunistas relacionadas com a Aids. Saúde da criança. Programas nacionais de saúde. Organização Mundial da Saúde.

INTRODUÇÃO

No Brasil estima-se a ocorrência de 111.000 novos casos de tuberculose (TB) por ano e cerca de 6.000 óbitos anuais. A notificação de casos situa-se, na última década, em torno de 80.000 casos novos por ano. Em 2005, a TB foi a nona causa de hospitalização e a quarta causa de mortalidade por doenças infecciosas. Embora o País seja constituído por 5.570 municípios, 70% dos casos concentram-se em 315 deles, definidos como prioritários pelo Ministério da Saúde. 3,4

O conhecimento da situação epidemiológica da TB infantil é muito limitado. A incidência de TB no grupo de zero a 14 anos era de cerca de um milhão de casos ao início dos anos 2000 no mundo, o que correspondia a 10% do total de casos.5 Uma das dificuldades de se obter dados mais exatos sobre TB na infância é que as informações divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) referem-se, na maioria das vezes, a casos comprovados bacteriologicamente. Porém, 80% dos casos na infância são negativos ao exame de escarro.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE E A TUBERCULOSE NA INFÂNCIA

A OMS, por meio da iniciativa Stop TB, editou ao final de 2006 o Guidance for National Tuberculosis Programmes on the Management of Childhood Tuberculosis in Children,10 também publicado seqüencialmente no International Journal of Tuberculosis and Lung Disease.9 Esse Guia, o primeiro que trata da TB na infância em todo o mundo, é resultante da união de várias entidades, como a Associação Pediátrica Internacional, União Internacional Contra a Tuberculose, Organização Mundial da Saúde, Centers for Disease Control and Prevention (CDC), United States Agency for International Development (USAID) e outras. Essa união de entidades resultou em iniciativa inédita focalizando a conduta frente a crianças com TB, acoplado aos programas nacionais de controle da TB (PCT) de cada país.

O Guia10 faz uma colocação clara quanto à importância dos dados clínicos, radiológicos e epidemiológicos compatíveis com TB para que se firme o diagnóstico na infância, citando os seguintes tópicos:

  • história clínica cuidadosa, incluindo história de contato e sintomas sugestivos de TB;

  • exame clínico, inclusive com avaliação do crescimento;

  • prova tuberculínica;

  • confirmação bacteriológica, quando possível;

  • investigações especiais em casos de suspeita TB pulmonar e extra-pulmonar;

  • exame de HIV (em áreas de alta incidência).

Os fatores de risco são:

  • contato intradomiciliar com caso bacilífero recém diagnosticado;

  • idade inferior a cinco anos;

  • infecção pelo HIV;

  • desnutrição grave.

Segundo o Guia,10 o achado de pelo menos três dos seguintes elementos permite o diagnóstico de TB na infância:

  • sintomas crônicos sugestivos de TB;

  • exame físico altamente sugestivo;

  • prova tuberculínica positiva;

  • radiografía de tórax sugestiva de TB.

No Brasil, em 2002, o Ministério da Saúde passou a preconizar o esquema de pontuação para diagnóstico da TB na infância,* * Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Tuberculose: guia de vigilância Epidemiológica. Brasília; 2002. validado e com boa acurácia6-8 também com base em dados clínicos, radiológicos e epidemiológicos.

Edwards et al2 analisaram vários sistemas de pontuação diagnóstica de TB infantil, ressaltando as limitações de tais scores, sobretudo em áreas de alta co-infecção TB-HIV. Entretanto, a leitura mais minuciosa desse trabalho permite evidenciar que o sistema de pontuação do Ministério da Saúde alcançou maior equilíbrio entre sensibilidade e especificidade (89% e 87%, respectivamente) que os demais. Isso o torna útil nos serviços de saúde de baixa complexidade, onde a co-infecção TB-HIV seja baixa. Na América do Sul e Caribe, a taxa média de co-infecção TB-HIV (todas as formas) é de 2/100.000 (variando de <1 a 22), enquanto que na África esta taxa é de 68 (variando de <1 a 672).11

Assim, no Brasil e na maioria dos países da América Latina, parece oportuno somar o conteúdo do Guia11 ao sistema de pontuação diagnóstica do Ministério da Saúde.

Os aspectos referentes a tratamento e prevenção da tuberculose contidos no Guia10 obedecem a normas da OMS que são largamente empregadas ou recomendadas em países em desenvolvimento, especialmente no continente africano mas diferem significativamente das adotadas pelo Ministério da Saúde.* * Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Tuberculose: guia de vigilância Epidemiológica. Brasília; 2002.

Entretanto, alguns aspectos do tratamento que ainda não foram normatizados merecem destaque pela contribuição que podem propiciar a futuras revisões das normas existentes.

Assim o Guia10 destaca que as complicações e seqüelas são raras no tratamento conduzido regularmente. Deve-se fazer todo o empenho para que a família ou os cuidadores da criança tenham boa adesão ao tratamento. Nesse sentido, valoriza a estratégia Directly Observed Therapy (DOTS), preconizada pela OMS e que vem sendo empregada e implementada em vários países, inclusive o Brasil. Há duas modalidades de tratamento a considerar: diário e intermitente (três vezes pos semana). O tratamento intermitente só se inicia após a fase de ataque do esquema diário e sempre é supervisionado.1,10 Ainda há incertezas quanto à superioridade do tratamento supervisionado sobre o auto-administrado, como é feito tradicionalmente no Brasil. O tratamento supervisionado poderia ser útil em grupos especiais, como moradores de rua, doentes mentais, abandono prévio de tratamento.1

Em geral, as formas de TB na criança cursam com pequeno número de bacilos, as lesões não são extensas e quase não deixam seqüelas que obriguem ao tratamento cirúrgico. Do mesmo modo, na prática, a criança não se torna multirresistente às drogas, pois a população de bacilos nas lesões é insuficiente para que apareçam mutantes resistentes. Por outro lado, a criança que convive com adulto que tenha TB multirresistente poderá se infectar e adoecer com um bacilo multirresistente.

O conceito de TB multi-droga resistente (TBMDR) adotado nos paises desenvolvidos subentende a resistência a rifampicina e isoniazida.10 No Brasil, o conceito é diferente: pressupõe a resistência à rifampicina, à isoniazida e a pelo menos um terceiro fármaco pertencente aos esquemas I e II ou a falência operacional ao esquema III e resistência à rifampicina e a isoniazida evidenciado pelo teste de sensibilidade.* * Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Tuberculose: guia de vigilância Epidemiológica. Brasília; 2002. Segundo o Guia,10 a suspeita de um caso de TBMR na infância se fundamenta nos seguintes achados:

  • contato com um caso conhecido de TBMDR;

  • resposta inadequada ao tratamento de TB;

  • recaída depois de tratamento correto de TB.

O tratamento da TBMDR em crianças ainda não está padronizado. O paciente deve ser encaminhado a um centro de referência. Recomenda-se que o esquema terapêutico a ser usado na criança se baseie no teste de sensibilidade do adulto "caso índice", pois a comprovação bacteriológica da criança quase sempre não é conseguida.10

Podem ocorrer situações peculiares de resposta paradoxal ao tratamento pela reação inflamatória exacerbada do hospedeiro. Trata-se da síndrome de reconstituição imune inflamatória que cursa com piora dos sintomas, reaparecimento de febre e surgimento de adenomegalias. Pode se relacionar à melhora do estado nutricional do paciente sob tratamento e em infectados pelo HIV pode aparecer com o uso de medicações anti-retrovirais. O tratamento deve ser mantido e pode-se considerar uso de corticóide nesses casos. Em caso de dúvida, encaminhar o paciente à referência.10

Havendo desfecho desfavorável ao tratamento na infância, as possíveis causas devem sempre ser procuradas e podem se relacionar a alguma das seguintes situações:

  • má adesão ou tratamento incompleto;

  • percepção tardia dos pacientes ou retardo do diagnóstico no sistema de saúde;

  • diagnóstico incorreto: não se trata de TB;

  • mortalidade precoce (ex: formas graves de infecção pelo HIV);

  • mal absorção das drogas em infectados pelo HIV ou em desnutridos graves.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Guia10 trouxe importante contribuição para as ações de saúde voltadas para a TB infantil. Há porém, que considerar certos aspectos peculiares da América Latina, onde um grande problema é que as diferentes instâncias envolvidas com a TB, como epidemiologia, saúde materno-infantil, saúde da família, imunizações, nem sempre estabelecem ações conjuntas, dificultando a abordagem da criança com TB. Para enfrentar o problema da TB infantil na América Latina é necessário o diálogo e a articulação entre as instâncias de governo, federais, estaduais e municipais ou de províncias, bem como a integração de setores e divisões de cada uma dessas instâncias.

Recebido: 23/8/2007

Aprovado: 4/9/2007

  • 1. Corrigan DL, Paton JY. Tuberculosis in children. Breathe. 2007;3(4): 351-63.
  • 2. Edwards DJ, Kitetele F, Van Rie A. Agreement between clinical scoring systems used for the diagnosis of pediatric tuberculosis in the HIV era. Intern J Tuberc Lung Dis. 2007;11(3):263-9.
  • 3. Hijjar MA, Procópio MJ, Freitas LMR, Guedes R, Bethlem EP. Epidemiologia da tuberculose: importância no mundo, no Brasil e no Rio de Janeiro. Pulmao RJ. 2005;14(4):310-4.
  • 4. Hijjar MA, Procópio MJ. Tuberculose: epidemiologia e controle no Brasil. Ver Hosp Pedro Ernesto. 2006;5: 15-23.
  • 5. Nelson LJ, Wells CD. Global Epidemiology of childhood tuberculosis. Int J Tuberc Lung Dis. 2004;8(5):636-47.
  • 6. Sant'Anna CC, Orfaliais CTS, March MFBP. A retrospective evaluation of a score system adopted by the Ministry of Health, Brazil, in the diagnosis of pulmonary tuberculosis in childhood: a case control study. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2003;45(2): 103-5.
  • 7. Sant'Anna CC, Santos MARC, Franco R. Diagnosis of pulmonary tuberculosis by score system in children and adolescents: a trail in a reference center, Bahia, Brasil. Braz J Infect Dis. 2004;8(4):305-10.
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  • 9. Stop TB Partnership Childhood TB Subgroup. World Health Organization. Guidance for national tuberculosis programmes on the management of tuberculosis in children. Chapter 1: Introduction and diagnosis of tuberculosis in children. Int J Tuberc Lung Dis. 2006;10(10):1091-7.
  • 10
    World Health Organization. Guidance for national tuberculosis programmes on the management of tuberculosis in children. Genebra; 2006. (WHO/HTM/TB/2006.371).
  • 11. World Health Organization. Global tuberculosis control: surveillance, planning, financing. WHO report 2007. Geneva; 2007. (WHO/HTM/TB/2007.376). Disponível em: www.who.int/tb/publications/global_report/2007/pdf/full.pdf
  • Correspondência | Correspondence:

    Clemax Couto Sant'Anna
    R. Sá Ferreira 159 ap. 405 Copacabana
    22071-100, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • *
    Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Tuberculose: guia de vigilância Epidemiológica. Brasília; 2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      04 Set 2007
    • Recebido
      23 Ago 2007
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