Resumo
Fundamento
O uso de marca-passos cardíacos artificiais tem crescido constantemente, acompanhando o envelhecimento populacional.
Objetivos
Determinar as taxas de readmissões hospitalares e complicações após implante de marca-passo ou troca de gerador de pulsos e avaliar o impacto desses eventos nos custos anuais do tratamento sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS).
Métodos
Registro prospectivo, com dados derivados da prática clínica assistencial, coletados na hospitalização índice e durante os primeiros 12 meses após o procedimento cirúrgico. O custo da hospitalização índice, do procedimento e do seguimento clínico foram estimados de acordo com os valores reembolsados pelo SUS e analisados ao nível do paciente. Modelos lineares generalizados foram utilizados para estudar fatores associados ao custo total anual do tratamento, adotando-se um nível de significância de 5%.
Resultados
No total, 1.223 pacientes consecutivos foram submetidos a implante inicial (n= 634) ou troca do gerador de pulsos (n= 589). Foram observados 70 episódios de complicação em 63 pacientes (5,1%). A incidência de readmissões hospitalares em um ano foi de 16,4% (IC 95% 13,7% - 19,6%) após implantes iniciais e 10,6% (IC 95% 8,3% - 13,4%) após trocas de geradores. Doença renal crônica, histórico de acidente vascular encefálico, tempo de permanência hospitalar, necessidade de cuidados intensivos pós-operatórios, complicações e readmissões hospitalares mostraram um impacto significativo sobre o custo anual total do tratamento.
Conclusões
Os resultados confirmam a influência da idade, comorbidades, complicações pós-operatórias e readmissões hospitalares como fatores associados ao incremento do custo total anual do tratamento de pacientes com marca-passo.
Marca-passo Artificial; Complicações Pós-operatórias; Readmissão Hospitalar; Custos Hospitalares; Avaliação em Saúde
Abstract
Background
The use of artificial cardiac pacemakers has grown steadily in line with the aging population.
Objectives
To determine the rates of hospital readmissions and complications after pacemaker implantation or pulse generator replacement and to assess the impact of these events on annual treatment costs from the perspective of the Unified Health System (SUS).
Methods
A prospective registry, with data derived from clinical practice, collected during index hospitalization and during the first 12 months after the surgical procedure. The cost of index hospitalization, the procedure, and clinical follow-up were estimated according to the values reimbursed by SUS and analyzed at the patient level. Generalized linear models were used to study factors associated with the total annual treatment cost, adopting a significance level of 5%.
Results
A total of 1,223 consecutive patients underwent initial implantation (n=634) or pulse generator replacement (n=589). Seventy episodes of complication were observed in 63 patients (5.1%). The incidence of hospital readmissions within one year was 16.4% (95% CI 13.7% - 19.6%) after initial implants and 10.6% (95% CI 8.3% - 13.4%) after generator replacements. Chronic kidney disease, history of stroke, length of hospital stays, need for postoperative intensive care, complications, and hospital readmissions showed a significant impact on the total annual treatment cost.
Conclusions
The results confirm the influence of age, comorbidities, postoperative complications, and hospital readmissions as factors associated with increased total annual treatment cost for patients with pacemakers.
Artificial Pacemaker; Postoperative Complications; Patient Readmission; Health Evaluation
Introdução
O uso de marca-passos cardíacos artificiais tem crescido constantemente, acompanhando o envelhecimento populacional. Este tipo de tratamento tem sido realizado com baixas taxas de complicações perioperatórias e com efeito comprovado para o aumento da sobrevivência e da remissão dos sintomas.11. Westaway S, Nye E, Gallagher C, Tu SJ, Clarke N, Hanna-Rivero N, et al. Trends in the Use, Complications, and Costs of Permanent Pacemakers in Australia: a Nationwide Study from 2008 to 2017. Pacing Clin Electrophysiol. 2021;44(2):266-73. doi: 10.1111/pace.14161.
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Estudos embasados em análise de dados de sistemas administrativos, entretanto, têm demonstrado aumento progressivo das taxas de complicações pós-operatórias e de readmissões hospitalares, que têm sido explicados, principalmente, pela fragilidade e pelas comorbidades desta população.44. Kichloo A, Shaka H, Aljadah M, Amir R, Albosta M, Jamal S, et al. Predictors of Outcomes in Hospitalized Patients Undergoing Pacemaker Insertion: Analysis from the National Inpatient Database (2016-2017). Pacing Clin Electrophysiol. 2021;44(9):1562-9. doi: 10.1111/pace.14314.
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Complicações pós-operatórias e readmissões hospitalares são importantes indicadores da qualidade assistencial e, por isso, têm sido cada vez mais estudados.99. Patel B, Sablani N, Garg J, Chaudhary R, Shah M, Gupta R, et al. Thirty-Day Readmissions after Cardiac Implantable Electronic Devices in the United States: Insights from the Nationwide Readmissions Database. Heart Rhythm. 2018;15(5):708-15. doi: 10.1016/j.hrthm.2018.01.006.
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11. Udo EO, Zuithoff NP, van Hemel NM, Cock CC, Hendriks T, Doevendans PA, et al. Incidence and Predictors of Short- and Long-Term Complications in Pacemaker Therapy: the FOLLOWPACE Study. Heart Rhythm. 2012;9(5):728-35. doi: 10.1016/j.hrthm.2011.12.014.
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13. Poole JE, Gleva MJ, Mela T, Chung MK, Uslan DZ, Borge R, et al. Complication Rates Associated with Pacemaker or Implantable Cardioverter-Defibrillator Generator Replacements and Upgrade Procedures: Results from the REPLACE Registry. Circulation. 2010;122(16):1553-61. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.110.976076.
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14. Silva KR, Albertini CM, Crevelari ES, Carvalho EI, Fiorelli AI, Martinelli M Filho, et al. Complications after Surgical Procedures in Patients with Cardiac Implantable Electronic Devices: Results of a Prospective Registry. Arq Bras Cardiol. 2016;107(3):245-56. doi: 10.5935/abc.20160129.
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-1515. Sohail MR, Eby EL, Ryan MP, Gunnarsson C, Wright LA, Greenspon AJ. Incidence, Treatment Intensity, and Incremental Annual Expenditures for Patients Experiencing a Cardiac Implantable Electronic Device Infection: Evidence from a Large US Payer Database 1-Year Post Implantation. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2016;9(8):e003929. doi: 10.1161/CIRCEP.116.003929.
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Além dos impactos negativos que causam à saúde dos pacientes, estes eventos são uma das principais fontes de custos inesperados para o sistema de saúde, implicando na ineficiência operacional dos leitos hospitalares e na redução da capacidade de atendimento dos serviços especializados.1616. Groeneveld PW, Dixit S. Cardiac Pacing and Defibrillation Devices: Cost and Effectiveness. Annu Rev Med. 2017;68:1-13. doi: 10.1146/annurev-med-043015-123540.
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18. Fanourgiakis J, Simantirakis E, Maniadakis N, Kourlaba G, Kanoupakis E, Chrysostomakis S, et al. Cost-of-Illness Study of Patients Subjected to Cardiac Rhythm Management Devices Implantation: Results from a Single Tertiary Centre. Europace. 2013;15(3):366-75. doi: 10.1093/europace/eus363.
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-1919. Oddershede L, Riahi S, Nielsen JC, Hjortshøj S, Andersen HR, Ehlers L. Health Economic Evaluation of Single-Lead Atrial Pacing vs. Dual-Chamber Pacing in Sick Sinus Syndrome. Europace. 2014;16(6):866-72. doi: 10.1093/europace/eut384.
A principal lacuna dessa área do conhecimento, entretanto, diz respeito à falta de dados resultantes da prática clínica real, visto que, a maioria dos estudos de avaliação econômica em estimulação cardíaca artificial têm sido embasados em métodos de modelagem estatística a partir de dados de estudos clínicos controlados.2020. Edwards SJ, Karner C, Trevor N, Wakefield V, Salih F. Dual-Chamber Pacemakers for Treating Symptomatic Bradycardia due to Sick Sinus Syndrome without Atrioventricular Block: a Systematic Review and Economic Evaluation. Health Technol Assess. 2015;19(65):1-210. doi: 10.3310/hta19650.
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,2121. Deniz HB, Caro JJ, Ward A, Moller J, Malik F. Economic and Health Consequences of Managing Bradycardia with Dual-Chamber Compared to Single-Chamber Ventricular Pacemakers in Italy. J Cardiovasc Med. 2008;9(1):43-50. doi: 10.2459/JCM.0b013e328013cd28.
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Embora esses estudos tenham grande valor científico, a extrapolação dos resultados para o nosso contexto nem sempre é possível, especialmente, por envolverem amostras populacionais homogêneas, com condições clínicas restritas e tratamentos controlados, dificilmente reprodutíveis no nosso modelo de assistência.
A finalidade do presente estudo foi determinar as taxas de readmissões hospitalares e complicações após implante de marca-passo ou troca de gerador de pulsos e avaliar o impacto desses eventos nos custos anuais do tratamento de pacientes com marca-passo sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS).
Métodos
Desenho e local do estudo
Trata-se de um registro prospectivo com dados derivados da prática clínica assistencial realizado em um hospital cardiológico terciário localizado na cidade de São Paulo.
Os dados foram coletados em quatro momentos distintos: na hospitalização índice relacionada ao procedimento cirúrgico e aos 30 dias, 6 meses e 12 meses após a alta hospitalar (Figura Central).
População do estudo
Foram incluídos, consecutivamente, todos os pacientes adultos submetidos a implante inicial de marca-passo ou troca de gerador de pulsos, independentemente da indicação clínica e da técnica cirúrgica utilizada. Não foram incluídos pacientes que tiveram seu tratamento custeado por fontes privadas de financiamento ou que necessitavam de procedimentos associados à troca do gerador de pulsos, como o implante ou a remoção de cabos-eletrodos.
Estimativa dos custos do tratamento
O método escolhido para a estimativa de custos foi o macrocusteio, considerando-se apenas os custos diretos do tratamento reembolsados pelo SUS para nossa instituição.2222. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes Metodológicas - Estudos de Avaliação Econômica de Tecnologias em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
Para o levantamento dos custos foi construído um repositório com os dados individualizados de todos os pacientes incluídos no estudo provenientes das bases de faturamento do SUS. A Autorização de Internação Hospitalar (AIH), foi a unidade básica de apuração dos custos relacionados aos episódios de internação hospitalar, enquanto a Autorização de Procedimento de Alto Custo (APAC) e o Boletim de Produção Ambulatorial (BPA), foram os sistemas utilizados para o levantamento dos custos em nível ambulatorial.
Para a estimativa do custo total da hospitalização índice foram considerados os serviços hospitalares (diárias de enfermaria ou unidade de intensiva, materiais hospitalares, exames de imagem e laboratoriais, medicamentos, terapias concomitantes) e os honorários profissionais referentes aos serviços médicos. Esses custos foram calculados com base em valores fixos que foram reembolsados pelo SUS a partir da apresentação da AIH após a alta do paciente.
O custo do procedimento, incluindo o dispositivo cardíaco, os cabos-eletrodos e outros insumos, foi calculado de acordo com a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPM) do SUS.2323. Brasil. Ministério da Saúde. SIGTAP - Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS [Internet]. Brasíalia: Ministério da Saúde; 2023 [cited 2023 Jun 8]. Available from: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp.
http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unif...
Os custos relacionados à fase de seguimento clínico incluíram todos os atendimentos e procedimentos ambulatoriais, exames diagnósticos, exames laboratoriais, assim como, as readmissões hospitalares e intervenções cirúrgicas.
Desfechos do estudo
Os desfechos estudados foram as readmissões hospitalares, as complicações pós-operatórias e os custos do tratamento.
Foram considerados todos os episódios de readmissões, por qualquer motivo, ocorridos no primeiro ano após a alta da hospitalização índice. A incidência de readmissões foi medida em dois momentos: em até 30 dias após a alta hospitalar (readmissão precoce) e no final do seguimento de um ano (readmissão tardia).
As complicações pós-operatórias incluíram: pneumotórax, hemotórax, perfurações ou lesões de estruturas cardíacas, problemas na loja do gerador de pulsos com necessidade de intervenção, infecção local ou sistêmica relacionada ao dispositivo, endocardite, trombose venosa do membro ipsilateral ao dispositivo e disfunção de cabos-eletrodos.
Os custos do tratamento foram representados pela soma dos valores, em reais (R$), reembolsados pelo SUS para as despesas relacionadas à hospitalização índice, ao procedimento cirúrgico, ao seguimento clínico dos pacientes durante os primeiros 12 meses de tratamento e às eventuais readmissões hospitalares ocorridas no período do estudo.
Coleta e gerenciamento dos dados
Os dados do estudo foram coletados em formulários eletrônicos desenvolvidos no software REDCap (Research Electronic Data Capture)2424. Harris PA, Taylor R, Thielke R, Payne J, Gonzalez N, Conde JG. Research Electronic Data Capture (Redcap)-a Metadata-Driven Methodology and Workflow Process for Providing Translational Research Informatics Support. J Biomed Inform. 2009;42(2):377-81. doi: 10.1016/j.jbi.2008.08.010. hospedado em nossa Instituição. Ao longo de todo o estudo, foram utilizadas funcionalidades específicas do REDCap para o monitoramento da qualidade dos dados.
Variáveis estudadas e análise estatística
Para a análise dos resultados foram consideradas as variáveis demográficas (idade, sexo, escolaridade, estado empregatício), pré-operatórias (tipo de hospitalização, doença cardíaca estrutural, medicamentos de uso regular, comorbidades, fração de ejeção do ventrículo esquerdo obtida por ecocardiografia transtorácica bidimensional), cirúrgicas (tipo de procedimento, indicação do marca-passo, tipo de marca-passo) e as características da admissão hospitalar índice.
As variáveis contínuas foram descritas em mediana e intervalo interquartil (IQR) e as variáveis categóricas foram descritas em frequências absolutas e relativas. Os testes qui-quadrado de Pearson, exato de Fisher e Mann-Whitney foram utilizados para a comparação das características basais dos dois grupos estudados.
A incidência de readmissão hospitalar foi descrita em probabilidade percentual e intervalos de confiança (IC) de 95%, segundo o método de Kaplan-Meier. O teste de log-rank foi utilizado para comparação das estimativas entre os dois grupos estudados.
Empregou-se o método de regressão de riscos proporcionais de Cox para estudar fatores associados às readmissões hospitalares. As variáveis com valores de p < 0,10 na análise univariada foram selecionadas para o modelo multivariado final. Os resultados do modelo final foram apresentados em Hazard Ratio (HR) e seus respectivos IC 95%. O ajuste do modelo final foi avaliado pelo cálculo do índice de concordância do modelo (índice-C). Valores de índice-C iguais ou superiores a 0,70 foram considerados satisfatórios.
O custo do tratamento foi descrito segundo valores médios não ajustados (amostrais) e ajustados (preditos) seguidos do IC 95%, obtidos pela técnica de bootstrap para 5.000 reamostragens não-paramétricas. Para identificar fatores associados ao custo total anual do tratamento, foram utilizados modelos lineares generalizados (GLM) simples e multivariados, utilizando a função log-link e a distribuição Gamma para modelagem do custo anual total do tratamento. Covariáveis com p-valor inferior a 0,10 (na análise univariada) foram incluídas no modelo multivariado final.
A análise estatística foi realizada no software R Studio, adotando-se um nível de significância de 5% para todos os testes de hipóteses realizados.
Aspectos éticos
O estudo, realizado no período de janeiro de 2014 a dezembro de 2018, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Por se tratar de um estudo observacional, com dados derivados da prática assistencial e obtidos diretamente dos sistemas hospitalares (prontuário eletrônico do paciente e sistemas de dados administrativos), o estudo isentou-se da necessidade de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Composição da amostra
Durante o período do estudo, 1.418 pacientes foram submetidos a procedimentos cirúrgicos para o implante inicial ou a troca do gerador de pulsos de marca-passos cardíacos convencionais. Destes, 44 pacientes possuíam idade inferior a 18 anos e outros 151 pacientes tiveram seu tratamento custeado por fontes privadas de financiamento, sendo considerados não elegíveis para o estudo. A amostra final foi composta por 1.223 pacientes, sendo 634 submetidos ao implante inicial e 589 a troca do gerador do marca-passo.
Características basais
A amostra apresentou maior frequência de mulheres e idade mediana de 73 anos (Q1-Q2: 63–81 anos). A proporção de mulheres e a idade mediana foram maiores entre os pacientes do grupo troca de gerador. A frequência de comorbidades foi maior no grupo de implante de marca-passo, conforme descrito na Tabela 1.
Aproximadamente três em cada quatro implantes iniciais foram realizados em regime de urgência, enquanto uma pequena parcela dos procedimentos de troca de gerador ocorreu em caráter de urgência. A taxa de procedimento cirúrgico realizado no mesmo dia da admissão hospitalar foi aproximadamente significativamente maior no grupo de troca do gerador. Os dispositivos de câmara dupla implantados por acesso transvenoso foram os mais frequentes na amostra. A necessidade de cuidados intensivos e o tempo de permanência pós-operatória foram significativamente maiores no grupo de implantes iniciais (Tabela 1).
Óbitos, complicações pós-operatórias e readmissões hospitalares
O tempo mediano de seguimento foi de 13,7 meses (Q1-Q2: 12,3-14,8 meses). Apenas um paciente foi perdido para seguimento.
Foram observados 109 óbitos durante o primeiro ano de seguimento, representando uma mortalidade cumulativa de 8,9% (IC 95% 7,4%-10,6%). As causas de óbitos estão descritas na Tabela 2.
– Taxa de complicações pós-operatórias, readmissões hospitalares e óbitos após implante inicial ou troca de gerador de pulsos de marca-passos
Setenta episódios de complicações foram detectados em 63 pacientes. Dentre as complicações pós-operatórias, 27 ocorreram durante a hospitalização índice. Essas complicações aumentaram significativamente o tempo de permanência hospitalar e a necessidade de cuidados intensivos. A mediana do tempo de internação foi de 5,0 dias (Q1-Q2: 2,5-12) no grupo que apresentou complicações e de 1,0 dia (Q1-Q3: 0-1,0) no grupo que não apresentou complicações. Os tipos de complicações pós-operatórias estão descritos na Tabela 2.
A incidência de readmissões em até 30 dias foi de 4,3% (IC 95%: 3,0%-6,2%) para o grupo implante inicial e de 1,0% (IC 95%: 0,5%-2,3%) para o grupo troca do gerador. As readmissões hospitalares ao final do primeiro ano de seguimento ocorreram em 16,4% (IC 95%: 13,7% - 19,6%) dos pacientes submetidos a implante inicial e em 10,6% (IC 95%: 8,3% - 13,4%), dos pacientes submetidos à troca do gerador (Figura 1). As causas de readmissões hospitalares estão descritas na Tabela 2 e os fatores independentes para a sua ocorrência estão descritos na Tabela 3.
– Probabilidade de readmissão em 12 meses, segundo o tipo de procedimento cirúrgico realizado.
Custo do tratamento no primeiro ano após o procedimento
Para o tratamento dos pacientes incluídos no estudo, o SUS reembolsou a nossa instituição aproximadamente R$ 10,6 milhões. O dispositivo cardíaco, incluindo os cabos-eletrodos e o gerador de pulsos, foi o principal componente deste orçamento e representou mais de 70% do gasto anual total. A Tabela 4 apresenta uma descrição detalhada dos custos atribuídos ao tratamento dos pacientes dos grupos implante inicial e troca de gerador de pulsos.
O modelo linear generalizado demonstrou que idade, doença renal crônica, acidente vascular cerebral prévio, tempo de permanência hospitalar maior que um dia, necessidade de cuidados intensivos pós-operatórios, complicações e readmissões hospitalares foram significativamente associados aos custos totais anuais do tratamento. A idade foi a única variável que se relacionou inversamente com o custo total do tratamento, independentemente do procedimento realizado (Tabela 5).
Readmissão hospitalar durante o seguimento clínico e a necessidade de cuidados intensivos pós-operatórios durante a hospitalização índice foram os principais fatores associado ao incremento do custo do tratamento, conforme detalhado na Figura 2.
– Fatores associados ao incremento médio no custo total anual do tratamento de pacientes com marca-passo.
Discussão
Este estudo prospectivo com dados do mundo real mostrou que complicações pós-operatórias e readmissões hospitalares são frequentes após o implante inicial, assim como, após a troca do gerador de pulsos de marca-passos. Independentemente do motivo dessas readmissões, o impacto econômico sobre o custo total da saúde foi significativo para o sistema público de saúde.
Apesar de que pacientes submetidos a implante inicial ou à troca do gerador de pulsos façam parte da mesma população de pacientes, diferenças significativas foram observadas no perfil clínico e demográfico destes dois subgrupos, com maior proporção de mulheres, menor prevalência de comorbidades e maior frequência de uso de medicamentos cardiovasculares nos submetidos a troca de gerador de pulsos. Além disso, a maioria das substituições do gerador de pulsos foi realizada em internações eletivas, enquanto implantes iniciais foram realizados em sua maioria em regime de urgência. Essas diferenças influenciaram o resultado dos procedimentos, implicando em maiores tempo de permanência hospitalar, necessidade de cuidados em unidade de terapia intensiva e readmissões hospitalares nos pacientes submetidos a implantes iniciais. Embora os geradores de pulso atuais tenham expectativa de vida útil de aproximadamente 10 anos, a idade mediana dos pacientes no momento da substituição do gerador de pulsos excedeu a idade do grupo de implante inicial em apenas dois anos. Esse achado pode ser explicado pela alta taxa de pacientes que não chegam a ser submetidos à troca do gerador de pulsos pela idade avançada no momento do implante inicial.
As taxas de complicações pós-operatórias e de readmissões hospitalares precoces relacionadas ao procedimento cirúrgico ou ao dispositivo cardíaco encontradas neste estudo foram menores do que as reportadas nos estudos embasados em grandes bases de dados administrativos dos EUA, onde a taxa de readmissão hospitalar de 30 dias variou de 8,5% a 11,3%.99. Patel B, Sablani N, Garg J, Chaudhary R, Shah M, Gupta R, et al. Thirty-Day Readmissions after Cardiac Implantable Electronic Devices in the United States: Insights from the Nationwide Readmissions Database. Heart Rhythm. 2018;15(5):708-15. doi: 10.1016/j.hrthm.2018.01.006.
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,1010. Lemor A, Lee S, Dehkordi SHH, Mehta D. Etiologies and Predictors for 30-day Readmission after Pacemaker Placement for Atrioventricular Block. A Nationwide Analysis. Eur Heart J. 2017;38(Suppl 1). doi: 10.1093/eurheartj/ehx502.P1353.
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No presente estudo, pneumotórax ou tamponamento cardíaco (2,2%) e complicações relacionadas ao cabo-eletrodo (1,9%) foram mais frequentes no grupo de implante inicial e suas taxas foram semelhantes às relatadas no estudo FOLLOWPACE (2,7% e 3,3%, respectivamente).1111. Udo EO, Zuithoff NP, van Hemel NM, Cock CC, Hendriks T, Doevendans PA, et al. Incidence and Predictors of Short- and Long-Term Complications in Pacemaker Therapy: the FOLLOWPACE Study. Heart Rhythm. 2012;9(5):728-35. doi: 10.1016/j.hrthm.2011.12.014.
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Apesar da menor taxa total de readmissões no grupo troca de gerador, a frequência de readmissões relacionadas ao procedimento, foi maior neste subgrupo, principalmente após os primeiros 30 dias de seguimento. Essas readmissões foram relacionadas a complicações no alojamento do gerador de pulsos, disfunções de cabos-eletrodos e infecção relacionados ao dispositivo. De maneira semelhante ao reportado em outros estudos, essas complicações geralmente ocorreram tardiamente com necessidade de readmissão e revisão cirúrgica.1212. Kirkfeldt RE, Johansen JB, Nohr EA, Jørgensen OD, Nielsen JC. Complications after Cardiac Implantable Electronic Device Implantations: An Analysis of a Complete, Nationwide Cohort in Denmark. Eur Heart J. 2014;35(18):1186-94. doi: 10.1093/eurheartj/eht511.
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A taxa de readmissão em um ano foi de 16,4% após implantes iniciais e de 10,6% no grupo troca de gerador. Idade, doença renal crônica, cardiopatia subjacente, marca-passo de câmara única e complicações pós-operatórias aumentaram significativamente o risco de readmissões, em concordância com outras publicações.99. Patel B, Sablani N, Garg J, Chaudhary R, Shah M, Gupta R, et al. Thirty-Day Readmissions after Cardiac Implantable Electronic Devices in the United States: Insights from the Nationwide Readmissions Database. Heart Rhythm. 2018;15(5):708-15. doi: 10.1016/j.hrthm.2018.01.006.
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,1414. Silva KR, Albertini CM, Crevelari ES, Carvalho EI, Fiorelli AI, Martinelli M Filho, et al. Complications after Surgical Procedures in Patients with Cardiac Implantable Electronic Devices: Results of a Prospective Registry. Arq Bras Cardiol. 2016;107(3):245-56. doi: 10.5935/abc.20160129.
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Da mesma forma, doença renal crônica, acidente vascular cerebral prévio, complicações pós-operatórias e readmissões foram associados a maiores custos de saúde no primeiro ano, tanto após implante inicial quanto após substituição do gerador de pulsos. O monitoramento e o conhecimento das taxas de complicações pela equipe médica, o treinamento contínuo das equipes para a identificação de pacientes sob maior risco, além do seguimento multidisciplinar destes pacientes são medidas potencialmente acessíveis e que oferecem uma boa oportunidade de melhora nas taxas de complicações e readmissões após o procedimento.
Nossa análise revelou um impacto econômico significativo do custo do dispositivo no custo total do tratamento (cerca de 70%). Outras publicações já demonstraram a desproporção entre o custo do dispositivo cardíaco em relação a outras despesas, como as taxas de internação, exames laboratoriais, medicamentos e honorários profissionais.1818. Fanourgiakis J, Simantirakis E, Maniadakis N, Kourlaba G, Kanoupakis E, Chrysostomakis S, et al. Cost-of-Illness Study of Patients Subjected to Cardiac Rhythm Management Devices Implantation: Results from a Single Tertiary Centre. Europace. 2013;15(3):366-75. doi: 10.1093/europace/eus363.
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,1919. Oddershede L, Riahi S, Nielsen JC, Hjortshøj S, Andersen HR, Ehlers L. Health Economic Evaluation of Single-Lead Atrial Pacing vs. Dual-Chamber Pacing in Sick Sinus Syndrome. Europace. 2014;16(6):866-72. doi: 10.1093/europace/eut384.
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Embora tenha sido incluída uma amostra muito representativa, esta análise reflete as práticas assistenciais de um centro público de cardiologia terciária, que também é um centro de treinamento para especialistas em estimulação cardíaca artificial. Os custos diretos foram calculados com base em valores fixos, ou pacotes que foram reembolsados pelo SUS, não tendo sido possível realizar a análise do microcusteio com dados detalhados sobre cada recurso utilizado e os custos unitários correspondentes a esses recursos. Finalmente, um acompanhamento a longo prazo dessa população é especialmente importante para fornecer evidências mais robustas sobre o impacto potencial de complicações tardias nos custos de saúde, que muitas vezes são subnotificados nesse cenário.
Conclusões
O seguimento por até um ano de pacientes submetidos a implante inicial ou à troca de gerador de pulsos de marca-passo cardíaco artificial nos permitiu determinar a taxa de ocorrência de complicações pós-operatórias e de readmissões hospitalares, identificar fatores de risco para estes eventos e verificar que estes eventos implicaram aumento significativo do custo do tratamento. Os achados do presente estudo sugerem que a identificação dos pacientes que estão sob maior risco de manifestar estes eventos e a implementação de rotinas assistenciais específicas para seu seguimento ambulatorial pode resultar em redução significativa dos gastos com estes tipos de procedimento.
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Vinculação acadêmicaEste artigo é parte de tese de doutorado de Lucas Bassoli de Oliveira Alves pelo Programa de Pós-graduação em Cirurgia Cardiovascular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
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Aprovação ética e consentimento informadoEste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da FMUSP sob o número de protocolo 1.077.579. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
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Fontes de financiamento: O presente estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 401317/2013-7).
Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Abr 2024 -
Data do Fascículo
Abr 2024
Histórico
-
Recebido
10 Jun 2023 -
Revisado
06 Dez 2023 -
Aceito
18 Jan 2024