Resumos
FUNDAMENTO: Não existem estudos locais avaliando o conhecimento dos cardiologistas sobre as condutas no tratamento da fibrilação atrial (FA) e o conhecimento dessas diretrizes. OBJETIVO: Avaliar o conhecimento de diretrizes e práticas clínicas no tratamento da FA, relacionando-o com o tempo de graduação médica. MÉTODOS: Estudo transversal incluindo, aleatoriamente, cardiologistas, membros da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (SOCERGS). Os médicos foram divididos pelas datas de graduação em dois grupos: acima (G1) e abaixo (G2) de 25 anos da formatura. RESULTADOS: Dos 859 membros da SOCERGS, 150 foram entrevistados, sendo que seis se recusaram a participar do estudo. O G1 foi formado por 71 e o G2 por 73 médicos. Houve diferença nos seguintes fatores: uso de beta bloqueador como droga de primeira escolha para controle da resposta na FA 59,2%(G1) vs. 91,8%(G2) (p<0,0001); uso de digoxina como droga preferencial no controle da resposta da FA=19,7%(G1) vs. 0% (G2)(p< 0,0001); warfarina como anticoagulante preferencial 71,8%(G1) vs. 93,2%(G2)(p=0,009); aplicação de algum escore de risco para anticoagulação em 73,2%(G1) vs. 87,7%(G2)(p=0,02). Em questões sobre o conhecimento das diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia de FA, o percentual geral de acertos foi de 82,3 %. CONCLUSÃO: A maioria das condutas clínicas referentes ao manejo da FA está de acordo com as diretrizes e a prática clínica difere conforme o tempo de graduação.
Diretrizes; Fibrilação Atrial; Anticoagulação
BACKGROUND: No local studies evaluating the knowledge of cardiologists on the management of atrial fibrillation (AF) and their adherence to these guidelines are available. OBJECTIVE: To evaluate the knowledge of cardiologists on the guidelines and clinical practices for the treatment of AF, correlating it to the time since medical graduation. METHODS: Cross-sectional study randomly including cardiologists affiliated to the Society of Cardiology of the State of Rio Grande do Sul (Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul - SOCERGS). The physicians were divided into two groups, according to time since graduation: those graduated for more (G1) or less (G2) than 25 years. RESULTS: Of the 859 SOCERGS members, 150 were interviewed, and six refused to participate in the study. G1 comprised 71 physicians, and G2, 73. Differences were observed in regard to the following variables: use of betablockers as the first-choice drug for the control of AF response in 59.2% (G1) vs 91.8% (G2) (p<0.0001); use of digoxin as the preferred drug for the control of AF response in 19.7% (G1) vs 0% (G2) (p< 0.0001); warfarin as the preferred anticoagulant in 71.8% (G1) vs 93.2% (G2) (p=0.009); application of a risk score for anticoagulation in 73.2% (G1) vs 87.7% (G2) (p=0.02). In questions regarding the knowledge about the Brazilian Society of Cardiology's guideline for AF, the overall percentage of right answers was 82.3%. CONCLUSION: Most of the clinical measures regarding the management of AF comply with the guidelines, and the clinical practice differs according with the time since graduation.
Atrial Fibrillation; Anticoagulants; Guidelines
Avaliação do conhecimento dos cardiologistas sobre diretrizes do tratamento da fibrilação atrial
Cézar R. van der Sand; Tiago Luiz Luz Leiria; Renato Abdala Karam Kalil
Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia - Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde: Cardiologia, Porto Alegre, RS - Brasil
Correspondência Correspondência: Renato Abdala Karam Kalil Av. Princesa Isabel, 370. Santana CEP 90620-000, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: kalil.pesquisa@gmail.com, editoracao-pc@cardiologia.org.br
RESUMO
FUNDAMENTO: Não existem estudos locais avaliando o conhecimento dos cardiologistas sobre as condutas no tratamento da fibrilação atrial (FA) e o conhecimento dessas diretrizes.
OBJETIVO: Avaliar o conhecimento de diretrizes e práticas clínicas no tratamento da FA, relacionando-o com o tempo de graduação médica.
MÉTODOS: Estudo transversal incluindo, aleatoriamente, cardiologistas, membros da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (SOCERGS). Os médicos foram divididos pelas datas de graduação em dois grupos: acima (G1) e abaixo (G2) de 25 anos da formatura.
RESULTADOS: Dos 859 membros da SOCERGS, 150 foram entrevistados, sendo que seis se recusaram a participar do estudo. O G1 foi formado por 71 e o G2 por 73 médicos. Houve diferença nos seguintes fatores: uso de beta bloqueador como droga de primeira escolha para controle da resposta na FA 59,2%(G1) vs. 91,8%(G2) (p<0,0001); uso de digoxina como droga preferencial no controle da resposta da FA=19,7%(G1) vs. 0% (G2)(p< 0,0001); warfarina como anticoagulante preferencial 71,8%(G1) vs. 93,2%(G2)(p=0,009); aplicação de algum escore de risco para anticoagulação em 73,2%(G1) vs. 87,7%(G2)(p=0,02). Em questões sobre o conhecimento das diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia de FA, o percentual geral de acertos foi de 82,3 %.
CONCLUSÃO: A maioria das condutas clínicas referentes ao manejo da FA está de acordo com as diretrizes e a prática clínica difere conforme o tempo de graduação.
Palavras-chave: Diretrizes, Fibrilação Atrial, Anticoagulação.
Introdução
As diretrizes clínicas são ferramentas importantes em reduzir as condutas inadequadas na assistência e melhorar a prática clínica, proporcionar uma medida de sua qualidade, além de uma melhor opção custo/efetiva baseada em evidências1.
A despeito da criação de diretrizes médicas nas últimas décadas a aplicação das mesmas pelos médicos tem permanecido aquém do esperado, em várias áreas da medicina em todo o mundo, por serem consideradas pouco práticas e muito rígidas para serem aplicadas aos pacientes, além de reduzir a autonomia médica1,2.
Em uma pesquisa com clínicos gerais na Holanda, objetivando explorar razões pelas quais as recomendações de 12 diretrizes nacionais não foram seguidas, as principais causas relatadas foram: desacordo com as recomendações, fatores ambientais, falta de conhecimento das recomendações e orientações pouco claras ou ambíguas3. Em outros estudos, as recomendações eram mais propensas a serem seguidas quando estavam apoiadas em evidências claras, eram compatíveis com as normas e valores existentes, não exigiam novas habilidades ou mudanças na rotina da prática, foram menos controversas e tinham forte embasamento científico4,5.
Mesmo sendo a fibrilação atrial (FA) a arritmia cardíaca mais frequente, com graves implicações tromboembólicas e morbimortalidade5, responsável por aproximadamente 33% das internações médicas por arritmia6,7, no Brasil,não existem avaliações quanto à prática médica no tratamento da FA, bem como quanto ao nível de conhecimento e aplicabilidade das diretrizes de FA pelos médicos cardiologistas2-4.
O objetivo deste trabalho foi avaliar, através da aplicação de um questionário, o nível de conhecimento e aplicabilidade das diretrizes de FA mais utilizadas em nosso meio8-11 e averiguar se existe diferença de conhecimento entre grupos de cardiologistas com diferentes tempos de formação médica.
Métodos
Estudo transversal em que foram entrevistados, por telefone ou pessoalmente, 150 cardiologistas escolhidos, de forma aleatória simples, a partir da listagem de membros da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (SOCERGS), divididos em grupos, de acordo com o tempo de graduação.
O cálculo de tamanho amostral foi estimado assumindo que 95% dos médicos recentemente graduados possuíssem algum conhecimento, embasado nas diversas diretrizes,referente ao tratamento de FA contra 75% dos graduados há mais tempo. Com isso, utilizando um erro alfa de 5% e beta de 20%, seriam necessários 98 entrevistados. Foi incluído um número maior de entrevistados para realização de eventuais subanálises e compensar potenciais incongruências encontradas no instrumento de coleta.
Os grupos foram previamente definidos entre aqueles com mais ou menos de 25 anos desde o término da graduação médica. Esse ponto de corte, bem como os valores para o cálculo do tamanho amostral, foram utilizados com base em pesquisa previamente realizada, em outra especialidade, que demonstrou haver diferença no conhecimento de médicos estratificados por esse ponto de corte temporal12.
A população da pesquisa foi de cardiologistas clínicos, membros da SOCERGS, sendo utilizados como critérios de exclusão: médicos que trabalhem exclusivamente com arritmias, eletrofisiologistas e cardiologistas pediátricos. A pesquisa foi realizada entre março e junho de 2012 e aplicada por um único pesquisador.
Como instrumento de avaliação,foi utilizado um questionário formulado conjuntamente por três cardiologistas, especialistas da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), tendo como suas principais áreas de atuação: cardiologia clínica e arritmologia clínica, eletrofisiologia invasiva e cirúrgica cardíaca com ênfase em cirurgia para arritmias. O presente instrumento foi constituído de 26 quesitos e teve por objetivo avaliar:
1. Perfil de atendimento do cardiologista entrevistado;
2. Utilização de diretrizes de FA;
3. Drogas utilizadas na reversão da FA e controle da frequência cardíaca (FC);
4. Avaliação da anticoagulação, medicamentos usados, complicações, utilização dos novos anticoagulantes e escores de risco para anticoagulação13,14;
5. Utilização prática da cirurgia e da ablação percutânea da FA;
6. Avaliação do conhecimento e conduta frente a seis situações clínicas classe I das Diretrizes Brasileiras de FA da SBC11.
Nesse último item,foram formulados os seguintes cenários clínicos:
1. Você prescreve anticoagulantes a uma mulher com 80 anos de idade e história prévia de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico há dois anos, sem sequelas, que desenvolveu fibrilação atrial há três meses;
2. Você prescreve anticoagulante a um homem de 36 anos de idade, hígido, que apresenta FA em eletrocardiograma (ECG) de rotina, com FC controlada, assintomático, sem doença estrutural;
3. Você indica a realização de cardioversão elétrica em pacientes com intoxicação digitálica ou hipopotassemia;
4. Trombo em átrio esquerdo é contraindicação para realizar ablação de FA;
5. Você indica a realização de cirurgia corretiva da FA em paciente que necessite troca valvar mitral;
6. Você indica ablação em FA sintomática em paciente jovem de coração normal refratário ao controle medicamentoso na ausência de patologias metabólicas.
Na dependência da pergunta formulada, as respostas poderiam ser:
a) Estimulada e única (oferecidas opções e aceita apenas uma resposta);
b) Estimulada e múltipla (oferecidas opções e aceitas mais de uma resposta);
c) Espontânea e única (não oferecidas opções e aceita apenas uma resposta);
d) Espontânea e múltipla (não oferecidas opções e aceitas mais de uma resposta).
Como referências para a realização do questionário,foram utilizadas as diretrizes publicadas e revisadas ao longo dos anos pelas sociedades canadense (CHA), americana (AHA), europeia de Cardiologia (ESC) e brasileira (SBC)8,11.
Os dados são apresentados na forma de percentual de respostas. As diferenças entre os grupos foram consideradas estatisticamente significativas quando se encontravam fora da margem de erro máxima da pesquisa, sendo aplicado para isso o teste de Mann Whitney para comparação de variáveis contínuas da quantidade de congressos frequentados, quantidade de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), privado, consultório e hospital. O teste do qui-quadrado de Pearson para comparação de variáveis categóricas entre os grupos (p < 0,05, intervalo de confiança de 95%) foi aplicado nas demais comparações. Os dados após coletados foram analisados através de programa estatístico PASW Statistics 19.0.0 (IBM -SPSS, Inc., 2009, Chicago, IL, USA).
Resultados
Do total de 859 sócios da SOCERGS, foram selecionados 150, sendo que seis pessoas recusaram-se a responder a pesquisa. Restaram 144 cardiologistas (16,7% dos sócios da SOCERGS). Durante a seleção aleatória dos entrevistados, nenhum preencheu qualquer dos critérios de exclusão.
Dos 144 cardiologistas entrevistados, 80,6% eram compostos por homens, 66,6% trabalham na capital do Estado e 50% participam de, no mínimo, dois congressos ao ano. Do total, 52,1% não atendem SUS.
Dos médicos que aceitaram participar da pesquisa (Figura 1), 71 tinham mais de 25 anos de formado (G1) e 73, menos (G2). Os médicos do G1 dedicam mais tempo ao atendimento de consultório particular, com diferença estatística significativa entre os grupos (Tabela 1).
Quando avaliado o seguimento de diretrizes de FA, 9,9% (G1), contra 1,4% (G2) (p=0,02), não seguem nenhuma diretriz. As diretrizes mais seguidas são as da SBC, sem diferença entre os grupos. A Tabela 1 demonstra o percentual de uso das demais diretrizes.
As drogas utilizadas como primeira escolha no controle da FC na FA são apresentadas na Tabela 2, havendo diferenças significativas entre os grupos quanto ao tipo de drogas utilizadas.
Para reversão de FA é utilizado preferencialmente amiodarona e propafenona, não havendo diferença na frequência de uso dessas drogas entre os grupos do estudo.
Dos médicos com mais tempo de formado, 59,3% referem que mensalmente avaliam o tempo de protrombina (TP) para seus pacientes anticoagulados, contra 72,6% do grupo mais jovem (p=0,13). O percentual de pacientes que não recebe anticoagulante, mas que sabidamente deveria estar anticoagulado, é de 14,4% (G1), contra 19,4% (G2) (p=0,56).
Os principais motivos da não anticoagulação são baixo nível intelectual do paciente 71,8% (G1) e 86,3% (G2) (p=0,03), história de sangramento prévio 64,8% (G1) e 53,3% (G2) (p=0,11), discrasias sanguíneas 12,7% (G1), contra 8,2% (G2) (p=0,38), hepatopatias 11,3% (G1) e 6,8% (G2) (p=0,35) e paciente idoso com mais de 80 anos 16,9% (G1) e 11% (G2) (p =0,34).
A warfarina se mostrou o anticoagulante mais utilizado, com 71,8% (G1) comparado a 93,2% (G2) (p=0,009) (Tabela 3). Quando os entrevistados foram questionados sobre o percentual de pacientes que deixaram de usar anticoagulante definitivamente devido a complicações graves, 91,5% (G1) e 90,4% (G2) referiram que era menor que 5%. As principais razões para interrupção definitiva são a hemorragia digestiva (83%) e o AVC hemorrágico (91,8%), sem diferença estatística entre os grupos.
O escore de risco para anticoagulação é menos utilizado pelos médicos com mais tempo de formado, 73,2% (G1) contra 87,7% (G2) (p=0,02), e o percentual de utilização dos diferentes escores estão apresentados na Tabela 3.
Com relação ao uso dos novos anticoagulantes, foi avaliado o uso da dabigatrana, único representante da nova classe disponível no mercado brasileiro no momento da pesquisa. Em novos pacientes a serem anticoagulados, a média de uso é de 28,2% (G1) contra 22,3% (G2), sem diferença estatística entre os grupos.
Em procedimentos invasivos para tratamento da FA, a média de pacientes submetidos à ablação de FA foi de 2,82 pacientes (G1) e 3,42 pacientes (G2) e, no caso de cirurgia de FA na correção de valvulopatia mitral, de 0,94 pacientes (G1) e 1,11 pacientes (G2). Em nenhum dos casos houve diferença estatística significativa.
Foram ainda apresentadas seis situações clínicas para avaliação do conhecimento e aplicação das diretrizes da SBC, todas com resposta correta correspondendo à classe I, ocorrendo diferença principalmente nas questões referentes ao tratamento invasivo da FA. O resultado encontra-se na Tabela 4.
Discussão
As diretrizes emitidas pelas sociedades de Cardiologia deveriam ser observadas no interesse do melhor resultado durante o atendimento dos pacientes, pois são documentos elaborados por especialistas após exaustivas revisões da literatura e discussões entre os pares, sendo também embasadas em evidências científicas claras. Neste levantamento, inédito em nosso meio, verificou-se que o tempo de formado parece ser um fator diferencial na tomada de condutas médicas frente a um paciente com FA. Este fato parece ser também verdade quando avaliadas as condutas assistenciais tomadas por colegas em outras especialidades médicas, quando se observa o tempo de graduação médica12.
Foi observado que não existe diferença estatística significativa no conhecimento das diretrizes de FA entre os médicos com mais ou menos tempo de formado, entretanto, aproximadamente 10% dos cardiologistas com mais de 25 anos de graduação não seguem nenhuma diretriz e uma parcela significativa não utiliza qualquer escore de risco antes de iniciar a terapia de anticoagulação. Dessa forma, pode-se inferir que existe conhecimento das diretrizes de FA, mas que a aplicação prática pelos médicos com maior tempo de formado é menor, devido provavelmente a dificuldade de mudanças de hábitos terapêuticos já incorporados na rotina diária. Esse evento parece estar de acordo com dados internacionais, onde a implementação de novas rotinas se mostrou um fator limitador para melhor assistência, principalmente quanto maior for a complexidade da nova rotina13,14. O número de médicos que informam conhecer as diretrizes está de acordo com dados da literatura internacional15, contudo, as atitudes relacionadas à utilização dessas recomendações parecem diferir no grupo estudado.
Os médicos com mais tempo de formado ainda utilizam bastante a digoxina como primeira opção para o controle da FC, ao passo que os médicos com menos tempo de graduação raramente utilizam esta droga para o controle da FC.
A femprocumona é menos utilizada pelos médicos com menor tempo de formado, apesar de um estudo local demonstrar melhor controle terapêutico comparado a warfarina16,17. Este achado talvez seja explicado pelo fato de que este antagonista da vitamina K não exista no mercado da América do Norte, não aparecendo por sua vez nas diretrizes de FA destas sociedades. Embora a femprocumona tenha uso difundido na Europa, isto parece não influenciar na prática dos médicos com menor tempo de formado.
Já a utilização de dabigatrana foi mais frequente entre os médicos com mais de 25 anos de formado, sem diferença estatística entre os grupos, com utilização maior por médicos de clínicas privadas comparativamente aos médicos que atendem SUS. Como o grupo dos médicos com menos tempo de formado atende mais SUS, essa utilização maior da dabigatrana pelos médicos com mais tempo de formado parece ser um viés, provavelmente devido ao custo de tratamento ainda elevado. Diferentemente do Canadá e Inglaterra, onde o governo subsidia essas medicações, no Brasil o sistema público de saúde ainda não dispensa estas drogas gratuitamente ou a custo subsidiado.
Quando solicitados a responder qual o principal motivo para não utilizar anticoagulante em paciente com indicação para tal, a constatação de baixo nível intelectual do paciente foi a principal causa referida em ambos os grupos, sendo mais referida pelos médicos com menos tempo de formado, grupo esse que atende mais pacientes do SUS. Essa atitude talvez espelhe uma maior preocupação com a não adesão terapêutica e potenciais riscos adversos que podem ser fatais neste grupo de medicações. Contudo esta atitude pode ser equivocada, pois estudo realizado em nossa instituição em usuários do SUS, tratados com anticoagulação oral, demonstrou uma boa taxa de adesão com um bom percentual de tempo no alvo terapêutico e com uma baixa incidência de eventos adversos, mesmo quando esses pacientes apresentavam polifarmácia e baixo nível intelectual18,19.
Em relação a procedimentos invasivos para o tratamento da FA, houve uma maior frequência de uso entre os médicos com menor tempo de formado. Contudo, esta utilização parece estar aquém da desejada, pois tantos as diretrizes como estudos randomizados recomendam o uso destas terapias nestes casos9,11,20,21.
Outro achado interessante é a ausência de utilização de bloqueadores do canal de cálcio, por nenhum grupo dos médicos, como primeira opção para o controle da FC, embora estudos demonstrem que este grupo de medicamentos esteja associado a melhores desfechos clínicos quando comparadas com outras drogas para o mesmo fim22,23.
A utilização da amiodarona como droga de primeira escolha para o controle da FC, por 14,60% de todos os cardiologistas, parece-nos inadequada, pois o uso dessa droga não é recomendado neste cenário, tendo seu uso reservado para pacientes com disfunção ventricular e FA de alta resposta, para o qual o controle do ritmo não teve sucesso ou naqueles pacientes agudamente enfermos com FA e alta resposta associada à disfunção ventricular8,9,11. Talvez tal grupo acredite na ação dessa droga para reversão do ritmo sinusal mesmo em pacientes crônicos. Este fato parece ser verdade em outros grupos estudados24. Outro fato que já está comprovado na literatura é que, na América do Sul, a amiodarona parece ser a droga de escolha para controle de ritmo25. Essa cifra é similar a taxa de uso da amiodarona no Canadá, porém com a finalidade de controle de ritmo23.
Esta pesquisa apresenta algumas limitações de resultados visto que os dados foram obtidos através de questionamento direto aos médicos, sem avaliação de prontuários médicos ou consulta a pacientes, o que pode determinar discrepâncias entre o que foi relatado e o que realmente se aplica na prática clínica diária. Também foi entrevistada uma pequena parcela dos sócios da SOCERGS, o que limita a análise da totalidade de opiniões dos sócios ou mesmo da totalidade de cardiologistas do Rio Grande do Sul. Outro aspecto diz respeito à validade externa desta pesquisa, já que não podemos extrapolar esses dados para todos os cardiologistas do Brasil, visto que cada região tem suas particularidades, principalmente em um país de dimensões continentais.
Conclusões
Este estudo demonstra que um número expressivo dos médicos entrevistados apresenta conhecimento das principais recomendações societárias que orientam o manejo de pacientes com FA. A implementação dessas diretrizes, que trazem efetivamente o que é realizado na prática diária, difere no grupo com maior tempo de graduação. Tal diferença ocorre, principalmente, no que tange ao manejo da anticoagulação, uso de drogas antiarrítmicas e indicação de tratamentos invasivos para o controle da arritmia. Portanto, nesta amostra, o tempo de graduação médica exerce influência na prática clínica diminuindo a implementação das diretrizes médicas para o manejo da FA.
Agradecimentos
Aos colegas cardiologistas que auxiliaram na resposta dessa pesquisa e sem os quais a realização da mesma seria inviável.
Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: van der Sand CR, Leiria TLL, Kalil RAK; Obtenção de dados e Obtenção de financiamento: van der Sand CR; Análise e interpretação dos dados e Análise estatística: van der Sand CR, Leiria TLL.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Cézar R. van der Sand pelo Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia.
Artigo recebido em 24/10/12; revisado em 14/11/12; aceito em 15/03/13.
- 1. Mion D Jr, da Silva GV, de Gusmão JL, Machado CA, Amodeo C, Nobre F, et al. Os médicos brasileiros seguem as diretrizes brasileiras de hipertensão? ArqBrasCardiol.2007;88(2):212-7.
- 2. Grol R, Dalhuijsen J, Thomas S, Veld C, Rutten G, Mokkink H.Attributesofclinicalguidelinesthatinfluence use ofguidelines in general practice: observationalstudy. BMJ.1998;317(7162):858-61.
- 3. Lugtenberg M, Zegers-van Schaick JM, Westert GP, Burgers JS. Why don't physicians adhere to guideline recommendations in practice? An analysis of barriers among Dutch general practitioners. Implement Sci. 2009;4:54.
- 4. Burgers JS, Grol RP, Zaat JO, Spies TH, van der Bij AK, Mokkink HG. Characteristics of effective clinical guidelines for general practice. Br J Gen Pract. 2003;53(486):15-9.
- 5. Feinberg WM, Blackshear JL, Laupacis A, Kronmal R, Hart RG. Prevalence, age distribution, and gender of patients with atrial fibrillation: analysisand implications. Arch Intern Med. 1995;155(5):469-73.
- 6. Miyasaka Y, Barnes ME, Gersh BJ, Cha SS, Bailey KR, Abhayaratna WP, et al. Secular trends in incidence of atrial fibrillation in Olmsted County, Minnesota, 1980 to 2000, and implications on the projections for future prevalence. Circulation. 2006;114(2):119-25.
- 7. Benjamin EJ, Levy D, Vaziri SM, D'Agostino RB, Belanger AJ, Wolf PA. Independent risk factors for atrial fibrillation in a population-based cohort: The Framingham Heart Study. JAMA. 1994;271(11):840-4.
- 8. Fuster V, Rydén LE, Cannom DS, Crijns HJ, Curtis AB, Ellenbogen KA, et al; American CollegeofCardiology/American Heart AssociationTask Force onPracticeGuidelines; EuropeanSocietyofCardiologyCommittee for PracticeGuidelines; EuropeanHeart RhythmAssociation; Heart RhythmSociety.ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the Management of Patients with Atrial Fibrillation: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 2001 Guidelines for the Management of Patients With Atrial Fibrillation): developed in collaboration with the European Heart Rhythm Association and the Heart Rhythm Society.Circulation. 2006;114(7):e257-354.Erratum in Circulation. 2007;116(6):e138.
- 9. Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva I, Ernst S, et al;European Heart Rhythm Association; European Association for Cardio-Thoracic Surgery.Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429.Erratum in Eur Heart J. 2011;32(9):1172.
- 10. Cairns JA, Connolly S, McMurtry S, Stephenson M, Talajic M; CCS Atrial Fibrillation Guidelines Committee. Canadian Cardiovascular Society atrial fibrillation guidelines 2010: prevention of stroke and systemic thromboembolism in atrial fibrillation and flutter. Can J Cardiol. 2011;27(1):74-90.
- 11. Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. ArqBrasCardiol. 2009;92(6 supl. 1):1-39.
- 12. Sass N, Torloni MR, Soares BG, AtallahAN.Continuing medical education in Brazil: what about obstetricians and gynecologists? Sao Paulo Med J.2005;123(1):5-10.
- 13. Gage BF, Waterman AD, Shannon W, Boechler M, Rich MW, Radford MJ. Validation of clinical classification schemes for predicting stroke: results from the National Registry of Atrial Fibrillation. JAMA. 2001;285(22):2864-70.
- 14. Olesen JB, Lip GY, Hansen ML, Hansen PR, Tolstrup JS, Lindhardsen J, et al. Validation of risk stratification schemes for predicting stroke and thromboembolism in patients with atrial fibrillation: nationwide cohort study. BMJ. 2011;342:d124.
- 15. Meinertz T, Kirch W, Rosin L, Pittrow D, Willich SN, Kirchhof P; ATRIUM investigators.Management of atrial fibrillation by primary care physicians in Germany: baseline results of the ATRIUM registry. Clin Res Cardiol. 2011;100(10):897-905.
- 16. Leiria TL, Lopes RD, Williams JB, Katz JN, Kalil RA, Alexander JH. Antithrombotic therapies in patients with prosthetic heart valves: guidelines translated for the clinician. J Thromb Thrombolysis. 2011;31(4):514-22.
- 17. Zipes DP, Camm AJ, Borggrefe M, Buxton AE, Chaitman B, Fromer M, et al;European Heart Rhythm Association; Heart Rhythm Society, ACC/AHA/ESC 2006 guidelines for management of patients with ventricular arrhythmias and the prevention of sudden cardiac death: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines (Writing Committee to Develop Guidelines for Management of Patients With Ventricular Arrhythmias and the Prevention of Sudden Cardiac Death). J Am CollCardiol. 2006;48(5):e247-346.
- 18. Leiria TL, Pellanda L, Miglioranza MH, Sant'anna RT, Becker LS, Magalhães E, et al. [Warfarin and phenprocoumon: experience of an outpatient anticoagulation clinic].Arq Bras Cardiol. 2010;94(1):41-5.
- 19. Esmerio FG, Souza EN, Leiria TL, Lunelli R, Moraes MA. Constant use of oral anticoagulants: implications in the control of their adequate levels. Arq Bras Cardiol. 2009;93(5):549-54.
- 20. deLima GG, Kalil RA, Leiria TL, Hatem DM, Kruse CL, Abrahão R, et al. Randomized study of surgery for patients with permanent atrial fibrillation as a result of mitral valve disease. Ann Thorac Surg. 2004;77(6):2089-94.
- 21. Ulimoen SR, Enger S, Carlson J, Platonov PG, Pripp AH, Abdelnoor M, et al. Comparison of four single-drug regimens on ventricular rate and arrhythmia-related symptoms in patients with permanent atrial fibrillation. Am J Cardiol. 2013;111(2):225-30.
- 22. SiuCW, Lau CP, Lee WL, Lam KF, TseHF. Intravenous diltiazem is superior to intravenous amiodarone or digoxin for achieving ventricular rate control in patients with acute uncomplicated atrial fibrillation. Crit Care Med. 2009;37(7):2174-9.
- 23. Andrade JG, Connolly SJ, Dorian P, Green M, Humphries KH, Klein GJ, et al. Antiarrhythmic use from 1991 to 2007: insightsfrom the Canadian Registry of Atrial Fibrillation (CARAF I and II). Heart Rhythm. 2010;7(9):1171-7.
- 24. McCabe JM, Johnson CJ, Marcus GM. Internal medicine physicians' perceptions regarding rate versus rhythm control for atrial fibrillation. Am J Cardiol. 2009;103(4):535-9.
- 25. Kowey PR, Breithardt G, Camm J, Crijns H, Dorian P, Le Heuzey JY, et al. Physician stated atrial fibrillation management in light of treatment guidelines: data from an international, observational prospective survey. ClinCardiol. 2010;33(3):172-8.
Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Jul 2013 -
Data do Fascículo
Ago 2013
Histórico
-
Recebido
24 Out 2012 -
Aceito
15 Mar 2013 -
Revisado
14 Nov 2012