RESUMO
Objetivo Avaliar a morfologia de biséis de agulhas hipodérmicas após a aspiração de drogas e a percepção de conforto ocasionado pela troca ou não de agulhas entre preparo e administração de medicamentos pela via subcutânea.
Método Pesquisa experimental realizada em dois momentos. Inicialmente, agulhas hipodérmicas foram analisadas por microscopia eletrônica de varredura e, em seguida, um ensaio piloto foi conduzido com os participantes, que indicaram o nível de conforto percebido no momento da penetração dos biséis das agulhas durante a administração pela via subcutânea.
Resultados Participaram do estudo 41 pacientes adultos internados. Apesar de as agulhas terem apresentado de discreta a importante alteração morfológica, quando avaliadas por ultramicroscopia, os participantes deste estudo não foram capazes de relatar alterações sensoriais significativas durante a penetração destas nas duas técnicas adotadas.
Conclusões A padronização de seringas com agulhas fixas ou o uso de uma única agulha tanto para o preparo quanto para a administração de medicamentos pela via subcutânea devem ser considerados como estratégias para redução da produção de resíduos perfurocortantes, diminuição do custo por procedimento e limitação do risco de contaminação de dispositivos considerados críticos.
DESCRITORES Injeções Subcutâneas; Agulhas; Seringas; Enfermagem Baseada em Evidências; Conforto do Paciente
RESUMEN
Objetivo Evaluar la morfología de biseles de agujas hipodérmicas luego de la aspiración de drogas y la percepción de confort ocasionado por el cambio de agujas entre la preparación y la administración de fármacos por la vía subcutánea.
Método Investigación experimental llevada a cabo en dos momentos. Inicialmente, agujas hipodérmicas fueron analizadas por microscopia electrónica de barrido y, a continuación, un ensayo piloto fue conducido con los participantes, quienes señalaron el nivel de confort percibido en el momento de la penetración de los biseles de las agujas durante la administración por la vía subcutánea.
Resultados Participaron en el estudio 41 pacientes adultos ingresados. A pesar de que las agujas hayan presentado de discreta a importante modificación morfológica, cuando evaluados por ultramicroscopia, los participantes de este estudio no fueron capaces de relatar modificaciones sensoriales significativas durante la penetración de esas en ambas técnicas adoptadas.
Conclusión La estandarización de jeringas con agujas fijas o el empleo de una sola aguja tanto para la preparación como la administración de fármacos por la vía subcutánea se deben considerar como estrategias para reducción de la producción de residuos punzocortantes, reducción del costo por procedimiento y limitación del riesgo de contaminación de dispositivos considerados críticos.
DESCRIPTORES Inyecciones Subcutáneas; Agujas; Jeringas; Enfermería Basada en la Evidencia; Comodidad del Paciente
ABSTRACT
Objective To evaluate the morphology of hypodermic needle bevels after drug aspiration, and the perception of comfort caused by the change or not of needles between preparation and subcutaneous drug administration.
Method Experimental research carried out in two moments. Initially, hypodermic needles were analyzed by scanning electron microscopy, and then a pilot trial was conducted with the participants, which indicated the level of comfort perceived at the time of needle bevel penetration during subcutaneous administration.
Results Forty-one adult inpatients participated in the study. Although the needles presented a slight to significant morphological alteration when evaluated by ultramicroscopy, the participants in this study were not able to report significant sensory changes during their penetration in the two techniques used.
Conclusions The standardization of fixed needle syringes, or the use of a single needle for both the preparation and the subcutaneous drug administration should be considered as strategies to reduce the production of sharp-perforating residues, to decrease the cost per procedure, and to limit the risk of contamination of critical devices.
DESCRIPTORS Injections; Subcutaneous; Needles; Syringes; Evidence-Based Nursing; Patient Comfort
INTRODUÇÃO
Dentre as diversas atribuições do enfermeiro e dos demais integrantes da equipe de Enfermagem no ambiente hospitalar, a responsabilidade pela administração de medicamentos representa uma das ações colaborativas mais importantes para a prática da Enfermagem moderna. Para tal, é exigido conhecimento técnico-científico específico para o armazenamento, a manipulação, o preparo, a administração e o descarte dos mais diversos insumos envolvidos na técnica. Além disso, incumbe ao enfermeiro, na maioria dos casos, o correto treinamento dos pacientes acerca da autoadministração de injeções no domicílio, quando necessário. Assim, a prática diária do enfermeiro apresenta impacto direto na experiência do paciente internado em instituições hospitalares e pode ter relação com a segurança do paciente e com sua aderência às terapias medicamentosas propostas tanto no hospital quanto no domicílio.
Dentre as vias disponíveis, destacam-se as vantagens da administração de medicamentos diretamente no tecido subcutâneo. Esta via envolve uma técnica relativamente simples, pouco dolorosa, menos agressiva do que a injeção intramuscular ou endovenosa, além de permitir a autonomia do paciente, por viabilizar a automedicação no domicílio. Atualmente, diversas patologias requerem o uso frequente, muitas vezes ad aeternum, de drogas injetáveis pela via subcutânea como, por exemplo, o diabetes, a trombose venosa profunda(1), os cuidados paliativos(2) e as infecções pelos vírus HIV ou HCV(3-4). Em outros casos, esta via tem sido considerada como alternativa bastante efetiva para diversas terapias e em alguns casos é a única opção viável, como nos tratamentos que adotam peptídeos − insulinas, imunoglobulinas por exemplo(5-7), cuja administração oral inativaria por completo a ação esperada dos princípios ativos dos fármacos.
Apesar da ‘fobia de agulhas’ ser um fator potencialmente complicador para o sucesso das terapias que envolvem injeções(8), estima-se que sua prevalência seja inferior a 25% na maioria dos estudos que tratam deste medo. Uma alternativa para isto seria o uso de dispositivos livres de agulha, que nem sempre são de livre acesso a toda a população, em especial a mais carente, pelo seu ainda alto custo, o que ajuda a explicar o crescente uso da técnica de administração subcutânea no tratamento das mais diversas patologias.
Atualmente, duas distintas técnicas de administração de fármacos pela via subcutânea são aceitas pela maioria das literaturas especializadas em Enfermagem. A primeira delas, aqui denominada ‘técnica convencional’, preconiza a troca das agulhas entre os passos de preparo e a administração propriamente dita. A vantagem desta técnica estaria relacionada com a garantia da integridade física do bisel e, com isto, maior facilidade de introdução da agulha na pele do paciente, o que reduziria o desconforto observado durante o procedimento. Contudo, o inegável problema dos acidentes com materiais perfurocortantes, sobretudo entre os profissionais de Enfermagem, tem impulsionado os fabricantes destes materiais, já em consonância com orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a desenvolverem dispositivos com agulhas fixas ou travas de segurança, o que dificulta ou até mesmo impede a troca de agulhas, diminuindo, consequentemente, sua manipulação e o risco de acidente derivado.
Deste modo, uma segunda técnica emergiu da necessidade da prática profissional da Enfermagem e dos avanços observados nos últimos anos no campo da engenharia de materiais biomédicos. Tal técnica prevê o uso de uma mesma agulha tanto para o preparo/aspiração, quanto para a administração de fármacos. Neste caso, ao se usar apenas uma agulha (fixa ou não) obtém-se redução de: (1) custo do procedimento, (2) risco de contaminação (pela diminuição da manipulação do conjunto seringa/agulha), (3) produção de resíduos perfurocortantes e (4) risco de acidente por desconexão manual de agulhas após o procedimento (nos conjuntos fixos seringa/agulha).
Dados de 2002 da OMS, demonstram que cerca de 2 milhões de acidentes com objetos perfurocortantes acontecem anualmente entre os profissionais de saúde e podem ter sido responsáveis por 37,6% dos casos de infecção pelo vírus da hepatite B, 39% dos casos de HCV (ambos representam 40% de todos os casos de hepatites virais no mundo) e 4,4% dos casos de infecção pelo HIV (2,5% do total) em profissionais de saúde. Neste sentido, estudos recentes apontam para dados ainda mais alarmantes, mesmo após a adoção de dispositivos próprios para descarte de perfurocortantes e a proibição sumária do reencape de agulha(9). Os manuais e as recomendações que tratam das técnicas envolvendo objetos perfurocortantes são bastante claros e incisivos com relação aos procedimentos preconizados, com o intuito de manter a integridade do profissional de saúde. Entretanto, os acidentes com perfurocortantes ainda são um grande problema na área da saúde, sobretudo para os profissionais de Enfermagem, que manipulam cateteres e agulhas com muito mais frequência do que os demais profissionais(10-11).
Atualmente, diversos estudos já foram conduzidos na tentativa de correlacionar: (1) a aplicação de compressas mornas ou frias antes e depois do procedimento(12), (2) o posicionamento do bisel(13), (3) o tempo de demora do procedimento(14), (4) o volume administrado(14), (5) o sítio de inserção da agulha(15) e (6) a aspiração (após a introdução da agulha no tecido subcutâneo)(16) à percepção de dor relatada pelo paciente, à formação de hematomas e à adesão aos tratamentos medicamentosos.
Contudo, uma ampla e exaustiva busca nos principais bancos de dados internacionais (LILACS, IBECS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane, SciELO e CINAHL) com os termos ‘subcutaneous’ e ‘needle’ revelou, dentre mais de 8 mil registros, apenas um ensaio relacionado ao impacto da troca de agulhas na percepção de dor durante a técnica de administração subcutânea de medicamentos(17). Além disso, o impacto da troca de agulhas entre a aspiração e a administração de heparina subcutânea foi avaliado em um estudo(18) na formação de hematomas, sem, contudo, contemplar o aspecto da dor/do desconforto.
Deste modo, este estudo tem por objetivos: (1) determinar se a aspiração de drogas injetáveis contidas em frascos-ampolas e em frascos multidoses é capaz de gerar alterações morfológicas importantes nos biséis de agulhas hipodérmicas; e (2) avaliar se o comprometimento do fio das agulhas é responsável por um aumento na percepção de desconforto pelos pacientes usuários de medicações por esta via. Sendo assim, este estudo busca discutir o impacto, para a prática da Enfermagem e para o conforto de pacientes nos serviços de saúde, da introdução de seringas com agulhas hipodérmicas fixas no tratamento de doenças que necessitem da administração frequente de drogas pela via subcutânea.
MÉTODO
Agulhas hipodérmicas trifacetadas de quatro diferentes calibres (0,25 x 6 mm; 0,3 x 8 mm; 0,3 x 13 mm e 0,45 x 13 mm) foram submetidas à microscopia eletrônica de varredura após mimetização do preparo/da aspiração de medicamentos injetáveis acondicionados em frascos ampolas ou frascos multidoses. Apenas agulhas de uma marca previamente avaliada e aprovada pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, Brasil) foram utilizadas neste estudo. Por não haver conflitos de interesse, o nome do fabricante foi mantido em sigilo.
Para a primeira amostra experimental, as agulhas dos grupos ‘frasco multidose 1x’ (n = 5) e ‘frasco multidose 2x’ (n = 5) foram introduzidas respectivamente uma e duas vezes na tampa emborrachada própria dos frascos, enquanto que as agulhas do grupo ‘vidro’ foram utilizadas em ampolas de vidro (n = 5). A segunda amostra experimental foi obtida com auxílio de 15 enfermeiros que concordaram em participar anonimamente deste estudo. Cada enfermeiro foi orientado a aspirar o conteúdo de uma ampola de vidro de heparina sódica (5.000 UI em 250 μL), conforme preconizado pela técnica de enfermagem (buscando se evitar encostar o bisel das agulhas nas paredes das ampolas). Nenhum dos enfermeiros teve prévio conhecimento de que as agulhas seriam avaliadas por microscopia eletrônica de varredura.
Em seguida, as porções plásticas das agulhas foram removidas do segmento metálico e descartadas. Para os ensaios de microscopia eletrônica de varredura, as agulhas foram cuidadosamente fixadas em suporte de alumínio forrado com fita condutora dupla-face de carbono, de forma a não permitir o contato dos biséis com a placa. As imagens foram obtidas em microscópio Jeol 5310 operando a 15 kV e distância de trabalho de 19 mm (work distance), com auxílio do programa Sem Afore® JEOL 3.0 Pro na resolução de 1024 X 768 pixels.
O ensaio duplo-cego piloto foi conduzido com 41 pacientes adultos internados em um hospital universitário da cidade do Rio de Janeiro (Brasil), que já faziam uso regular de heparina sódica pela via subcutânea. Foram excluídos os pacientes que apresentavam comprometimento imunológico avaliado por leucogramas realizados recentemente ou dosagem de linfócitos T-CD4+, no caso de pacientes portadores de HIV, pacientes descompensados, pacientes com qualquer alteração do nível de consciência e orientação avaliado através de exame físico e registros em prontuário e pacientes com diagnósticos clínicos relacionados à alteração da percepção de dor, como por exemplo: deficiência sensitivo-motora, doença vascular periférica e neuropatia periférica.
Cada paciente recebeu pelo menos duas doses de 5.000 UI de heparina sódica preparadas com as duas técnicas de administração subcutânea de medicamentos atualmente aceitas pela literatura (‘técnica convencional’ e ‘técnica emergente’ (vide introdução, n total = 182 injeções). Todas as doses foram aplicadas com intervalo de tempo entre 8 e 12 horas, segundo as prescrições médicas dos participantes, pelo mesmo enfermeiro, que respeitava o rodízio do sítio de aplicação apontado pelo paciente, com velocidade de administração de 1 mL a cada 10 segundos, ângulo de inserção da agulha de 90° (em prega cutânea realizada com a mão não dominante), sem ar no lúmen da agulha, sem aspiração prévia do panículo subcutâneo e sem aplicação de frio antes ou depois do procedimento.
Após cada injeção, uma escala tipo Likert de conforto/desconforto (muito desconfortável, desconfortável, neutro, confortável e muito confortável) foi imediatamente apresentada a cada paciente, que indicou qual dos níveis mais se aproximava do percebido durante a penetração da agulha (e não durante a inserção do líquido). A palavra ‘dor’ não foi utilizada com o objetivo de evitar qualquer indução de percepção aos participantes do estudo. Foram respeitadas as técnicas assépticas, tanto no preparo das medicações quanto em sua administração. Os conjuntos agulha-seringa foram alocados em recipientes próprios para o descarte de resíduos perfurocortantes. Ao final do ensaio piloto, os dados foram tabelados e analisados pareadamente (‘técnica convencional’ x ‘técnica emergente’) com auxílio do software SPSS®.
Representação esquemática do processo de recrutamento e acompanhamento dos participantes do estudo.
O estudo duplo-cego sobre a percepção do (des)conforto relatado durante a técnica de administração subcutânea de medicamentos foi conduzido de acordo com a resolução no 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery e Hospital Escola São Francisco de Assis, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o registro 439.346 (CAAE 19112413.4.3001.5257) em outubro de 2013. Após a aprovação do Comitê de Ética, os participantes foram selecionados segundo os critérios de inclusão e exclusão descritos na metodologia e assinaram o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
As imagens de microscopia eletrônica de varredura demostraram que, para as agulhas de menores tamanhos/calibres (0,25 x 6 mm e 0,25 x 8 mm), a passagem dos biséis pela tampa de látex dos frascos multidoses, até mesmo duas vezes (‘FMD 2 x’ (frascos multidoses)), não parece ser responsável por alterações significativas em sua morfologia. Mas, quando em contato com as paredes de vidro das ampolas (amostra ‘ampola’), os biséis de duas das agulhas apresentaram alterações perceptíveis quando comparados com os das agulhas do grupo controle. Neste sentido, justifica-se a avaliação de agulhas hipodérmicas de diferentes calibres, nas quais tais alterações poderiam ser mais facilmente percebidas (Figura 2).
Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) de quatro diferentes agulhas hipodérmicas após preparo da medicação a partir de frascos multidoses (FMD) ou ampolas de vidro (vidro).
Para as agulhas com medidas 0,3 x 13 mm e 0,45 x 13 mm, alterações mais importantes foram detectadas em todas as condições experimentais, o que demonstra que uma única introdução da agulha pela borracha do frasco multidose (‘FMD 1 x’) pode ser responsável pela alteração morfológica do seu bisel. Uma segunda introdução das agulhas pela tampa de borracha destes frascos parece ter intensificado o comprometimento morfológico observado em tais biséis. Nestas agulhas, pôde-se observar o desvio da ponta do bisel e até mesmo perda do fio das amostras (‘FMD 2 x’), tal como apontado pelos respectivos asteriscos da Figura 2. Tal como ocorrido com as agulhas de menor calibre, alterações morfológicas perceptíveis também foram encontradas nas agulhas utilizadas para o preparo de heparina contida em frascos de vidro (‘ampola’).
Os resultados obtidos foram comparados com a análise ultraestrutural dos biséis de agulhas não usadas (controle), n=5 para cada variável. Asteriscos representam as alterações mais perceptíveis à MEV (coluna da direita). As barras representam 100 μm.
Resultado similar foi obtido nas 15 amostras preparadas pelos enfermeiros colaboradores deste estudo. Neste grupo, é possível observar o desvio do bisel de várias agulhas, o que poderia estar relacionado com o aumento da percepção de desconforto pelos pacientes durante a administração subcutânea de medicamentos (Figura 3).
Microscopia Eletrônica de Varredura de agulhas hipodérmicas (26 G – 0,45 x 13 mm) utilizadas por 15 diferentes enfermeiros para o preparo de medicações.
Todas as agulhas apresentaram considerável perda do fio quando analisadas por Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) – para detalhes, vide metodologia. As barras representam 100 μm.
A análise global da percepção sensorial dos participantes do estudo demonstra que, independentemente da troca da agulha entre o preparo e a administração, a técnica de injeção subcutânea de medicamentos tende a ser considerada neutra ou confortável pela maioria da população (Figura 4). Apenas 11,54 % das injeções foram consideradas desconfortáveis ou muito desconfortáveis durante o ensaio duplo-cego piloto.
Percepção de conforto referida pelos 41 participantes do ensaio duplo-cego durante a técnica de administração subcutânea de uma medicação de uso comum a todos.
Legenda: muito desc. – muito desconfortável; desc. – desconfortável; conf. – confortável e muito conf. – muito confortável.
A maior parte das aplicações (88,46%, n=161) foi considerada neutra, confortável ou muito confortável pelos participantes deste estudo piloto.
A mediana do escore de (des)conforto relatado pelos participantes deste estudo durante o uso da técnica emergente de administração subcutânea de medicamentos foi de -1 na escala de Likert adaptada (correspondente ao ponto ‘conforto’ – desvio-padrão = 0,905) enquanto a mediana do escore para a técnica convencional foi 0 nesta mesma escala (correspondente ao ponto ‘neutro’ – desvio-padrão = 0,905). A análise estatística da mediana da intensidade do (des)conforto relatado entre as técnicas ‘emergente’ e ‘convencional’ demonstrou ausência de diferença significativa pelo Teste U de Mann-Whitney (p = 0,622), indicando que ambas as técnicas podem ser igualmente percebidas pelos participantes deste estudo (Figura 5).
Significância assintótica do qui-quadrado dos eventos totais (técnicas emergente e convencional).
Legenda: muito desc. – muito desconfortável; desc. – desconfortável; conf. – confortável e muito conf. – muito confortável.
A análise não pareada dos dados obtidos não revelou, na maioria dos casos, diferença significativa na percepção do nível de (des)conforto relatado pelos pacientes do estudo durante o ensaio duplo-cego.
DISCUSSÃO
A avaliação dos biséis de agulhas hipodérmicas submetidas à microscopia eletrônica de varredura conduzida neste estudo confirma a hipótese de que o preparo de medicamentos é suficiente para causar alterações morfológicas perceptíveis nas pontas de agulhas. Estudo in vitro comparando agulhas hipodérmicas trifacetadas e pentafacetadas demonstrou que a geometria do bisel tem direta relação com força necessária para a penetração de agulhas em um substitutivo artificial da pele humana(19). Deste modo, parece prosperar a teoria de que a troca das agulhas entre o preparo e a administração de drogas pela via subcutânea, como forma de garantir a morfologia dos biséis, pode ter influência positiva na percepção de desconforto em pacientes que fazem uso de fármacos por esta via. A presença e a intensidade da dor em resposta à troca de agulhas entre os passos de preparo e administração de medicamentos foram previamente avaliadas para medicações administráveis pela via intramuscular. Neste estudo randomizado (também com 50 participantes), houve significativa diferença da percepção de dor frente às técnicas ‘convencional’ e ‘emergente’(20). Contudo, o mesmo resultado não pôde ser observado durante um ensaio randomizado em outro estudo(17) envolvendo a administração subcutânea de medicamentos. Este trabalho suscita dúvidas com relação à possibilidade de comparação dos dados obtidos com as duas técnicas de administração subcutânea de fármacos – ‘convencional’ e ‘emergente’ –, devido à falta de cegamento do ensaio, e uma possível interferência subconsciente do pesquisador nos resultados observados, pelo uso de distintos calibres/distintas medidas de agulhas entre as duas técnicas (13 x 0,45 mm e 12,7 x 0,4 mm) e pela comparação da percepção de dor entre diferentes indivíduos (randomização).
Devido ao caráter subjetivo e pessoal da percepção sensorial humana(21) e ao impacto negativo que a dor durante a administração de drogas injetáveis pode representar para a aderência aos tratamentos(22), o ensaio duplo-cego piloto realizado neste estudo buscou comparar a percepção de conforto/desconforto frente às duas técnicas aqui contempladas (‘convencional’ e ‘emergente’) entre os mesmos indivíduos. Após o pareamento dos dados, a análise estatística dos resultados obtidos no ensaio resultou em concordâncias (poor e fair) entre os escores atribuídos pelos participantes após os procedimentos realizados com as técnicas ‘convencional’ e ‘emergente’ (valor de Kappa 0, 186 e 0,237, dado não mostrado), apontando para a dificuldade de correlação entre as variáveis. Além disso, em ambos os sets de experimentos (1 e 2), o valor de p obtido com o teste de Wilcoxon para amostras pareadas ficou acima de 5%. Deste modo, dentro da amostragem obtida durante ensaio piloto realizado neste trabalho, não foi possível inferir correlação entre a percepção de desconforto e as técnicas utilizadas para o preparo das injeções subcutâneas. Tais resultados concordam com os observados em um estudo anterior, que tampouco encontrou relação significativa entre as técnicas ‘convencional’ e ‘emergente’, e a percepção de dor pelos participantes daquele estudo(17). Assim, pode-se sugerir que a percepção de conforto/desconforto nestes casos parece estar mais relacionada com o desenvolvimento da técnica pelo enfermeiro e a fatores intrínsecos diversos do que, pelo uso de agulhas com as pontas de seus biséis danificadas durante o preparo da droga.
Por outro lado, a baixa frequência de alterações morfológicas perceptíveis nos biséis das agulhas hipodérmicas avaliadas neste estudo, conforme observado na Figura 2, pode justificar a dificuldade de correlação estatística entre a percepção sensorial do participante e a técnica utilizada. Somado a isso, a grande maioria dos participantes deste ensaio piloto avaliou a técnica de administração de medicamentos pela via subcutânea como um procedimento neutro ou até mesmo confortável, o que pode justificar e encorajar o crescente uso desta via para os mais diversos tratamentos farmacológicos. O papel positivo do conforto para a adesão à insulinoterapia, por exemplo, já foi descrito pela literatura(23).
Por fim, as discretas alterações morfológicas observadas por este estudo nas agulhas de menores tamanhos (0,25 x 6 mm e 0,25 x 8 mm) podem apontar para a padronização das menores agulhas durante a administração subcutânea de medicamentos. Tal sugestão é também embasada por uma revisão(24), que aponta diferença significativa na percepção de dor entre agulhas de menores e maiores tamanhos.
Apesar de os dados obtidos neste estudo reafirmarem os resultados do ensaio randomizado previamente conduzido por outro estudo(17) com 240 pacientes, a baixa amostragem deste estudo piloto pode ser considerada uma limitação. Assim, novos ensaios, preferencialmente multicêntricos e com maior número de participantes, devem ser considerados.
CONCLUSÃO
Os dados obtidos neste estudo, em consonância com os resultados já disponíveis na literatura internacional, indicam que, para a técnica de injeção subcutânea de medicamentos, a prática do uso de diferentes agulhas nos passos de preparo e administração não oferece significativa vantagem para percepção de conforto/desconforto pelo paciente. Tais conclusões apontam para a possibilidade de padronização da ‘técnica emergente’ em detrimento da ‘técnica convencional’, e estão ainda em consonância com a crescente necessidade e tendência da prática da Enfermagem baseada em evidências.
O uso de uma única agulha pode representar diversas vantagens para o referido procedimento, tanto do ponto de vista do paciente quanto dos serviços de saúde, ou seja, menor custo com a compra de agulhas sobressalentes, redução da manipulação da seringa e possível diminuição do risco de contaminação de fármacos; redução do descarte perfurocortante gerado e simplificação da técnica, sobretudo para os pacientes que a executam em seus domicílios. Por fim, a padronização da ‘técnica emergente’ não deve encontrar resistência entre enfermeiros e na comunidade científica internacional, considerando-se trabalhos recentes e guidelines atuais, que já descrevem a técnica de injeção subcutânea de medicamentos sem a prática da troca de agulha entre o preparo e a administração.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2018
Histórico
-
Recebido
06 Jun 2017 -
Aceito
13 Nov 2017