Open-access Escola como objeto de estudo nos trabalhos acadêmicos brasileiros: 1981/1998

School as object of study of brazilian academic production: 1981/1998

Resumos

Este artigo procura analisar as principais tendências de investigação das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas nos programas brasileiros de pós-graduação em educação, no período de 1981 a 1998. Para tanto, selecionamos teses, dissertações e artigos de periódicos que procuraram investigar a escola básica contemporânea por meio de quatro entradas: escola, saberes, professores e alunos. Mediante protocolo com 17 questões, pudemos mapear, organizar e analisar os seus conteúdos, o campo empírico e as características das investigações. Os principais achados dizem respeito à regularidade da distribuição no tempo e entre os quatro campos temáticos, à grande incidência de estudos sobre o ensino fundamental, à alta concentração da produção no eixo Sul-Sudeste e em orientadores experientes e à precariedade dos resumos em termos de informações sobre o campo empírico e as características das investigações utilizadas.

ESCOLAS; PESQUISAS; ESTUDANTE PÓS-GRADUADO; PROFESSORES


In order to review the main trends in brazilian research on basic education we analyse academic production (master's and doctorate thesis) presented at the Education postgrade programs in the period 1981-1988. The studies were selected through four keywords: school, school knowledge, teachers and students. We have developed a specific protocol with 17 questions to collect and organize the data. The relevant findings concern: a) the regularity of the production in the four thematic fields; b) the great incidence of studies about the fundamental school; c) the high concentration of research in the south-southeast regions and the strong preference for experienced tutors; the lack of information about the empirical scope and features of the investigation process.

SCHOOLS; RESEARCH; PUPILS; TEACHERS


OUTROS TEMAS

Escola como objeto de estudo nos trabalhos acadêmicos brasileiros: 1981/1998

School as object of study of brazilian academic production: 1981/1998

Alda Junqueira MarinI; José Geraldo Silveira BuenoII; Maria das Mercês Ferreira SampaioIII

IPrograma de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo hps@pucsp.br

IIPrograma de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo jotage@pucsp.br

IIIPrograma de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo mfs@dialdata.com.br

RESUMO

Este artigo procura analisar as principais tendências de investigação das dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas nos programas brasileiros de pós-graduação em educação, no período de 1981 a 1998. Para tanto, selecionamos teses, dissertações e artigos de periódicos que procuraram investigar a escola básica contemporânea por meio de quatro entradas: escola, saberes, professores e alunos. Mediante protocolo com 17 questões, pudemos mapear, organizar e analisar os seus conteúdos, o campo empírico e as características das investigações. Os principais achados dizem respeito à regularidade da distribuição no tempo e entre os quatro campos temáticos, à grande incidência de estudos sobre o ensino fundamental, à alta concentração da produção no eixo Sul–Sudeste e em orientadores experientes e à precariedade dos resumos em termos de informações sobre o campo empírico e as características das investigações utilizadas.

ESCOLAS – PESQUISAS – ESTUDANTE PÓS-GRADUADO – PROFESSORES

ABSTRACT

In order to review the main trends in brazilian research on basic education we analyse academic production (master's and doctorate thesis) presented at the Education postgrade programs in the period 1981-1988. The studies were selected through four keywords: school, school knowledge, teachers and students. We have developed a specific protocol with 17 questions to collect and organize the data. The relevant findings concern: a) the regularity of the production in the four thematic fields; b) the great incidence of studies about the fundamental school; c) the high concentration of research in the south-southeast regions and the strong preference for experienced tutors; the lack of information about the empirical scope and features of the investigation process.

SCHOOLS – RESEARCH – PUPILS – TEACHERS

Em 2001, o grupo de pesquisas, cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq –, denominado Instituição Escolar e Prática Pedagógica, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP –, deu início ao processo formal e contínuo de estudos, reunindo três professores e 15 doutorandos, em encontros sistemáticos de quinze em quinze dias, com o objetivo de realizar estudos teóricos aprofundados de autores que possam constituir referenciais teóricos básicos das investigações desenvolvidas na instituição, centralizando-se nas obras de Raymond Williams, Basil Bernstein e Pierre Bourdieu.

Desse grupo surgiu o projeto de pesquisa Escola: entre saberes, professores e alunos, que congrega atualmente sete professores do programa, dois pesquisadores convidados externos de caráter institucional (um da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul-SC – e outro da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp-SP).

Tendo como ponto de partida que os atuais estudos e pesquisas sobre educação no país refletem tendências que podem ser verificadas em produções européias e norte-americanas, constatamos que, como aponta Forquin (1995), desde o final dos anos de 1980 e nos anos de 1990, os balanços e análises sobre a produção teórica da Sociologia da Educação (Apple, Weis, 1986; Forquin, 1995) têm mostrado o incremento de estudos que buscam compreender e explicar o fenômeno educacional a partir da escola, ou seja, eles a tomam como objeto específico e central de estudo e não apenas como contexto de ocorrências de fenômenos que se desenvolvem na dimensão de sujeitos ou de determinadas práticas, como lugar de reprodução de relações sociais ou de mera implementação de reformas e políticas educacionais.

Consideramos, no entanto, que grandes dificuldades cercam o estudo da escola, no sentido de apreendê-la como totalidade explicativa de questões, problemas ou fenômenos que nela acontecem e que, além disso, só podem ser compreendidos na relação com o contexto social. Significa dizer que entender os problemas da educação implica entender a escola, descrevendo e interpretando as suas práticas, percebendo-a na trama das relações sociais em que o processo educacional tem lugar.

Nesse sentido, temos procurado encontrar caminhos na direção de estudar a escola sem perder de vista as "trocas permanentes" que realiza com o contexto social (Canário, 1996), tomando-a como locus privilegiado para estudo de reformas e políticas educativas, de processos formativos, de formas de aprendizagem.

Esse projeto de largo escopo tem norteado os estudos e pesquisas dos professores que a ele se incorporaram, constituindo um dos elementos organizadores do projeto acadêmico-curricular do programa e permitindo a agregação de mestrandos e doutorandos, bem como de pesquisadores externos.

Dado o seu largo escopo, efetuamos seu desdobramento em três subprojetos, os quais, por sua vez, privilegiam algumas frentes:

SABERES ESCOLARES: O CURRÍCULO COMO OBJETO DE ESTUDO

Currículo e sua constituição: análise de currículos e seus significados, na relação com políticas e reformas de ensino e nas interfaces com o trabalho escolar.

Currículo e relações com a cultura da escola: estudos de saberes e práticas desencadeados pelo currículo na relação com os traços dos modos específicos que a escola utiliza para organizar-se e controlar seu trabalho.

Currículo e seu desenvolvimento na relação com o processo de ensino e aprendizagem: estudo de modos de seleção, organização e seqüenciação dos conteúdos, ênfases na relação conteúdo-forma, modos de expressão e justificação do processo ensino-aprendizagem.

DOCÊNCIA

Processos de socialização formadores dos professores: englobando práticas de socialização prévia à formação inicial, investigando a cultura de raiz de indivíduos que se dirigem aos cursos de formação; processos de socialização internos aos cursos de formação inicial e após o ingresso na profissão.

Formação inicial e continuada de professores; processos previstos e ocultos: focalizando as práticas de formação formais/explícitas e as camufladas no interior dos cursos, seja nas suas proposições, seja nas implantações ou nos seus desenvolvimentos.

Práticas docentes da escola fundamental: compreensão mais abrangente e relacional do que o professor faz no quadro interpretativo da cultura, focalizando seus modos de pensar e agir a partir da cultura de raiz e da cultura escolar.

ALUNOS

Trajetórias escolares: estudos com base estatística em relação à educação nacional como um todo, de sistemas e subsistemas de ensino, de regiões e instituições determinadas e estudos de natureza qualitativa, procurando investigar singularidades dentro dessas trajetórias.

Condição de aluno: estudos de natureza qualitativa que procurem investigar como os alunos se situam dentro do espaço escolar, no que se refere à sua condição de aprendiz, mas também no tocante às relações estabelecidas entre si e com os demais membros da comunidade escolar.

Diversidade cultural na escola: estudos relacionados às questões étnicas e aos repertórios de diversidade cultural provenientes da origem social e ou geográfica diferenciada, acompanhados de estudos sobre a história das ciências sociais aplicadas à infância e à juventude escolar para subsidiar projetos metodologicamente orientados a "entrar na escola" e tomá-la como campo de estudo.

Com relação ao período, estamos privilegiando a escola atual, isto é, aquela que traz marcas características da escola de massas no Brasil, e que até hoje está em funcionamento, assim como o ensino básico, com ênfase especial sobre o ensino fundamental, por sua importância como expressão do direito à educação de todos os cidadãos.

Como núcleo integrador das atividades dos membros do projeto, iniciamos uma pesquisa coletiva, de levantamento bibliográfico exaustivo de um tipo de produção da maior importância no campo acadêmico, qual seja dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil, incluídos em CD-ROM, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação – ANPEd (1999). Esse levantamento culminou com a construção de um banco de dados que, além de fornecer informações essenciais sobre a produção, foi submetido a um tratamento estatístico que permite a realização de balanços globais ou parciais sobre as principais tendências do material.

Embora a área de educação brasileira já possuísse tradição de análises e balanços sobre a sua produção1, não contávamos com nenhum trabalho que procurasse analisar a produção geral sobre a escola contemporânea.

Diante dessa constatação, nosso objetivo foi o de efetuar o mapeamento e a análise das tendências das dissertações e teses defendidas no período coberto no referido CD-ROM, de 1981 a 1998, que procuraram efetivamente investigar a escola por meio de quatro campos temáticos: a escola, os professores, os alunos e os saberes escolares.

Tínhamos a convicção de que um quadro desse tipo poderia não somente oferecer subsídios aos membros do grupo, principalmente como disponibilizar a qualquer interessado, dados específicos sobre investigações que tivessem privilegiado a escola, seus membros, seus processos internos e seus materiais específicos.

Como tratávamos de quatro temas complexos, de enfoques os mais diversos e envolvendo tipos muito distintos de estudos e investigações, ainda que reconhecêssemos a necessidade de estabelecer critérios que permitissem um índice mínimo de uniformização, consideramos prematuro o estabelecimento de critérios prévios. Nesse sentido, elaboramos procedimentos de preparação para todos os pesquisadores, de tal forma que os critérios adotados fossem fruto de nossas próprias discussões.

Para tanto, organizamos um período piloto em que todos os membros do grupo (professores e alunos) procuraram fazer a seleção das cem primeiras fichas do acervo do CD-ROM, relativas à pesquisa da instituição escolar, por meio das quatro entradas: escola, saberes, professores e alunos, anotando as razões da inclusão e exclusão de cada uma das fichas2.

Resolvemos restringir nosso levantamento ao ensino básico (educação infantil, ensino fundamental e médio), sendo que o ensino superior somente deveria ser incluído quando ficasse evidente a relação com os níveis de ensino indicados (por exemplo, formação de professores ou práticas de ensino em cursos de preparação de professores). Entendemos também, já de início, que o melhor procedimento deveria ser o da maior "generosidade" possível com respeito à inclusão; assim, no caso de dúvida, os pesquisadores deveriam incluir a ficha anotando o motivo da dúvida.

Depois de algumas rodadas de testes e de verificar os critérios adotados pelos diferentes participantes, decidimos selecionar somente os estudos que procuravam investigar diretamente o que ocorria na escola, por meio dos critérios a seguir que foram utilizados em toda a pesquisa:

a. referência ao ensino básico (incluindo formação de professores);

b. referência a estudos que tivessem por alvo a escola contemporânea à realização da investigação (o que eliminou estudos históricos ou de políticas educacionais);

c. foco de investigação na escola, nos professores, nos alunos ou nos saberes escolares;

d. referência à educação de jovens e adultos somente quando relativa a processos de escolarização;

e. explicitação dos critérios referidos nos resumos, não devendo os pesquisadores efetuar qualquer tipo de inferência.

Após esse período piloto, todo o acervo do CD-ROM (8.587 produções, excetuadas as 100 já analisadas) foi distribuído eqüitativamente entre dez pesquisadores, o que totalizou cerca de 860 fichas para cada um3.

Os dados colhidos sobre cada produção foram: número do CD-ROM da ANPEd, instituição onde foi defendida, ano de defesa, nível da produção (tese ou dissertação), nome do orientador, campo temático, tema principal, tema específico, nível de ensino investigado, série investigada, modalidade de ensino investigada, componente curricular investigado, tipo de pesquisa, procedimentos para coleta de dados, fonte de dados, bases, e fontes teóricas.

A coleta de dados durou um semestre letivo, período em que pelo menos uma vez ao mês o grupo se reunia para dirimir dúvidas a respeito do próprio levantamento, tarefa coletiva que contribuiu muito, segundo os próprios doutorandos, para a sua formação como pesquisadores, tanto pelo material analisado, como pelos procedimentos adotados.

As informações coletadas foram submetidas a tratamento estatístico cujos dados básicos serão apresentados em seguida, ressaltando-se que algumas dissertações de mestrado defendidas no programa já foram subprodutos diretos dessa pesquisa, como as de Ordonhes (2002) e Rossetto Jr. (2003), que realizaram balanços específicos acerca das investigações sobre a escola.

Este texto apresenta uma sistematização das informações obtidas, a partir das quais outros estudos estão sendo realizados.

CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

Das 8.687 dissertações e teses contidas no CD-ROM da ANPEd, 3.492 resumos, ou seja, 40,2% da produção total, indicaram claramente que tinham por objeto de estudo um dos quatro elementos selecionados: escola, saberes, professores e alunos.

Embora possa parecer expressivo o índice superior a 40% das dissertações e teses, que tiveram a escola básica atual como foco de suas investigações, não se pode esquecer que os níveis de ensino por ela abrangidos são os mais representativos de todo o sistema educacional, incluindo o período de escolaridade obrigatória. Para ter uma noção mais precisa de seu significado, seria necessário cotejar essa produção com os temas restantes, o que não fazia parte de nossos objetivos. Não podemos desconsiderar, entretanto, que as 3.492 teses e/ou dissertações defendidas nos 19 anos cobertos pela pesquisa perfazem uma média de 15 produções por mês, ou seja, uma a cada dois dias.

A distribuição da produção pelas instituições que mantinham programas de pós-graduação em educação está apresentada na tabela 1.

Com relação aos dados globais, ressalta-se o fato de que quatro instituições foram responsáveis por exatamente 36% da produção, três localizadas no Estado de São Paulo e uma no Rio de Janeiro. Por outra parte, 14 universidades concentraram mais de 74% das dissertações e teses defendidas no período, todas elas situadas no eixo SulSudeste, conforme os dois segmentos iniciais agregados da tabela 1. Grande parte dessa situação deve-se à longevidade da maioria dos programas4, mas o fato de se situarem nas duas regiões de maior desenvolvimento do país não pode ser desprezado. As outras 24 universidades que mantinham programas de pós-graduação no período foram responsáveis por 25,8% da produção. Destaque-se, porém, que, com exceção da Universidade Federal do Pará – UFPA –, em todas as instituições universitárias apareceu pelo menos um trabalho que investigou a escola.

Com relação à instância administrativa, apesar de a PUC-SP ser aquela em que maior número de dissertações e teses foram defendidas no período – acompanhada pelas 14 mais produtivas PUC-Rio e PUC-RS –, a maioria é de universidades públicas: sete federais e quatro estaduais, com destaque para as três universidades estaduais paulistas. No cômputo geral foram 32 universidades públicas e seis privadas, todas essas últimas de cunho confessional (cinco católicas e uma metodista). Esse dado reitera a importância que as instituições oficiais têm no campo da pesquisa, bem como a participação com importância relativa de grandes e tradicionais universidades confessionais/comunitárias. Mostra ainda a absoluta ausência de outras instituições privadas, mesmo em área em que, para a realização de pesquisas de qualidade, não há necessidade de grandes investimentos em infra-estrutura e equipamentos.

A distribuição anual da produção no período investigado está apresentada na tabela 2.

O crescimento anual da produção sobre a escola em relação à produção total sobre o tema, expresso nas duas colunas à esquerda, pode ser computado tanto ao crescimento do número de alunos por programa quanto pelo surgimento de novos programas de pós-graduação nesse período. Entretanto, independentemente desse crescimento, a proporção entre produções sobre a escola e produção total esteve sempre acima dos 30% (com exceção de apenas um ano), o que parece confirmar a tendência de privilegiar os estudos sobre a escola, tanto nos programas mais antigos quanto nos mais novos.

No tocante à proporção anual da produção sobre a escola em relação à produção total, aparecem três períodos distintos. De 1981 a 1987, com exceção de 1983, a produção sobre a escola oscilou entre 39% e 48%, com média de 40,5% no período, dois décimos acima do percentual total. Entre 1988 a 1994, a produção percentual baixou para 30%, com média de 35,5% e, no período final, de 1995 a 1998, a produção elevou-se à casa dos 40%, com percentual médio de 45,3%. Esta variação, ao lado da constatação de que a menor produção relativa anual foi de 30,5%, parece indicar que investigar a escola sempre foi uma vertente privilegiada da pesquisa educacional. Não se pode desconsiderar, entretanto, que entre 1988 e 1994 a produção sobre a escola sofreu refluxo em relação à produção total, o que parece corresponder ao período de abertura política, em que as questões referentes às políticas educacionais podem ter sido temas muito mais candentes.

A distribuição da produção foi a seguinte: 3.171 dissertações de mestrado (90,6%) e 327 teses de doutorado (9,4%). Tendo em vista que a duração média do doutorado é muito superior à do mestrado, que o número desses últimos era muito inferior ao dos primeiros (14 e 38 respectivamente) e a criação mais tardia dos doutorados, esses números eram esperados.

A produção das teses de doutoramento pelas 14 instituições que mantinham cursos desse nível no período consta da tabela 3.

As duas maiores universidades estaduais paulistas destacam-se como as grandes formadoras de doutores no país, com quase 60% da produção total, com a PUC-SP, ocupando posição intermediária com metade da produção da segunda estadual (Universidade de Campinas – Unicamp). A Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS –, a Universidade Estadual Paulista – Unesp-Marília, a Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e a PUC-Rio aparecem logo após com produção um pouco maior que uma dezena, seguidas de mais seis universidades com produções reduzidas de teses de doutoramento.

As instituições situadas no eixo Rio de Janeiro–São Paulo foram responsáveis pela produção de 295 teses. Ou seja, 90% dos doutores, cujos temas se voltavam ao estudo da escola, foram formados nesses dois estados. Essa constatação já havia sido feita, por exemplo, por Warde (1993) em relação à produção total da área no período entre 1982 e 1991, e parece reproduzir-se tanto no campo específico de investigações sobre a escola básica contemporânea no período pesquisado por esta autora quanto na década de 90.

Se, no entanto, cotejarmos a produção das teses de doutorado e dissertações de mestrado por instituição, a proximidade entre a Universidade de São Paulo – USP e a Unicamp esvai-se. A USP, além de ter a maior produção em termos globais, possuía, praticamente, distribuição eqüitativa entre teses de doutoramento e dissertações de mestrado, no período, enquanto o número de teses de doutoramento da Unicamp correspondia a aproximadamente 1/3 das dissertações de mestrado. A PUC-SP, que tinha a maior produção total e ocupava a terceira posição quanto às teses de doutoramento em relação à produção total, em números absolutos, foi ultrapassada pela Unesp-Marília, PUC-Rio e UFSCar. A UFRGS e a UFRJ, tradicionais universidades públicas no campo da pós-graduação em educação, possuem percentual relativamente baixo em termos da correlação tesedissertação e as demais apresentam índices muito reduzidos.

Esses dados parecem indicar que, nesse período, houve uma instituição (USP) em que o doutorado já assumia importância vital, com produção praticamente equivalente à do mestrado e outra (Unicamp) que também apresentava produção de teses de doutorado bastante significativa, indicando que elas foram as duas grandes formadoras de doutores no campo da investigação sobre a escola contemporânea (quase 200 teses num total de 327). Depois delas, em termos absolutos, surge a PUC-SP que, apesar de possuir uma proporção bem menor de teses em relação às dissertações, também teve produção significativa (43 no período). As três juntas foram responsáveis pela formação de 72% de todos os doutores que se debruçaram sobre a escola contemporânea.

AS INVESTIGAÇÕES SOBRE A ESCOLA

O conteúdo

As 3.492 dissertações e teses selecionadas foram distribuídas, em termos do seu campo temático, conforme a tabela 4.

Verifica-se uma variação relativamente pequena entre os quatro campos temáticos, especialmente no que se refere aos três primeiros. Como esses três campos referem-se de alguma forma à escola, pode-se considerar que a menor incidência sobre o último campo reflete mais o fato de que os trabalhos privilegiaram o estudo da escola por meio de seus componentes básicos do que um desinteresse sobre esse campo. De qualquer forma, o número de investigações que tiveram como foco a escola como um todo, embora menor que os demais, foi também significativo.

A distribuição da produção entre os quatorze temas principais elencados pela pesquisa é apresentada na tabela 5.

Quatro foram os temas principais que ultrapassaram 10% de incidência, com destaque para a categoria "componentes curriculares", o que indica maior freqüência de pesquisas que procuram analisar a instituição escolar por meio de um de seus componentes curriculares. Também é significativo o fato de que duas das categorias mais incidentes referem-se ao professor (formação e prática), totalizando praticamente 27% da produção. Em seguida aparece a categoria "condições do alunado", com mais de 7% de incidência, o que a coloca como a única em situação intermediária entre as mais e menos incidentes. Dentre as menos incidentes, a que reuniu maior interesse foi "socialização no espaço escolar". A preocupação com a linguagem escrita também pode ser destacada se somarmos as duas categorias que se referem a ela ("alfabetização" e "leitura/escrita"), com um total de mais de 7%, enquanto os recursos didáticos (somando-se "recursos didáticos" e "livro didático") são os menos incidentes, com aproximadamente 4%.

Se agruparmos as categorias, poderemos retirar alguns dados de interesse. Assim, ao somarmos todos os estudos que, de alguma forma, se voltam para os "saberes" (componentes curriculares, organização do trabalho escolar, alfabetização, leitura/escrita, recursos didáticos, avaliação e livro didático), alcançaremos o expressivo índice de 48,7% da produção. Do mesmo modo, se somarmos as categorias "aprendizagem", "desempenho escolar", "desenvolvimento psicológico" e "avaliação", teremos uma incidência de mais de 14% que, de alguma forma, se referem a questões relacionadas ao rendimento escolar.

Com relação aos componentes curriculares investigados, subdividimos a categoria em duas, uma referente aos componentes da educação básica e outra aos componentes dos cursos de formação de professores. Os dados sobre a educação básica estão apresentados na tabela 6.

Os três componentes mais incidentes correspondem às disciplinas centrais da educação básica, em especial do ensino fundamental, com destaque para o fato de que Matemática foi objeto de preocupação maior do que Português. O maior interesse pela área de Matemática deve ter estreita ligação com o fato de que alguns programas (como o da Unesp-Rio Claro) se voltam exclusivamente para ela. Pode também estar relacionado à existência de fortes linhas de pesquisa em outras instituições (como a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC) que resultaram, no final da década de 90, na criação de mais uma área da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior– Capes, a de Ensino de Ciências.

Dois componentes curriculares considerados complementares (Educação Física e Educação Artística) foram mais investigados que outros constantes do chamado núcleo comum, como História e Geografia. Se, no entanto, somarmos a essas duas categorias "Estudos Sociais" (que durante bom tempo do período reunia as duas disciplinas no ensino fundamental), totalizaremos 135 produções, o que coloca esse componente como o quarto mais incidente.

Vale também ressaltar o interesse relativamente significativo sobre os componentes curriculares do ensino médio como Física, Química e Biologia e a surpresa causada pelo número de trabalhos voltados ao estudo da Filosofia como componente da educação básica, especialmente se levarmos em conta a sua condição de disciplina não obrigatória. Há também uma quantidade razoável de estudos sobre Língua Estrangeira.

Nos outros componentes, a incidência é praticamente residual, sendo que as disciplinas "Direito e Legislação" e "Elementos de Geologia" aparecem porque integram a grade curricular de dois cursos técnicos de nível médio.

Os dados da tabela 7 mostram, pela baixa incidência de estudos sobre esses cursos, a pequena preocupação com o peso específico dos diferentes componentes curriculares na formação do professor; em contrapartida, o foco central da maioria das investigações é a formação prática, e Psicologia é considerada como disciplina instrumental para a prática didática em sala de aula. Assim, se somarmos os quatro primeiros componentes, obteremos 53 produções, ou seja, 84% de toda a produção. A baixa incidência sobre disciplinas de formação teórica, como História, Filosofia e Sociologia da Educação parece ainda demonstrar o pequeno interesse que a formação teórica como objeto de investigação das dissertações e teses despertou na área da educação, no período estudado.

O campo empírico das investigações

A pesquisa levantou também para quais níveis, ciclos e modalidades de ensino as dissertações e teses se voltaram.

Com relação ao nível de ensino, verifica-se que entre 3.716 indicações5 colhidas nos resumos, ocorreu a seguinte situação:

  • Ensino fundamental: 1.364 produções – 36,7%

  • Ensino médio: 606 produções – 16,3%

  • Educação infantil: 312 produções – 8,4 %

  • Ensino superior: 222 produções – 6%

  • Não especificado: 1.212 produções – 32,6%

O primeiro dado que se destaca é a falta de precisão dos resumos pois, apesar de declararem expressamente que investigaram a escola básica por meio das quatro entradas relacionadas, mais de 32,6% não indicaram, nem de forma indireta, em que nível realizaram suas investigações.

Os dados sobre os níveis de ensino correspondem ao que se poderia esperar, com incidência maior no ensino fundamental, seguida do médio e da educação infantil. O ensino superior figura em último lugar, já que somente os cursos de formação de professores foram incluídos na pesquisa.

Com relação aos ciclos do ensino fundamental e da educação infantil, chegou-se aos seguintes resultados, num total de 1.676 indicações:

  • Ensino fundamental geral: 493 produções – 29,4%

  • Ensino fundamental I: 568 produções – 33,9%

  • Ensino fundamental II: 303 produções – 18,1%

  • Educação infantilpré-escola: 208 produções – 12,4%

  • Educação infantil geral: 66 produções – 3,9%

  • Educação infantilcreche: 38 produções – 2,3%

As designações em relação aos ciclos do ensino fundamental deixam transparecer, ainda mais, a falta de precisão dos resumos, pois em aproximadamente 29,4% não há indicação sobre que ciclo as investigações se debruçaram. O mesmo não ocorre com a educação infantil, em que a maior parte (14,7% do total) designa em quais ciclos foram efetuadas as investigações contra apenas 3,9% que se referem genericamente a esse nível de ensino. Essa maior precisão também pode ter ocorrido pelo fato de a creche não pertencer ao sistema de ensino e não ser incorporada à educação infantil até a promulgação da atual Lei de Diretrizes e Bases – LDB, de 1996, o que obrigava o pesquisador a defini-la como objeto específico de investigação. A educação infantil, no largo período entre 1981 e 1996, era portanto constituída apenas pela pré-escola.

Com relação à modalidade de ensino, entre 3.593 indicações6, a maioria, como era de se esperar, voltou-se ao ensino regular, como se pode verificar pelos seguintes resultados:

  • Ensino regular: 3.153 – produções – 87,8%

  • Educação especial: 165 produções – 4,6%

  • Ensino profissional: 136 produções – 3,8%

  • Educação de jovens e adultos: 127 produções – 3,5%

  • Educação a distância: 12 produções – 0,3%

Entre as demais modalidades, a educação especial é a mais incidente, ultrapassando a educação profissional e a de jovens e adultos. Reduzido número de investigações incide sobre a educação à distância.

Em relação à produção por instituição, as 165 dissertações/teses sobre educação especial foram defendidas em 25 universidades, enquanto, nas outras 13, nenhum trabalho foi registrado. Além disso, a produção provém maciçamente de instituições do eixo Sul–Sudeste, abarcando UFSCar, com 27 títulos; Uerj, 26; PUC-SP, 25; Unicamp, 22; Unesp-Marília, 11; UFRGS, 8; USP, 7; UFRJ, 6; PUC-RS, 5 e Universidade Federal do Paraná – UFPR –, 3, o que perfaz 80,9% do total. Fora desse eixo aparecem a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN –, com apenas três produções cada, a primeira com percentual relativamente alto em relação à sua produção total (10,3%).

As produções sobre educação de jovens e adultos, embora em número menor que as da educação especial, distribuíram-se por um número superior de instituições universitárias que as dessa última (27 contra 25), com 12, entre as 13 primeiras, situadas no eixo SulSudeste. Entretanto, em termos percentuais, destaca-se a Universidade Federal da Paraíba – UFPB –, com 36,4% de dissertações e teses defendidas nessa área. Ao lado dela, a Universidade Federal da Bahia – UFBA –, com três trabalhos (4,7% do total) é a instituição das regiões Norte e Nordeste que apresenta índice mais elevado.

A baixa incidência (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE –, Universidade Federal de Sergipe – UFS –, Universidade Federal do Ceará – UFC–, com apenas um trabalho cada) e a inexistência de investigações sobre a educação de jovens e adultos (Universidade Federal do Amazonas – UFAM –, Universidade Federal do Maranhão – UFMA –, Universidade Federal do Piauí– UFPI – e Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN), em instituições situadas no Norte e Nordeste, onde os problemas do fracasso escolar e do analfabetismo mais se evidenciam, merece também ser destacada. Na contramão dessa tendência, destaca-se a UFPB, citada no parágrafo anterior.

Com exceção do ensino regular, o ensino profissional foi o que envolveu o maior número de instituições universitárias: 32 com pelo menos uma produção no período e apenas seis sem nenhuma produção.

A PUC-SP (24 produções) e a UFRJ (18) destacam-se com os maiores índices, embora, em termos absolutos, a PUC-SP seja a primeira em incidência, a UFRJ apresenta percentual mais elevado em relação à sua produção total (18,7% contra 13,9%). A essas segue a PUC-Rio com quantidade e percentuais bem mais baixos (11 produções – 9,5% de sua produção sobre a escola).

Ainda vale a pena destacar os percentuais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, e da UFPB que, embora tenham produção pequena em números absolutos (quatro cada), apresentam respectivamente percentuais de 17,4% e 12,1% em relação à sua produção total, bem como o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG – cuja produção total sobre a escola (três) se volta à educação profissional. No restante, a produção espraia-se em números relativamente reduzidos pelas demais instituições.

Verifica-se, portanto, uma concentração de estudos sobre essa modalidade na PUC-SP, UFRJ, PUCCAMP, UFPB e no CEFET-MG, o que parece indicar uma certa concentração de pesquisadores/orientadores voltados a essa temática. Da mesma forma, causou estranheza o fato da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG –, que possui larga tradição nesse campo, ter produzido apenas três pesquisas nesse período que procuraram investigar o ensino profissional por dentro das escolas.

A pesquisa sobre a educação a distância apresenta índices reduzidíssimos: apenas 12 produções em 18 anos cobertos pelo período, ou seja, menos de uma produção anual, envolvendo 10 das 38 instituições examinadas. Em termos numéricos, verifica-se que apenas a UFC e a PUC-Rio apresentam duas produções cada uma e as demais, apenas uma. Pelo pequeno número de universidades e de produções por instituição, verifica-se que o ensino à distância ainda não constituiu foco de investigação de teses e dissertações em nenhuma universidade brasileira.

Características das investigações

As características das investigações foram levantadas por meio dos seguintes indicadores, expressamente declarados nos resumos: tipos de pesquisa, procedimentos, fonte de coleta de dados, base teórica, fonte teórica7 e orientador.

Tipos de pesquisa

Com relação ao tipo de pesquisa, o primeiro dado a destacar é o fato de não haver, em 2.318 resumos, qualquer alusão a esse aspecto, ou seja, apenas 1.180 autores indicaram o tipo de pesquisa (3.498 menos 2.318), o que dá uma demonstração clara da fragilidade e da imprecisão desse indicador, fundamental para um levantamento bibliográfico mais denso.

No que tange à incidência, verificamos que são quatro os tipos de pesquisa mais utilizados: estudo de caso (278), qualitativa (204), etnográfica (134) e fenomenológica (101), que ultrapassaram 100 indicações cada uma, com destaque para as duas primeiras, indicadas em mais de 200 resumos cada. Mesmo assim, esse número mostra que menos de 20% das produções indicaram qual o tipo de pesquisa utilizado.

Com menor incidência, aparecem as pesquisas: experimental (94), exploratória (74), quantitativa (57), descritiva (47) e participante (45). Verifica-se aqui a única referência a pesquisas quantitativas, com apenas 57 indicações, o que mostra a predominância quase que absoluta das abordagens qualitativas de pesquisa. Os demais tipos declarados distribuem-se de maneira bastante dispersa, com índices relativamente pequenos.

Por fim, vale a pena ressaltar a imprecisão referente à distinção entre tipo e procedimentos de pesquisa, aqui expressa pela inclusão de categorias como "análise do discurso", "história de vida" e "história oral", bem como algumas designações que explicitam muito pouco o que o pesquisador quis designar com o tipo adotado, tais como "pesquisa dialética", "histórico-retrospectiva", "socioistórica" ou "transdisciplinar".

Procedimentos

Os procedimentos de pesquisa também dão uma demonstração da precariedade dos resumos, quando se verifica que 1.519 (ou seja, 43,5% do total) não fizeram qualquer referência a esse aspecto.

O procedimento de pesquisa mais utilizado, pouco menos que o dobro do segundo mais incidente, foi a entrevista, referida em 778 trabalhos (22% do total). Se levarmos em consideração que 1.979 resumos fizeram referência aos procedimentos, esse percentual se eleva para 39%, o que mostra a sua importância como instrumento de coleta de dados.

Em seguida, aparecem a observação (447 indicações), o questionário (340), a análise documental (254) e o depoimento (181), que, juntamente com a entrevista, perfazem 2 mil indicações, demonstração clara que esses foram os procedimentos utilizados de forma maciça para a coleta de dados. Os demais somam 374 indicações, ou seja, aproximadamente 1/5 das primeiras8.

Além disso, fica evidente a falta de precisão pelo uso de alguns termos que não dão a mínima idéia do procedimento adotado, tais como "mapa conceitual", "mapa familiar" e "mapeamento cognitivo".

Fonte de coleta de dados

Os professores (1.291 indicações) e alunos (1.228) constituíram as fontes privilegiadas de dados, com mais de 2.500 indicações. Juntos perfazem mais de 70% das fontes de dados declaradas, demonstração do quanto tais sujeitos da escola foram ouvidos. As demais fontes distribuem-se de forma bastante dispersa, valendo ressaltar que documentos pedagógicos (182 indicações), família (139), diretor (117) e especialista (109) ultrapassaram, cada um, a marca de 100 indicações.

Os dados relativos ao professor são compatíveis com os apresentados na tabela 4, evidenciando que a docência foi o campo temático mais privilegiado e o professor, a fonte de coleta mais incidente. Essa alta freqüência é também apontada por André et al. (2001) e Brzezinski e Garrido (2001). Isso leva a um questionamento: a alta incidência de estudos sobre o professor, sendo ele a fonte de dados, redundou em quê? Que razões levaram uma produção tão intensa a exercer tão pouca força material, já que, até hoje, se insiste na falta de formação do docente como um dos aspectos centrais para a má qualidade de ensino no país? Houve efetivamente acúmulo sobre esse tema ou essa produção tendeu à dispersão? A qualidade e densidade de análises têm sido uma tônica da produção ou a lassidão de método apontada por Warde (1993) proporcionou uma gama de estudos que não conseguiram adquirir força material suficiente para modificar, pelo menos, a tendência crescente que parece apontar para a contínua desqualificação dos docentes?

Base teórica

Apenas 317 resumos indicaram a base teórica utilizada. Como muitos deles declaram mais de uma, o total de bases declaradas atingiu a 381 indicações: isto é, aproximadamente 10% dos resumos declararam possuir alguma base teórica.

Aqui a dispersão é ainda mais evidente, sendo que a mais incidente (construtivismo, com 45 indicações) corresponde a 14% dos resumos que declararam possuir alguma base teórica e 1,3% do total geral das teses e dissertações analisadas.

Fonte teórica

Com relação à fonte teórica, a dispersão é ainda maior. Apenas 384 resumos fizeram menção a alguma. Mesmo com esse pequeno número, foram indicados 267 autores como fontes teóricas utilizadas.

Entre as fontes teóricas mais incidentes, verifica-se a importância da Psicologia: somando-se os números referentes a Piaget (121), Vigotski (174), Wallon (24), Emilia Ferreiro (19), Ausubel (13), Luria (9) e Leontiev (7), alcançaremos a marca de 267 indicações, ou seja, mais de 50% do total. Ainda dentro da Psicologia, vale a pena destacar a força da corrente piagetiana, na medida em que o segundo colocado (Vigotski) teve 60% de indicações em relação ao primeiro. Somando-se os números de Piaget aos de sua discípula Emília Ferreiro, teremos 140 indicações, enquanto que a soma das indicações de Vigotski e de seus seguidores (Luria e Leontiev) chega a 90, ou seja, 64% das indicações da primeira corrente.

As outras fontes mais declaradas distribuem-se por autores da educação (Paulo Freire, Freinet e Giroux), da Filosofia (Bakhtin, Foucault, Gramsci, Habermas, Agnes Heller, Marx, Morin e Bachelard), da Sociologia (Bourdieu, Lefebvre e Bernstein), além de Moscovici, como teórico das representações sociais e de Laurence Bardin, da análise de conteúdo.

Orientador

Embora não se possa considerar que a orientação seja uma característica intrínseca às teses e dissertações, a análise da incidência de orientadores pode oferecer uma visão relativa quanto a um certo acúmulo de produções sobre a escola.

Em relação aos orientadores de dissertações e teses dos programas de pós-graduação em educação brasileiros, cujo foco é a escola, ocorre grande concentração em alguns nomes: 13 professores responsabilizaram-se, cada um, por mais de 20 orientações, perfazendo um total de 325 trabalhos, ou seja, 9,3% da produção total; 56 responderam pela orientação, cada um, de dez a vinte produções, totalizando 766 orientações (21,9% do total); 162 professores orientaram, cada um, de cinco a dez produções, totalizando 1.035 trabalhos (29,6%). Se somarmos todos esses, verificaremos que 232 professores, respondendo por entre cinco e 30 orientações cada um, foram responsáveis por mais de 60% da produção, enquanto 746 acadêmicos, cada um orientando entre um e 4 trabalhos, responderam por 1.372 orientações, ou seja, praticamente 40% da produção.

Assim, a dispersão de temas, abordagens e procedimentos não pode ser totalmente imputada à variedade de orientadores, pois que a maioria da produção esteve a cargo de orientadores experimentados no campo da pesquisa educacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou realizar um mapeamento e uma análise inicial das tendências das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação em educação, que procuraram investigar a escola e os elementos que a compõem, por meio de quatro entradas: saberes, professores, alunos e escola.

Para tanto, utilizou-se a base de dados constante do CD-ROM ANPEd 99, que reúne a produção global da área, no período de 1981 a 1998.

Esse levantamento mostrou que cerca de 40% das dissertações e teses defendidas nos programas de educação do Brasil tomaram a escola, seus professores, suas práticas e seus alunos como objeto de investigação, o que parece contrariar uma visão bastante disseminada de que a partir de meados dos anos de 1980, com a reabertura política, deixou-se de estudar a escola internamente, para se enfatizar as suas relações com a sociedade em geral e que somente no final da última década teriam sido retomados, com mais ênfase, os estudos sobre a instituição escolar. Isso ficou ainda mais evidente quando se verificou que, apesar de uma queda nos anos 1980/1990, já no final dos anos de 1980 as investigações sobre a escola retornaram a patamares alcançados desde o início dessa década.

A grande concentração da produção no eixo SulSudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro (com quatro universidades em cada estado), confirma os dados de que essas são as regiões mais produtivas em termos de pesquisa e pós-graduação. Além disso, a USP apareceu como a grande instituição na formação de doutores, tanto pelo número absoluto de defesas de tese, quanto do quase equilíbrio entre o número de teses e dissertações defendidas no período.

Verificou-se, também, que a distribuição da produção entre as quatro categorias criadas para classificação das dissertações e teses (saberes, professores, alunos e escola) foi relativamente equilibrada, e o fato de a última ter tido incidência relativamente mais baixa pode indicar que as investigações preferiram as entradas mais específicas ao estudo da escola em geral.

Ainda sobre esse aspecto, a distribuição dos temas principais privilegiados entre os quatro campos temáticos apresenta uma tendência interessante: a categoria mais incidente é a de "componentes curriculares", o que parece reforçar a inferência do parágrafo anterior. Entretanto, o segundo tema mais incidente refere-se à "organização do trabalho escolar", o que parece indicar uma oscilação entre temas mais específicos e mais gerais. A grande incidência de trabalhos sobre a docência parece mostrar também que esse é um dos aspectos que mais preocupam os investigadores, do mesmo modo que a escola como espaço de interações sociais. A distribuição entre os demais temas é relativamente menor e dispersa, necessitando de investigações mais detalhadas para análise mais acurada das tendências ali expressas.

Com relação aos "componentes curriculares" do ensino básico, a alta incidência de estudos sobre Matemática e Português corresponde ao esperado, pelo fato de serem áreas centrais do currículo, também por ser a primeira objeto de interesse privilegiado de programas e linhas de pesquisa especificamente voltados à educação matemática e ensino de ciências. Em contrapartida, o fato de Educação Física e de Educação Artística serem componentes curriculares mais incidentes que outras áreas acadêmicas infirma uma visão relativamente disseminada de que essas são duas áreas de pouco interesse, superando, inclusive, áreas acadêmicas como a História e a Geografia. Além disso, cabe destacar o interesse relativamente grande sobre as disciplinas Física, Química e Biologia do ensino médio, assim como a Filosofia, o que pode estar expressando uma incidência de interesse na vertente da "filosofia para crianças".

Com relação aos componentes curriculares dos cursos de formação de professores, a grande incidência de trabalhos sobre as disciplinas voltadas para as práticas em contraste com o baixo número de dissertações e teses sobre disciplinas de formação teórica parece contrapor-se ao discurso vigente, tanto de formuladores de políticas quanto de estudiosos e especialistas, de privilegiamento de uma formação teórica sólida.

Quanto aos níveis e ciclos do ensino básico investigados, este estudo aponta, em primeiro lugar, a falta de precisão dos resumos que, em grande número, não fazem qualquer indicação a respeito, o que pode significar tanto que os estudos procuram investigar, de forma genérica, a escola básica, quanto a omissão pura e simples nos resumos dos níveis e ciclos investigados. Em relação aos ciclos de ensino, cabe aqui uma menção especial à educação infantil, em que há maior precisão de informações sobre estudos a respeito de creches e da pré-escola, talvez porque, em boa parte do período, a creche não pertencesse aos sistemas de ensino.

No que se refere às modalidades de ensino, além da esperada incidência maciça sobre o ensino regular, os dados apontam para um interesse maior sobre a educação especial do que sobre o ensino profissional e a educação de jovens e adultos, o que parece contrapor-se a uma visão de que o interesse sobre a primeira seja marginal na pesquisa educacional, além do interesse praticamente residual sobre a educação à distância. Ademais, a concentração relativamente maior de estudos sobre a educação especial em algumas instituições, em relação a uma dispersão das outras duas, parece corresponder a uma visão da necessidade de especialização para a realização de estudos sobre a primeira.

As características das dissertações e teses quanto aos tipos e procedimentos de pesquisa, fontes dos dados, bases e fontes teóricas levam a inferir que, além da falta de precisão dos resumos, expressa pela não indicação desses itens em um grande número deles, há grande dispersão de procedimentos e de fundamentos. Cabe, nesses aspectos, destacar a elevada incidência dos estudos de caso como tipo de pesquisa, das entrevistas como procedimento de coleta e do professor e aluno como fonte de dados, assim como a altíssima dispersão entre as bases teóricas declaradas e a grande incidência da Psicologia, com destaque para os estudos piagetianos, como base e fonte de dados.

Por fim, a distribuição das dissertações e teses por orientador permite- nos mostrar a ocorrência de concentração relativamente forte entre orientadores experimentados e um número relativamente pequeno de produções orientadas por acadêmicos com menos de três orientações cada um, o que parece indicar que se, há problemas de dispersão, isto não pode ser imputado apenas à falta de experiência dos orientadores ou de dispersão entre eles.

Essas foram as análises básicas que efetuamos por meio desse levantamento, que parecem apontar para questões centrais das investigações sobre a escola e que, a nosso juízo, oferecem indicadores interessantes sobre as tendências mais importantes, remetendo para a necessidade de balanços sobre os aspectos mais específicos dessa produção.

Recebido em: fevereiro 2004

Aprovado para publicação em: novembro 2004

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  • 1
    . Gouveia, 1971, 1976; Neri, Alvarado, 1983, Gatti, 1983, 1992; Patto, 1988; Warde, 1988, 1990, 1993; Cury, 1989; Velloso, 1992; Weber, 1992; Amado, Fávero, Garcia, 1993; Souza, 1993; Bueno, 1994; Paraíso, 1994; Nunes et al., 1998; André et al., 2001; Brzezinski, Garrido, 2001.
  • 2
    . Nas fichas do
    CD-ROM da ANPEd constam apenas os resumos das dissertações e teses. Foi desses resumos que colhemos as informações contantes dos itens 6 a 11 do Protocolo de Coleta de Dados.
  • 3
    . Participaram desse levantamento, além do Prof. José Geraldo Silveira Bueno, os doutorandos Carlos Antonio Giovinazzo Jr., Geovana Mendonça Lunardi, Luiz Carlos Novaes, Mércia Aparecida da Cunha Oliveira, Mônica Moreira de Oliveira Braga Cukierkorn, Mônica de Fátima Valenzi Mendes, Roseli Albino dos Santos e Wagner Wuo, todos da PUC-SP e Rosemeire Maria Zeppone, da Universidade Estadual Paulista – Unesp – Araraquara.
  • 4
    . As atividades do Instituto de Estudos Avançados em Educação – Iesae – foram encerradas pelo governo federal no início dos anos 90, sendo que as últimas defesas ocorreram em 1994.
  • 5
    . Esse número é superior ao total das dissertações e teses (3.492) porque esta questão aceitava mais de uma resposta.
  • 6
    . Esse número é superior ao total das dissertações e teses (3.492) porque essa questão aceitava mais de uma resposta.
  • 7
    . Para fins de classificação das indicações, utilizamos o seguinte critério: a. base teórica: corrente teórica explicitada pelo autor como a que ele utilizou ou se fundamentou para realizar a investigação (construtivismo, abordagem socioistórica, epistemologia genética, marxismo, sociointeracionismo etc.); b. fonte teórica: autor explicitado pelo resumo como os que utilizou ou se fundamentou para realizar a investigação (Piaget, Marx, Gramsci, Vigotski, Freud, Bourdieu etc.).
  • 8
    . Não há possibilidade de se estabelecer uma incidência precisa da soma de procedimentos em relação aos totais, porque muitas pesquisas utilizaram mais de um procedimento em suas investigações.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Aceito
      Out 2004
    • Recebido
      Fev 2004
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