Open-access Os critérios para classificação da insuficiência mitral não foram adequados na cardiomiopatia dilatada

Resumos

FUNDAMENTO: A insuficiência mitral (IM) é frequente nos pacientes com cardiomiopatia dilatada. Não se sabe se os critérios para classificação da IM são adequados para pacientes com cardiomiopatia dilatada OBJETIVO: Avaliar a concordância entre os quatro métodos ecocardiográficos mais utilizados para classificação da IM. MÉTODOS: Noventa pacientes com cardiomiopatia dilatada foram incluídos. A IM foi classificada por quatro métodos ecocardiográficos: área do jato regurgitante (AJ), vena contracta (VC), área do orifício regurgitante (AOR) e volume regurgitante (VR). A IM foi classificada em leve, moderada ou importante segundo os critérios da American Society of Echocardiography e também foi dividida em tercis conforme os valores absolutos. O teste de Kappa foi utilizado para avaliar a concordância entre os métodos. O coeficiente de Pearson foi utilizado para avaliar a correlação entre os valores absolutos por cada método. RESULTADOS: A classificação da IM, de acordo com cada método, foi a seguinte: AJ: 26 leve, 44 moderada, 20 importante; VC: 12 leve, 72 moderada, 6 importante; AOR: 70 leve, 15 moderada, 5 importante; VR: 70 leve, 16 moderada, 4 importante. A concordância entre os métodos foi ruim (kappa = 0,11; p < 0,001), porém foi observada uma forte correlação entre os valores absolutos de cada método (0,70 a 0,95; p < 0,01). A concordância foi melhor com a divisão dos valores em tercis (kappa = 0,44; p < 0,01). CONCLUSÃO: Os critérios para classificação da IM não são adequados para os pacientes com cardiomiopatia dilatada. É necessário estabelecer novos valores de corte para classificar a IM nestes pacientes.

Insuficiência da Valva Mitral; Cardiomiopatia Dilatada; Ecocardiografia


BACKGROUND: Mitral regurgitation (MR) is common in patients with dilated cardiomyopathy (DCM). It is unknown whether the criteria for MR classification are inadequate for patients with DCM. OBJECTIVE: We aimed to evaluate the agreement among the four most common echocardiographic methods for MR classification. METHODS: Ninety patients with DCM were included. Functional MR was classified using four echocardiographic methods: color flow jet area (JA), vena contracta (VC), effective regurgitant orifice area (ERO) and regurgitant volume (RV). MR was classified as mild, moderate or important according to the American Society of Echocardiography criteria and by dividing the values into terciles. The Kappa test was used to evaluate whether the methods agreed, and the Pearson correlation coefficient was used to evaluate the correlation between the absolute values of each method. RESULTS: MR classification according to each method was as follows: JA: 26 mild, 44 moderate, 20 important; VC: 12 mild, 72 moderate, 6 important; ERO: 70 mild, 15 moderate, 5 important; RV: 70 mild, 16 moderate, 4 important. The agreement was poor among methods (kappa=0.11; p<0.001). It was observed a strong correlation between the absolute values of each method, ranging from 0.70 to 0.95 (p<0.01) and the agreement was higher when values were divided into terciles (kappa = 0.44; p < 0.01) CONCLUSION: The use of conventional echocardiographic criteria for MR classification seems inadequate in patients with DCM. It is necessary to establish new cutoff values for MR classification in these patients.

Mitral Valve Insufficiency; Cardiomyopathy, Dilated; Echocardiography


Os critérios para classificação da insuficiência mitral não foram adequados na cardiomiopatia dilatada

Frederico José Neves MancusoI; Valdir Ambrosio MoisésI; Dirceu Rodrigues AlmeidaI; Wercules Antonio OliveiraII; Dalva PoyaresII; Flavio Souza BritoI; Angelo Amato Vincenzo de PaolaI; Antonio Carlos Camargo CarvalhoI; Orlando CamposI

IDisciplina de Cardiologia - EPM/UNIFESP - Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo

IIInstituto do Sono - EPM/UNIFESP - Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Frederico José Neves Mancuso Rua Domiciano Leite Ribeiro, 51, Apto. 13 - bloco 2, Vila Guarani CEP 04317-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: fredmancuso@uol.com.br, frederico.mancuso@grupofleury.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A insuficiência mitral (IM) é frequente nos pacientes com cardiomiopatia dilatada. Não se sabe se os critérios para classificação da IM são adequados para pacientes com cardiomiopatia dilatada

OBJETIVO: Avaliar a concordância entre os quatro métodos ecocardiográficos mais utilizados para classificação da IM.

MÉTODOS: Noventa pacientes com cardiomiopatia dilatada foram incluídos. A IM foi classificada por quatro métodos ecocardiográficos: área do jato regurgitante (AJ), vena contracta (VC), área do orifício regurgitante (AOR) e volume regurgitante (VR). A IM foi classificada em leve, moderada ou importante segundo os critérios da American Society of Echocardiography e também foi dividida em tercis conforme os valores absolutos. O teste de Kappa foi utilizado para avaliar a concordância entre os métodos. O coeficiente de Pearson foi utilizado para avaliar a correlação entre os valores absolutos por cada método.

RESULTADOS: A classificação da IM, de acordo com cada método, foi a seguinte: AJ: 26 leve, 44 moderada, 20 importante; VC: 12 leve, 72 moderada, 6 importante; AOR: 70 leve, 15 moderada, 5 importante; VR: 70 leve, 16 moderada, 4 importante. A concordância entre os métodos foi ruim (kappa = 0,11; p < 0,001), porém foi observada uma forte correlação entre os valores absolutos de cada método (0,70 a 0,95; p < 0,01). A concordância foi melhor com a divisão dos valores em tercis (kappa = 0,44; p < 0,01).

CONCLUSÃO: Os critérios para classificação da IM não são adequados para os pacientes com cardiomiopatia dilatada. É necessário estabelecer novos valores de corte para classificar a IM nestes pacientes.

Palavras-chave: Insuficiência da Valva Mitral / classificação; Cardiomiopatia Dilatada; Ecocardiografia / utilização.

Introdução

A insuficiência mitral (IM) funcional é a IM secundária à dilatação do ventrículo esquerdo (VE)1 e frequentemente está presente nos pacientes com cardiomiopatia dilatada (CMD), sendo que IM significativa ocorre em 35-50% dos pacientes com insuficiência cardíaca crônica2. Já foi demonstrado que a presença e a gravidade da IM funcional estão independentemente associadas com o prognóstico nos pacientes com CMD não isquêmica3-5.

A fisiopatologia da IM funcional é diferente daquela da IM por doença valvar primária. A IM funcional é o resultado de um fenômeno complexo, com deslocamento dos músculos papilares, causado pela dilatação do VE, dilatação do anel valvar e repuxamento (tethering) da valva mitral1,6-8. Além disso, nos pacientes com CMD, o átrio esquerdo funciona como uma câmara de menor resistência para qual o VE pode ejetar sangue9.

Embora alguns autores defendam a realização de cirurgia da valva mitral nos pacientes com IM funcional importante e insuficiência cardíaca, ainda é controversa a indicação cirúrgica nestes pacientes10-12. Atualmente, a cirurgia da valva mitral é considerada classe IIb nos pacientes com insuficiência cardíaca refratária e IM funcional importante13.

A ecocardiografia Doppler é o exame de escolha para a avaliação não invasiva do mecanismo e da gravidade da IM14. Não se sabe se as recomendações da American Society of Echocardiography (ASE), junto com a European Society of Cardiology Working Group para avaliação e classificação da insuficiência valvar primária pela ecocardiografia Doppler14, são adequadas para pacientes com IM funcional e CMD. Além disso, os diversos métodos que utilizam a ecocardiografia Doppler e o mapeamento de fluxo em cores foram validados em estudos clínicos com pacientes com diversas causas de IM primária15, mas não especificamente com pacientes com CMD.

O objetivo deste estudo foi avaliar a concordância, em pacientes com CMD, entre os quatros métodos ecocardiográficos mais utilizados para classificação da IM.

Métodos

Pacientes

Este estudo incluiu 90 pacientes ambulatoriais consecutivos com CMD não isquêmica e IM funcional de um centro terciário para tratamento de insuficiência cardíaca e cardiomiopatias da Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo, de setembro de 2007 a setembro de 2009. Os critérios de inclusão foram: idade > 18 anos, classe funcional < III (New York Heart Association), tratamento clínico otimizado para insuficiência cardíaca, ritmo sinusal, fração de ejeção do VE < 0,40 (método de Simpson modificado) e imagem de boa qualidade. Foram excluídos os pacientes com doença valvar primária, hipertensão arterial, doença arterial coronária (por epidemiologia e/ou cinecoronariografia), insuficiência renal terminal ou doença pulmonar obstrutiva crônica. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento informado e o projeto foi aprovado pelo comitê de ética da instituição.

Ecocardiografia

Todos os indivíduos realizaram um ecocardiograma bidimensional completo no aparelho IE 33 (Philips, Andover, Massachusetts) equipado com um transdutor 2-5 MHz e sob monitorização eletrocardiográfica contínua. Os pacientes foram avaliados em decúbito lateral esquerdo por um único médico ecocardiografista experiente. A fração de ejeção do VE foi calculada pelo método de Simpson modificado.

Avaliação Ecocardiográfica da Insuficiência Mitral

A IM foi avaliada por quatro métodos ecocardiográficos que fazem parte das recomendações da American Society of Echocardiography14: área do jato regurgitante (AJ), vena contracta (VC), área do orifício regurgitante (AOR) e volume regurgitante (VR) pelo método da convergência de fluxo (PISA). Todos os métodos foram avaliados na janela apical, utilizando imagem em zoom.

A AJ foi medida no corte apical 4-câmaras utilizando limite de Nyquist de 50-60 cm/s, com o ganho do color ajustado para excluir artefatos provenientes de estruturas não móveis (Figura 1). A VC foi medida no corte apical 4-câmaras como a parte mais estreita do jato da IM, à jusante do orifício (Figura 1).


O método da convergência de fluxo (área da superfície de isovelocidade proximal; PISA) foi utilizado para calcular a AOR e o VR. O raio da PISA foi medido utilizando o limite de Nyquist em que a convergência de fluxo assumia um formato hemisférico (Figura 1). A AOR foi calculada pela fórmula: 2 x π x R2 x V aliasing / V pico (R: raio, em cm; V aliasing: velocidade da convergência de fluxo proximal, em cm/s; V pico: velocidade máxima da IM, em cm/s). O VR foi calculado pela fórmula: AOR x VTI (VTI: integral da velocidade-tempo do jato da IM).

A IM foi classificada em leve, moderada ou importante utilizando cada um dos métodos descritos de acordo com os critérios e valores de corte das recomendações da American Society of Echocardiography14. A IM também foi dividida em tercis (valores menores, intermediários e maiores), de acordo com os valores absolutos obtidos por cada método.

Análise Estatística

A análise estatística foi realizada no software SPSS 13.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois). Os dados contínuos estão descritos como média ± DP e os dados categóricos estão descritos em porcentagens. O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para verificar a correlação entre os valores absolutos dos quatro métodos utilizados para quantificar a IM. O teste de concordância de Kappa foi utilizado para avaliar a concordância entre os métodos utilizados para classificar a IM. Foram considerados significantes valores de p < 0,05.

Resultados

Dados Clínicos

As características clínicas basais dos pacientes estão detalhadas na Tabela 1. Dos 90 pacientes, 60 (67%) apresentavam cardiomiopatia dilatada idiopática e 30 (33%) pacientes apresentavam cardiomiopatia chagásica. A média da classe funcional foi 2,2 ± 0,6. Todos os pacientes estavam em uso de betabloqueadores (76% carvedilol, 48 ± 6 mg/dia, e 24% metoprolol, 178 ± 43 mg/dia), inibidores da ECA (62% captopril, 133 ± 24 mg/dia, e 38% enalapril, 31 ± 10 mg/dia) e furosemida (97 ± 62 mg/dia). Oitenta e um (90%) pacientes estavam em uso de espironolactona e 20 (22%) em uso de digoxina.

Ecocardiografia Doppler

Os dados da ecocardiografia Doppler estão descritos na Tabela 2. A fração de ejeção do VE média foi de 0,30 ± 0,07 e o padrão de enchimento restritivo estava presente em 24 (27%) pacientes. A relação E/e' média foi de 18,0 ± 7,9 e a pressão sistólica pulmonar média foi 44 ± 13 mmHg.

Insuficiência Mitral - Dados Ecocardiográficos

Os valores médios de cada método foram: AJ: 6,8 ± 4,1 cm2; VC: 0,44 ± 0,15 cm; AOR: 0,14 ± 0,10 cm2; e VR: 22,1 ± 15,3 ml (Tabela 3). Os jatos da IM foram centrais em todos os pacientes, como esperado. O coeficiente de correlação de Pearson (r) calculado indicou uma forte correlação entre os valores absolutos de cada método, variando de 0,70 a 0,95 (p < 0,01) (Figura 2).


De acordo com os valores de corte das recomendações da American Society of Echocardiography, a IM foi classificada, pelo método da AJ, como leve em 26 pacientes, moderada em 44 pacientes e importante em 20 pacientes. Pela VC, a IM foi considerada leve em 12 pacientes, moderada em 72 pacientes e importante em 6 pacientes. Pela AOR, 70 pacientes apresentavam IM leve, 15 pacientes IM moderada e 5 pacientes IM importante. Pelo VR, a IM foi leve em 70 pacientes, moderada em 16 pacientes e importante em 4 pacientes (Figura 3). A concordância entre os quatro métodos avaliados foi ruim (kappa = 0,11; p < 0,01).


Os vinte pacientes que apresentaram IM importante pela AJ mostraram a mesma fração de ejeção do VE que os demais pacientes (28,04 ± 5,21 vs. 31,01 ± 7,79; p = 0,11).

Os valores absolutos de cada método foram divididos em tercis: 30 menores valores, 30 valores intermediários e 30 maiores valores (Figura 4). Os valores de corte que dividiram os tercis foram diferentes dos valores de corte da American Society of Echocardiography. Utilizando os valores de corte utilizados na divisão em tercis para classificar a IM, por cada um dos métodos, foi observada melhor concordância entre os métodos (kappa = 0,44; p < 0,01). A Figura 5 mostra os gráficos box-plots da classificação da IM de acordo com os valores de corte da American Society of Echocardiography e dos tercis.



Discussão

O principal achado deste estudo é a concordância ruim entre os métodos ecocardiográficos quantitativos para classificação da IM em pacientes com CMD, utilizando os critérios e os valores de corte da American Society of Echocardiography. A avaliação e classificação da IM permanecem um desafio, inclusive nos pacientes com doença valvar primária, e têm sido motivo de publicações recentes15-18. Este é o primeiro estudo a abordar a classificação da IM, por diferentes métodos ecocardiográficos, em pacientes com CMD. Um estudo prévio, que incluiu pacientes com IM de etiologia mixomatosa ou reumática, diferentemente do nosso estudo, demonstrou uma boa concordância entre os métodos ecocardiográficos quantitativos15.

Embora tenhamos observado uma boa correlação entre os valores absolutos de cada método, houve uma concordância ruim na classificação da IM. A correlação foi maior entre a AOR e o VR, como esperado, já que ambas as medidas são derivadas do método da PISA. Estes achados sugerem que o principal motivo para a concordância ruim entre os métodos é que, embora os valores de corte da American Society of Echocardiography sejam adequados para pacientes com doença valvar primária15, eles não são adequados para pacientes com IM funcional e CMD. A melhor concordância observada quando valores de corte diferentes foram utilizados, baseados na divisão em tercis, reforça esta hipótese. Estudos adicionais são necessários para estabelecer valores de corte específicos para classificação da IM funcional em pacientes com CMD.

Insuficiência Mitral Funcional: Mecanismos e Avaliação Ecocardiográfica

Diferenças entre os mecanismos fisiopatológicos da IM primária e funcional6,7, assim como particularidades das técnicas ecocardiográficas também podem ter contribuído para as discrepâncias na classificação da IM observadas neste estudo.

As alterações estruturais que ocorrem no aparato valvar mitral são diferentes entre os pacientes com IM primária e aqueles com IM funcional por CMD. Na IM funcional, observa-se deslocamento posterolateral e apical do músculo papilar, repuxamento (tethering) apical das cúspides e redução da mobilidade19. Recentemente, com o uso da ecocardiografia transesofágica tridimensional, Matsumara e cols. demonstraram que a geometria da PISA é diferente nos pacientes com CMD, sendo o raio da zona de convergência de fluxo mais longo na IM funcional, em comparação com a IM por prolapso da valva mitral. Os autores também observaram que o método de PISA subestima a AOR na IM funcional16. Anteriormente, um estudo in vitro demonstrou que a AOR é subestimada quando a PISA não é hemisférica20. Estes achados, em parte, justificam a concordância ruim entre os métodos para classificação da IM observada em nosso estudo, especialmente o excesso de IM classificadas como leve pela AOR e pelo VR.

Aspectos técnicos da ecocardiografia Doppler particulares de cada um dos métodos utilizados na quantificação da IM também devem ser considerados. A AJ pode ser influenciada pela frequência do transdutor e pelo ajuste de ganho do color, sendo considerado o método com menor acurácia14,21. Em pacientes com CMD, a AJ também pode ser afetada pela menor fração de ejeção do VE. A VC pode se modificar com alterações nas condições hemodinâmicas e é diferente em diversos momentos do ciclo cardíaco21. Além disso, valores intermediários de VC não necessariamente correspondem à IM moderada, já que há sobreposição significativa dos valores com este método14. Em nosso estudo, a IM foi classificada como moderada, pela VC, na maioria dos pacientes, o que também pode ter contribuído para a concordância ruim observada entre os métodos. A AOR e o VR pelo método de PISA podem ter menor acurácia nos pacientes com CMD devido à AOR não circular que ocorre na IM funcional, além do formato irregular da zona de convergência de fluxo nestes pacientes16. Recentemente, foi demonstrado que a AOR e o VR calculados pela ecocardiografia bidimensional são subestimados quando comparados a estes parâmetros obtidos pela ecocardiografia tridimensional e pela ressonância magnética nuclear22. Assim, o método de PISA pode subestimar a AOR e o VR nos pacientes com CMD e IM funcional, o que explica o fato de poucos pacientes do nosso estudo terem apresentado IM importante de acordo com os métodos de AOR e VR.

A avaliação das dimensões do átrio esquerdo e do VE fornecem dados importantes para a classificação da IM primária14. Entretanto, em pacientes com CMD, as dimensões dessas cavidades cardíacas não trazem informações indiretas sobre a gravidade da IM, já que a dilatação destas cavidades ocorre principalmente pela própria cardiomiopatia.

Os critérios estabelecidos para a classificação da IM ainda não foram validados para pacientes com IM funcional e CMD. Embora alguns estudos prévios tenham considerados diferentes valores de corte para a classificação da IM pelo método da AOR em pacientes com insuficiência cardíaca, estes valores foram escolhidos arbitrariamente23,24. Além disso, apenas pacientes com IM funcional por cardiomiopatia isquêmica foram incluídos nesses estudos, condição com mecanismos diferentes de IM daqueles da CMD não isquêmica. Ainda, a IM foi classificada apenas em importante e não importante por tais autores23,24, diferente do nosso estudo, no qual a IM foi classificada em leve, moderada ou importante, conforme as recomendações da American Society of Echocardiography14.

Finalmente, o achado de forte correlação entre os valores absolutos de cada método, associado à concordância ruim na classificação da IM, quando utilizado os valores de corte da American Society of Echocardiography, junto com o estudo prévio que demonstrou uma boa concordância na classificação da IM primária, reforça a hipótese de que os valores de corte para classificação da IM, embora apropriados na valvopatias mitral primária, não são adequados para classificar a IM nos pacientes com CMD.

Implicações Clínicas

A classificação da IM nos pacientes com CMD e insuficiência cardíaca é importante, já que o grau de IM tem valor prognóstico e terapêutico25,26. A IM funcional se associa com sobrecarga volumétrica e remodelamento do VE26. Além disso, a IM contribui para o aumento das pressões de enchimento do VE e da pressão pulmonar27. A classificação da IM tem papel nas decisões terapêuticas na prática clínica. A IM diminui com o tratamento clínico da insuficiência cardíaca, estando relacionada à melhora nas condições hemodinâmicas do VE, e tem sido utilizada como um dos critérios de resposta à terapia de ressincronização cardíaca28.

Pacientes com sintomas refratários de insuficiência cardíaca e IM importante podem ser elegíveis para o tratamento cirúrgico da IM. Porém, os estudos clínicos que avaliaram a cirurgia da valva mitral nesses pacientes apresentaram resultados controversos10-12. Estes achados podem refletir a dificuldade na classificação da IM, o que, consequentemente, dificulta a seleção dos pacientes apropriados à cirurgia.

Os achados do presente estudo reforçam a necessidade de integrar os resultados de múltiplos métodos ecocardiográficos utilizados na classificação da IM. Além disso, é necessário estabelecer novos valores de corte para classificação da IM, específicos para pacientes com IM funcional e CMD, já que a classificação correta da IM é importante no manejo clínico dos mesmos. Nos casos em que a ecocardiografia bidimensional transtorácica traz dados discordantes na avaliação da IM, a ecocardiografia transesofágica é recomendada para melhor avaliação do grau da IM29. Outra possibilidade em casos com discordância entre os métodos é o uso da ecocardiografia tridimensional, que parece ser um método promissor para avaliação da insuficiência mitral, pela medida da vena contracta tridimensional e do volume regurgitante diretamente, porém tais medidas ainda precisam de validação29. Uma melhor classificação da IM pode melhorar a seleção dos pacientes candidatos ao tratamento cirúrgico da IM funcional. No futuro próximo, com os avanços nas técnicas de tratamento percutâneo da IM, a indicação de tratamento invasivo da IM funcional deve aumentar, sendo fundamental que esteja disponível uma classificação confiável do grau da IM para seleção dos pacientes.

Limitações

Não foi utilizado um exame padrão-ouro para comparação da classificação da IM, como a angiografia cardíaca ou a ressonância magnética nuclear, porém, na realidade, não existe um exame padrão-ouro verdadeiro para avaliação da IM18, o que torna a classificação da IM pela ecocardiografia ainda mais difícil, especialmente quando diversos métodos estão disponíveis e diferentes mecanismos de IM estão envolvidos. Além disso, é importante ressaltar que podem ocorrer variações na intensidade da regurgitação com variações das condições hemodinâmicas ou de carga no mesmo paciente, assim como com o uso medicações que alterem estas condições de carga/hemodinâmica14.

O estudo não pôde estabelecer novos valores de corte para classificar a IM nesta população específica. A divisão dos valores em tercis foi utilizada apenas para testar se a discordância era devido à inadequação dos métodos ou se era decorrente dos valores de corte recomendados para classificação da IM. É necessário um estudo prospectivo, de longo prazo, desenhado especificamente para este fim, e comparando a avaliação da IM por outros métodos de imagem (angiografia ou ressonância magnética nuclear), para estabelecer novos valores de corte para classificar a IM em pacientes com CMD.

Conclusão

Os critérios ecocardiográficos para classificação da IM são discordantes nos pacientes com CMD. É fundamental integrar múltiplos métodos na avaliação da IM e estabelecer novos valores de corte para classificação da IM para esta população específica já que a correta avaliação da IM tem implicações terapêuticas e prognósticas nesses pacientes.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Mancuso FJN, Moisés VA, Poyares D, Campos O; Obtenção de dados: Mancuso FJN, Almeida DR, Oliveira WA, Brito FS; Análise e interpretação dos dados: Mancuso FJN, Moisés VA, Oliveira WA, Campos O; Análise estatística: Mancuso FJN; Redação do manuscrito: Campos O; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Moisés VA, Almeida DR, Paola AAV, Carvalho ACC, Campos O.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Pós-doutorado de Frederico José Neves Mancuso pela EPM/UNIFESP - Escola Paulista de Medicina.

Artigo recebido em 15/01/13; revisado em 10/05/13; aceito em 07/06/13.

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  • Correspondência:
    Frederico José Neves Mancuso
    Rua Domiciano Leite Ribeiro, 51, Apto. 13 - bloco 2, Vila Guarani
    CEP 04317-000, São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Nov 2013

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2013
    • Aceito
      07 Jun 2013
    • Revisado
      10 Maio 2013
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