Open-access Fatos e perspectivas do primeiro Inquérito Nacional de Alimentação

APRESENTAÇÃO

Fatos e perspectivas do primeiro Inquérito Nacional de Alimentação

Teresa Helena Macedo da Costa; Denise Petrucci Gigante

Editores Associados do Suplemento

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Teresa Helena Macedo da Costa Departamento de Nutrição. Faculdade de Ciências da Saúde Universidade de Brasília Campus Darcy Ribeiro Asa Norte 70.910-900 Brasília, DF, Brasil E-mail: thmdacosta@gmail.com

Este suplemento é dedicado à divulgação dos resultados colhidos no primeiro inquérito alimentar realizado no Brasil, no qual foram obtidos dois registros em dias não consecutivos para cada entrevistado. O suplemento contém seis estudos que abordam aspectos ligados às análises da prevalência de consumo de alimentos, bem como da inadequação desse consumo em distintos grupos etários, ao estudo de indicação analítica para atender ao desenho amostral executado na pesquisa e ao consumo fora do domicílio. O Inquérito Nacional de Alimentação (INA) foi desenvolvido no contexto da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No INA foram registrados o consumo de dois dias não consecutivos por 34.003 indivíduos que residiam em 13.569 domicílios, que correspondem a 25% da amostragem da POF.10

CONTEXTO HISTÓRICO E EVOLUTIVO DA AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR

Avaliar o consumo alimentar não é uma tarefa fácil. A alimentação é um fenômeno complexo e as distribuições de valores obtidos com o uso dos instrumentos disponíveis carregam erros inerentes ao instrumento, ao avaliado e ao avaliador. As características desses erros, definidos como sistemáticos e aleatórios, devem ser conhecidas e controladas para que o resultado tenha precisão e poder para revelar riscos associados.

Historicamente, o esforço de trazer à tona a discussão e as metodologias para avaliar o consumo alimentar está vinculado ao trabalho do professor emérito da Universidade de Toronto, George Beaton, que influenciou com suas ideias o grupo de pesquisadores da Iowa State University (ISU). Os pesquisadores da ISU desenvolveram os primeiros métodos para correção das distribuições das variáveis de consumo alimentar e continuam influenciando o aprimoramento deles.5 Esse esforço culminou com a publicação, a partir do final da década de 1990, dos volumes das Dietary Reference Intakes (DRIs)8 contendo informações sobre parâmetros de distribuição de necessidades, consumo e toxicidade, que fornecem os alicerces para aplicação dos parâmetros de referência dietética na avaliação e no planejamento do consumo alimentar.

Posteriormente, o envolvimento dos pesquisadores formados pela ISU e de outros centros no National Cancer Institute (NCI), dos Estados Unidos, permitiu o desenvolvimento de ferramentas analíticas para lidar com distribuições assimétricas inflacionadas de zeros no caso de alimentos ou nutrientes com consumo esporádico pela população, tais como grãos integrais, folhas verdes escuras ou selênio e vitamina A.13,17 Nesse mesmo contexto, o grupo de pesquisadores envolvidos no EPIC (European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition), estudo desenvolvido na Europa, também se destacou com a contribuição de outra ferramenta analítica, o MSM (Multiple Source Method).4,6,7 Esses grupos colocam a pesquisa dietética em novos patamares analíticos e de aplicação.

Na década de 1970, o Brasil realizou o mais amplo estudo nacional sobre consumo alimentar quando conduziu a pesquisa Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef).9 Esse esforço não acompanhou a continuidade de avaliações periódicas do consumo alimentar. Assim, as edições das pesquisas de orçamentos familiares (POF, 1987/88, 1995/96, 2002/03) que se seguiram atrelavam informações indiretas do consumo obtendo informações sobre a aquisição de alimentos pelas famílias. Ressalta-se que as POFs dos anos 1980 e 1990 foram concebidas para atender, prioritariamente, a atualização das estruturas dos índices de preços ao consumidor. Nesse contexto histórico de evolução, em 2008-2009, quando da realização da quinta POF de abrangência nacional, foi incluída pela primeira vez a avaliação do consumo alimentar individual através do INA.10 O INA traz como avanço a obtenção de consumo direto, em casa e fora do domicilio, de adolescentes e adultos (moradores com idade igual ou superior a 10 anos). As cinco regiões do País (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste) e a situação do domicílio como urbano ou rural são consideradas na amostragem da POF. Os fatores de expansão da POF 2008-2009 e a complexidade do desenho da amostra realizada por conglomerados devem ser considerados nas análises.

AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR

A ingesta usual ou habitual de um nutriente ou de um alimento é definida como a média de consumo de longo prazo (vários dias para cada indivíduo).13 Dentro desse conceito, o que se desejou obter na POF 2008-2009 foi a ingesta usual, e não a diária (24h).10 A média de vários dias de observação de consumo pode fornecer a informação de consumo usual, mas não é facilmente obtido de um grupo de indivíduos ou de uma população. Os estudos de consumo populacionais exigem amostras grandes e representativas, por isso a quantidade de dias de consumo investigado é reduzida para cada indivíduo, devido ao custo operacional, à demanda sobre o respondente e à qualidade da informação obtida.1 A ocorrência de pouca informação, em geral dois dias não consecutivos, aliada à grande variação impõem enorme desafio analítico. Aspectos relacionados com as fontes de variação e erros na investigação do consumo alimentar vêm sendo debatidos e evoluíram duram os últimos anos.3 Alicia Carriquiry, pesquisadora da ISU que se dedica há vários anos à implementação de métodos analíticos de consumo alimentar, publicou artigo de revisão comentando esses aspectos.1 Segundo Carriquiry,1 nenhum método ou instrumento disponível até o presente é capaz de lidar com todas as fontes de variação e fornecer o consumo usual efetivo dos indivíduos. Os modelos estatísticos disponíveis até o presente conseguem realizar ajustes que melhoram as estimativas do consumo usual. Os ajustes possíveis incluem a correção da variabilidade dia a dia do consumo (variabilidade intrapessoal), ajuste da correlação entre dias consecutivos de consumo, quando o desenho experimental não permite obtenção de dias não consecutivos; correção dos fatores de confundimento do consumo, como dia da semana, sequência da entrevista e metodologia da entrevista (presencial, por telefone, etc.); correção da assimetria da distribuição de consumo; inflação de zeros para alimentos ou nutrientes com consumo pouco frequente; e/ou correção do desenho amostral (peso amostral em amostras por conglomerados).1,3

A melhor caracterização da estrutura de erros dos instrumentos de inquéritos mais comumente utilizados, como o recordatório 24h, o registro alimentar ou o questionário de frequência alimentar, permitiram implementar correções por modelagem estatísticas que melhoram os formatos das distribuições e favorecem estimativas mais precisas.3,17 Assim, atualmente há métodos mais robustos e informativos para avaliar o consumo que justificam o esforço na obtenção dos dados individuais. A obtenção de dados de consumo em instrumento de registro alimentar ou recordatório de 24h (R24h) em dois ou mais dias pelos indivíduos ou em subgrupo de indivíduos de uma amostra permite a correção da variabilidade intrapessoal do consumo e de outras variáveis do desenho experimental por métodos de modelagem estatística.3

Informações sobre o consumo alimentar individual, corretamente obtidas e analisadas, são essenciais para estabelecer recomendações para direcionar políticas de saúde e nutrição, bem como quando há interesse em estabelecer relações entre um desfecho de saúde com comportamentos usuais, controlando-os para possíveis fatores de confundimento. Assim, estudos epidemiológicos são decisivos na indicação de comportamentos que promovam melhor qualidade de vida para a população.

CONTEÚDO DOS ARTIGOS

No artigo de Souza et al, "Alimentos mais consumidos no Brasil", são apresentadas as informações sobre as prevalências de consumo de alimentos, em casa e fora do domicílio, baseadas na informação de consumo individual dos brasileiros. Os vinte alimentos com maiores prevalências de consumo no País são apresentados segundo sexo, grupo etário, região e faixa de renda. Na análise, os autores incluíram os dados obtidos do primeiro dia de registro alimentar da POF, com o objetivo de descrever os alimentos mais consumidos pelos brasileiros. O resultado mostrou que os esses alimentos foram arroz, café, feijão, pão de sal e carne bovina.

O consumo de alimentos fora do domicílio tem aumentado no Brasil, sendo quase um terço do gasto com alimentação feito fora do domicílio (resultados de gastos com alimentação na última POF). Sendo assim, o artigo de Bezerra et al, "Consumo de alimentos fora do domicílio", foi incluído nesta série com o objetivo de descrever e identificar fatores associados ao consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil. Para essa análise também foram utilizadas as informações obtidas no primeiro dia de registro alimentar da POF, incluindo todos os alimentos preparados e consumidos fora de casa. O consumo foi informado por 40% de todos os entrevistados, sendo mais frequente: nos mais jovens; do sexo masculino; moradores na área urbana; e com maior renda per capita. Os grupos de alimentos com maior percentual de consumo fora do domicílio foram as bebidas alcoólicas, salgadinhos fritos e assados, pizzas, refrigerantes e sanduíches.

No artigo de Veiga et al, "Inadequação de nutrientes em adolescentes", um recorte da amostra do INA é trabalhado para descrever o consumo de energia e nutrientes e a prevalência de inadequação da ingestão de micronutrientes dos adolescentes (10 a 18 anos) brasileiros. Foram incluídos nutrientes com consumo habitual, em que menos de 5% da amostra não registrou o consumo (< 5% de zeros). Nesse contexto foi empregada metodologia analítica com correção da variabilidade intrapessoal e as prevalências de inadequação foram determinadas pelo método do ponto de corte da necessidade média estimada (Estimated Average Requirement - EAR) para sete nutrientes (cálcio, fósforo, zinco, vitaminas A, B12, E e C), sendo o sódio considerado risco de consumo acima do limite máximo tolerável (upper intake level - UL). Para o ferro, os autores empregaram método da abordagem probabilística, visto que a distribuição de necessidade para as adolescentes púberes é assimétrica e não atende critério para utilização do ponto de corte da EAR. As análises levaram em conta os fatores de expansão da pesquisa e o delineamento amostral por conglomerados da POF. Os autores estratificaram os resultados por sexo e faixa etária dos adolescentes e descreveram o consumo em termos dos percentis de consumo (10, 25, 50, 75 e 90) e prevalência de inadequação. Os resultados mostram prevalências elevadas para cálcio e vitamina E e intermediárias para sódio, fósforo, vitaminas A e C. As prevalências foram maiores para as adolescentes entre 14 e 18 anos.

Ao avaliar o consumo de macronutrientes e a ingestão inadequada de micronutrientes em adultos brasileiros, Araujo et al, em "Inadequação de micronutrientes em adultos", mostraram que o consumo energético foi maior nos homens e naqueles que viviam na zona urbana e na região Norte do País. A inadequação no consumo de micronutrientes, por outro lado, foi mais frequente nas mulheres e entre aqueles que viviam na zona rural e na região Nordeste.

Para estimar a ingestão de macro e micronutrientes foram utilizadas tabelas compiladas especificamente para análise de alimentos e preparações citados na POF 2008-2009, e o método desenvolvido pelo National Cancer Institute (NCI) foi utilizado para estimar média e percentis da distribuição do consumo alimentar usual de nutrientes. Da mesma forma com que foi realizada a análise com os adolescentes, a prevalência de inadequação de ingestão de micronutriente em adultos foi estimada pela proporção de indivíduos com a ingestão abaixo do valor de EAR. Foram utilizados os valores acima da ingestão adequada (Adequate intake - AI) quando a EAR não está disponível (manganês e potássio); nesse caso não se pode avaliar inadequação do consumo. Para a ingestão inadequada de ferro, que apresenta distribuição assimétrica, utilizou-se abordagem probabilística; para o sódio consideraram-se os valores acima da UL para o cálculo da prevalência de inadequação do consumo.

Os micronutrientes que apresentaram maiores prevalências de ingestão inadequada nos adultos foram as vitaminas A, D e E e os minerais cálcio, sódio e magnésio. Foram esses também os que apresentaram as maiores proporções de ingestão inadequada entre a população idosa em outro artigo deste suplemento, de Fisberg et al, "Ingestão inadequada de nutrientes em idosos", utilizando a mesma metodologia empregada na análise com a população adulta. Cabe destacar que a inadequação de consumo entre os idosos brasileiros foi semelhante em homens e mulheres e também nas diferentes regiões do País.

No artigo de Barbosa et al, "Usual dietary intake in complex sample", o objetivo foi indicar uma adaptação do método do NCI para o delineamento amostral utilizado na POF, visando apresentar a média da distribuição do consumo usual e a distribuição dos percentis com as medidas de erro padrão. Os componentes da dieta utilizados na análise foram o consumo total de energia e a quantidade de frutas consumidas (gramas por dia). O método do NCI é composto de duas partes, em que a primeira ajusta a distribuição de consumo e a segunda estima o produto obtido da quantidade com a probabilidade de ingestão.17 No caso da aplicação do método do NCI para os dados da POF, os autores utilizaram a replicação repetida balanceada para obter os erros padrão e intervalos de confiança para a média e para os percentis do consumo de energia e frutas. O trabalho desenvolvido pelos autores traz uma contribuição importante para a área de análise dietética.

REPERCUSSÃO DO INQUÉRITO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO

A utilização de dados dietéticos populacionais é importante para estabelecer programas de assistência alimentar, monitorar o estado nutricional da população, estabelecer diretrizes dietéticas e políticas governamentais de intervenção, além de contribuir com a pesquisa nutricional.

A condução de pesquisas de consumo é importante também para a comparação entre países e regiões do globo quanto aos padrões e evolução do consumo de alimentos, costumes, hábitos e comportamento alimentar. Sendo assim, a importância do INA também se mostra na inclusão do Brasil na condição de outros países que realizam acompanhamento individual do consumo dietético, tais como: Estados Unidos (NHANES),2 Canadá,12 Reino Unido,19 França,18 Alemanha,15 Bélgica,16 Dinamarca14 e Coreia do Sul.11

CONCLUSÃO

A realização do INA é fruto do trabalho conjunto de pesquisadores de várias instituições brasileiras. A realização desse primeiro inquérito sobre o padrão de consumo de alimentos no plano individual deve ser seguida por replicações periódicas para garantir o diagnóstico e monitoramento das tendências no consumo de alimentos e nutrientes. O desenvolvimento de ferramentas analíticas mais robustas e o aprimoramento do inquérito possibilitarão avaliações preditoras da situação de nutrição e saúde da população. Os artigos apresentados neste suplemento mostram o potencial do INA de servir como sistema de alerta precoce para a formulação de políticas e ações de saúde e nutrição.

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  • Correspondência | Correspondence:
    Teresa Helena Macedo da Costa
    Departamento de Nutrição.
    Faculdade de Ciências da Saúde
    Universidade de Brasília
    Campus Darcy Ribeiro
    Asa Norte 70.910-900 Brasília, DF, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013
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