Resumos
Pela primeira vez é registrada a ocorrência do gênero Neotropical Ungla Navás, 1914 em ecossistema brasileiro. Uma nova espécie é descrita para Sete Lagoas, Minas gerais, Brasil. Uma chave para espécies de Ungla é fornecida.
Bicho lixeiro; controle biológico; predador
The Neotropical genus Ungla Navás, 1914 is recorded for the first time in the Brazilian ecosystem. A new species is described from Sete Lagoas, Minas Gerais, Brazil. A key for the Ungla species is added.
Biological control; green lacewings; predator
SISTEMÁTICA, MORFOLOGIA E BIOGEOGRAFIA
Ocorrência de Ungla Navás (Neuroptera, Chrysopidae) no Brasil e descrição de nova espécie
Occurrence of Ungla Navas (Neuroptera, Chrysopidae) in Brazil and description of a new species
Sérgio de Freitas
Departamento de Fitossanidade, Universidade Estadual Paulista. Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, 14884-900 Jaboticabal-SP, Brasil. serfre@fcav.unesp.br
RESUMO
Pela primeira vez é registrada a ocorrência do gênero Neotropical Ungla Navás, 1914 em ecossistema brasileiro. Uma nova espécie é descrita para Sete Lagoas, Minas gerais, Brasil. Uma chave para espécies de Ungla é fornecida.
Palavras-chave: Bicho lixeiro; controle biológico; predador.
ABSTRACT
The Neotropical genus Ungla Navás, 1914 is recorded for the first time in the Brazilian ecosystem. A new species is described from Sete Lagoas, Minas Gerais, Brazil. A key for the Ungla species is added.
Keywords: Biological control; green lacewings; predator.
Dentre os Chrysopidae, a subfamília Chrysopinae é a que possui maior número de espécies, sendo a tribo Chrysopini a mais bem representada na entomofauna brasileira. Nesta tribo estão alocados os gêneros: Chrysoperla Steinmann, 1964, Ceraeochrysa Adams, 1982, Chrysopodes (Chrysopodes) Navás, 1913, Chrysopodes (Neosuarius) Adams & Penny, 1987, Plesiochrysa Adams, 1982, Leucochrysa (Leucochrysa) McLachlan, 1868, Leucochrysa (Nodita) Navás, 1916 (Freitas & Penny, 2001). Cryptochrysa Freitas & Penny, 2000, Furcochrysa Freitas & Penny, 2000 (Freitas & Penny, 2000). Um amplo relato das espécies de crisopídeos encontrados no Brasil foi realizado por Freitas & Penny (2001), entretanto, nenhuma espécie do gênero Ungla foi registrada.
O gênero Ungla foi descrito por Navás, 1914, com base em Ungla annulata Navás, 1914, a única espécie incluída na ocasião. Adams (1975) reviu o gênero e concluiu que as suas características eram compartilhadas com as de Suarius Navás, 1914, sendo, portanto considerado por ele como sinônimo. Segundo Adams (1975) o caráter diferencial deste grupo está nas pernas anteriores bastante desenvolvida e semelhante à pernas de mirmeleontídeos (Neuroptera, Myrmeleontidae). Entretanto esta característica não pode ser considerada única, pois ela não é tão desenvolvida a ponto de ser nitidamente distinguida como afirma Adams (1975).
Brooks & Barnard (1990) concluíram, contrariando Adams (1975), que o gênero Ungla é válido e, vincularam a ele espécies de ocorrência neotropical registradas para Argentina e Peru. São elas: U. argentina (Navás, 1911) (=U. annulata Navás, 1914), U. binaria (Navás, 1923), U. confraterna (Banks, 1913) e U. nesotala (Banks, 1944).
Monserrat & Freitas (2005) estudaram espécies de crisopídeos da Patagônia e Terra do Fogo e acrescentaram novas características morfológicas às descrições U. argentina e U. binaria. Verificaram ainda, uma variação distinta da genitália masculina.
Segundo Brooks & Barnard (1990) as espécies de Ungla podem ser reconhecidas pelas seguintes características: adulto de coloração basicamente verde, asa anterior de comprimento entre 11-13 mm, cabeça marcada com manchas marrons no vértice, gena e entre as antenas; palpo achatado apicalmente, labro emarginado, mandíbulas largas, vértice elevado sem estrias, escapo tão largo quanto longo; pronoto marcado com manchas marrons, cerdas curtas e pretas; meso e metanoto sem marcas, pernas sem marcas com cerdas pretas curtas, garras sem dilatação na base; asas posteriores estreitas e sem marcas. Abdome sem marcas, ectoprocto fortemente invaginado; genitália do macho sem tignum, gonapsis, placa mediana, pseudopênis, entoprocessus e parâmeros; gonarcus com longo e sinuoso processo lateralmente; arcessus estreito, gonossacus com longas gonosetas; genitália da fêmea com espermateca curta e estreita, ducto longo e sinuoso.
MATERIAL E MÉTODOS
Uma oviposição foi coletada pela equipe do Dr. Ivan Cruz em plantios de milho, no município de Sete Lagoas, Minas Gerais, no Centro Nacional de Pesquisa em Milho e Sorgo, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA CNPMS). Os ovos foram levados ao laboratório e as larvas eclodidas criadas para obtenção dos adultos. As larvas, alimentadas com ovos de Anagasta kuehniella (Zeller) (Lepidoptera, Pyralidae), foram criadas em ambiente com temperatura de 25±1ºC, 70±10% UR, e 12 horas de fotofase.
Extremidades dos abdomens foram maceradas em solução de hidróxido de potássio a 10% por uma hora e corada em "clorazol black". A genitália foi exteriorizada para as observações e confecção dos desenhos.
As larvas foram sacrificadas em água quente, colocadas em solução de hidróxido de potássio por uma hora e clarificadas com ácido acético.
Ungla Navás, 1914
Ungla Navás, 1914: 224 (Espécie-tipo: Ungla annulata Navás, 1914, por designação original e monotipia).
Suarius Navás, 1914; Adams, 1975: 169 (syn.).
Ungla ivancruzi sp.nov.
Material-tipo. Holótipo macho. BRASIL. Minas Gerais, Sete Lagoas, EMBRAPA, CNPMS, Lab., 16.I.2007 (S. de Freitas), (MZSP Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo). Parátipos: 7 machos e 6 fêmeas, mesmos dados do holótipo (Departamento de Fitossanidade, UNESP Jaboticabal, São Paulo).
Etimologia. Esta espécie é dedicada ao pesquisador, entusiasta entomologista, Dr. Ivan Cruz, do Centro Nacional de Pesquisa em Milho e Sorgo, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que vem se dedicando a otimização do Controle Biológico de pragas agrícolas no Brasil.
Diagnose. Insetos pequenos (1,0 1,5 cm) de coloração amarelo-esverdeado, com manchas escuras em meia lua lateralmente na parte elevada do vértice. Além das diferenças na genitália, esta espécie pode ser distinguida das outras por apresentar manchas marrom-claras na cabeça, pro, meso e metanoto; palpo maxilar sem pigmentação. Genitália do macho com gonarcus fortemente arqueado, sendo seu braço estreito e sem projeção frontal, arcessus largo.
Macho. Cabeça. Vértice amarelo, elevado, liso e brilhante com mancha circular vermelho escura/marrom (Figs. 1, 3). Fronte amarela sem manchas (Fig. 2); gena marrom claro (Fig. 4); palpo maxilar claro, último palpômero 1,5 vezes mais longo que o anterior (Fig. 4); escapo amarelo-claro com mancha vermelha dorsomediana que se prolonga sobre o vértice, pedicelo e flagelo amarelo-claro; flagelômeros com filas de cerdas pretas.
Tórax. Verde amarelado; pronoto com manchas laterais marrons bem definidas (Figs. 1, 3); dorsalmente com várias cerdas pretas (Fig. 3); meso e metanoto com manchas laterais marrons difusas (Fig. 1). Asa anterior: veias longitudinais verdes e as transversais pretas (Fig. 5); comprimento 9,5 (7,9 10,2) mm (Fig. 5). Asa posterior: venação predominante verde; costais tranversais, transversais radiais e gradiformes pretas; comprimento 8,4 (7,2 9,2) mm (Fig. 5).
Abdome. Verde amarelado sem manchas. Macho: gonarcus fino e arqueado sem formação de ângulos (Fig. 6); braços do gonarcus estreito com projeção mediana (Fig. 7); arcessus largo com inúmeras microcerdas e com processo curvo em forma de chifre na extremidade posterior (Fig. 8); gonossacus com tufos laterais de cerdas longas (Figs. 6, 8).
Fêmea. Similar ao macho. Espermateca curta (Fig. 9); subgenitalia com processo caudal curvado dorsalmente (Fig. 10).
Estágios imaturos. Os ovos são colocados em grupos de 10 a 16 e mantidos sobre um único pedicelo (Fig. 11). Larva de primeiro ínstar (Figs. 12, 13). Cabeça com mancha central em forma de "Y"; manchas laterais prolongando-se por toda a superfície cefálica; corpo coberto com filas transversais de longas cerdas lisas ou com ganchos na extremidade; tubérculos laterais digitiformes no pro e mesonoto com 3-4 cerdas longas; abdome com pequenos tubérculos laterais com cerdas longas. Larva de segundo ínstar (Figs. 14, 15). Corpo giboso e arqueado. Cabeça com manchas do mesmo padrão que larvas de primeiro ínstar; pro e mesonoto sem cerdas dorsais; metanoto com uma fila transversal de cerdas longas e retas; pro, meso e mesotórax com projeções digitiformes laterais com longas cerdas; dorso do abdome com filas de cerdas curtas e extremidades curvas, tubérculos laterais com tufos de cerdas longas e curtas de extremidade reta. Larva de terceiro ínstar (Figs. 16, 17, 18). Corpo sub-cilíndrico, coloração branca e coberto dorsalmente por microtríquias; parte anterior do abdome mais volumoso e arqueado; dorso com alta densidade de cerdas muito comum em transportadores de resíduos (lixo); cerdas de três tipos: reta e lisa, lisa e em gancho e espinhosa. Cabeça: cor âmbar, com manchas dorsais escuras: dois pares laterais e um par central (Fig. 18); quetotaxia cefálica com cerdas primárias (C1-C12) presentes, cerdas 1 e 11 muito longas; antenas claras com uma grande cerda apical. Tórax. Achatado com tubérculos laterais digitiformes sendo o primeiro par mais longo que o segundo e este maior que o terceiro; protórax com tubérculos com cerdas apicais serreadas e espinhosas dirigidas frontalmente, dois escleritos escuros laterais; mesotórax com projeções laterais curtas e cerdas serreadas e espinhosas dirigidas lateralmente; metatórax com pequenas projeções laterais com cerdas apicais mais curtas serreadas e espinhosas, uma fila de 10 cerdas longas; pernas claras sem manchas, garras curvas e empódio escuro. Abdome mais volumoso que o tórax, dorso coberto de filas de cerdas curvas e em gancho, tubérculos laterais pequenos com cerdas curtas, tubérculos dorsais (últimos segmentos) com longas cerdas.
Comentários. Esta espécie é muito próxima às demais do gênero Ungla, havendo diferenças na presença, forma e cor das manchas na cabeça e tórax, bem como diferenças na genitália do macho.
Chave para as espécies de Ungla
Asas com venação negra .......................................................... 3
Gonarcus largo, curta projeção frontal do braço do gonarcus
expandido ................................................... U. argentina
Agradecimentos. Agradecemos ao Dr. Ivan Cruz, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo, EMBRAPA, por fornecer o material de estudo e ao Dr. Norman Dale Penny que prontamente nos atendeu e nos enviou a descrição original, os desenhos e observações sobre os holótipos de Ungla confraterna e U. nesotala realizados pelo Dr. Phillip A. Adams, constantes dos "Cadernos de anotações" deste já falecido neuropterólogo.
Recebido em 03/05/2007; aceito em 06/11/2007
- Adams, P. A. 1975. Status of the genera Ungla and Mallada Navás (Neuroptera: Chrysopidae). Psyche 82: 167173.
- Adams, P. A. & N. D. Penny. 1987. Neuroptera of the Amazon Basin. Part 11a. Introduction and Chrysopini. Acta Amazonica 15: 413479.
- Brooks, S. J. & P. C. Barnard. 1990. The green lacewings of the world: a generic review (Neuroptera: Chrysopidae). Bulletin of the British Museum Natural History (Entomology) 59: 117286.
- Freitas, S. de & N. D. Penny. 2000. Two new genera of Neotropical Chrysopini (Neuroptera: Chrysopidae). Journal of the Kansas Entomological Society 73: 164170.
- Freitas, S. de & N. D. Penny. 2001. The green lacewings (Neuroptera: Chrysopidae) of Brazilian Agro-ecosystems. Proceedings of the California Academy of Sciences 52: 245395.
- Monserrat, V. J. & S. de Freitas. 2005. Contribución al conocimiento de los crisópidos de Coquimbo, Patagônia y Tierra Del Fuego (Argentina, Chile) (Insecta, Neuroptera, Chrysopidae). Graellsia 16: 163179.
- Navás, L. 1914. Neurópteros sudamericanos. Broteria 12: 4556, 215234.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jan 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2007
Histórico
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Aceito
06 Nov 2007 -
Recebido
03 Maio 2007