Resumos
FUNDAMENTO: Sabe-se que a terapia antirretroviral altamente potente para Aids reconhecida aumenta o risco cardiovascular, mas os efeitos dos agentes antirretrovirais de acordo com o gênero ainda são desconhecidos. OBJETIVO: O presente estudo avaliou o impacto do tratamento para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) na rigidez aórtica de acordo com o gênero. MÉTODOS: Foram recrutados 28 pacientes com Aids submetidos à terapia antirretroviral altamente potente (HAART), 28 pacientes infectados pelo HIV virgens de tratamento, 44 pacientes com diabetes tipo 2, e 30 controles. A rigidez aórtica foi determinada pela medição da Velocidade da Onda de Pulso (VOP), utilizando um equipamento automático validado e não invasivo. RESULTADOS: Os resultados médios brutos da VOP (e intervalo de confiança de 95%) para participantes nos grupos terapia antirretroviral potente, HIV virgem de tratamento, diabéticos, e controles foram 9,77 m/s (9,17-10,36), 9,00 m/s (8,37-9,63), 9,90 m/s (9,32-10,49) e 9,28 m/s (8,61-9,95), respectivamente, para os homens (p de tendência = 0,14) e 9,61 m/s (8,56-10,66), 8,45 m/s (7,51-9,39), 9,83 (9,21-10,44) e 7,79 m/s (6,99-8,58), respectivamente, para as mulheres (p valor de tendência < 0,001). Análises post-hoc revelaram uma diferença significativa entre os valores médios de VOP no grupo com HAART e controles em mulheres (p < 0,01). Ajustes para as demais covariáveis potenciais, incluindo pressão arterial sistólica e diabetes, não alteraram esses resultados. Os achados indicam que o impacto do tratamento com HAART na rigidez aórtica foi amplificado nas mulheres com hipertensão, dislipidemia e síndrome metabólica. CONCLUSÃO: Agentes antirretrovirais potentes utilizados no tratamento da infecção pelo HIV aumentam a rigidez da aorta, especialmente em mulheres com maior risco cardiovascular.
Anti-Retrovirais; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Infecções por HIV; Rigidez Arterial
BACKGROUND: Highly active antiretroviral therapy for AIDS is known to increase cardiovascular risk, but the effects of potent antiretroviral agents according to gender are unknown. OBJECTIVE: The present study evaluated the impact of HIV infection treatment on aortic stiffness according to gender. METHODS: From university-affiliated hospitals, we recruited 28 AIDS patients undergoing highly active antiretroviral treatment (HAART), 28 treatment-naïve HIV-infected patients, 44 patients with type 2 diabetes, and 30 controls. Aortic stiffness was determined by measuring pulse wave velocity (PWV) using a validated and non-invasive automatic device. RESULTS: The crude mean PWV values and 95% confidence intervals (95% CI) for HAART, diabetics, and controls were 9.77 m/s (95% CI 9.17-10.36), , 9.00 m/s (95% CI 8.37-9.63), 9.90 m/s (95% CI 9.32-10.49), and 9.28 m/s (95% CI 8.61-9.95), respectively, for men (P-value for trend = 0.14), and 9.61 m/s (95% CI 8.56-10.66), 8.45 m/s (95% CI 7.51-9.39), 9.83 (95% CI 9.21-10.44), and 7.79 m/s (95% CI 6.99-8.58), respectively, for women (P-value for trend <0.001). Post-hoc analysis revealed a significant difference between the mean PWV values in the HAART group and controls in women (P-value <0.01). After adjusting for other potential covariates, including systolic blood pressure and diabetes, these results did not change. The findings indicate that the impact of HAART treatment on aortic stiffness was amplified in women with hypertension, dyslipidemia, and metabolic syndrome. CONCLUSION: Potent anti-retroviral agents used in the treatment of HIV infection increases aortic stiffness, mainly among women with higher cardiovascular risk.
Anti Retroviral Agents; Acquired Immunosyndrome; HIV Infections; Vascular Stiffness
Terapia antirretroviral altamente eficaz para infecção pelo vírus da imunodeficiência humana aumenta a rigidez aórtica
Margareth EiraII; Isabela M. BensenorI, IV; Egidio Lima DoreaI; Roberto Sá CunhaIII; José Geraldo MillIII; Paulo A. LotufoI, IV
IHospital Universitário da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil
IIInstituto de Infectologia Emílio Ribas, São Paulo, SP - Brasil
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, ES - Brasil
IVFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil
Correspondência Correspondência: Paulo A. Lotufo Av Lineur Prestes, 2565, Cidade Universitária. CEP 05508-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: palotufo@cardiol.br, palotufo@hu.usp.br
RESUMO
FUNDAMENTO:Sabe-se que a terapia antirretroviral altamente potente para Aids reconhecida aumenta o risco cardiovascular, mas os efeitos dos agentes antirretrovirais de acordo com o gênero ainda são desconhecidos.
OBJETIVO: O presente estudo avaliou o impacto do tratamento para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) na rigidez aórtica de acordo com o gênero.
MÉTODOS: Foram recrutados 28 pacientes com Aids submetidos à terapia antirretroviral altamente potente (HAART), 28 pacientes infectados pelo HIV virgens de tratamento, 44 pacientes com diabetes tipo 2, e 30 controles. A rigidez aórtica foi determinada pela medição da Velocidade da Onda de Pulso (VOP), utilizando um equipamento automático validado e não invasivo.
RESULTADOS: Os resultados médios brutos da VOP (e intervalo de confiança de 95%) para participantes nos grupos terapia antirretroviral potente, HIV virgem de tratamento, diabéticos, e controles foram 9,77 m/s (9,17-10,36), 9,00 m/s (8,37-9,63), 9,90 m/s (9,32-10,49) e 9,28 m/s (8,61-9,95), respectivamente, para os homens (p de tendência = 0,14) e 9,61 m/s (8,56-10,66), 8,45 m/s (7,51-9,39), 9,83 (9,21-10,44) e 7,79 m/s (6,99-8,58), respectivamente, para as mulheres (p valor de tendência < 0,001). Análises post-hoc revelaram uma diferença significativa entre os valores médios de VOP no grupo com HAART e controles em mulheres (p < 0,01). Ajustes para as demais covariáveis potenciais, incluindo pressão arterial sistólica e diabetes, não alteraram esses resultados. Os achados indicam que o impacto do tratamento com HAART na rigidez aórtica foi amplificado nas mulheres com hipertensão, dislipidemia e síndrome metabólica.
CONCLUSÃO: Agentes antirretrovirais potentes utilizados no tratamento da infecção pelo HIV aumentam a rigidez da aorta, especialmente em mulheres com maior risco cardiovascular. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)
Palavras-chave: Anti-Retrovirais; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida / terapia; Infecções por HIV / complicações; Rigidez Arterial / efeitos de drogas.
Introdução
A terapia antirretroviral altamente potente (HAART) para infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) mudou drasticamente a sobrevida dos pacientes1. No entanto, o tratamento pode ser associado com uma maior incidência de infarto do miocárdio mediada por um perfil adverso de fatores de risco cardiovasculares2-9 e outras condições, tais como grande rigidez arterial, que podem ser afetados pela infecção pelo HIV ou o seu tratamento10,11.
Envelhecimento, diabetes, hipertensão e insuficiência renal foram independentemente associados com aumento da rigidez aórtica medido pela Velocidade da Onda de Pulso (VOP)12, e indivíduos com valores mais elevados têm o dobro do risco de um evento cardiovascular, morte e mortalidade por todas as causas13,14.
Alguns estudos têm abordado o efeito da infecção pelo HIV ou o seu tratamento com HAART sobre o aumento da rigidez arterial aórtica mostrando uma relação positiva15-22. Não foram encontradas diferenças na VOP em uma coorte de mulheres em Ruanda ao comparar mulheres infectadas pelo HIV submetidas à HAART e sem uso de HAART23.
Todos os estudos descritos aqui são heterogêneos, considerando a população estudada, o tempo desde a infecção, a duração do tratamento e o dispositivo usado para medir a VOP. Apenas seis estudos analisaram mulheres16,17,21-23, totalizando 39 mulheres, porque o grupo de mulheres em Ruanda ainda não tivera uma exposição à HAART de longo prazo para permitir comparações23. A busca de diferenças de gênero é justificada por um grande registro de infarto do miocárdio nos Estados Unidos que encontrou um risco de 40% para homens HIV-positivos comparados a homens sem HIV, em contraste com um risco três vezes maior para mulheres infectadas pelo HIV em comparação com aqueles sem o vírus24.
No Brasil, a mortalidade em decorrência de Aids diminuiu significativamente desde 1997, quando HAART tornou-se disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). Durante a última década, o perfil dos brasileiros infectados passou de homens urbanos de classe média / alta classe para mulheres pobres25.
Recrutamos uma amostra de indivíduos infectados pelo HIV submetidos à HAART sem infecções oportunistas e sem doença cardiovascular prévia para verificar o impacto do tratamento do HIV na rigidez aórtica de acordo com o gênero. Comparamos esses indivíduos com pacientes portadores de diabetes tipo 2, pois esses também apresentam um maior risco cardiovascular.
Métodos
O estudo AGATA (Avaliação Geral da ATerosclerose em Adultos) é um estudo transversal, concebido para avaliar o impacto da infecção por HIV e do seu tratamento sobre o sistema cardiovascular.
Sujeitos
No ambulatório de um hospital universitário em São Paulo, Brasil, foram identificados 56 pacientes consecutivos com infecção pelo HIV, 28 usando HAART e 28 pacientes com diagnóstico recente de infecção pelo HIV, mas sem receber HAART. As causas de infecção foram contato heterossexual (40,3%), contato homossexual (45,6%), uso de drogas injetáveis (12,3%) e desconhecida (1,8%). Nenhum dos pacientes tinha infecções oportunistas atuais ou recentes ou hepatite B ou C. Quarenta e quatro pacientes com diabetes tipo 2 foram recrutados consecutivamente no ambulatório de nosso hospital. Trinta controles foram convidados a partir de um exame de saúde periódico no local de trabalho no mesmo hospital e pareados por idade (10 anos) e gênero com os dois grupos de HIV.
Critérios de inclusão
Os critérios de inclusão foram idade variando de 20 a 69 anos, pelo menos, 12 meses de seguimento e boa adesão ao tratamento com HAART e tratamento da diabetes tipo 2. Os critérios de exclusão foram doença arterial coronariana (história de infarto do miocárdio, angina instável, revascularização coronariana), eletrocardiograma sugestivo de infarto do miocárdio anterior, história de doença cerebrovascular, doença arterial periférica, diabetes tipo 1, clearance de creatinina < 40 mL/min/1.73 m2, prescrição de estatinas ou fibratos.
Avaliação de parâmetros
Todos os participantes foram avaliados no período da manhã, após um jejum de 12 horas. Peso, altura e circunferência da cintura foram medidos pelas técnicas-padrão. A pressão arterial foi medida utilizando um esfigmomanômetro oscilométrico (Omron 705CP) com técnicas padrão. Todos os participantes, exceto aqueles que relataram diagnóstico de diabetes tipo 2, foram submetidos a um teste de tolerância a glicose.
Velocidade da Onda de Pulso
A VOP foi medida utilizando um equipamento Complior-SP (Artech Medical, França). Os transdutores foram colocados sobre as artérias femorais e a fúrcula. A VOP foi calculada dividindo-se a distância fúrcula-femoral pela diferença no tempo de trânsito das ondas de pulso digitalmente gravadas na artéria carótida e femoral direita (taxa de amostragem de 500 Hz). As medições da VOP foram interpretadas por dois pesquisadores (RSC/JGM) cegos para o estado do participante.
Fatores de risco
Um participante foi classificado como hipertenso com base em autorrelato de diagnóstico médico, tratamento, a pressão arterial sistólica medida no consultório médico > 140 mmHg ou diastólica > 90 mmHg13; como diabético, com base no autorrelato de diagnóstico médico, tratamento atual, ou teste de tolerância a glicose positivo (níveis de glicose > 200 mg/dL após duas horas); como dislipidêmico com base no autorrelato de diagnóstico médico ou LDL-colesterol > 130 mg/dL. Não aplicamos pontos de corte de pressão arterial específicos para diabéticos, e a síndrome metabólica foi definida de acordo com critérios-padrão26. A taxa de filtração glomerular foi calculada a partir da creatinina sérica aplicando-se a fórmula de CKD-Epi27.
Analise estatística
Os dados são expressos como média e intervalo de confiança de 95% (IC95%). As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software SPSS 16.0. O teste de qui-quadrado foi utilizado para comparar as variáveis categóricas. O coeficiente de correlação de Spearman foi utilizado para analisar a associação entre a VOP e outras variáveis. As variáveis contínuas foram expressas como média e erro padrão da média (SEM) e comparadas utilizando Modelos Lineares Generalizados com um teste post hoc de diferenças quadradas mínimas para comparações múltiplas. Os valores de VOP são mostrados após ajuste para idade usando um modelo linear generalizado.
Todas as análises foram ajustadas primeiramente para idade e sexo, e em segundo lugar para pressão arterial sistólica. O modelo multivariado completo foi ajustado para idade, sexo, pressão arterial sistólica, tolerância a glicose, circunferência da cintura, taxa de filtração glomerular e triglicérides (log) para todos os participantes, e de forma diferente para homens e mulheres de acordo com a análise univariada. Devido ao fato de a VOP apresentar forte desvio à direita, modelos lineares generalizados usando máxima otimização de probabilidade foram construídos para avaliar a associação entre fatores de risco e VOP. Apresentamos as estimativas do exponencial do parâmetro β dos valores de VOP calculados pelo teste de Wald com IC 95%.
Questões éticas
Esse estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética Institucional dos dois hospitais, e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e informado.
Resultados
O tempo médio desde o diagnóstico da infecção pelo HIV foi maior para os pacientes HAART do que os pacientes virgens de tratamento de HIV (10,4 ± 3,7 vs. 6,5 ± 4,8 anos, p < 0,001). A média e o desvio padrão de tempo (DP) de exposição à HAART foram de 7,7 (3,4) anos. Os valores médios (DP) do nadir da contagem de linfócitos CD4+T foi 207 (190) células/mm3 para o grupo HAART e 448 (176) células/mm3 para o grupo virgem de tratamento de HIV; as contagens atuais das células CD4+ foram 701 (400 ) células/mm3 para o grupo HAART e 609 (307) células/mm3 para pacientes virgens de tratamento do HIV. A mediana (DP) de maior carga viral durante o curso da infecção foi de 3,741 (10,312) cópias / mL para o grupo HAART e 16,430 (27,151) cópias/mL para o grupo sem tratamento. A maioria dos indivíduos recebendo HAART tinha uma carga viral bem controlada (< 50 cópias/mL) em comparação com nenhuma no grupo de pacientes virgens de tratamento do HIV (p < 0,0001). Nenhuma diferença foi encontrada entre os grupos em relação aos valores da proteína C-reativa. Quatro pacientes no grupo HAART e um paciente no grupo virgem de tratamento foram identificados como tendo diabetes tipo 2.
As características gerais dos pacientes são mostradas na tabela 1. Os pacientes diabéticos eram mais velhos em comparação com doentes infectados com HIV e controles. Homens com diabetes e controles tinham maior IMC e circunferência da cintura maior em comparação com pacientes infectados pelo HIV; apenas as mulheres com diabetes tiveram maior índice de massa corporal do que o grupo HAART. A pressão arterial elevada foi mais comum entre os diabéticos de ambos os sexos, mas a pressão arterial sistólica média foi maior apenas entre os homens com diabetes. A função renal estava prejudicada apenas nas mulheres diabéticas.
A tabela 2 apresenta os coeficientes de correlação de Spearman para as variáveis associadas com VOP. As variáveis associadas com VOP para ambos os sexos foram: idade, pressão arterial sistólica, circunferência da cintura e glicemia de jejum. Para as mulheres, uma correlação foi identificada entre VOP e hemoglobina glicada e taxa de filtração glomerular.
Uma tendência ascendente das médias brutas para VOP é mostrada na figura 1. A tabela 3 mostra os valores brutos de VOP para todos os participantes de acordo com o gênero; a razão de chances (odds ratio) para cada categoria foi calculada utilizando o grupo controle como referência. A adição de outras variáveis associadas com a VOP (Tabela 2) não alterou as médias anteriores ajustadas por idade para VOP. Uma diferença importante entre os sexos foi observada no padrão da VOP média de acordo com a categoria. Entre os homens, nenhuma diferença foi detectada entre os grupos. Em contraste, entre as mulheres, uma tendência ascendente significativa foi observada com valores mais elevados para as mulheres com diabetes e aqueles recebendo HAART. A análise post-hoc revelou uma diferença significativa na VOP média entre os participantes tratados com HAART e controles. Os resultados foram semelhantes quando foram excluídos todos os participantes com diabetes da análise.
Finalmente, analisou-se o efeito da modificação de outros fatores de risco associados com a rigidez da aorta (Tabela 4). O impacto da HAART na VOP foi mais pronunciado entre os caucasianos em comparação com os não caucasianos, e entre não fumantes em comparação aos ex fumantes e fumantes. A presença de hipertensão aumentou significativamente os valores médios da VOP para pacientes submetidos à HAART e diabéticos em comparação com indivíduos sem hipertensão. A taxa de filtração glomerular < 80 mL/ min foi fator de confusão do efeito da HAART na VOP. A síndrome metabólica alterou a associação do grupo HAART comparado aos controles e ao grupo virgem de tratamento.
Discussão
Os resultados mostraram VOP aumentada em pacientes infectados pelo HIV submetidos à HAART, especialmente entre as mulheres. Pacientes com HIV virgens de tratamento não apresentaram VOP significativamente maior em comparação com os controles. Esses resultados sugerem que a HAART, e não a infecção por HIV, está associada com aumento da rigidez arterial. Os valores médios de VOP em pacientes infectados pelo HIV submetidos à HAART foram semelhantes aos valores obtidos para os diabéticos de ambos os sexos. A presença de síndrome de hipertensão, dislipidemia, ou síndrome metabólica amplificou a associação entre HAART e VOP.
Sabe-se que a rigidez arterial é um importante preditor da hipertensão e eventos cardiovasculares. A VOP é medida utilizando uma técnica não invasiva, reprodutível e disponível em estudos epidemiológicos11-15. Valores mais altos de VOP indicam rigidez arterial aumentada indicativa de comprometimento da elasticidade da parede da artéria, o que pode ser associado a futuros eventos cardiovasculares14-16. Os resultados obtidos mostram valores mais altos de VOP em pacientes submetidos à HAART, confirmando dados anteriores; no entanto, esse é o primeiro estudo a mostrar um impacto significativo entre as mulheres.
Poucos estudos avaliaram grandes grupos de pacientes virgens de tratamento do HIV. Nossos resultados sugerem que o tratamento de doentes infectados com HIV com HAART tem um impacto maior sobre a VOP do que a infecção por HIV em si. Esses dados enfatizam o efeito da HAART na patogênese da rigidez arterial, em contraste com resultados publicado anteriormente5,19,22. van Wijk e cols.5 avaliaram a VOP em 37 pacientes infectados pelo HIV, 14 diabéticos e 13 controles, encontrando aumento da VOP apenas em diabéticos tipo 2. O estudo também mostrou uma correlação entre a duração da HAART e aumento da VOP e os parâmetros inflamatórios. Os autores concluíram que tanto a infecção por HIV quanto a HAART estão envolvidos na progressão da rigidez arterial e alterações ateroscleróticas. Quanto à correlação da VOP com a duração da HAART, apresentamos resultados semelhantes5.
Em nosso estudo, no entanto, os pacientes infectados pelo HIV estavam usando HAART em média há oito anos em comparação com 4,5 anos em outro estudo. Possivelmente, a maior duração da HAART em nosso estudo demonstrou melhor o seu impacto na VOP. Uma diferença é que nós não encontramos nenhuma associação entre VOP e proteína C-reativa, mesmo apresentando uma proporção semelhante de participantes com carga viral < 50 cópias / mL.
Schillaci e cols.22 mostraram aumento da rigidez aórtica em indivíduos infectados pelo HIV na ausência de terapia antirretroviral. Em nosso estudo, os indivíduos eram mais velhos, com um IMC maior e incluiu mais mulheres do que o estudo Peruggia, e os pacientes com HIV virgens de tratamento apresentaram valores de VOP muito idênticos à dos controles. A avaliação da rigidez arterial utilizando tonometria de aplanação entre as mulheres infectadas pelo HIV de Ruanda (com ou sem HAART) não apresentaram diferenças na reflexão de onda arterial entre os grupos23. No entanto, a duração do tratamento foi menor e as mulheres, aparentemente, tinham menos fatores de risco cardiovasculares que as mulheres em nossa coorte. Analisando as variáveis associadas ao aumento na VOP, idade e pressão arterial sistólica foram fatores presentes em todos os grupos. Em estudos anteriores, a duração da HAART estava associada com uma VOP maior, mas isso não foi confirmado em nossa análise.
O achado mais relevante no estudo foi que os valores de VOP, na presença de infecção pelo HIV e tratamento com HAART, eram diferentes de acordo com o gênero. Foram analisadas 24 mulheres, enquanto todos os estudos publicados anteriormente analisaram apenas 39 mulheres16,17,21,22, devido ao fato de o grupo de mulheres em Ruanda ainda não ter uma exposição à HAART de longo prazo para permitir comparações20. É importante notar que embora o número de mulheres seja menor em comparação com o número de homens, fomos capazes de mostrar diferenças no efeito da HAART na rigidez aórtica. Não observamos outros fatores que poderiam explicar as diferenças de gênero.
Alterações hormonais podem ser investigadas por meio de estudos com animais. Um estudo realizado em ratos LDL-nulos examinou os efeitos de ritonavir e amprenavir sobre o acúmulo de colesterol nos macrófagos, considerando que as fêmeas tinham níveis menores do que os machos. O efeito protetor foi perdido após a remoção genética do receptor de estrogênio alfa28.
A diferença significante na média da VOP entre os participantes com síndrome metabólica em nossa amostra foi diferente em comparação a resultados anteriores5. Embora fôssemos capazes de classificar os indivíduos de acordo com a tolerância a glicose como normal ou comprometida, não detectamos uma VOP maior entre os pacientes recebendo HAART com intolerância a glicose. Observamos, também, um impacto da dislipidemia como aumento na VOP no grupo HAART. Esses dados contradizem um pequeno ensaio clínico que não relatou nenhuma alteração na rigidez aórtica em indivíduos usando pravastatina, comparados com placebo29.
Essa análise tem vários pontos fortes. A maioria dos estudos incluiu apenas homens, enquanto nós temos uma proporção adequada de mulheres em todos os grupos. O diagnóstico de diabetes foi baseado em um teste de tolerância a glicose, o padrão de referência para o diagnóstico de diabetes tipo 2 em estudos epidemiológicos. O número de pacientes virgens de tratamento de HIV foi maior em comparação com estudos anteriores. As limitações se devem ao desenho transversal e proporção de homens no grupo controle com índice de massa corporal > 25 kg/m2.
Embora esses resultados tenham sido diferentes quando comparados com a população em geral, eles são representativos dos homens nesse local de trabalho, e a média assimétrica do índice de massa corporal observada no grupo controle não obscureceu a comparação da VOP entre os grupos HAART e controle.
Concluindo, nossos resultados sugerem que o aumento da rigidez arterial em pacientes infectados pelo HIV está associado mais com o uso da HAART do que com a própria infecção pelo HIV, especialmente entre as mulheres.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo foi financiado por FAPESP.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte de tese de doutorado de Margareth Eira pela Faculdade de Medicina da USP.
Artigo recebido em 22/11/11; revisado em 22/11/11; aceito em 02/08/12.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Nov 2012 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
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Recebido
22 Nov 2011 -
Aceito
02 Ago 2012 -
Revisado
22 Nov 2011