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Fatores associados à atenção domiciliária: subsídios à gestão do cuidado no âmbito do SUS

Los factores asociados con la atención domiciliaria: subsidios a la gestión de la atención en el SUS

Resumos

A identificação de variáveis associadas ao tipo de atenção domiciliária (AD) dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) contribui para a gestão do cuidado na Rede de Atenção à Saúde (RAS). Objetiva-se identificar variáveis associadas ao tipo de AD dos usuários em Unidades Básicas de Saúde (UBS) selecionadas de Belo Horizonte. Estudo transversal em duas UBS com todos os usuários (n=114) em AD da área de abrangência. Utilizou-se a análise de regressão logística múltipla para seleção (stepwise) de variáveis significativas. Obteve-se maior comprometimento clínico dos usuários (OR=27,47), estado emocional triste (OR=24,36), risco para úlcera por pressão pela escala de Braden (OR=7,6) e a semidependência para as AVD pelo índice de Katz (OR=63,8) como fortemente associadas ao tipo de AD (p < 0,05). As variáveis fundadas no contexto social, familiar e clínico dos sujeitos subsidiam a abordagem integral e a tomada de decisão da equipe de saúde.

Atenção Primária à Saúde; Serviços de Assistência Domiciliar; Padrão de cuidado; Sistema Único de Saúde


La identificación de variables asociadas al tipo de atención domiciliaria (AD) de los usuarios del SUS contribuye para la gestión del cuidado en la Red de Cuidado de la Salud (RAS). Objetivo: identificar las variables asociadas al tipo de AD requerida por todos los usuarios del SUS en Unidades Básicas de Salud (UBS) de Belo Horizonte. Estudio transversal en dos UBS con todos los usuarios de AD (n=114) en el área de cobertura, análisis de regresión logística múltiple para la selección (stepwise) de las variables significativas. Mayor comprometimiento clínico (OR=27,47), el estado emocional triste (OR=24,36), la Escala de Braden (OR=7,6) y índice de Katz (OR=63,8) se asociaron con el tipo de AD (p<0,05). Las variables fundadas en el contexto social, familiar y clínico de los sujetos subsidian el abordaje integral y la toma de decisión del equipo.

Atención Primaria de Salud; Servicios de Atención de Salud a Domicilio; Nivel de atención; Sistema Único de Salud


The identification of variables associated with the type of home care (HC) of the users of the Unified Health System (UHS) contributes to the management of care in the Health Care Network (HCN). The objective was to identify variables associated with HC users in Basic Health Units (BHU) selected from Belo Horizonte. It was a transversal study in two BHU with all users (n=114) in HC in the covered area. We used a multiple logistic regression analysis for selection (stepwise) of significant variables. Greater clinical involvement of users (OR=27.47), a sad emotional state (OR=24.36), risk for pressure ulcer by the Braden scale (OR=7.6) and semidependence by the Katz ADL index (OR=63.8) were obtained and were strongly associated with the type of HC (p<0.05). Variables based on the social, family and clinical context of the subjects subsidized the integral approach and decision-making of the healthcare team.

Primary Health Care; Home Care Services; Standard of care; Unified Health System


INTRODUÇÃO

A recente política nacional de Atenção Domiciliária (AD) no Sistema Único de Saúde (SUS), definida na Portaria GM Nº 2527, de 27 de outubro de 2011, reaquece discussões importantes, como a perspectiva da gestão em rede, o papel da Atenção Básica como ordenadora do cuidado e as mudanças no modelo tecno-assistencial, em construção.

Segundo o referido documento, conceitua-se a atenção domiciliária no âmbito do SUS como uma modalidade assistencial substitutiva ou complementar às existentes, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção, tratamento e reabilitação prestadas em domicílio, com garantia de continuidade de cuidados e integrada às Redes de Atenção à Saúde (RAS). Dentre as ações desenvolvidas, destacam-se como atividades principais a visita domiciliária, a consulta de profissional de nível superior no domicílio, a identificação da pessoa que cuida do usuário, o planejamento, a realização de procedimentos e o acompanhamento sistemático à família.

Alguns estudos tratam da distinção entre os conceitos de atenção, assistência, atendimento, visita ou internação domiciliária, a depender da complexidade das práticas profissionais, da condição clínica do usuário e do uso de equipamentos hospitalares requeridos, com a intenção de categorizar os diversos tipos de Atenção Domiciliária que podem ser prestadas na residência do cidadão( 11. Rehem TCMSB, Trad LAB. Assistência domiciliar em saúde: subsídios para um projeto de Atenção Básica brasileira. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10 Supl:231-42. - 22. Lacerda MR, Giacomozzi CM, Oliniski SR, Truppel TC. Atenção à saúde no domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saude Soc. 2006;15(2):88-95. ). As modalidades de Atenção Domiciliária em três tipos, ora normatizadas, incorporam essa discussão na perspectiva de RAS, proposto na Portaria GM Nº 4.279 de 30 de dezembro de 2010, razão pela qual o presente estudo adota o termo atenção domiciliária para os distintos níveis do sistema de saúde.

As três classificações da atenção domiciliar no SUS previstas na atual política são: AD1 - de responsabilidade das equipes de atenção básica (EAB) e dos núcleos de atenção à saúde da família (NASF), AD2 e AD3, pertencentes ao nível secundário de atenção e vinculadas a equipes multiprofissionais de atenção domiciliária (EMAD), formadas por médico, enfermeiro e fisioterapeuta. No caso da atenção domiciliar do tipo 3 (AD3), acrescenta-se às EMAD o suporte da equipe multiprofissional de apoio (EMAP), formada por no mínimo três dentre os profissionais assistente social, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, odontólogo, psicólogo, farmacêutico e terapeuta ocupacional.

A atenção domiciliar do tipo 1 (AD1) é conceituada como conjunto de ações necessárias aos usuários com problemas de saúde controlados e compensados, com dificuldade ou impossibilidade física de locomoção até uma unidade de saúde, que necessitam de cuidados com menor frequência e necessidade de recursos de saúde. Para o usuário em condição clínica mais aguda, com dificuldade de locomoção e que necessita de maior frequência de cuidado, recursos de saúde e acompanhamento, recomenda-se a AD2. Para as pessoas que, além das condições previstas para a AD2, requerem o uso contínuo de equipamentos para oxigenoterapia, suporte ventilatório não invasivo, diálise peritonial ou paracentese, indica-se a AD3.

A despeito do crescimento dos serviços de atenção domiciliária no país, nos setores público e privado, prevalecem as características de programas especiais, pontuais, vinculados a hospitais ou Unidades de Pronto-Atendimento (UPA), centrados na redução de custos, com pouca articulação entre os níveis de atenção e fragilidades no uso da informação para o planejamento das ações. Por outro lado, há indícios de mudanças nas práticas assistenciais no domicílio, seja pelas inovações das equipes de saúde, seja pela tensão entre as distintas formas de cuidar - dos profissionais e dos projetos terapêuticos das famílias, dos cuidadores e dos usuários( 33. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76. - 44. Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(3):180-8. ).

A mudança na forma de organizar os serviços a partir das necessidades de saúde da população, ou o que se consegue disso a partir de estudos da demanda por serviços de saúde( 33. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76.

4. Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(3):180-8.
- 55. Thume E, Facchini LA, Tomasi E, Vieira LAS. Assistência domiciliar a idosos: fatores associados, características do acesso e do cuidado. Rev Saúde Pública. 2010;44(6):1102-11. ), é premissa para a estruturação das RAS a partir da Atenção Básica, centro ordenador da assistência( 66. Kuschnir R, Chorny AH. Redes de atenção à saúde: contextualizando o debate. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(5):2307-16. ).

A gestão do cuidado, ou a forma com que o cuidar revela-se e organiza-se na interação entre sujeitos, capazes de subversões emancipatórias ou de imposições restritivas das liberdades humanas( 77. Pires MRGM. Politicidade do cuidado e processo de trabalho em saúde: conhecer para cuidar melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(4):1025-35. ). Pode articular recursos e sujeitos nos níveis de atenção do sistema, contribuindo para um enfoque ampliado da clínica na organização dos serviços( 88. Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 53-92. ).

Os desafios a serem superados para que o cuidado ampliado se concretize no trabalho em saúde incluem a fragmentação das ações, a formação excessivamente técnica dos profissionais, a escassez de métodos de planejamento e o pouco uso das informações disponíveis para o planejamento( 33. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76. , 66. Kuschnir R, Chorny AH. Redes de atenção à saúde: contextualizando o debate. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(5):2307-16. , 88. Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 53-92.

9. Silva IZQJ, Trad LAB. O trabalho em equipe no PSF: investigando a articulação técnica e a interação entre os profissionais. Interface Comun Saúde Educ. 2005;9(16):25-38.
- 1010. Lopes TC, Mota JAC, Coelho S. Perspectivas de um programa de internação domiciliar neonatal no Sistema Único de Saúde. Rev Latino Am Enferm. 2007;15(4):543-48. ).

Diante da necessidade de reorganização das práticas das equipes de saúde na perspectiva das RAS, a adoção de tipologias classificatórias conforme a demanda da população é um dispositivo importante para a gestão do cuidado, por subsidiar o planejamento e a integração das ações( 11. Rehem TCMSB, Trad LAB. Assistência domiciliar em saúde: subsídios para um projeto de Atenção Básica brasileira. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10 Supl:231-42.

2. Lacerda MR, Giacomozzi CM, Oliniski SR, Truppel TC. Atenção à saúde no domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saude Soc. 2006;15(2):88-95.

3. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76.
- 44. Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(3):180-8. ).

Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo identificar as variáveis associadas - ou seja, as que mais influenciam a classificação do tipo de AD dos usuários no território das Unidades Básicas de Saúde (UBS) - como subsídio à gestão do cuidado pelas equipes de saúde, na perspectiva das RAS do SUS.

MÉTODO

Tipo de estudo

Estudo transversal do tipo inquérito com uma etapa descritiva e outra analítica( 1111. Hennekens CH, Buring JE. Epidemiology in medicine. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 1987. ). Na etapa descritiva, investigaram-se as variáveis clínicas, socioeconômicas e familiares que caracterizavam todos os usuários em atenção domiciliária e seus cuidadores na área de abrangência de duas UBS de Belo Horizonte. Na etapa analítica, com base nessas variáveis, estimaram-se modelos probabilísticos de regressão logística múltipla a fim de identificar as variáveis fortemente associadas a classificação do tipo de AD demandados pelos usuários.

Cenário e população do estudo

Os territórios de duas UBS em Belo Horizonte, com população de 5.736 usuários acima de 60 anos, compuseram o cenário da investigação.A escolha desses serviços de Atenção Básica justificou-se pela parceria existente entre a universidade e os serviços de saúde, o que facilitou as discussões para adequar os objetos da investigação à realidade das Equipes Saúde da Família (ESF). A seleção das UBS foi não probabilista e intencional, em vista do caráter aplicado e exploratório da pesquisa( 1212. Sampieri RH, Collado CF, Lúcio PB. Metodologia de pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill; 2006. - 1313. Richardson RJ. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas; 1999. ).

O critério de inclusão foi censitário, ou seja, contemplou todas as 120 pessoas cadastradas pelas ESF das duas UBS que eram assistidas na modalidade AD pelos profissionais. Foram entrevistados 114 usuários em Atenção Domiciliária indicados pelas ESF, sendo 38 na UBS 1 e 76 na UBS 2. Outros seis usuários foram entrevistadas pelos profissionais de saúde das ESF, nas práticas de visitas domiciliárias, para verificar a adequação do instrumento ao trabalho na UBS, portanto não foram incluídos no banco de dados do presente estudo.

Instrumento e coleta de dados

A partir de revisão de literatura sobre os instrumentos existentes de abordagem a usuários idosos, hipertensos ou acamados, predominantes na AD( 1515. Figueiredo NVF. Tecnologias para a assistência domiciliar na Atenção Básica: em busca de ferramentas que subsidiem o trabalho da equipe saúde da família {dissertação}. Belo Horizonte: Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais; 2010. ), definiram-se três dimensões que sintetizam as concepções teóricas para o cuidado ampliado à população do estudo. A primeira dimensão, o contexto social e familiar do usuário, centra-se na dinâmica da vida familiar e nas condições sociais do usuário e do cuidador. A segunda avalia o grau de dependência para as atividades de vida diária (AVD) e o risco para úlcera por pressão (UP). A terceira aborda a anamnese e a clínica do usuário em AD. Essas dimensões orientaram a definição das variáveis, dos 72 itens incluídos no instrumento de coleta de dados e de um sub-conjunto de itens que orientaram a classificação do usuário no tipo de AD, realizada pelos entrevistadores.

Os principais instrumentos validados que subsidiaram a identificação ou construção dos itens do questionário foram( 1515. Figueiredo NVF. Tecnologias para a assistência domiciliar na Atenção Básica: em busca de ferramentas que subsidiem o trabalho da equipe saúde da família {dissertação}. Belo Horizonte: Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais; 2010. ): a) WHOQOL (QUO Quality of Life), que afere a qualidade de vida; b) Índice de Katz, para avaliações das atividades de vida diária (AVD); c)Escalas de Braden, para exame das úlceras de pressão; d) Caregiver Burden Scale, para avaliar a sobrecarga do cuidador; e) genograma, ecomapa e familiograma, para avaliar a dinâmica da vida familiar; f) Escala de Flanagan, que afere os aspectos subjetivos mais frequentes em idosos.

A construção do questionário ocorreu em cinco etapas, começando pela observação participante do trabalho das ESF nas duas UBS, com imersão no cotidiano dos serviços durante seis meses, realização de 35 visitas domiciliárias e identificação das tecnologias utilizadas pelos profissionais na AD. A partir das três dimensões definidas e da revisão de literatura dos instrumentos de abordagem ao usuário e ao cuidador, construiu-se a matriz do questionário, composto por conceitos, variáveis, indicadores e itens( 1212. Sampieri RH, Collado CF, Lúcio PB. Metodologia de pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill; 2006. ). Essa etapa priorizou a identificação de itens já validados, acrescidos de outros que se adequassem à abordagem social, familiar e clínica dos sujeitos. Com uma versão preliminar do questionário definida, passou-se ao treinamento da equipe de entrevistadores e realização de um piloto com 30 usuários de outra UBS que não fez parte da amostra, em que a quantidade foi definida a partir do cálculo de fração de amostragem em amostra probabilística( 1313. Richardson RJ. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas; 1999. ). Na quarta etapa, realizaram-se duas oficina de discussão com os profissionais de saúde das duas UBS para análise semântica dos itens( 1616. Pasquali L. Princípios de elaboração de escalas psicológicas. Rev Psiq Clin.1998;25(5):206-13. ) e adequação das variáveis ao trabalho das ESF, como subsídio à gestão do cuidado. Na quinta etapa, fez-se análise de juízes, tomando como grau de concordância 80% entre os especialistas. Após a coleta de dados, executou-se correlação de Pearson entre as variáveis para escolha dos itens que permaneceriam no instrumento de abordagem e de classificação do usuário em AD, adotando-se o valor de 0,30 (p=0,05) como referência( 1717. Hair JR, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2005. ).

A variável dependente tipo de AD, na versão final do instrumento de coleta de dados utilizado na classificação do usuário em AD pelo entrevistador, foi categorizada em escala Likert de sete pontos, com variação de muito próximo, próximo e menos próximo de AD1 ou de AD2, intercalada pelo zero. Durante da coleta de dados, tomou-se como referência para a classificação dos usuários as indicações da literatura, as diretrizes oficiais e as dimensões do estudo, sintetizadas num conjunto de itens do questionário em forma de check list.

Assim, para o tipo AD 1, considerou-se: problemas de saúde controlados e compensados, algum grau de dependência para as AVD, impossibilidade de se deslocar até a UBS, maior espaçamento entre as visitas e menor exigência de procedimentos de maior complexidade. No tipo AD2: maior grau de comprometimento clínico (agudo ou crônico descompensado), social e epidemiológico; maior dependência para as AVD; impossibilidade se deslocar até a UBS; uso de equipamentos; necessidade de visitas mais frequentes e dependência para procedimentos de maior complexidade. Dentro dessa conceituação, a classificação de AD3, presente na atual política, foi considerada uma variação do AD2.

As variáveis independentes do estudo distribuem-se nas dimensões:

Contexto social e familiar: a) variáveis métricas (participação familiar no cuidado; relações pessoais; grau de desconforto e fadiga em relação às atividades de cuidador; qualidade do sono do cuidador) e b) variáveis categóricas (faixa etária do usuário; sexo; escolaridade; renda da família; condições de moradia; perfil da família; sentimentos em relação à doença e convívio familiar; sexo do cuidador; faixa etária do cuidador; problemas de saúde do cuidador; queixa principal; utilização de medicamentos; perfil do cuidador; o grau de sobrecarga do cuidador; grau de escolaridade; ocupação do cuidador; sentimentos em relação ao cuidar e o convívio familiar; segurança física e proteção; recursos materiais para AD;

Grau de dependência para AVD e risco para úlcera por pressão: a) variáveis métricas: índice de Katz e escala de Braden;

Anamnese e clínica dos usuários: a) variáveis métricas: engasgos durante a alimentação; qualidade do sono; grau de desconforto e fadiga; etilismo e tabagismo; segurança física; mobilidade; acuidade visual; acuidade auditiva; avaliação do estado mental; avaliação do estado emocional e avaliação da comunicação e b) variáveis categóricas (problemas de saúde do usuário; queixa principal; utilização de medicamentos; ingestão alimentar; ingestão líquida; hábito urinário; hábito intestinal; avaliação da hemodinâmica; aparência geral; ausculta respiratória; uso de oxigênio complementar; aparelho cardiovascular; abdome avaliação dos membros; eliminação urinária; eliminação intestinal; aparelho geniturinário; estado nutricional; higiene corporal; higiene bucal; integridade cutânea).

A coleta de dados ocorreu em uma única visita no domicílio do usuário, com um tempo médio de aplicação de 45 minutos. Os entrevistadores, previamente capacitados no teste piloto, receberam novas orientações e supervisão direta de desempenho durante a coleta. Observou-se a precisão das informações, em especial no momento da classificação do usuário no tipo de AD, realizada após a entrevista, a partir do check list de itens com as indicações de cada uma das modalidades assistenciais, o que foi determinante para a qualidade e o aproveitamento de todas as informações. A inserção dos 114 casos ocorreu ao término da coleta, com dupla entrada no banco de dados e conferência dos arquivos no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0.

Análise dos dados e aspectos éticos

Na análise de regressão logística foi considerada como variável dependente o tipo de Atenção Domiciliária, categorizado em 0=AD1 e 1=AD2. Fez-se a análise exploratória do banco de dados completo, de casos omissos, atípicos e da normalidade das variáveis métricas. Após a análise descritiva simples, seguiram-se as etapas preparatórias para a análise multivariada e o exame das correlações existentes entre as variáveis independentes para identificação de colinearidade.

Em análise de regressão logística bruta identificaram-se as variáveis significativamente associadas ao tipo de AD, agrupadas nos blocos hierárquicos: sociodemográficas, clínicas, psicossociais, grau de dependência e condições do domicílio. Os modelos de regressão logística múltipla estimados incluíram todas as variáveis significativas identificadas na análise bruta, respeitando os blocos hierárquicos previamente descritos. A escolha do modelo final baseou-se na seleção das varáveis pelo método de estimação stepwise, considerando como critério de inclusão p<0,05( 1717. Hair JR, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman; 2005. ). Foram estimados, então, os Odds Ratio (OR), com seus respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%) e significância estatística (p), para cada variável estatisticamente associada ao tipo de AD.

A pesquisa foi aprovada pelos comitês de ética em pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (ETIC 449/08) e SMSA/BH (007/2008).

RESULTADOS

Contexto sociofamiliar do usuário e situação dos cuidadores

Dos 114 usuários avaliados no território das UBS, 73,6% foram classificados em AD1 e 26,3% em AD2 (UBS 1: 72,4% em AD1; 27,6% em AD2; UBS 2: 80% em AD1; 20% em AD2). A maior parte dos usuários em AD eram mulheres (69,3%), na faixa etária de 66 a 95 anos (65,7%), estudaram em média até o ensino fundamental (89,3%), recebem até três salários mínimos (72,8%) e moram em condições adequadas de água e esgoto (93%). São acompanhados por cuidadores (76,3%), mas alguns residem sozinhos e não recebem cuidados de outra pessoa (23,6%), embora precisem. A atividade de cuidador é exercida por mulheres (83,1%), entre 46 e 75 anos (65,5%), membro da família (95,4%), que estudaram até o ensino médio (86,1), sem ocupação ou aposentadas (80,4%).

Os usuários que se expressaram sobre os sentimentos e a dinâmica da vida familiar (72,8%) deixaram de fazer as coisas no dia-a-dia, como trabalho ou lazer (91,5%), sentiam-se tristes ou solitários (53%) e alguns relataram alterações no relacionamento afetivo entre os membros da família (20%). Essa situação era extensiva aos cuidadores, que abandonaram suas atividades sociais ou laborais (73,5%), por vezes com sentimentos de tristeza, solidão ou cansaço (19,5%) e perturbações no relacionamento familiar (32,1%). As pessoas que cuidam dos usuários frequentemente sentem dor (média 3,03) e cansaço (média 3,19) ao final do dia, mas nunca se desmotivam para cuidar da pessoa enferma no domicílio (média 1,86) e não sentem dificuldades para dormir (47,1%); porém raramente estão dispostos para as atividades de lazer (média 3,03). Os domicílios em geral têm condições adequadas de limpeza e ventilação (71%), mas possuem alguns itens de risco para os idosos e os acamados, como piso escorregadio (42,9%), umidade de piso e parede (37,7%), tapetes com possibilidade de quedas (34,2%), degraus (82,4%), rampas (42,9%) e desnivelamentos (66,6%).

Verifica-se a falta de equipamentos para a assistência no domicílio, como cadeira de rodas (31,7%), cadeira de higiene (32,8%), cama hospitalar (53,5%), colchão casca de ovo (51,2%), andador (44,4%), bengala (31,25%) e materiais para curativos (58,3%).

Dependência para as AVD, risco para úlceras por pressão, anamnese e clínica do usuário

Parte dos usuários (41,2%) corre risco para úlcera por pressão, depende de outras pessoas para realizar as AVD durante o dia (57,9%), como se banhar, vestir-se, ir ao banheiro, locomover-se, alimentar-se ou manter controle de esfíncteres; alguns (32,4%) são dependentes para mais de cinco dessas seis funções do dia-a-dia. Quase todos têm algum problema de saúde (99,1%), sendo os mais prevalentes a hipertensão arterial sistêmica (HAS; 70%), o diabetes tipo II (DM; 29,8%) e o Acidente Vascular Encefálico (AVE; 26,3%). Esses problemas de saúde também acometem os cuidadores (70,1%), que relataram presença de HAS (55,7%) e DM tipo II (29,8%).

A dor é uma sensação bem frequente nos usuários em AD(52,8%), naqueles que sempre (22,1%) ou às vezes (30,7%, média 2,14) a sentem e poucos relatam disposição para o lazer (média 1,89, às vezes). Mais da metade têm dificuldade para dormir (56,1%), raramente ou às vezes precisam de medicamentos para isso (73,7%), mas há os que apresentam dependência constante (18,3%) de fármacos para adormecer.

Apresentam esquecimentos no dia-a-dia (63%), têm dificuldade de locomoção (85%, média 3,63) e visual (49%; média 3,59), mas escutam relativamente bem (57,8%; média 1,18). Alguns apresentam confusão mental (15,7%), dificuldade para falar (36,7%), paresia (21,9%) ou plegia (17,5%) de membros; outros são emagrecidos (28,9%), têm pele seca (28,9%), presença de feridas (13,1%) e apresentam higiene oral (20,1%) ou corporal inadequadas (13,1%).

Quanto à avaliação hemodinâmica dos entrevistados, verificou-se alteração cardiopulmonar à ausculta (19,9%), nos níveis pressóricos (44,7%) e na ingestão de líquidos (35,9%). Identificaram-se urina concentrada (19,3%), incontinência urinária (76,2%) e fecal (49,9%), diminuição nos ruídos hidroaéreos intestinal (14%), pele e mucosa secas (12,2%).

Os usuários que necessitam de atenção domiciliar no tipo 2 (AD2) em geral são mulheres (66,7%), com mais de 61 anos (86,7%), com algum grau de escolaridade (86,7%), com maior comprometimento clínico (26,6%) e com os fatores psicossociais, o grau de dependência e as inadequações do domicílio mais acentuados (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis sociodemográficas, clínicas, psicossociais, grau de dependência e condições do domicílio dos usuários classificados em AD1 e AD2 - Belo Horizonte, 2009-2010

Variáveis associadas à classificação do tipo de AD

A análise de regressão logística bruta das variáveis sociodemográficas, psicossociais, clínicas e do grau de dependência indicou associação ao tipo AD2 para os usuários entre 60 e 80 anos; com algum grau de escolaridade; com história de AVC; neoplasias; em uso de medicamentos; história de engasgos; com dificuldade de locomoção; esquecimentos freqüentes; maior comprometimento clínico (agudo ou descompensado); confusão no estado de consciência; sentimentos de tristeza; alterações no relacionamento afetivo entre os membros da família; fraca disposição para o lazer; presença de feridas; risco para ulcera por pressão; necessidade e a disponibilidade de cama hospitalar; semidependência no índice de Katz; presença de rampas no domicílio (p<0,05) (Tabela 2).

Tabela 2
Regressão logística bruta e ajustada para seleção das variáveis associadas ao tipo de AD requerida pelos usuários no território das UBS - Belo Horizonte, 2009-2010

No ajuste do modelo pela regressão logística, permaneceram como variáveis fortemente associadas ao tipo de AD o maior comprometimento clínico dos usuários (OR=27,47; p=0,001), o estado emocional triste (OR=24,36; p=0,006), o risco para úlcera por pressão pela escala de Braden (OR=7,6; p=0,029) e a semidependência para as AVD pelo índice de Katz (OR=63,8; p=0,036). Além disso, a presença de rampas no domicílio (OR=13,14; p=0,005) aparece fortemente associada a AD2, possivelmente por indicar uma consequência dessa condição. Baseado em uma decisão conservadora em relação ao ajuste das demais variáveis do modelo e por sua relevância, a variável idade foi mantida no modelo final, ainda que não significativa estatisticamente (p=0,064).

DISCUSSÃO

O perfil social, familiar e clínico do usuário em AD traduz a situação da população idosa que é atendida pelo SUS, caracterizada por: baixa escolaridade e renda, em geral mulheres, com dificuldades de locomoção, problemas de saúde crônico-degenerativos, dependência para as AVD e que demandam cuidados no domicílio por parte da família, por vezes gerando tensões na dinâmica do lar( 55. Thume E, Facchini LA, Tomasi E, Vieira LAS. Assistência domiciliar a idosos: fatores associados, características do acesso e do cuidado. Rev Saúde Pública. 2010;44(6):1102-11. , 1818. Rodrigues SLA, Watanabe HAW, Derntl AM. A saúde de idosos que cuidam de idosos. Ver Esc Enferm USP. 2006;40(4):493-500.

19. Gaspar JC, Oliveira MAC, Duayer MFF. Perfil dos pacientes com perdas funcionais e dependência atendidos pelo PSF no município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(4):619-28.
- 2020. Martins JJ, Schneider DG, Coelho FL, Nascimento ERP, Albuquerque GL, Erdmann AL, et al. Avaliação da qualidade de vida de idosos que recebem cuidados domiciliares. Acta Paul Enferm. 2009;22(3):265-71. ).

As condições sociais precárias, acentuadas pelo sofrimento de conviver com uma enfermidade de longa duração em casa, intensificam a complexidade da situação com que os profissionais de saúde deparam-se na Atenção Domiciliária, capaz de gerar reflexões sobre o cuidar e sobre a própria vida. Assim, embora exista a possibilidade de reestruturação do modelo assistencial pela tensão entre os distintos saberes, realidades e dinâmicas de vida no atendimento domiciliário, capaz de gerar mudanças significativas na abordagem à saúde( 33. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76. - 44. Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(3):180-8. ), o baixo poder de pressão dos usuários tende a manter a hegemonia do profissional, por meio de uma relação dialética entre a ajuda e o poder que caracteriza a politicidade do cuidado( 77. Pires MRGM. Politicidade do cuidado e processo de trabalho em saúde: conhecer para cuidar melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(4):1025-35. ).

Diante da complexidade dos problemas sociais, clínicos e epidemiológicos com que as equipes de saúde deparam-se na AD, persistem as necessidades de instrumentos de trabalho, conhecimentos aplicados e concepções de cuidado para agir na realidade encontrada. Ao se inverter o lócus do atendimento do serviço de saúde para o domicílio, modifica-se a lógica da assistência.

Nos serviços de saúde, ocorre maior padronização de procedimentos que costumam unificar disciplinarmente os corpos humanos, traduzindo-se em aprisionamento do cuidar em atos destituídos de sentido. Ao adentrar nas residências das pessoas, interage-se com os convívios, os conflitos e as dinâmicas da vida privada, bem como com a pobreza socioeconômica da maioria da população brasileira que utiliza o SUS. Privados dos muros, dos manuais e das técnicas que os protegem nos serviços de saúde, os profissionais vêem-se, muitas vezes, com poucas opções de intervenções na situação complexa encontrada, em especial que aborde integralmente a família, que considere a clínica ampliada( 88. Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 53-92.

9. Silva IZQJ, Trad LAB. O trabalho em equipe no PSF: investigando a articulação técnica e a interação entre os profissionais. Interface Comun Saúde Educ. 2005;9(16):25-38.
- 1010. Lopes TC, Mota JAC, Coelho S. Perspectivas de um programa de internação domiciliar neonatal no Sistema Único de Saúde. Rev Latino Am Enferm. 2007;15(4):543-48. ) ou que conceba o cuidado como relação permeada de poder, capaz de desencadear possibilidades libertárias nos sujeitos envolvidos.

Nesses termos, há de se investir numa abordagem ampliada do cuidado para a gestão de interações disruptivas entre profissionais, usuários, cuidadores e família, em prol da autonomia. Defende-se aqui uma epistemologia crítica e dialética do cuidado centrada numa humanidade que é sapiens e demens, razão e loucura, comunhão e destruição, poder e contra-poder, corpo, alma e desejo. Há de se investir na biopolítica de produção emancipatória de sujeitos centrada em concepções filosóficas, ontológicas, ecológicas e políticas, sintetizadas no triedro 'conhecer para cuidar melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar'( 88. Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 53-92. ).

O contexto de vida, as condições materiais para a AD, a dinâmica da vida familiar, a subjetividade do usuário e do cuidador são aspectos pouco aprofundados nas práticas dos profissionais, que reclamam a falta de referenciais para fazê-lo( 1515. Figueiredo NVF. Tecnologias para a assistência domiciliar na Atenção Básica: em busca de ferramentas que subsidiem o trabalho da equipe saúde da família {dissertação}. Belo Horizonte: Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais; 2010. , 2121. Püschel VAA, Ide CAC, Chaves EC. Modelos clínicos e psicossocial de atenção ao indivíduo e à família na assistência domiciliar: bases conceituais. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(2):261-68. ). A vulnerabilidade do cuidador detectada neste e em outros estudos( 1818. Rodrigues SLA, Watanabe HAW, Derntl AM. A saúde de idosos que cuidam de idosos. Ver Esc Enferm USP. 2006;40(4):493-500. ), seja física, social ou emocional, torna-o igualmente dependente da AD pelas equipes de saúde, o que aumenta a complexidade das abordagens necessárias por parte dos profissionais, induzindo-os ao trabalho interdisciplinar em rede( 33. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76. - 44. Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(3):180-8. , 88. Campos GWS. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006. p. 53-92. , 2121. Püschel VAA, Ide CAC, Chaves EC. Modelos clínicos e psicossocial de atenção ao indivíduo e à família na assistência domiciliar: bases conceituais. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(2):261-68. ).

Nas condições dos usuários e do cuidador avaliadas nesta investigação, visualizam-se necessidades de saúde que requerem prioritariamente intervenções de enfermagem( 1818. Rodrigues SLA, Watanabe HAW, Derntl AM. A saúde de idosos que cuidam de idosos. Ver Esc Enferm USP. 2006;40(4):493-500.

19. Gaspar JC, Oliveira MAC, Duayer MFF. Perfil dos pacientes com perdas funcionais e dependência atendidos pelo PSF no município de São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(4):619-28.
- 2020. Martins JJ, Schneider DG, Coelho FL, Nascimento ERP, Albuquerque GL, Erdmann AL, et al. Avaliação da qualidade de vida de idosos que recebem cuidados domiciliares. Acta Paul Enferm. 2009;22(3):265-71. ), articuladas ao trabalho das equipes de AD no SUS. Nesse sentido, as variáveis que mais influenciaram a classificação do usuário neste estudo subsidiam um olhar abrangente sobre a realidade, contribuindo para a gestão de um cuidado que considere muito mais que o biológico e o corpo físico na rede de serviços. Prova disso é que os itens que compõem o instrumento de abordagem do usuário em AD, em especial a versão reduzida do questionário, mostraram-se adequados tanto à pesquisa quanto ao processo de trabalho dos profissionais( 1515. Figueiredo NVF. Tecnologias para a assistência domiciliar na Atenção Básica: em busca de ferramentas que subsidiem o trabalho da equipe saúde da família {dissertação}. Belo Horizonte: Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais; 2010. ).

As variáveis identificadas que influenciaram significativamente a classificação de AD2 permitiram o entrelaçamento entre condições clínicas, emocionais e o contexto sociofamiliar do usuário e do cuidador. Ou seja, a idade entre 60 e 80 anos, o grau de comprometimento clínico, o estado emocional triste, o risco para úlcera por pressão, a semidependência para as AVD pelo Índice de Katz e a presença de rampas no domicílio evidenciam a interdependência dos aspectos físicos, mentais e sociais na produção das condições de saúde das pessoas, requerendo abordagens interdisciplinares, epistêmicas e ontológicas do cuidar, no âmbito da rede de AD.

Destaque-se que a associação entre a presença de rampas no domicílio e a classificação AD2 representa um possível viés de causalidade reversa, decorrente da transversalidade do estudo e da impossibilidade de identificar a temporalidade dos eventos. Assim, provavelmente a presença de rampa não determina a condição do usuário, e sim é determinada por ela, sendo decorrente de adaptações realizadas pela família para acolher o usuário clinicamente mais comprometido (AD2).

Algumas variáveis relacionadas ao contexto social (ausência de cuidador, idoso cuidando de idoso, sentimentos acentuados de tristeza e solidão, alterações no relacionamento afetivo, modificações no ritmo de vida e trabalho da família), ambiental (ausência de equipamentos para a AD, condições do domicílio inadequadas) e ao cuidador (sobrecarga, falta de orientações, dor, cansaço ou indisposição para o lazer) sintetizam a premência de abordagens plurais de cuidado e traduzem-se em sinalizadores para a vigilância à saúde( 11. Rehem TCMSB, Trad LAB. Assistência domiciliar em saúde: subsídios para um projeto de Atenção Básica brasileira. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10 Supl:231-42.

2. Lacerda MR, Giacomozzi CM, Oliniski SR, Truppel TC. Atenção à saúde no domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saude Soc. 2006;15(2):88-95.

3. Silva KL, Sena RR, Seixas CT, Feuerwerker LCM, Merhy EE. Atenção domiciliar como mudança do modelo tecnoassistencial. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):166-76.
- 44. Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(3):180-8. ). Além disso, o monitoramento da classificação do usuário em AD por meio de variáveis que sinalizam sua condição de saúde permite que as equipes aprimorem a continuidade do cuidado no âmbito das RAS.

Como limitações do estudo, aponte-se o fato da transversalidade não permitir estabelecimento claro de temporalidade entre os eventos estudados. Além disso, a predominância do tipo AD-1 na população investigada, inerente ao perfil da população da ESF, aponta para a necessidade de investigações em casos menos homogêneos para permitir maior generalização dos resultados (validade externa).

CONCLUSÃO

As variáveis associadas a classificação do tipo de Atenção Domiciliária identificadas nessa pesquisa subsidiam a tomada de decisão da equipe sobre as prioridades e a melhor forma de atender às necessidades de saúde daqueles que precisam de cuidados domiciliares no território em saúde, subsidiando a gestão do cuidado ampliado nas Redes de Atenção à Saúde no SUS. A perspectiva de rede expressa nas microferramentas de organização dos serviços de saúde - como as linhas de cuidado, a coordenação da clínica, dos casos, das condições de saúde e das listas de espera - pode ser potencializada pelo monitoramento de variáveis que influenciam na classificação do tipo de Atenção Domiciliária pelas equipes, calcadas no contexto sócio-familiar, na avaliação da AVD, na anamnese e na clínica dos usuários.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013
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