Resumos
O teor de N mineral do solo não é usado na recomendação de adubação nitrogenada para cultivos de grãos no Brasil, devido à sua elevada instabilidade por efeito dos fatores ambientais. Seu uso poderia melhorar a eficiência das adubações e reduzir os custos de produção. Foi feita uma análise dos teores de NH4+ e de NO3- do solo, até 15 cm de profundidade, no período da pré-semeadura e do rendimento de grãos em 61 ensaios de cevada, em 20 municípios, em três Regiões Fisiográficas do Rio Grande do Sul, de 2002 a 2005. Os rendimentos foram divididos em classes (muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto), que foram relacionadas aos teores de N mineral, usando o modelo de regressão de Gompertz. O ajuste indicou dois marcos de N mineral delimitadores do rendimento relativo: 8 e 18 mg kg-1 de N no solo. Abaixo de 8 mg kg-1 de N houve predomínio de muito baixos rendimentos, evidenciando o efeito da baixa disponibilidade sobre a produtividade. Acima de 18 mg kg-1 de N, este nutriente não foi mais fator decisivo na formação do potencial produtivo, sendo indicativo de potencial produtivo muito alto. Esses valores poderão futuramente ser incorporados como base de um modelo de recomendação de adubação nitrogenada.
nitrogênio; variabilidade espacial e temporal; cereais de inverno
Soil N mineral content is not considered when recommending N for grain crops in southern Brazil due to the high variation according to environmental conditions. In the methodology described here soil N mineral is considered in adjusted N recommendations to increase efficiency and reduce production costs. The soil levels of NH4+ and NO3- were analyzed to a depth of 15 cm, in the pre-sowing and grain yield stage of 61 barley trials distributed in 20 counties in three regions of Rio Grande do Sul State (Depressão Central, Planalto Médio and Alto Uruguai) for four years (2002-2005). The yield potential was classified (very low, low, medium, high and very high) and related to the N mineral contents using the Gompertz regression model. The adjusted model indicated two N mineral values delimiting relative yields: 8 and 18 mg kg-1 soil. Low yields predominate below 8 mg kg-1 soil, indicating a direct effect of low N availability on yield potential very early in the season. At soil NH4+ and NO3- values over 18 mg kg-1 soil N was no longer decisive in the formation of yield, indicating a very high yield potential. These values may be useful in models of N recommendation.
nitrogen; spatio-temporal analysis; winter grains
SEÇÃO IV - FERTILIDADE DO SOLO E NUTRIÇÃO DE PLANTAS
Teores de nitrogênio mineral do solo para predição do potencial produtivo de cevada
Soil nitrogen mineral content to predict yield potential in barley
Daniel Santos GrohsI; Naracelis PolettoII; Claudio Mario MundstockIII
IEngenheiro-Agrônomo, M.Sc., Pesquisador do Instituto Rio Grandense do Arroz IRGA. Cachoeirinha. E-mail: dsgrohs@gmail.com
IIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, CEP 91540-000 Porto Alegre (RS). E-mail: narapoletto@yahoo.com.br
IIIProfessor do Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, Faculdade de Agronomia, UFRGS. E-mail: claudiomm@terra.com.br
RESUMO
O teor de N mineral do solo não é usado na recomendação de adubação nitrogenada para cultivos de grãos no Brasil, devido à sua elevada instabilidade por efeito dos fatores ambientais. Seu uso poderia melhorar a eficiência das adubações e reduzir os custos de produção. Foi feita uma análise dos teores de NH4+ e de NO3- do solo, até 15 cm de profundidade, no período da pré-semeadura e do rendimento de grãos em 61 ensaios de cevada, em 20 municípios, em três Regiões Fisiográficas do Rio Grande do Sul, de 2002 a 2005. Os rendimentos foram divididos em classes (muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto), que foram relacionadas aos teores de N mineral, usando o modelo de regressão de Gompertz. O ajuste indicou dois marcos de N mineral delimitadores do rendimento relativo: 8 e 18 mg kg-1 de N no solo. Abaixo de 8 mg kg-1 de N houve predomínio de muito baixos rendimentos, evidenciando o efeito da baixa disponibilidade sobre a produtividade. Acima de 18 mg kg-1 de N, este nutriente não foi mais fator decisivo na formação do potencial produtivo, sendo indicativo de potencial produtivo muito alto. Esses valores poderão futuramente ser incorporados como base de um modelo de recomendação de adubação nitrogenada.
Termos de indexação: nitrogênio, variabilidade espacial e temporal, cereais de inverno.
SUMMARY
Soil N mineral content is not considered when recommending N for grain crops in southern Brazil due to the high variation according to environmental conditions. In the methodology described here soil N mineral is considered in adjusted N recommendations to increase efficiency and reduce production costs. The soil levels of NH4+ and NO3- were analyzed to a depth of 15 cm, in the pre-sowing and grain yield stage of 61 barley trials distributed in 20 counties in three regions of Rio Grande do Sul State (Depressão Central, Planalto Médio and Alto Uruguai) for four years (20022005). The yield potential was classified (very low, low, medium, high and very high) and related to the N mineral contents using the Gompertz regression model. The adjusted model indicated two N mineral values delimiting relative yields: 8 and 18 mg kg-1 soil. Low yields predominate below 8 mg kg-1 soil, indicating a direct effect of low N availability on yield potential very early in the season. At soil NH4+ and NO3- values over 18 mg kg-1 soil N was no longer decisive in the formation of yield, indicating a very high yield potential. These values may be useful in models of N recommendation.
Index terms: nitrogen, spatio-temporal analysis, winter grains.
INTRODUÇÃO
A recomendação de adubação nitrogenada em cereais na região Sul do Brasil não considera a disponibilidade de N mineral total no solo (NH4+ e NO3-). A justificativa para não utilizá-la é a baixa retenção do NH4+ e NO3- nos solos agrícolas, especialmente a de nitrato, que apresenta baixa adsorção aos demais componentes do solo, como argilas e partículas orgânicas (Dinnes et al., 2002). No atual modelo de recomendação são considerados como prováveis fontes de N a matéria orgânica do solo e os tipos e quantidades de resíduos de cultivos anteriores, que se encontram sobre a superfície do solo. Exemplificando com a cevada, a atual recomendação nitrogenada considera que em solos com alto teor de matéria orgânica ou com a presença de resíduos de soja, cultivada antes da cevada, há maior disponibilidade de N mineral, que poderá determinar a redução de doses de adubo nitrogenado a serem aplicadas para a cultura (CQFSRS/SC, 2004). Contudo, a elevada flutuação das condições ambientais, entre anos, tem levado ao questionamento quanto à real eficiência do uso do teor de matéria orgânica do solo e de resíduos da cultura antecessora como elementos definitivos na recomendação da adubação nitrogenada (Poletto, 2004). Essa flutuação deve-se à íntima relação dos processos de mineralização/imobilização/lixiviação do N com alguns fatores, entre os quais destacam-se: (a) climáticos, em especial a temperatura (Murdoch et al., 1998) e a precipitação pluvial (Francis et al., 1998); (b) características físicas, químicas e biológicas do solo; e (c) práticas de manejo, como a sucessão e rotação de culturas (Baijukya et al., 2006).
O foco, na busca pela eficiência da adubação nitrogenada, é a sincronia entre disponibilidade de N no solo e demanda desse nutriente pela planta, nos seus estádios críticos (Crews & Peoples, 2005). Assim, é necessária a avaliação sistemática do potencial produtivo para, em momentos críticos, decidir sobre a necessidade de realizar adubação nitrogenada complementar. No caso da cevada, ocorrem dois momentos no seu ciclo de desenvolvimento nos quais são feitas essas avaliações: na semeadura e por ocasião da emissão da sexta folha (Wamser, 2002). No primeiro momento, a cevada utiliza o N do solo para o favorecimento da emissão de afilhos pela planta-mãe. O estímulo ao maior número de afilhos refletir-se-á em maior número de espigas férteis e, consequentemente, maior rendimento potencial. O segundo momento refere-se ao incremento da sobrevivência dos afilhos emitidos até a sexta folha. Quanto menor a mortalidade dos afilhos durante o período de alongamento dos colmos (pós-emissão da sexta folha), maior o rendimento potencial (Wobeto, 1994).
O rendimento potencial, ou o potencial produtivo, de uma cultura é definido como o máximo rendimento esperado em cada estádio ao longo do ciclo de desenvolvimento da planta (Cassman, 1999). Existem métodos para predizer oscilações do potencial produtivo. No entanto, quando há alterações das condições ambientais ótimas para o desenvolvimento das plantas, também ocorrem oscilações do potencial produtivo e, consequentemente, dos seus indicadores. Os valores críticos de N mineral do solo são um desses métodos de predição e servem como base para determinar a possível perda de rendimento, quando há baixa presença de N prontamente disponível à planta nos seus estádios de maior demanda nutricional (Rambo et al., 2004). A relação direta do rendimento de grãos com os teores de N mineral é empregada, há anos, em diversos países, com diferentes culturas (Bundy & Andraski, 1995), como a avaliação dos teores de nitrato no solo com o uso de "kits para testes de nitrato a campo". Nem sempre ele é um bom indicativo da expectativa de rendimento de grãos, ocorrendo baixas correlações, devido à alta dependência do N mineral aos fatores ambientais (Cossey et al., 2002).
Os fatores ambientais que alteram a flutuação temporal do N mineral atuam, de forma conjunta, com as características topográficas do terreno que agem sobre a distribuição espacial dos teores de N mineral. Essa variabilidade espacial pode ser estudada em micro e macroescala (Cain et al., 1999). O microefeito é determinado prioritariamente pela interação da topografia da área com a distribuição da palhada da cultura antecessora e com o tipo de preparo de solo. Nessa escala, há variabilidade do N mineral do solo nos sentidos horizontal e vertical, sendo ela máxima em condições de solos descobertos (Mohanty & Kanwar, 1994) ou em áreas sob preparos de solo baseados no elevado revolvimento da camada superficial (Baxter & Oliver, 2003). O efeito espacial em macroescala é o maior responsável pela flutuação dos teores de N mineral. O potencial agrícola de grandes zonas agrícolas (como Regiões Fisiográficas) é dependente das condições edafoclimáticas específicas de cada região, como classes de solo, temperaturas médias estacionais e regimes hídricos anuais (Clark et al., 2000).
A análise temporal refere-se à flutuação estacional dos fatores ambientais e seus efeitos sobre a dinâmica do N mineral do solo e é de difícil previsão, principalmente no microespaço. Entretanto, Murdoch et al. (1998) constataram um comportamento-padrão da mobilidade do nitrato com a temperatura do ar e a precipitação pluvial ao estudarem taxas de deposição de nitratos em mananciais hídricos ao longo dos anos.
A análise espaço-temporal do N mineral, atualmente, é considerada parte de modelos de predição de rendimentos, construção de recomendações de adubação nitrogenada e quantificação de danos ambientais por excesso do uso de insumos nitrogenados. Rahn & Johnson (2001) utilizaram valores críticos de N mineral em locais específicos, como referência de doses nitrogenadas a serem aplicadas em trigo. Também Vagstad et al. (2004), em diferentes regiões de países bálticos e nórdicos da Europa, avaliaram perdas de insumos nitrogenados por sistemas agrícolas a partir da distribuição espacial dos teores de N mineral.
A limitação da análise espaço-temporal é a grande variabilidade entre os dados levantados. O processo de inferência estatística torna-se complexo e varia conforme as características da variável de interesse no ambiente do qual se fazem as observações (Jaynes et al., 2001). Não existe um modelo-padrão para o desenvolvimento dos métodos. Em geral, para o N mineral do solo, os trabalhos com esse tipo de análise descrevem a variabilidade espacial dos teores, mas são limitados quanto ao processo de inferência, devido à ausência de número suficiente de amostras para validar as hipóteses estabelecidas. Os trabalhos nos quais são gerados modelos conclusivos sobre a dinâmica do nutriente são efetuados em longo prazo nas mesmas áreas (Collins & Allinson, 2004) ou relacionados a condições meteorológicas ou de manejo específicas (Jaynes et al., 2001). Nesse enfoque, o objetivo deste trabalho foi testar a possibilidade de os teores de N mineral do solo servirem como indicadores do rendimento potencial na cultura da cevada.
MATERIAL E MÉTODOS
Caracterização das regiões fisiográficas
O trabalho foi conduzido ao longo de quatro anos (2002 a 2005), em uma rede experimental com 61 ensaios, distribuídos em três Regiões Fisiográficas do Rio Grande do Sul (Alto Uruguai, Planalto Médio e Depressão Central), totalizando 20 municípios (Figura 1.A e 1.B.I). Os ensaios foram instalados em áreas adjacentes a lavouras comerciais de produtores caracterizados como de alto nível tecnológico na condução do sistema de produção. A repetição dos ensaios nas mesmas lavouras, entre os anos, ficou a critério do produtor.
O Planalto Médio (Figura 1.A) foi a região em que houve o maior número de ensaios e também a maior diversificação de municípios (Figura 1.B.1), por ser a principal região produtora de cevada no Estado. O Alto Uruguai e a Depressão Central (Figura 1.A), que tiveram menor número de ensaios, são, respectivamente, as regiões limítrofes ao norte e ao sul do Planalto Médio e distinguem-se desta por especificidades ambientais de clima e solo (Figura 1.B.1).
O clima regional (classificação de Köppen), para todos os municípios estudados, é subtropical, de verão úmido quente, do tipo Cfa (Ipagro, 1979). Nas figuras 1.B.II e 1.B.III estão representadas, respectivamente, as precipitações pluviais acumuladas e as temperaturas médias do ar durante os meses de maio e junho, ao longo dos quatro anos. Os dados foram obtidos a partir das estações meteorológicas de Passo Fundo (INMet), Eldorado do Sul (Faculdade de Agronomia da UFRGS) e, no Alto Uruguai, na microrregião de Erechim, pela interpolação entre as estações de Passo Fundo (INMet) e Concórdia (EPAGRI).
As unidades de mapeamento de solo predominantes nas regiões do Alto Uruguai, Planalto Médio e Depressão Central, segundo Streck et al. (2002), são, respectivamente: Latossolo Vermelho aluminoférrico típico, Latossolo Vermelho distrófico típico e Argissolo Vermelho distrófico típico.
Condução dos ensaios
As parcelas de cada ensaio constaram de linhas espaçadas de 0,17 m, com 5,0 m de comprimento e largura útil conforme a dimensão da semeadora de cada produtor (variando entre 13 e 17 linhas). O delineamento experimental foi completamente casualizado, com quatro repetições. O tratamento utilizado em cada ensaio foi apenas um, referente à ausência de N nas quatro repetições ao longo de todo o ciclo da cultura. Contudo, a base estatística descrita a seguir considerou também as três Regiões Fisiográficas e os quatro anos como tratamentos.
As épocas de semeadura foram as recomendadas para cada município, segundo Embrapa (2007), variando do final do mês de maio até a segunda quinzena de junho, de acordo com cada região. As cultivares de cevada utilizadas (MN 698, EMB 127, BRS 195 e MN 743) foram eleitas segundo o interesse do produtor, sendo introduzidas ao longo dos anos, conforme seu lançamento no mercado. Os tratos culturais usados nos ensaios (controle de pragas, doenças, plantas daninhas e adubação de fósforo e potássio na semeadura) foram os mesmos utilizados nas lavouras pelos produtores.
Para cada ensaio, na pré-semeadura, realizou-se a amostragem de solo da camada superficial até a profundidade de 15 cm, utilizando-se trado tipo rosca em pontos ao longo da área total do ensaio (em torno de 45 m2), conforme recomendação da CQFSRS/SC (2004). Com isso, obteve-se uma amostra composta, para análise laboratorial. Imediatamente após a coleta, as amostras eram colocadas em recipiente térmico com gelo na temperatura aproximada de 4 ºC, para transporte, e, logo após, armazenadas em congelador até a realização das análises, conforme recomendado por Tedesco et al. (1995).
Por ocasião da maturação da cevada foi realizada a colheita de grãos manualmente, descontando-se as linhas mais externas das parcelas, em um total de 10 linhas por parcela. Posteriormente, os grãos foram trilhados em máquina estacionária e pesados, sendo determinados a umidade de colheita e o rendimento de grãos. Os valores de rendimento absoluto de grãos (kg ha-1) de cada ensaio foram convertidos em rendimento relativo anual, pela transformação: rendimentoobservado/rendimentomáximo anual. O rendimentomáximo anual foi aquele obtido, a cada ano, no ensaio com a maior produção de grãos/área.
A determinação do N mineral nas amostras de solo foi feita pelo método Kjeldahl, descrito por Tedesco et al. (1995). A extração do N mineral foi determinada em uma subamostra de 5 g em base úmida, com KCl 1 mol L-1. As concentrações do N-NH4+ e do N-NO3- foram obtidas por destilação com adição de 0,2 g de óxido de magnésio e 0,2 g de liga de Devarda, respectivamente. A soma do N-NH4+ com N-NO3- representa o N mineral contido no solo (expresso em mg de N kg-1 de solo) no momento da amostragem em campo.
Proposta metodológica para análise do N mineral como indicador de potencial produtivo
O método foi baseado em cinco princípios fundamentais: (1) Levantamento espaço-temporal dos teores de N mineral: utilização de análise de variância para o agrupamento dos dados, de maneira a controlar a variabilidade entre as observações e identificar o efeito dos fatores Região Fisiográfica e anos sobre o teor de N mineral; (2) Levantamento espaço-temporal dos rendimentos: determinação do rendimento relativo de grãos e aplicação do mesmo princípio estatístico do item anterior, para avaliar o efeito dos fatores Região Fisiográfica e anos; (3) Geração de classes de rendimento relativo: determinação do valor crítico de N mineral correspondente ao ponto em que ocorreu a perda da associação significativa entre os teores de N mineral e o rendimento relativo de grãos. A partir desse ponto, definiram-se três classes de rendimentos relativos: baixo, médio e alto; (4) Geração de classes de N mineral do solo: ajustamento, sobre os teores de N mineral, de modelos de regressão, a partir das classes de rendimento relativo estabelecidas no item anterior. No modelo escolhido, identificaram-se valores críticos de N mineral que refletiram mudanças significativas no padrão da curva prevista; e (5) Relação entre as classes de rendimento relativo e as classes de N mineral: seu objetivo foi validar os valores críticos de N mineral, identificados no item anterior, como indicadores do potencial produtivo.
Análise estatística
A análise descritiva para os teores de N mineral e o rendimento relativo foi realizada pelo pacote estatístico SPSS, com a composição de gráficos boxplot. Os 61 ensaios foram classificados quanto a Regiões Fisiográficas (três) e anos (quatro), totalizando 12 ambientes (cada box-plot correspondeu a um ambiente). A análise de variância foi realizada para comparação dos ambientes, adotando-se modelo unifatorial. Quando alcançada significância estatística (p < 0,05), as médias entre os ambientes foram comparadas pelo teste de Duncan. No caso de não haver diferenças significativas, a localização da média populacional foi estimada pelo intervalo de confiança de 95 %.
O modelo unifatorial foi adotado devido à impossibilidade de execução da análise de variância multifatorial, em razão de os ensaios não serem repetidos no mesmo local entre anos e as cultivares serem diferentes entre ensaios. Dessa forma, obteve-se uma comparação entre os fatores Regiões Fisiográficas (espaço) e anos (tempo), isolando-se o efeito das interações entre locais e cultivares.
A relação entre os rendimentos relativos e os teores de N mineral foi analisada pelo ajuste de modelos lineares e não lineares, por meio do software Lab Fit. O modelo ajustado foi aquele que apresentou significância pelo F-teste (p < 0,05), sendo a qualidade estatística do ajustamento avaliada pelo coeficiente de determinação R2.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Levantamento espaço-temporal dos teores de N mineral
A comparação entre ambientes mostrou diferença altamente significativa (p < 0,01) entre os teores de N mineral (Figura 2). Os maiores teores de N mineral ocorreram no ano de 2004 para todas as regiões e, em 2005, na Depressão Central. Já os menores teores foram observados no Alto Uruguai em 2002, 2003 e 2005 e no Planalto Médio em 2003 (Figura 2).
As condições meteorológicas de cada ano foram, provavelmente, causadoras da flutuação dos teores de N mineral. No entanto, os valores da precipitação acumulada e da temperatura (Figura 1.B.II e B.III) não tiveram relação direta com os teores de N mineral. Essas variáveis são os principais elementos que atuam na dinâmica do N mineral no solo. Cain et al. (1999) apontaram o regime hídrico como fator preponderante na modificação dos teores de nitrato em sistemas naturais de vegetação.
Para a análise espaço-temporal, o efeito do ano de cultivo decorrente das condições meteorológicas foi predominante sobre o efeito da Região Fisiográfica. Shahandeh et al. (2005) verificaram que os teores de nitrato do solo em lavouras de milho variaram espacialmente, porém essa variabilidade foi distinta entre os anos. As individualidades regionais não foram relevantes sobre a flutuação do N mineral para um mesmo ano, sendo necessária a análise conjunta dos valores de N mineral.
Levantamento espaço-temporal do rendimento de grãos
O rendimento absoluto de grãos foi provavelmente alterado pelas condições ambientais das regiões e dos anos. Os efeitos da temperatura e da precipitação sobre a produtividade em trigo foram constatados por Payne et al. (2000), que evidenciaram esses elementos como determinantes da variabilidade temporal das produtividades. No entanto, a introdução das diferentes cultivares ao longo dos anos também influenciou a variação dos rendimentos. Com o desenvolvimento de cultivares mais bem adaptadas às regiões produtoras e o aumento do potencial genético para produtividade, houve ganho gradativo dos rendimentos máximos obtidos anualmente, sobretudo com a popularização da variedade BRS 195 (Quadro 1).
O rendimento relativo de grãos para cada ano foi calculado dividindo-se o rendimento absoluto obtido em cada ensaio pelo máximo rendimento absoluto obtido naquele ano, independentemente da Região Fisiográfica, para isolar o efeito genético e o desempenho agronômico das cultivares em cada ano. A análise de variância não indicou diferenças significativas entre os ambientes, e o valor médio do rendimento relativo dos ensaios foi de 0,65, tendo como limites os valores de 0,6 e 0,7 (Figura 3).
A Depressão Central apresentou as maiores diferenças entre os valores máximos e mínimos de rendimento relativo ao longo dos anos e entre os ambientes (Figura 3). Nessa região, os ensaios da EEA/UFRGS foram conduzidos com todas as cultivares utilizadas nas demais regiões, em cada ano (Quadro 1), sob restevas de milho e soja. Dessa forma, gerou-se grande variabilidade de rendimentos.
Formação de classes de rendimento relativo de grãos
A variabilidade dos teores de N mineral e do rendimento relativo de grãos entre anos e regiões determinou a necessidade de adequar o método às especificidades dessas duas variáveis, iniciando-se com a geração de classes de rendimento relativo de grãos.
O rendimento relativo permite comparar o potencial produtivo das culturas entre os anos (Cassman, 1999) e pode ser aplicado para caracterizar o rendimento de grãos em classes de "baixo", "médio" ou "alto". Nesse caso, para cada classe, o valor absoluto depende das características ambientais do ano, do local, da cultivar e do manejo. Essas classes foram geradas pelos limites do intervalo de confiança de 95 % dos rendimentos relativos (Figura 3). Com base nesses limites, as classes de rendimentos relativos baixo, médio e alto foram definidas como: até 0,6, entre 0,6 e 0,7 e maior que 0,7.
O N mineral como indicador do potencial produtivo foi analisado em relação ao rendimento relativo de grãos. Contudo, seu uso foi descartado, em razão da inexistência de correlação entre rendimentos relativos e teores de N mineral (Figura 4). Esse resultado é comumente encontrado na bibliografia. Bredemeier (1999), por exemplo, não obteve correlações significativas entre os teores de N mineral no solo com outras variáveis agronômicas, como biomassa da parte aérea e rendimento de grãos. Por essa razão, o uso dos teores de N mineral do solo não é considerado no Brasil como ferramenta para o manejo nitrogenado.
A análise da relação entre a concentração de N mineral no solo e a formação do rendimento foi feita pelo ajuste de um modelo de regressão, utilizando as classes de rendimento relativo de grãos. O ajuste dos rendimentos dos valores de N mineral às classes estabelecidas é observado na figura 5.
A correlação foi significativa (r = 0,80*) até o valor de 10 mg kg1 de solo, independentemente da classe de rendimento relativo. Até este valor de N mineral, o rendimento relativo é definido, predominantemente, pelo efeito da concentração de N disponível no solo (Figura 5). Entretanto, a relação entre os valores de N mineral acima de 10 mg kg-1 de N no solo e o rendimento relativo apresentou grande complexidade, decorrente da grande variabilidade dos dados (Figura 5). Isso ocorre quando, além do teor de N mineral do solo, outras fontes de variabilidade passam a determinar conjuntamente os rendimentos.
A identificação de possíveis relações entre as variáveis a partir do valor de 10 mg kg-1 de N no solo foi possibilitada pelo ajuste de um segundo modelo, que se baseou na criação de classes de valores de N mineral a partir das classes de rendimento relativo.
Formação das classes de N mineral
Para cada classe de rendimento relativo, foram testados modelos de regressão na relação com os valores de N mineral. A origem desses modelos foi o conjunto de valores de N mineral menor que 10 mg kg-1 de N no solo. O modelo de regressão assintótico de Gompertz foi utilizado no ajuste dos dados (Figura 5), pois apresentou a maior significância pelo F-teste (p < 0,05) entre todos os modelos testados. Este modelo, segundo Guimarães (2000), é adequado na representação de eventos biológicos não lineares, caracterizados por comportamento inicial linear, seguido por quadrático, até um valor-limite, após o qual torna-se estável. Dessa forma, em cada classe de rendimento relativo, o ajuste do modelo de Gompertz apresentou os comportamentos descritos a seguir.
Na classe de rendimento relativo alto, a relação assintótica entre as variáveis foi muito significativa (R2 = 0,74), tornando-se estável a partir do valor-limite de 18 mg kg-1 de N no solo, o qual correspondeu ao valor de rendimento relativo em torno de 0,9 (Figura 5).
Quanto à classe de rendimento relativo médio, o ajuste assintótico entre as variáveis também foi muito significativo (R2 = 0,73) e tornou-se estável a partir do valor-limite de 13 mg kg-1 de N no solo, correspondendo ao rendimento relativo em torno de 0,6 (Figura 5).
Já na classe de rendimento relativo baixo, o ajuste entre as variáveis não foi significativo, em razão da alta variabilidade entre os valores, sendo o rendimento relativo médio de 0,4. Este valor é relacionado, pela regressão de Gompertz, ao N mineral de 8 mg kg-1 de N no solo (Figura 5).
Os valores de N mineral determinados na análise de cada classe de rendimento foram considerados os marcos que possibilitariam predizer o potencial produtivo da cultura por ocasião da semeadura. Estratégia semelhante foi utilizada por Collins & Allinson (2004), que testaram três tipos de modelos matemáticos a fim de determinar o ponto de inflexão entre a máxima e a mínima absorção por gramíneas perenes, em relação à disponibilidade de nitrato no solo ao longo do tempo.
Relação entre as classes de rendimento relativo e as classes de N mineral
O valor extremo de 8 mg kg-1 de N no solo foi o primeiro marco delimitador do rendimento relativo de grãos. Os valores de N mineral inferiores a 8 mg kg-1 de N no solo delimitaram a classe de rendimento relativo baixa (0,4) e foram muito limitantes ao desenvolvimento das plantas. Essa condição mostra que os baixos teores de N mineral têm efeito determinante na formação do potencial produtivo antes mesmo da implantação da cultura. Collins & Allinson (2004), avaliando a relação entre teores de nitrato e a produção de matéria seca em gramíneas perenes, verificaram que os menores valores de N refletiram os menores valores relativos de biomassa.
O segundo marco delimitador do rendimento relativo de grãos foi o de 18 mg kg-1 de N no solo. Quando o N mineral estava acima desse valor, os rendimentos relativos permaneceram constantes, nas três classes de rendimento. Nesse caso, a flutuação do rendimento relativo deveu-se à influência de outros fatores, associados ao ano de cultivo, e não ao teor de N mineral do solo. Portanto, ele não foi fator limitante ao desenvolvimento das plantas.
O rendimento relativo na classe de valores de N mineral entre 8 e 18 mg kg-1 de N no solo não foi mais variável que nos casos anteriores, pois flutuou entre as três classes de rendimento estabelecidas. Considerando a curva de regressão nas classes de médio e alto rendimento (Figura 5), o rendimento relativo foi incrementado com o aumento do N mineral (Figura 5). Já na classe de baixo rendimento não houve resposta do rendimento ao incremento de N mineral. Foi impossível quantificar o efeito individual dos teores de N mineral, nesta classe, na definição dos rendimentos.
Validação dos valores de N mineral como indicadores do rendimento relativo
Os valores de N mineral considerados marcos delimitadores do rendimento relativo foram validados e apresentados na figura 6. O percentual relativo de ocorrência das classes de N mineral determinadas anteriormente (inferior a 8, entre 8 e 13, entre 13 e 18 e maior que 18 mg kg-1 de solo) foi relacionado às classes de rendimento relativo: até 0,4, entre 0,4 e 0,6, entre 0,6 e 0,9 e maior que 0,9. As classes de rendimento nessa validação foram utilizadas para maximizar a capacidade dos valores dos marcos delimitadores em expressar os rendimentos relativos.
A classe de N mineral inferior a 8 mg kg-1 ocorreu nas classes de rendimento relativo menor que 0,4 e entre 0,4 e 0,6, porém não esteve presente nas classes de rendimento entre 0,6 e 0,9 e maior que 0,9. A classe de N mineral maior que 18 mg kg-1 ocorreu com predominância nas classes de rendimento entre 0,6 e 0,9 e maior que 0,9 e com menor frequência nas demais. A soma das frequências de ocorrência das classes de N mineral entre 13 e 18 mg kg-1 e maior que 18 mg kg-1 representou 75 % do total de observações da classe de rendimento maior que 0,9. A classe de N mineral entre 13 e 18 mg kg-1 ocorreu com frequência semelhante em todas as classes de rendimento relativo. Já a classe de N mineral entre 8 e 13 mg kg-1 predominou nas classes de menor rendimento relativo.
De maneira geral, foi observado aumento da frequência de ocorrência dos médios e altos rendimentos relativos com o incremento de N mineral, em detrimento da diminuição da frequência dos menores rendimentos. Esse resultado corrobora os de Bundy & Andraski (1995), que utilizaram testes de pré-semeadura em monocultivo de milho para indicar doses de N nesse momento e encontraram maior ocorrência de baixos rendimentos nos anos caracterizados por baixos valores de N mineral no momento da execução do teste. Os valores-marco encontrados neste trabalho não podem ser comparados a outros da literatura, pois, segundo Thomason et al. (2002), faixas de N mineral, assim como outras variáveis agrícolas caracterizadas por alta dependência ambiental, são específicas para determinadas situações, como, por exemplo, as Regiões Fisiográficas testadas neste trabalho.
CONCLUSÕES
1. As condições meteorológicas prevalentes em cada ano foram as maiores responsáveis pela flutuação do N mineral total. Houve poucas diferenças entre as Regiões Fisiográficas que justificassem seu efeito direto sobre a flutuação do N mineral total.
2. Foram definidas quatro classes de teores de N mineral total como indicadoras do potencial produtivo de cevada nas Regiões Fisiográficas do Planalto Médio, Depressão Central e Alto Uruguai, do Rio Grande do Sul.
3. Foram definidas quatro classes de rendimento potencial, definidas como uma percentagem do máximo rendimento obtido no ensaio: muito baixo (menor que 40%), médio (entre 40 e 60%), alto (entre 60 e 90%) e muito alto (maior que 90%).
4. As classes de N mineral indicadoras de muito baixo, médio, alto e muito alto rendimento potencial foram, respectivamente: menor que 8, entre 8 e 13, entre 13 e 18 e maior que 18 mg de N kg-1 de solo.
5. Das classes de N mineral quantificadas, o intervalo de valores entre 8 e 18 mg kg-1 de N no solo foi o que menos permitiu uma clara e eficiente definição da relação entre o teor de N mineral e o rendimento relativo.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Companhia AMBEV, pela cooperação na execução dos ensaios e pelo apoio na condução do projeto; e às cooperativas agrícolas e aos produtores rurais, por disponibilizarem as áreas onde foram conduzidos os trabalhos nesses quatros anos.
LITERATURA CITADA
Recebido para publicação em abril de 2008 e aprovado em setembro de 2009.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Fev 2010 -
Data do Fascículo
Dez 2009
Histórico
-
Aceito
Set 2009 -
Recebido
Abr 2008