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Monocitose é um marcador de risco independente para a doença arterial coronariana

Resumos

OBJETIVOS: Inflamação e ativação das células do sistema imunológico têm participação importante na patogênese da aterosclerose. Este estudo analisa o leucograma que incluiu neutrófilos, eosinófilos, linfócitos, monócitos e basófilos dos pacientes com doença arterial coronariana (DAC) crônica e no infarto agudo do miocárdio (IAM). MÉTODOS: Analisamos o leucograma de 232 pacientes não-diabéticos, com idade entre 15 e 88 anos. A DAC estava presente em 142 pacientes (57 com DAC estável e 85 com IAM), diagnosticada angiograficamente, comparada a 90 indivíduos-controle. Os grupos controle e DAC foram comparáveis para a idade, índice de massa corpórea, antecedentes familiares, tabagismo, hipertensão, HDL e LDL (todas variáveis com p > 0,25). RESULTADOS: A análise univariada mostrou maior prevalência de leucocitose na DAC, sendo maior nos pacientes com IAM quando comparados com a DAC estável. O mesmo comportamento foi observado para os monócitos. Porém, a distribuição foi semelhante para as demais células do hemograma. A análise multivariada pelo método da regressão logística, utilizando-se os modelos stepwise (todas variáveis) e backward (p < 0,25), mostrou que a monocitose foi variável independente para DAC e para o IAM. CONCLUSÃO: O número de monócitos, um dos mais importantes componentes do processo inflamatório na placa aterosclerótica, foi um marcador de risco independente para a DAC e para o IAM.

Aterosclerose; doença arterial coronariana; infarto agudo do miocárdio; hemograma, leucocitose; monocitose; inflamação


OBJECTIVES: Inflammation and activation of immune system cells play an important role in the pathogenesis of atherosclerosis. This study analyzes the white blood count, including neutrophils, eosinophils, lymphocytes, monocytes and basophils, of patients with chronic coronary artery disease (CAD) and acute myocardial infarction (AMI). METHODS: The white blood cell count was analyzed in 232 patients without diabetes between the ages of 15 and 88. One hundred and forty-two patients were angiographically diagnosed with CAD (57 with stable CAD and 85 with AMI) and compared to 90 control individuals. The control and CAD groups were similar in respect to age, body mass index, family history, smoking habits, hypertension, HDL and LDL (all variables with p > 0.25). RESULTS: The univariate analysis revealed a higher prevalence of leukocytosis in the CAD group, which in turn was higher in the AMI patients than the stable CAD patients. The same trend was observed for monocytes. However, the distribution of all other cells in the complete blood count (CBC) was similar. Multivariate analysis using the logistic regression method with the stepwise (all variables) and backward models (p < 0.25), showed that monocytosis was an independent variable for CAD and AMI. CONCLUSION: The number of monocytes, one of the most important components of the inflammatory process in the atherosclerosis plaque was an independent risk marker for CAD and AMI.

Atherosclerosis; coronary artery disease; acute myocardial infarction; hemograma, leukocytosis; monocytosis; inflammation


ARTIGO ORIGINAL

Monocitose é um marcador de risco independente para a doença arterial coronariana

Abrahão Afiune Neto; Antonio de Pádua Mansur; Solange Desirée Avakian; Everly P. S. G. Gomes; José Antonio F. Ramires

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência Abrahão Afiune Neto Rua T-38, nº 917 – Setor Bueno 74230-070 – Goiânia, GO E-mail: afiune@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVOS: Inflamação e ativação das células do sistema imunológico têm participação importante na patogênese da aterosclerose. Este estudo analisa o leucograma que incluiu neutrófilos, eosinófilos, linfócitos, monócitos e basófilos dos pacientes com doença arterial coronariana (DAC) crônica e no infarto agudo do miocárdio (IAM).

MÉTODOS: Analisamos o leucograma de 232 pacientes não-diabéticos, com idade entre 15 e 88 anos. A DAC estava presente em 142 pacientes (57 com DAC estável e 85 com IAM), diagnosticada angiograficamente, comparada a 90 indivíduos-controle. Os grupos controle e DAC foram comparáveis para a idade, índice de massa corpórea, antecedentes familiares, tabagismo, hipertensão, HDL e LDL (todas variáveis com p > 0,25).

RESULTADOS: A análise univariada mostrou maior prevalência de leucocitose na DAC, sendo maior nos pacientes com IAM quando comparados com a DAC estável. O mesmo comportamento foi observado para os monócitos. Porém, a distribuição foi semelhante para as demais células do hemograma. A análise multivariada pelo método da regressão logística, utilizando-se os modelos stepwise (todas variáveis) e backward (p < 0,25), mostrou que a monocitose foi variável independente para DAC e para o IAM.

CONCLUSÃO: O número de monócitos, um dos mais importantes componentes do processo inflamatório na placa aterosclerótica, foi um marcador de risco independente para a DAC e para o IAM.

Palavras-chave: Aterosclerose, doença arterial coronariana, infarto agudo do miocárdio, hemograma, leucocitose, monocitose, inflamação.

As doenças cardiovasculares são as principais causas de morte no Brasil1. O principal mecanismo etiopatogênico é o processo da aterosclerose. Inflamação e ativação das células do sistema imunológico têm participação importante na patogênese da aterosclerose2. Vários marcadores bioquímicos foram sugeridos para a doença arterial coronariana (DAC). Dentre eles, os que estão atualmente em maior evidência são proteína C-reativa, homocisteína, ácido úrico, fibrinogênio etc. Outros marcadores inflamatórios mais tradicionais, contudo, são freqüentemente relegados a um segundo plano. Dentre esses, a contagem de leucócitos no sangue.

Friedman e cols. foram os pioneiros a detectar níveis elevados de leucócitos no sangue como preditores do infarto agudo do miocárdio (IAM)3. Posteriormente, estudos multicêntricos mostraram que o aumento do número de leucócitos associou-se com maior mortalidade, doença aterosclerótica mais importante e menor resposta ao tratamento fibrinolítico4-6. Apesar da importante participação dos leucócitos na doença aterosclerótica, em especial na síndrome coronariana aguda, é pouco conhecida a prevalência dos componentes do perfil leucocitário na DAC, em especial dos monócitos. Sabe-se que os monócitos são os principais componentes da progressão da doença aterosclerótica estimulando a aterogênese e a trombogênese. Este estudo analisou a contagem dos leucócitos e seus componentes no sangue dos pacientes com DAC crônica e na fase aguda do IAM.

MÉTODOS

Analisamos a distribuição dos leucócitos em 232 pacientes não-diabéticos com idade entre 15 e 88 anos. A DAC estava presente em 142 pacientes (57 com DAC estável e 85 com IAM), diagnosticada angiograficamente, comparada a noventa indivíduos-controle. Os critérios de inclusão foram: 1) grupo-controle: constituído por indivíduos encaminhados de serviço de atendimento secundário, com baixa probabilidade de DAC, isto é, indivíduos assintomáticos, sem fatores de risco importantes para DAC, com eletrocardiograma de repouso e esforço compatíveis com a normalidade; 2) grupo estável: doença coronariana documentada angiograficamente em pacientes assintomáticos ou portadores de angina do peito típica aos grandes (classe I) ou médios esforços (classe II, da Canadian Cardiovascular Society)7, na ausência de antecedentes de infarto do miocárdio ou eletrocardiograma sugestivo; 3) grupo IAM: composto de pacientes com infarto agudo do miocárdio8.

O diagnóstico de IAM baseou-se na presença de pelo menos dois dos critérios a seguir: dor típica, com mais de 20 minutos de duração; aumento da atividade da CKMB (fração MB da creatinoquinase), ou aumento da CK massa ou da troponina I; presença de supradesnivelamento do segmento ST > 1 mm em pelo menos duas derivações frontais ou >" 2 mm em pelo menos duas derivações precordiais no eletrocardiograma de repouso; aparecimento de novas ondas Q ao eletrocardiograma de repouso. Os grupos controle e DAC foram comparáveis para idade, índice de massa corpórea, antecedentes familiares, tabagismo, hipertensão, HDL e LDL (todas variáveis com p > 0,25).

A seguir, os principais fatores de risco e suas definições para a DAC – tabagista: hábito de fumar mais de cinco cigarros por dia ou fumante até há seis meses; ex-fumante: hábito prévio de fumar mais de cinco cigarros por dia, há mais de seis meses da avaliação clínica; dislipidemia: níveis séricos de triglicérides > 200 mg/dl, e/ou colesterol total > 200 mg/dl, e/ou HDL-colesterol < 40 mg/dl, e/ou LDL-colesterol > 130 mg/dl9; diabete melito: níveis de glicose no sangue > 126 mg/dl após jejum noturno de doze horas10; o diagnóstico de hipertensão arterial foi baseado na pressão arterial diastólica com níveis >" 90 mmHg11; antecedentes familiares: pais ou irmãos com história de doença coronariana, com menos de 55 anos para os homens e menos de 65 anos para as mulheres.

Os critérios de exclusão foram: pacientes com história prévia de diabete melito (glicemia de jejum > 126mg/dl), insuficiência renal crônica (creatinina sérica > 2,0mg/dl), insuficiência hepática, doenças endócrinas, hematológicas, respiratórias ou metabólicas clinicamente significantes.

Exames laboratoriais - O sangue foi colhido pela manhã após período de 12 horas de jejum e as dosagens analisadas por meio dos seguintes métodos: 1) contagem eletrônica automatizada para eritrócitos (normal, em milhões/mm3, de 4,2 a 5,2 nas mulheres e de 4,6 a 6,2 nos homens), hemoglobina (normal, em g%, de 12 a 16 para as mulheres e de 14 a 17 para os homens), hematócrito (normal, em %, de 37 a 47 nas mulheres e de 40 a 54 nos homens), plaquetas (normal de 150 a 350 mil/mm3), e glóbulos brancos (normal de 5.000 a 10.000/mm3); 2) os níveis de HDL-colesterol (normal acima de 40 mg/dl) foram determinados através de método enzimático calorimétrico12 e o LDL-colesterol (normal de até 130 mg/dl) através da fórmula de Freidewald: LDL = CT - [HDL + (TG/5)]13, observando-se níveis de triglicérides inferiores a 400 mg/dl para o cálculo; 3) as apolipoproteínas AI (normal, em g/l, de 1,15 a 1,90 nos homens e de 1,15 a 2,20 nas mulheres) e B (normal, em g/l, de 0,70 a 1,60 nos homens e de 0,60 a 1,50 nas mulheres) foram obtidas pelo método da imunoturbidimetria em equipamento automatizado (Cobas Integra, 700 Roche Ltda, Diagnostics Division, Basiléia, Suíça).

Cateterismo cardíaco - O cateterismo cardíaco foi realizado pela técnica de Sones e Shirey14 e os seguintes dados foram classificadas as coronárias subepicárdicas em normal, uniarterial, biarterial, triarterial e tronco de coronária esquerda (TCE), segundo o número de artérias coronárias subepicárdicas comprometidas ou não com o processo aterosclerótico, com mais de 50% de redução do lúmen vascular, quando comparado com o segmento normal mais próximo.

Análise estatística - O programa SAS (SAS Institute Inc, 1996, versão 6.12) foi utilizado para a análise estatística. Para a análise univariada, o teste t de Student, para as variáveis contínuas e os testes do c2, Mann-Witney e Kruskal-Wallis para as variáveis categóricas foram os testes utilizados. Foi considerado valor de p < 0,05 estatisticamente significante. Posteriormente, foi realizada a análise multivariada pelo método da regressão logística utilizando-se dos modelos stepwise, com a inclusão de todas as variáveis, e backward que incluiu somente variáveis com valores de p < 0,25.

RESULTADOS

As características clínicas dos pacientes encontram-se na tabela 1. Os principais fatores de risco, perfil lipídico, incluindo as apolipoproteínas, e glicemia foram semelhantes entre os grupos controle e DAC. Observou-se maior freqüência de mulheres no grupo-controle (p = 0,031).

Em relação ao leucograma, a análise univariada mostrou maior prevalência de leucocitose na DAC, sendo maior nos pacientes com IAM quando comparados com a DAC estável. O mesmo comportamento foi observado para os monócitos. A distribuição, para os demais componentes do hemograma, foi semelhante quando comparados os indivíduos-controle e os pacientes com DAC (tab. 2). Entretanto, quando comparados os grupos controle, DAC estável e IAM, observou-se aumento gradativo nos leucócitos, bastonetes, segmentados e monócitos (tab. 3). A distribuição da gravidade da DAC em uni (41% versus 44%), bi (21% versus 19%) ou triarterial (35% versus 37%), foi semelhante entre os grupos DAC estável e IAM. Observou-se lesão em TCE em dois pacientes do grupo estável e um paciente do grupo IAM.

A análise multivariada pelo método da regressão logística utilizando-se os modelos stepwise (todas variáveis) e backward (p < 0,25) mostrou sexo e a monocitose foram as variáveis independentes para DAC (tab. 4). A monocitose foi também uma variável independente para o IAM.

DISCUSSÃO

Em nosso estudo, os monócitos, um dos mais importantes componentes do processo inflamatório da placa aterosclerótica, foram marcador de predição independente para a DAC estável e para o IAM. Observou-se um aumento gradativo em relação aos grupos controle, com DAC estável e IAM. Estudos mostraram que esse aumento gradativo foi também observado em relação a gravidade da doença aterosclerótica, ao fluxo coronariano (escore TIMI) e maior mortalidade nos pacientes com síndrome coronariana aguda15. Da mesma forma, outro estudo mostrou, em homens e mulheres, maior incidência de insuficiência cardíaca congestiva e maior mortalidade intra-hospitalar em indivíduos com leucocitose (> 10,000/mm3)16.

Vários outros estudos analisaram a relação entre maior leucocitose em pacientes com SCA, porém poucos analisaram a leucocitose em pacientes com DAC estável. Estudos recentes observaram: maior leucocitose em pacientes com DAC estável e IAM prévio em comparação a pacientes portadores somente de DAC estável17; maior neutrofilia em pacientes que desenvolveram alguma doença isquêmica do coração (aguda ou crônica)18; no estudo CAPRIE, no qual se compararam os efeitos do clopidogrel com a aspirina, a neutrofilia foi também uma variável de risco independente para as doenças cardiovasculares19. Interessante observar no estudo CAPRIE que a monocitose foi uma variável independente para o acidente vascular cerebral isquêmico e variável limite [OR = 1,03, IC(1,00 – 1,05); p = 0,062] para recorrência de eventos isquêmicos. A leucocitose também potencializa os efeitos dos fatores de risco para a DAC.

Indivíduos tabagistas com mais de nove mil leucócitos têm quatro vezes mais chances de ter um infarto do miocárdio do que tabagistas com menos de seis mil leucócitos20. De forma geral, a leucocitose e, em alguns estudos, a monocitose mostraram-se variáveis independentes para as doenças cardiovasculares. Porém, nosso estudo foi o primeiro, na literatura compulsada, a mostrar que a concentração de monócitos depende do estágio clínico da doença aterosclerótica coronariana, sendo os valores gradualmente maiores no IAM quando comparados com a DAC estável e esta com o grupo-controle.

Essas alterações sugerem diferentes graus de ativação leucocitária que refletem o grau do processo inflamatório existente, responsáveis pela instabilização da placa aterosclerótica, favorecendo, inclusive, espasmo de artéria coronária21 ou participando do processo de oclusão tardia de stents coronarianos22. Várias substâncias podem participar desse aumento/recrutamento/ativação dos monócitos. Por exemplo, MCP-1 (monocyte chemoattractant protein-1), um marcador de risco independente para a DAC, é uma citocína que promove o recrutamento dos monócitos na placa aterosclerótica23. Dessa forma, em indivíduos portadores de doenças circulatórias, o leucograma é um marcador de risco importante que pode orientar no diagnóstico e tratamento dessas doenças. Futuros estudos, contudo, serão necessários para definir a participação dos mesmos na prática clínica diária.

Recebido em 11/05/05

Aceito em 06/07/05

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  • Correspondência

    Abrahão Afiune Neto
    Rua T-38, nº 917 – Setor Bueno
    74230-070 – Goiânia, GO
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      06 Jul 2005
    • Recebido
      11 Maio 2005
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