Bebidas Energéticas; Suplementos Nutricionais; Sistema Nervoso Autônomo; Sistema Cardiovascular; Exercício
O consumo de bebidas energéticas (BE) cafeinadas tem aumentado de forma considerável nos últimos anos. 1 Aumento da capacidade de concentração, ganho de rendimento no trabalho e aumento de performance na atividade física são algumas das razões que levam a busca da bebida. 2
Durante a pandemia, com as mudanças na rotina impostas pela necessidade de isolamento social, relatou-se um aumento na ingesta de BE em alguns trabalhos. Houve também maior consumo na população jovem motivada por fatores como melhor desempenho em esportes e capacidade de concentração. 3 , 4
Doses de cafeína de até 400 mg/dia ou até 200 mg em dose única são consideradas seguras do ponto de vista cardiovascular. 5 No entanto, com frequência adicionam-se substâncias como taurina, guaraná, vitaminas e minerais que podem potencializar o efeito da BE e, consequentemente, aumentar o risco de eventos adversos. 6
Fletcher et al., 7 publicaram em 2017 que a ingesta de 32 oz. (946 ml) de BE contendo 320 mg de cafeína levou a um aumento estatisticamente significativo do intervalo QTc e pressão arterial sistólica quando comparado a ingesta isolada de cafeína na mesma quantidade (320 mg). 7 Outros trabalhos mostraram eventos adversos como fibrilação atrial, fibrilação ventricular e elevação de segmento ST relacionados ao consumo da BE. 8
A magnitude da queda da frequência cardíaca (FC) no primeiro minuto da fase de recuperação pós teste de esforço físico reflete a capacidade de reativação do sistema nervoso autônomo parassimpático após exercício. Esse parâmetro é preditor importante de risco cardiovascular e de prognóstico. 9 A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) também é um importante meio de avaliação do funcionamento do sistema nervoso autônomo de forma não invasiva. Estudos anteriores analisaram o efeito da BE e da cafeína em relação à recuperação da FC e da VFC após exercício físico. Em alguns trabalhos utilizando 300-400 mg de cafeína antes do exercício houve um retardo na reativação parassimpática na fase de recuperação. 10 , 11 Tais achados, no entanto, ainda são divergentes na literatura. 12
Em trabalho anterior do grupo, Porto et al., 13 analisaram o efeito da BE antes da atividade física e não encontraram diferenças no controle autonômico da FC na fase de recuperação após exercício aeróbico submáximo. 13
Neste trabalho mais recente, Porto et al., 14 avaliaram o impacto da BE na VFC e na recuperação da FC após exercício em indivíduos com diferentes capacidades cardiorrespiratórias. Apesar de utilizar protocolo semelhante ao estudo anterior, desta vez o grupo encontrou impacto da BE tanto naqueles com alta como com baixa capacidade cardiorrespiratória. 14
Em relação à metodologia, consideramos que o trabalho apresenta pontos fortes que foram a utilização de um protocolo randomizado, crossover e duplo-cego, que contribuíram para a diminuição dos vieses. Um parâmetro importante, no entanto, que poderia ter sido analisado seria a FC no pico do esforço físico e a sua comparação com a FC ao final do primeiro minuto de recuperação. Esse indicador reforçaria os achados da VFC na avaliação da reativação vagal e seu fator prognóstico. 9
Importante relatar que o trabalho utilizou 250 ml de BE contendo 32 mg de cafeína. Esse volume está abaixo do descrito em trabalhos anteriores mostrando efeitos arritmogênicos da BE e com dose de cafeína bastante abaixo da máxima considerada segura. Atualmente existem diversos compostos energéticos solúveis e em cápsulas que utilizam doses de 100 a 200 mg de cafeína associados a outras substâncias potencializadoras do seu efeito.
Outro importante ponto a ser levantado é que a cafeína pode apresentar efeito de tolerância após uso prolongado. 15 Isso pode levar a um consumo maior e consequentemente maior potencial de efeitos colaterais ao longo do tempo.
A ingesta excessiva de BE pode provocar diversos efeitos adversos do ponto de vista cardiovascular. Seu consumo mais frequente, além do aumento no consumo em jovens merece atenção, principalmente quando associado a outras substâncias. Trabalhos futuros avaliando substâncias energéticas disponíveis em cápsulas ou solúveis contendo doses maiores de cafeína, seus efeitos em pessoas sedentárias e o impacto também em mulheres seriam de grande importância.
Referências
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1 Global energy drinks market: insights, market size, share, growth, trends analysis and forecast to 2021. AIM Market Insight. April 2015. Available at: https://www.researchandmarkets.com/research/mbbjvv/global_energy
» https://www.researchandmarkets.com/research/mbbjvv/global_energy - 2 McLellan TM, Caldwell JA, Lieberman HR. A review of caffeine’s effects on cognitive, physical and occupational performance. Neurosci Biobehav Rev. 2016;71:294-312. doi:10.1016/j.neubiorev.2016.09.001
- 3 Mattioli AV, Sabatini S. Changes in energy drink consumption during the COVID-19 quarantine. Clin Nutr ESPEN. 2021 Oct;45:516-517. doi: 10.1016/j.clnesp.2021.06.034.
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- 14 Porto AA, Gonzaga LA, Benjamin CJ, Bueno Jr CR, Vanderlei LCM, Ferreira C, et al. Acute Effects of Energy Drink on Autonomic and Cardiovascular Parameters Recovery in Individuals with Different Cardiorespiratory Fitness: A Randomized, Crossover, Double-Blind and Placebo-Controlled Trial. Arq Bras Cardiol. 2022; 119(4):553-561.
- 15 Beaumont R, Cordery P, Funnell M, Mears S, James L, Watson P. Chronic ingestion of a low dose of caffeine induces tolerance to the performance benefits of caffeine. J Sports Sci. 2017;35(19):1920-7. doi:10.1080/02640414.2016.1241421
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Minieditorial referente ao artigo: Efeitos Agudos da Bebida Energética sobre Parâmetros Autonômicos e Cardiovasculares em Indivíduos com Diferentes Capacidades Cardiorrespiratórias: Um Ensaio Controlado, Randomizado, Crossover e Duplo Cego
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Out 2022 -
Data do Fascículo
Out 2022