CARTA AO EDITOR
Estratificação de risco cardiovascular pela tomografia computadorizada cardíaca - continuaremos ignorando?
Marcelo Souto NacifI; Adriana Dias BarranhasII
IUniversidade Federal Fluminense (UFF), Niterói
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Correspondência Correspondência: Marcelo Souto Nacif Rua Barão de Cocais, 324, Bosque Imperial CEP 12242-042, São José dos Campos, SP - Brasil E-mail: msnacif@yahoo.com.br, msnacif@gmail.com
Palavras-chave: Medição de Risco, Cálcio, Angiografia Coronária, Doença das Coronárias, Tomografia Computadorizada.
No volume 98, edição 6, de junho de 2012, lemos, com grande interesse, o artigo escrito por Azevedo e cols.1, no qual foi amplamente discutido o papel do escore de cálcio e da angiotomografia coronariana na estratificação de risco cardiovascular. O tema merece aprofundada discussão científica e a transição para o dia a dia clínico deve ser repensada.
Embora a intenção tenha sido a de realizar uma revisão com base nas evidências científicas da literatura, as quais, muitas das vezes, fazem referência a populações não comparáveis a nossa, foi observado que muitos dos estudos utilizados como evidências científicas representam um grande impacto para a população brasileira. Exemplos disso são os trabalhos de Monteiro e cols.2, Rosario e cols.3 e de Azevedo e cols.4, além do importante CORE 645, em que o Brasil foi o país que mais incluiu pacientes.
Acreditamos que o embasamento científico foi muito bem elaborado, mas faltou discutir a transição para a prática clínica. Isso é de extrema importância frente à experiência dos autores e, principalmente, em razão da desatualização da diretriz brasileira, datada de 20066. A prática clínica, nesses seis anos, ressalta o importante aumento na utilização da tomografia computadorizada cardíaca (TCC), dado que alguns serviços já utilizam tal método como primeira opção na estratificação do risco cardiovascular por imagem não invasiva.
Reforçando que a TCC está mais do que pronta para o uso no dia a dia clínico, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) incluiu a angiotomografia computadorizada no rol de procedimentos, mas o que mais chamou atenção foi a não inclusão do escore de cálcio coronariano, técnica que possui maior base científica. Assim, duas perguntas ficam sem resposta - quais comprovações científicas ainda são necessárias? Por que o escore de cálcio e a angiotomografia coronariana não estão sendo amplamente utilizados na prática clínica?
Consideramos esse trabalho de revisão muito bem feito, mas achamos muito relevante a discussão entre as evidências científicas e sua implementação na prática clínica. Sabemos que a estratificação de risco cardiovascular é de fundamental importância e, como médicos, deveríamos oferecer a melhor medicina disponível para nossa população. Por isso, sugerimos que não devamos continuar ignorando a TCC como método de estratificação de risco cardiovascular.
Artigo recebido em 06/07/12; revisado em 01/02/13; aceito em 01/02/13.
Carta-resposta
Gostaríamos de agradecer aos Doutores Nacif e Barranhas pelo interesse em nosso artigo1 e pela oportunidade de aprofundar a discussão sobre a aplicação do escore de cálcio na prática clínica atual. Concordamos que já existe grande volume de evidências científicas robustas que demonstra o valor do escore de cálcio coronariano na estratificação do risco cardiovascular de indivíduos assintomáticos2-5. Então, por que ele ainda não é utilizado de forma sistemática na prática clínica do dia a dia? Acreditamos que alguns fatores estão envolvidos na resposta a essa questão. O primeiro fator diz respeito ao conceito de medicina translacional, ou seja, o longo processo existente entre uma nova intervenção médica (um novo exame diagnóstico, um novo medicamento ou procedimento terapêutico, por exemplo) ser descoberta/proposta e sua ampla implementação na prática clínica. Esse processo é fundamental não apenas para testar a eficácia e a segurança do novo procedimento antes que ele seja utilizado nos pacientes, mas também para que se possa avaliar a relação de custo-efetividade da intervenção proposta. Para alguns procedimentos, esse processo é mais simples, e o "intervalo translacional", mais curto. No caso do escore de cálcio, devido ao fato de envolver o uso de radiação ionizante e, principalmente, porque o método está sendo proposto como um exame de screening em indivíduos assintomáticos, o processo torna-se mais longo, árido e demorado. Não obstante, acreditamos que, no momento, já podemos dizer que o escore de cálcio "passou" com louvor por todo esse processo e, nas palavras dos Doutores Nacif e Barranhas, está mais do que pronto para sua inserção na prática clínica cotidiana.
O segundo fator diz respeito ao potencial que o procedimento proposto tem de mudar a conduta clínica dos pacientes. Nesse ponto, o escore de cálcio ainda tem muito a avançar. Ainda que, como relatado em nosso artigo de revisão, alguns importantes estudos recentes tenham demonstrado que o escore de cálcio tem o potencial de se tornar uma ferramenta fundamental na tomada de decisão clínica6,7, esse processo ainda é incipiente. Atualmente, o escore de cálcio ainda não está inserido nos algoritmos de tomada de decisão. Acreditamos que seja uma questão de tempo até que o escore de cálcio faça parte, por exemplo, dos algoritmos que definem o tratamento com estatinas. Entretanto, antes que isso aconteça, novos estudos serão necessários para definir melhor o papel do escore de cálcio em cada uma das diferentes situações clínicas e como seu resultado ajudará a definir a conduta clínica. Do nosso ponto de vista, esse é um dos fatores mais relevantes e que ainda limitam o uso mais amplo do escore de cálcio na prática clínica atual.
O terceiro fator diz respeito à dificuldade com a autorização do exame por parte dos planos de saúde. Segundo a determinação mais recente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o escore de cálcio coronariano não consta no rol de procedimentos médicos com cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Por esse motivo, a maior parte deles não autoriza sua realização, mesmo quando solicitado de forma apropriada - com o objetivo de estratificar o risco cardiovascular do paciente. Considerando o volume e a robustez das evidências em favor do escore de cálcio acumuladas ao longo da última década, temos a convicção de que já está na hora da ANS rever sua posição e incluí-lo no rol dos procedimentos médicos obrigatórios. Frente às evidências atuais, não temos dúvida de que, quando bem indicado, o escore de cálcio trará grande benefício aos pacientes e se confirmará como uma ferramenta custo-efetiva na estratificação do risco cardiovascular.
Atenciosamente,
Clerio F. Azevedo
Carlos E. Rochitte
João A. C. Lima
Referências
Referências bibliográficas
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Maio 2013 -
Data do Fascículo
Maio 2013