Open-access Remodelamento ventricular na estimulação cardíaca apical do ventrículo direito

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a taxa de remodelamento ventricular (RV) e a importância de variáveis clínico-funcionais em pacientes com função cardíaca normal submetidos à estimulação artificial apical do ventrículo direito (VD). MÉTODOS: Dentre 268 pacientes consecutivos com BAVT e marcapasso convencional, foram excluídos os portadores de fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 55% e diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) > 53 mm ao eco-Doppler. O RV foi definido como o conjunto de modificações ecocardiográficas documentadas pelo menos 6 meses pós-implante: aumento >10% no DDVE e redução > 20% na FEVE. As variáveis analisadas foram: cardiopatia de base, classe funcional de insuficiência cardíaca (IC), tempo de estimulação ventricular e duração do QRS. A análise estatística incluiu os testes da razão de verossimilhança, exato de Fisher e a soma de postos de Wilcoxon. O valor de p foi significante quando < 0,05. RESULTADOS: o estudo incluiu 75 pacientes com idade média de 70,9 ± 14 anos, 22,6% do sexo masculino. O tempo médio entre as avaliações foi de 80,2 meses. A FEVE média pré-implante foi 72% e o DDVE 46 mm e pós-implante, 69,7% (p = 0,0025) e 48,5mm (p < 0,0001), respectivamente. A duração média do QRS pós-implante foi 156 ms. O RV ocorreu em apenas quatro pacientes (5,3%), e nenhuma das variáveis exploratórias discriminou esse comportamento. CONCLUSÃO: Pacientes sem disfunção ventricular submetidos à estimulação cardíaca apical do VD em longo seguimento apresentaram baixa taxa de RV, e não foram definidos fatores associados para sua ocorrência.

Remodelação ventricular; marcapasso artificial; bloqueio cardíaco; função ventricular


OBJECTIVE: To determine ventricular remodeling (VR) and the role of clinical and functional variables in patients with normal cardiac function who underwent right ventricular apical pacing (RVAP). METHODS: Among the 268 consecutive patients with standard pacemaker due to complete atrioventricular block (CAVB), those with left ventricular ejection fraction (LVEF) < 55% and left ventricular end-diastolic diameter (LVEDD) > 53 mm on Doppler echocardiography were excluded. Ventricular remodeling was defined as echocardiographic changes documented at least six months after implantation, namely, a >10% increase in LVEDD and a > 20% decrease in LVEF. The following variables were analyzed: underlying heart disease, NYHA functional class of heart failure (HF), time of ventricular stimulation, and QRS duration. Statistical analysis included likelihood ratio test, Fisher’s exact test, and Wilcoxon rank-sum test. A p value < 0.05 was considered statistically significant. RESULTS: The study included 75 patients, mean age 70.9 ± 14, of whom 22.6% were male. Mean time between both evaluations was 80.2 months. Before implantation, mean LVEF was 72% and LVEDD was 46 mm; after implantation this values were 69.7% (p = 0.0025) and 48.5 mm (p = 0.0001), respectively. Mean QRS duration after implantation was 156 ms. Ventricular remodeling was observed only in four patients (5.3%), and no exploratory variable specified this behavior. CONCLUSION: In a long-term follow-up, patients without ventricular dysfunction who underwent RV apical pacing (RVAP) showed low VR rate, and no analyzed variable was associated with its occurrence.

Ventricular remodeling; artificial pacemaker; heart block; ventricular function


ARTIGO ORIGINAL

Remodelamento ventricular na estimulação cardíaca apical do ventrículo direito

Rodrigo Tavares Silva; Martino Martinelli Filho; Júlio César de Oliveira; Carlos Eduardo Batista de Lima; Daniela Garcia Moreno Cabral Martins; Cinthya Ibraim Guirao; Silvana Angelina Dório Nishióka; Roberto Costa; Eduardo Argentino Sosa; José Antonio Franchini Ramires

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Rodrigo Tavares Silva Rua João Moura 870 05412-002 – São Paulo – SP E-mail: rotasil@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a taxa de remodelamento ventricular (RV) e a importância de variáveis clínico-funcionais em pacientes com função cardíaca normal submetidos à estimulação artificial apical do ventrículo direito (VD).

MÉTODOS: Dentre 268 pacientes consecutivos com BAVT e marcapasso convencional, foram excluídos os portadores de fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) < 55% e diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) > 53 mm ao eco-Doppler. O RV foi definido como o conjunto de modificações ecocardiográficas documentadas pelo menos 6 meses pós-implante: aumento >10% no DDVE e redução > 20% na FEVE. As variáveis analisadas foram: cardiopatia de base, classe funcional de insuficiência cardíaca (IC), tempo de estimulação ventricular e duração do QRS. A análise estatística incluiu os testes da razão de verossimilhança, exato de Fisher e a soma de postos de Wilcoxon. O valor de p foi significante quando < 0,05.

RESULTADOS: o estudo incluiu 75 pacientes com idade média de 70,9 ± 14 anos, 22,6% do sexo masculino. O tempo médio entre as avaliações foi de 80,2 meses. A FEVE média pré-implante foi 72% e o DDVE 46 mm e pós-implante, 69,7% (p = 0,0025) e 48,5mm (p < 0,0001), respectivamente. A duração média do QRS pós-implante foi 156 ms. O RV ocorreu em apenas quatro pacientes (5,3%), e nenhuma das variáveis exploratórias discriminou esse comportamento.

CONCLUSÃO: Pacientes sem disfunção ventricular submetidos à estimulação cardíaca apical do VD em longo seguimento apresentaram baixa taxa de RV, e não foram definidos fatores associados para sua ocorrência.

Palavras-chave: Remodelação ventricular, marcapasso artificial, bloqueio cardíaco, função ventricular.

Introdução

A estimulação cardíaca artificial (ECA) é reconhecidamente uma terapêutica efetiva e segura no tratamento das bradiarritmias sintomáticas1. O desenvolvimento das técnicas cirúrgicas alternativas para o implante dos dispositivos de estimulação foi uma importante conquista científica da segunda metade do século XX.

A era moderna da ECA data de 1958, quando Elmqvist e Senning implantaram o primeiro marcapasso cardíaco por toracotomia em humanos e a seguir, Furmam e Robinson, o primeiro cabo-eletrodo endocárdico2.

A partir daí, inúmeras experiências introduziram diferentes configurações como alternativas às técnicas de implante. Pela facilidade de acesso e estabilidade do cabo-eletrodo, a região apical do ventrículo direito (VD) foi eleita o sítio preferencial para ECA, sendo até hoje o mais utilizado nas indicações convencionais3,4.

Por outro lado, as últimas décadas foram marcadas pela evolução tecnológica dos sistemas implantáveis. As funções algorítmicas dos dispositivos eletrônicos tornaram-se cada vez mais sofisticadas, e os cabos-eletrodos, mais seguros e biocompatíveis.

O resultado de tudo isso foi claramente refletido na melhora marcante da qualidade de vida dos portadores desses dispositivos.

Apesar dessas evidências, recentemente foi observado que a piora clínica de alguns pacientes estava relacionada com a própria ECA em região apical de VD. Nesses casos, constatou-se que ocorrem prejuízos hemodinâmicos conseqüentes a distúrbios da seqüência de ativação elétrica ventricular, similar à que ocorre no bloqueio de ramo esquerdo (BRE)5-7.

A dissincronia ventricular induzida pode ocasionar dano celular cardíaco, alterações da geometria e da função sistólica ventricular, aumento das dimensões dos átrios e deterioração hemodinâmica8-10. Alguns autores, entretanto, divergem com relação a esses achados11. Nahlawi e cols.12, em estudo recente, demonstraram que a estimulação do VD tem efeito modesto sobre a depressão da função ventricular e sugerem estudos adicionais para identificar os verdadeiros mecanismos fisiopatológicos.

Recentemente, outras evidências clínicas consistentes surgiram com a publicação dos ensaios DAVID study13, MADIT-II14, Mode Selection Trial15 e PAVE Trial16. As subanálises dessas casuísticas relacionaram a ECA (apical do VD) com maior taxa de internações hospitalares por insuficiência cardíaca (IC). Também se constatou maior ocorrência de fibrilação atrial e insuficiência mitral17,18.

Esses achados passaram a exigir dos especialistas dessa área maior atenção às características clínicas de cada caso e reflexões cautelosas a respeito da escolha de alternativas cirúrgicas como o uso de cabos-eletrodos com fixação ativa em outros sítios, como via de saída de VD, ou ainda a indicação do ressincronizador cardíaco9.

Nesse sentido, a documentação da presença de dissincronia ventricular induzida pela ECA apical do VD pode ser uma importante ferramenta auxiliar. A ecocardiografia tecidual, assim como outros elementos diagnósticos por imagem, têm demonstrado muita utilidade nessa avaliação19.

Entretanto, a essência da informação para a decisão da escolha do procedimento cirúrgico, o comportamento anatomofuncional do coração relacionado aos achados clínicos e ao marcapasso, não foi descrita até o momento. Trata-se da análise do remodelamento ventricular (RV) estritamente relacionada ao comportamento anatomofuncional do coração, nos casos de clara dependência da ECA3.

O presente estudo tem por objetivo avaliar a taxa de RV esquerdo em pacientes com função cardíaca normal submetidos à ECA apical do VD e analisar a presença de preditores clínicos de sua ocorrência.

Métodos

Casuística - Selecionada por um único examinador, dentre 268 pacientes consecutivamente atendidos na Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto do Coração-HCFMUSP no período de agosto de 2004 a fevereiro de 2005. Foram elegíveis para o estudo os pacientes com as seguintes características: 1) diagnóstico de bloqueio atrioventricular total (BAVT); 2) ecocardiograma transtorácico (Eco TT) prévio ao implante do marcapasso definitivo que demonstrasse fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) > 55% e diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo (DDVE) < 53 mm e 3) controle ecocardiográfico com intervalo superior a seis meses do implante; 4) cabo-eletrodo ventricular posicionado em região apical de VD, com limiares de estimulação <1,5 V com largura de pulso de 0,5 ms e onda R > 5 mV, independentemente da polaridade (uni ou bi).

A programação do marcapasso foi individualizada de acordo com as necessidades de cada paciente. Os critérios de exclusão foram: BAV intermitente; presença de sistema de estimulação multisítio de VD, ressincronizador cardíaco ou cardiodesfibrilador implantável; pacientes submetidos a transplante cardíaco; doença pulmonar grave; distrofias musculares; cabo-eletrodo ventricular implantado fora da região apical.

Delineamento do estudo - A figura 1 ilustra, esquematicamente, o protocolo do estudo. A primeira avaliação clínico-funcional foi realizada antes do implante do marcapasso e a segunda, a mais recentemente realizada (pelo menos após seis meses do implante).


O RV esquerdo foi definido como o conjunto de modificações estruturais observadas em análise comparativa entre os exames ecocardiográficos e considerou: aumento superior a 10% do DDVE e redução superior a 20% da FEVE.

Todos os pacientes foram avaliados com relação à cardiopatia, classe funcional de IC (NYHA), tempo de estimulação ventricular, presença de sincronismo atrioventricular e duração do QRS estimulado ao ECG.

Ecocardiograma transtorácico - A avaliação ecocardiográfica utilizou o modo M para análise do DDVE em milímetros(mm) e o modo bidimensional para a FEVE em percentagem(%). O serviço de Ecocardiografia do Instituto do Coração foi o responsável pela realização dos exames, seguindo as diretrizes vigentes da Sociedade de Ecocardiografia e conforme a solicitação da equipe responsável pelo seguimento ambulatorial dos pacientes.

Avaliação clínica - A avaliação clínica foi realizada através de análise de registros em prontuários institucionais previamente ao implante do marcapasso e subseqüentemente à época do último Eco TT. Foi adotado o critério da New York Heart Association (NYHA) para avaliação da classe funcional (CF) da IC20.

Tempo de estimulação ventricular - Definido como o intervalo de tempo em meses desde o implante do marcapasso definitivo até a realização do segundo Eco TT.

Sincronismo atrioventricular - A presença de sincronismo atrioventricular foi definida pela despolarização seqüencial atrial e ventricular, independentemente da estimulação artificial. A definição foi estabelecida no momento do implante do dispositivo, e não foram consideradas modificações posteriores.

Análise do complexo QRS - A duração do complexo QRS (milissegundos) estimulado artificialmente foi avaliada em eletrocardiograma de superfície (ECG) de 12 derivações com calibração de 0,1mV/mm e velocidade do papel em 25mm/seg. Considerou-se o intervalo de tempo desde a emissão da espícula do marcapasso até o final do complexo QRS.

Análise estatística - A taxa de RV foi realizada pelo registro dos valores absolutos das ocorrências. O comportamento funcional ecocardiográfico foi avaliado através da comparação das médias pré e pós-implante do marcapasso pelo teste dos sinais de Wilcoxon. Na busca por fatores associados ao RV, utilizaram-se o teste exato de Fisher e o teste da razão de verossimilhança para a análise estatística dos parâmetros classificatórios e o teste da soma de postos de Wilcoxon para análise dos parâmetros quantitativos. O valor de p foi considerado significante quando inferior a 0,05.

Resultados

Dentre os 268 pacientes avaliados, 75 foram elegíveis para o estudo. As características dessa população, previamente ao implante do marcapasso, estão descritas na tabela 1. A idade média do grupo foi de 70,9 ± 14 anos, e 22,6% eram do sexo masculino. As cardiopatias mais freqüentes foram a chagásica (33,3%) e a hipertensiva (32%). A FEVE média do grupo antes do implante do MP foi de 72%, e o DDVE foi de 46 mm. Sessenta e nove pacientes (92%) estavam em CF IC I ou II; seis pacientes em CF III e nenhum em CF IV.

O exame ecocardiográfico considerado para a análise do RV foi realizado em média 1,6 dias antes e 80,2 meses após o implante do marcapasso.

Após o implante do marcapasso, houve redução da FEVE de 72,6% para 69,7% (p = 0,0025) e aumento do DDVE de 46,4mm para 48,5mm (p = 0,0001), ambos com significância estatística (Fig. 2).


Apenas quatro pacientes (5,3%) apresentaram RV de acordo com os critérios estabelecidos (Figura 3). Não houve diferença estatística em relação as variáveis analisadas: cardiopatia de base, classe funcional de IC, tempo de estimulação ventricular, sincronismo atrioventricular e duração do QRS estimulado ao ECG (Tab. 2).


O subgrupo que evoluiu com RV apresentou idade média de 61,5 ± 16 anos. Três pacientes apresentavam doença de Chagas e um paciente, HAS. Todos eram CF II. Em relação aos parâmetros ecocardiográficos: o DDVE aumentou em média 14,6% (48,7mm pré para 57 mm pós-implante), e a FEVE reduziu em média 24,2% (69,2% pré para 52,5% pós-implante). A duração do QRS estimulado foi de 170 ms. Três pacientes apresentavam sincronismo atrioventricular preservado. O tempo médio de estimulação ventricular foi de 113±4 meses.

Discussão

Os achados deste estudo indicam que o marcapasso ventricular apical de VD praticamente não provoca modificações anatomofuncionais do miocárdio.

Numa análise primária trata-se de uma informação de caráter prático muito útil e, de certo modo, surpreendente, porque os pacientes foram acompanhados por longo período de tempo.

Então, se a estimulação artificial apical do VD não é considerada fisiológica e, de modo genérico, se a conseqüente seqüência de ativação elétrica do miocárdio é considerada deletéria por provocar alterações hemodinâmicas, estruturais e funcionais do coração9, por que a evolução de nossos pacientes teria sido tão favorável?

Antes de tudo, Pastore e cols.21 demonstraram recentemente, através de mapeamento eletrocardiográfico de superfície, que o BRE induzido por MP não tem exatamente as características do BRE espontâneo.

No caso de ECA, admite-se que a ativação imediata do septo interventricular provoca incremento do estresse da parede lateral do VE22. Esse desequilíbrio de forças regionais provoca movimento contrátil anormal do septo em direção ao VD, que se torna ainda mais retardado em relação ao VE. Ao final, pode ocorrer aumento do diâmetro sistólico final do VE e/ou redução da fração de ejeção regional do septo23,24.

Entretanto, nossas observações pessoais, fruto da experiência clinica na Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto do Coração, sugerem que esses mecanismos fisiopatológicos são responsáveis por deterioração hemodinâmica apenas nos casos de cardiomiopatia evidente.

Nielsen e cols.25 descreveram redução do fluxo sangüíneo miocárdico nas regiões inferior, septal e global durante a estimulação do VD, quando comparado à estimulação em AAI na mesma população.

Outros estudos avaliaram o papel da ECA apical do VD no RV, comparando os modos de estimulação cardíaca AAI(R) x DDD(R); DDD(R) x VVI(R)15,26-28. Os achados desses ensaios, na maioria, indicam comprometimento da função miocárdica.

O estudo DAVID13 comparou a eficácia clínica do CDI operando em modo DDDR-70 bpm X VVI – 40 bpm (MP desativado) e revelou maior taxa de mortalidade e hospitalização por IC no grupo DDDR. Os autores tentaram correlacionar o comportamento clínico com a ECA apical do VD, mas a dependência ao MP foi inferior a 60% e todos apresentavam FEVE<35%, o que reduz muito a força da correlação clínica.

De maneira similar, o estudo MADIT II14, que incluiu somente pacientes com grave disfunção cardíaca, demonstrou maior taxa de IC relacionada ao grupo CDI comparado ao grupo controle (terapêutica medicamentosa). A piora de comportamento (19,9% x 14,9%) foi atribuída à estimulação ventricular artificial de backup do CDI.

A comparação das características da casuística dos estudos acima citados com a nossa população é obviamente marcada pela diferença de comprometimento miocárdico funcional. Em nosso estudo a presença de disfunção miocárdica foi critério de exclusão, e nos demais ensaios a cardiopatia de base foi marcadamente grave.

Ademais, com relação ao BRE, por analogia ao comportamento clínico de hipertensos assintomáticos com função cardíaca normal, a importância do distúrbio de condução é completamente diversa. Embora apresentem modificações mecânicas causadas pela ativação rápida do septo em relação à parede livre do VE, essas alterações não são capazes de esgotar as reservas energéticas celulares, e o desempenho miocárdico tende a ser mantido10,25.

Os achados de Nielsen e cols.25, que correlacionaram modificações do fluxo sangüíneo miocárdico com ECA apical do VD, devem ser analisados por abstração aos conhecidos mecanismos fisiopatológicos que envolvem a cardiomiopatia dilatada e isquêmica. Nesses casos, a isquemia regional pode ser responsável por um ciclo vicioso deletério que tende a piorar a IC, em casos de comprovada disfunção miocárdica prévia.

Outra evidência documentada é a correlação entre ECA e insuficiência mitral severa, decorrente de lesão de músculo papilar por ativação eletromecânica anormal19. Evidentemente, para que qualquer disfunção valvar dessa magnitude se manifeste é preciso que a alteração anatômica primária seja grave, secundária ao importante comprometimento cardíaco.

O presente estudo foi o único a avaliar a ocorrência de RV numa população com função cardíaca normal no momento da inclusão de pacientes e totalmente dependente da estimulação ventricular apical.

Ao contrário, as evidências científicas publicadas até o momento sobre RV relacionado à ECA apical do VD basearam-se na comparação de achados clínicos com o modo de estimulação fisiológico (AAI) em casos de doença do nó sinusal15,26-28. Ora, esses pacientes apresentam comportamento clínico peculiar. Nesse sentido, as subanálises de todos esses estudos são criticáveis porque, independentemente das modificações anatomofuncionais e da presença de IC, a fibrilação atrial foi invariavelmente o evento preditor isolado de maior mortalidade, correlacionada a elevadas taxas de acidente vascular cerebral e ao modo de estimulação ventricular. Isso ocorreu porque esses ensaios não foram desenhados para esse desfecho primário.

Nosso estudo, por outro lado, definiu RV com base na documentação de modificações ecocardiográficas de impacto clínico-funcional. Não foram consideradas alterações anatomopatológicas, já que a biópsia miocárdica não é realizada de rotina nestes pacientes. Os achados mais relevantes de nosso estudo, redução significativa da FEVE de 72,6% para 69,7% (p = 0,0025) e aumento significativo do DDVE de 46,4mm para 48,5mm (p=0,0001), não implicam em qualquer mudança da estratégia terapêutica.

No entanto, o critério adotado para definir RV permitiu identificar pacientes com evolução clínica desfavorável absolutamente relacionada à estimulação apical do VD, porque a dependência ao MP foi total.

Sumariamente, reunindo os principais tópicos dessa discussão, é possível responder ao questionamento inicial a respeito do comportamento de nossos pacientes: a função cardíaca é o elemento fundamental da análise e o BRE induzido pelo marcapasso provoca deterioração hemodinâmica na presença de comprometimento miocárdico. A estratificação por ecocardiograma transtorácico prévio ao implante de MP (documentação da função cardíaca normal) é suficiente para discriminar a população com alta probabilidade de evoluir sem RV após estimulação apical do VD.

A limitação do nosso estudo está relacionada ao fato de que a seleção de pacientes foi realizada a partir de atendimento ambulatorial. Evidentemente, os pacientes incluídos no estudo foram os pré-selecionados por evolução clínica favorável. Prescindimos dos efeitos das comorbidades relativas ao implante do MP, ou seja, complicações decorrentes da própria estimulação cardíaca.

Por outro lado, em nosso estudo, a reduzida taxa de RV foi a causa da não-obtenção de fatores preditores para determinar sua ocorrência. Para isso, também colaborou o rigoroso critério adotado para a definição de remodelamento, cuja relevância clínico-funcional pode ter subestimado o número de pacientes que evoluíram com alteração discreta da função cardíaca.

O remodelamento ventricular em pacientes sem cardiomiopatia e sob estimulação artificial apical do VD tem baixa prevalência (5,3%). Neste subgrupo, nosso estudo não permitiu discriminar fatores associados para a ocorrência de RV. Há poucos indícios de que a IC se torne um fator limitante para a indicação da estimulação artificial apical do VD no tratamento de bradiarritmias em pacientes sem cardiomiopatia. No entanto, faz-se necessário a realização de estudos prospectivos, randomizados em maior escala para que se confirmem esses achados.

Artigo recebido em 31/01/06; revisado recebido em 07/03/06; aceito em 09/05/06.

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  • Correspondência:
    Rodrigo Tavares Silva
    Rua João Moura 870
    05412-002 – São Paulo – SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      31 Jan 2006
    • Revisado
      07 Mar 2006
    • Aceito
      09 Maio 2006
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