Resumo
O objetivo deste trabalho foi avaliar a produtividade e a diluição do isótopo 15N de duas variedades de cana-de-açúcar, inoculadas ou não com bactérias diazotróficas. Dois experimentos foram realizados nas regiões Sudeste e Nordeste do Brasil, durante três safras (2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010): o primeiro em Argissolo Vermelho eutrófico, de textura argilosa, e o segundo em Planossolo Háplico distrófico, de textura média. Utilizou-se o delineamento de blocos ao acaso, com quatro repetições. As variedades testadas foram a RB867515 e a RB72454, cultivadas com inoculação com bactérias diazotróficas (cinco estirpes combinadas no inoculante para cana-de-açúcar) ou com adubação de 120 kg ha-1 de N, além do controle experimental sem inoculação e sem adubação. Avaliaram-se a produtividade de colmos e a diluição isotópica de 15N nas folhas-bandeira. A variedade RB72454 foi mais responsiva aos tratamentos, nos ciclos de cana-planta e na segunda soca. A abundância natural de 15N nas folhas-bandeira diminui ao longo dos anos, o que indica aumento da fixação biológica de N na medida em que a disponibilidade de N do solo vem sendo reduzida.
Termos para indexação: Saccharum; bactérias endofíticas; fixação biológica de N; inoculante para cana-de-açúcar
Abstract
The objective of this work was to evaluate the productivity and 15N isotope dilution of two sugarcane varieties inoculated or not with diazotrophic bacteria. Two experiments were carried out in the Southeast and Northeast regions of Brazil, during three cropping seasons (2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010): the first one on a clayey Acrisol, and the second one on a medium-textured Planosol. A randomized complete block design, with four replicates was used. The varieties RB867515 and RB72454 were tested with inoculation of diazotrophic bacteria (five strains combined in the inoculant for sugarcane) or fertilization with 120 kg ha-1 N, besides the control treatment without inoculation and nitrogen fertilization. Stalk yield and 15N isotope dilution of the flag-leaves were evaluated. The RB72454 variety showed greater response to the treatments during the plant-cane cycle and the second ratoon. 15N natural abundance in the flag-leaves decreases over the years, which suggests the increase of biological N fixation when N availability in soil reduces.
Index terms: Saccharum; endophytic bacteria; N biological fixation; inoculant for sugarcane
Introdução
A cana-de-açúcar (Saccharum sp.) é uma das espécies mais estudadas quanto à nutrição nitrogenada nos últimos anos. De maneira geral a fertilização nitrogenada apresenta baixa eficiência na cultura, com pequeno aproveitamento do N aplicado, principalmente no ciclo de cana-planta (Vitti el al., 2008; Schultz et al., 2012). Nas socas, as respostas à adubação nitrogenada são mais frequentes; entretanto, as diferenças entre as doses aplicadas e a quantidade de N acumulado pela cultura ainda são expressivas. Atualmente no Brasil, são aplicados, em média, 45 kg ha-1 de N na cana-planta e 80 kg ha-1 nas socas, ao passo que o acúmulo de N total nas folhas verdes e secas e nos colmos pode chegar a 260 kg ha-1 na cana-planta (Vitti et al., 2011) e, em média, a 120 kg ha-1 nas socas (Vitti et al., 2008; Baptista et al., 2014).
O acúmulo de N em quantidades expressivamente superiores às doses aplicadas nos canaviais brasileiros tem estimulado a investigação sobre o benefício da interação da cana-de-açúcar com bactérias endofíticas fixadoras de N, e quanto à possibilidade de se fornecer parte do N acumulado pela planta por meio da fixação biológica de nitrogênio (FBN) (Döbereiner, 1961). Diversos estudos foram conduzidos para confirmação do potencial natural da cultura em fixar o N da atmosfera (Yoneyama et al., 1997; Boddey et al., 2001; Urquiaga et al., 2012). Nessas avaliações, foram constatados valores da contribuição relativa da FBN entre zero e 70% do N acumulado. As principais razões apontadas para essa grande variabilidade foram diferenças varietais, condições edafoclimáticas e diferenças nas metodologias de avaliação (Unkovich et al., 2008). Por tratar-se da interação entre dois organismos vivos, a FBN é bastante sensível às condições edafoclimáticas.
A descoberta da FBN pela cana-de-açúcar abriu caminho para as pesquisas para a elaboração de inoculante à base de bactérias diazotróficas (Oliveira et al., 2003). Entretanto, resultados de ensaios desenvolvidos em diferentes regiões produtoras do Brasil mostraram que apenas em poucos casos o inoculante influencia na FBN, apesar de relatos de aumentos significativos na produção de biomassa aérea e raízes (Pereira et al., 2013; Gírio et al., 2015), bem como na produtividade de colmos (Oliveira et al., 2006; Schultz et al., 2012, 2014), atribuídos a efeitos de promotores de crescimento vegetal (Bashan et al., 2004; Gírio et al., 2015).
Avanços nas técnicas que utilizam a relação isotópica 14N/15N no solo e nos tecidos das plantas (Unkovich et al., 2008) evidenciam que o processo natural de FBN contribui significativamente para a nutrição nitrogenada da cana-de-açúcar (Urquiaga et al., 2012). Essas técnicas mostram, ainda, que o isótopo 15N dilui-se nos tecidos das plantas com a diminuição do N disponível no solo, e que há redução gradual de 15N nos tecidos das plantas na medida em que o solo é exaurido com as colheitas sucessivas da cana-de-açúcar (Urquiaga et al., 2012). Segundo Unkovich et al. (2008), a redução da concentração do isótopo 15N nos tecidos vegetais ocorre devido à FBN, que incorpora o N2 atmosférico com 0,3663% de átomos de 15N (valor padrão da atmosfera), enquanto o N disponível no solo normalmente apresenta concentrações superiores do isótopo.
O objetivo deste estudo foi avaliar a influência da inoculação com bactérias diazotróficas na produtividade e na diluição isotópica de 15N na cultura da cana-de-açúcar, bem como a diluição isotópica de 15N naturalmente associada à cultura.
Material e Métodos
Os experimentos foram desenvolvidos em áreas de cultivos comerciais de cana-de-açúcar, nas usinas Cruangi, localizada no município de Goiana, PE (7º33'39"S; 35º0'10"W; e 80 m de altitude), ao longo das safras 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010; e na usina Cruz Alta Guarani, localizada no município de Olímpia, SP (20º44'13"S; 48º54'54"W; e 506 m de altitude), nas safras de 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011. Os solos foram classificados de acordo com Santos et al. (2013) como Planossolo Háplico distrófico textura média e Argissolo Vermelho eutrófico textura argilosa, respectivamente. Nos dois casos, foram avaliados os ciclos de cana-planta, primeira soca e segunda soca. Na usina Cruangi, as três colheitas foram realizadas após 12 meses de cultivo, tanto para o ciclo de cana-planta como para as duas socas. Na usina Cruz Alta Guarani, a cana-planta foi colhida 15 meses após o plantio, e as duas socas com 12 meses de desenvolvimento após cada colheita. Na região da usina Cruangi, o clima é do tipo Aw, segundo classificação de Köppen, com temperatura média anual de 24,6°C. O clima da região de Olímpia, onde está localizada a usina Cruz Alta Guarani é do tipo Aw, segundo classificação de Köppen, com temperatura média anual de 23,3°C. A Figura 1 mostra a precipitação média mensal nas duas regiões.
Precipitação média mensal nas duas regiões de realização dos experimentos. A, Usina Cruangi, Fazenda Maravilha, PE; B, Usina Cruz Alta Guarani, SP.
Utilizou-se o delineamento experimental de blocos ao acaso, em esquema fatorial 2x3 (duas variedades e três tratamentos para disponibilização do N), com quatro repetições. As variedades testadas foram RB867515 e RB72454, enquanto os tratamentos consistiram da inoculação com bactérias diazotróficas ou da adubação com 120 kg ha-1 de N, além do controle experimental sem inoculação e sem adubação nitrogenada. As parcelas foram constituídas por 5 linhas de 10 m de comprimento, espaçadas a 1,10 m, na usina Cruangi, e 1,40 m, na usina Cruz Alta Guarani. Na área da usina Cruangi, a cana-de-açúcar vem sendo cultivada por aproximadamente 23 anos, com queima da palhada, e sete anos sem queima da palhada (cana crua). A área da usina Cruz Alta Guarani vinha sendo mantida sob pastagem, com diferentes espécies de gramíneas, por mais de 30 anos, e foi incorporada ao cultivo da cana-de-açúcar por ocasião da implantação do experimento.
O preparo do solo foi realizado com uma aração, duas gradagens, com incorporação de calcário dolomítico de acordo com análise de solo. Após a colheita do ciclo de cana-planta, foram realizadas análises químicas em amostras de solo das duas áreas experimentais (Tabela 1), de acordo com Donagema et al. (2011).
Características químicas dos solos das áreas experimentais avaliadas, após a colheita da cana-planta.
A adubação de rotina de plantio foi de 100 kg ha-1 de P2O5, na forma de superfosfato simples; 120 kg ha-1de K2O, na forma de cloreto de potássio; e 30 kg ha-1 de FTE BR12 e 0,4 kg ha-1 de molibdênio, na forma de molibdato de amônio. Após os cortes da cana-planta e da primeira soca, realizou-se adubação com 120 kg ha-1 de K2O, na forma de cloreto de potássio. A fonte nitrogenada utilizada no tratamento com adubação foi a ureia, na usina Cruangi, e o nitrato de potássio, na usina Cruz Alta Guarani. Nos dois casos, as aplicações foram realizadas em dose única, com aplicação em superfície entre 2 e 3 dias após as colheitas.
O inoculante para a cana-de-açúcar foi composto por cinco estirpes de bactérias diazotróficas previamente testadas e selecionadas por Oliveira et al. (2003): Gluconacetobacter diazotrophicus (Pal5T, BR11281), Azospirillum amazonense (Cbamc, BR11145), Herbaspirillum seropedicae (HRC54, BR11335), Herbaspirillum rubrisubalbicans (HCC103, BR11504) e Bulkholderia tropica (PPe8T, BR 11366). Para a obtenção do inoculante, as bactérias foram repicadas da Coleção de Bactérias Diazotróficas da Embrapa Agrobiologia (sigla BR) e cultivadas de forma individual em meio de cultura Dyg´s (Rodrigues Neto et al., 1986). Na sequência, 75 mL de meio de cultura Dyg´s, com população de 109 células mL-1 de cada estirpe, foi misturado em 175 g de turfa estéril (pH final 6,0) e acondicionada em saco plástico de 250 g de cada estirpe. Dessa forma, cada embalagem contendo as estirpes separadas pesou 250 g, sendo 175 g de turfa (veículo) e 75 g de suspensão bacteriana. A dose contendo as cinco estirpes foi de 1,25 kg.
A suspensão inoculante para a imersão dos toletes no plantio e para a inoculação das socas (reinoculação) foi preparada com a diluição de uma dose composta pelas cinco estirpes (1,25 kg), diluída em 100 L de água limpa, o que resultou na concentração de 12,5 g L-1 do inoculante. Para a inoculação de plantio, os toletes com três gemas, previamente selecionados e padronizados, foram acondicionados em sacos de ráfia de acordo com a necessidade para cada sulco de plantio (15 gemas por metro), imersos por 30 min na suspensão inoculante em recipientes com capacidade para 200 L. Após a imersão, as mudas foram colocadas sob sombra por 30 min e plantadas em seguida. Nas socas, a suspensão inoculante com diluição igual à utilizada no plantio foi aplicada entre 2 e 3 dias após a colheita, com utilização de aplicador pulverizador costal, com jato dirigido para a base da soqueira e aplicação de 10 a 15 mL m-1 da suspensão inoculante.
A produtividade de colmos foi obtida com a determinação do peso dos colmos das linhas centrais inteiras, em cada parcela, tendo-se descartado as linhas laterais como bordaduras. A pesagem dos colmos foi realizada com balança digital de 1.000 kg acoplada à moto-cana. No momento da colheita, foram coletadas amostras de folhas-bandeiras para a determinação do teor de N total e da concentração do isótopo 15N. No laboratório, as amostras de folhas-bandeiras foram secadas em estufa com circulação forçada, a 65 °C, até atingirem peso constante. Em seguida, foram passadas em moinho tipo Willey (2 mm) para depois serem finamente moídas em moinho de rolagem. A determinação de N foi feita segundo o método semimicro-Kjeldahl (Nogueira & Souza, 2005). A análise de abundância natural de 15N foi feita somente nas amostras de folhas-bandeira que, segundo Boddey et al. (2001), representam a marcação isotópica de toda a planta. Após a análise do teor de N total nas folhas-bandeira, foram determinados os pesos (mg) para análise de delta (δ15N), tendo-se dividido o valor 4 (40 µ de N total na amostra, que é a escala máxima de leitura do espectrômetro de massa da Embrapa Agrobiologia) pelo teor de N total (%), o que atende ao espectro de ação do espectrômetro de massas (Finnigan MAT, Bremen, Germany) do Laboratório de Isótopos Estáveis John M. Day, da Embrapa Agrobiologia.
O conhecimento da composição isotópica de 15N no N disponível é fundamental para a avaliação da FBN na cana-de-açúcar, e o cultivo em amostras do perfil do solo de espécies de plantas conhecidamente não fixadoras, ou de fixação desprezível, é uma alternativa para auxiliar na compreensão do fenômeno (Ledgard et al., 1984; Urquiaga et al., 2012). Assim, desenvolveu-se um ensaio em casa de vegetação, com o cultivo de três espécies de plantas em amostras de terra coletadas nas duas áreas experimentais, para conhecer a variação da composição isotópica de 15N no perfil dos solos das áreas experimentais. Para tanto, foram coletadas amostras de terra em três pontos aleatórios, dentro de cada área experimental, nas camadas de 0 a 15, 15 a 30, 30 a 45 e 45 a 60 cm de profundidade.
Após a coleta, as amostras foram secadas e peneiradas em malha de 2 mm, e acondicionadas em vasos de 500 g de capacidade, em casa de vegetação. Em cada camada de solo amostrada, foram cultivadas três espécies testemunhas não fixadoras, com quatro repetições, em delineamento experimental de blocos ao acaso. As plantas cultivadas foram sorgo (Sorghum bicolor), painço (Panicum mileaceum) e milheto (Pennisetum glaucum). Antes da semeadura, foi realizada a correção da acidez do solo, com calagem realizada de acordo com a análise do solo, e adubação com 100 mg kg-1 de P2O5 na forma de superfosfato simples, 100 mg kg-1 de K2O na forma cloreto de potássio, 20 mg kg-1 de sulfato de magnésio e 50 mg kg-1 de FTE BR12. Não foi realizada adubação nitrogenada, uma vez que o objetivo foi avaliar a abundância natural do isótopo 15N do N disponível no solo.
Após a adubação, realizou-se a semeadura, tendo-se utilizado entre 6 e 10 sementes por vaso. Cada vaso foi cultivado com apenas uma espécie. As plantas foram cultivadas por aproximadamente 30 dias, quando começaram a apresentar amarelecimento das folhas, indício do esgotamento do N disponível do solo. Em seguida, as plantas foram coletadas inteiras (raízes e parte aérea), secadas, moídas, pulverizadas e analisadas da mesma forma descrita anteriormente, para as amostras de cana-de-açúcar. A distribuição do isótopo 15N do N disponível no solo (0 a 60 cm) foi calculada pela média ponderada do N extraído pelas plantas, por vaso (mg), em cada profundidade, e os respectivos valores de δ15N, tendo-se utilizado o N acumulado nas plantas, em cada vaso (N disponível no solo), como fator de ponderação.
Os dados foram submetidos às análises estatísticas separadamente, por experimento, para verificar a distribuição normal e a homogeneidade das variâncias com uso do programa SAEG 9.1, e para realizar a análise de variância e o teste de médias com o software SISVAR 4.3. As médias foram comparadas com o teste t (LSD), a 5% de probabilidade.
Resultados e Discussão
De modo geral, a produtividade de colmos das duas variedades foi similar nos dois locais de cultivo, com pequena superioridade na usina Cruz Alta Guarani, o que se justifica pelas melhores condições edafoclimáticas, principalmente em razão do solo.
A produtividade de colmos foi influenciada pela adubação nitrogenada, na fase de cana-planta, exceto para a variedade RB867515, na usina Cruz Alta Guarani (Tabela 2). A inoculação não afetou nenhuma das duas variedades no ciclo de cana-planta, independentemente do local; contudo, promoveu aumento no rendimento de colmos da variedade RB72454, na segunda soca, na usina Cruangi. A resposta da cana-de-açúcar à adubação nitrogenada no ciclo de cana-planta é pouco comum, de maneira geral; no entanto, nas condições deste estudo, o resultado pode ter sido favorecido pela aplicação do fertilizante nitrogenado nos sulcos de plantio, o qual foi enterrado junto com os toletes. Na primeira soca, não houve influência dos tratamentos na produtividade de colmos das duas variedades, independentemente do local de cultivo.
Produtividade de colmos (Mg ha-1) das duas variedades de cana-de-açúcar, avaliadas por três safras consecutivas em função dos tratamentos(1) (1) Médias seguidas de letras iguais não diferem pelo teste t, a 5% de probabilidade. .
A abundância natural de 15N nas folhas-bandeira da cana-de-açúcar (δ15N) respondeu à inoculação somente na variedade RB867515, no ciclo de cana-planta, na usina Cruangi, tendo-se verificado maior valor de δ15N no tratamento inoculado, na comparação com o tratamento controle (Figura 2). Se as bactérias diazotróficas que compõem o inoculante têm capacidade de promover a FBN na cana-de-açúcar (Oliveira et al., 2006), os valores do isótopo 15N nas folhas-bandeira das plantas inoculadas deveriam ser inferiores aos observados no controle não inoculado (Unkovich et al., 2008). Entretanto, o oposto foi verificado neste estudo.
Valores de δ15N de folhas-bandeira de cana-de-açúcar, nos ciclos de cana-planta, primeira soca e segunda soca, com e sem inoculação de bactérias diazotróficas, nas usinas Cruangi (A), PE, e Cruz Alta Guarani (B), SP. Médias seguidas de letras iguais, maiúsculas na comparação entre os tratamentos e minúscula na comparação entre safras, não diferem pelo teste t, a 5% de probabilidade.
A superioridade dos valores de δ15N no tratamento inoculado, em comparação com o controle não inoculado, pode estar associada ao maior aproveitamento do N disponível no solo pela promoção do crescimento do sistema radicular pela inoculação (Bashan et al., 2004; Shukla et al., 2008), uma vez que os valores de δ15N do N disponível no solo, extraído pelas plantas controle, foram de 11,96, 11,82, 12,25 e 11,28‰, nas camadas de 0-15, 15-30, 30-45 e 45-60 cm, respectivamente. Nessas condições, a FBN naturalmente associada à cana-de-açúcar pode ter ocorrido tanto na planta não inoculada (controle) quanto na inoculada; no entanto, a diluição isotópica promovida pela FBN de forma natural possivelmente foi alterada pelo maior aproveitamento do N disponível no solo, no tratamento inoculado, que elevou os valores de δ15N nas folhas-bandeira para valores próximos aos observados no solo (Figura 3).
Nitrogênio disponível e variação da abundância de δ15N (‰) no perfil do solo Planossolo Háplico distrófico da Usina Cruangi, em Pernambuco (A), e no Argissolo Vermelho eutrófico da Usina Cruz Alta Guarani, em São Paulo (B), determinado com o uso de plantas controle cultivadas em vasos, em amostras de terra provenientes das áreas experimentais. As barras representam o erro-padrão da média.
O aumento dos valores de δ15N na cana-de-açúcar inoculada, em relação ao controle não inoculado, para a mesma variedade (RB867515), foi observado por Schultz et al. (2012), em estudo para avaliar a eficiência do mesmo inoculante utilizado neste trabalho, nas mesmas variedades, porém em Cambissolo Flúvico na região de Campos dos Goytacazes, RJ. Similarmente ao verificado no presente estudo, os autores não relataram aumento significativo da produtividade de colmos. O aumento no crescimento do sistema radicular da variedade RB867515 inoculada foi constatado por Gírio et al. (2015), ao avaliar o crescimento inicial de cana-de-açúcar proveniente de mudas pré-brotadas, com inoculação do mesmo inoculante avaliado neste estudo.
A influência da inoculação apenas para a variedade RB867515, no ciclo de cana-planta, na usina Cruangi, evidencia que o processo de FBN naturalmente associado à cana-de-açúcar se sobrepõe à introdução de bactérias via inoculação, e que faz com que o efeito da inoculação dependa de condições específicas do cultivo e da interação planta/bactérias (Baldani et al., 2009).
A análise da abundância natural de 15N nas folhas-bandeira, ao longo das três safras (Figura 2), revela que houve redução nos valores de δ15N na medida em que as colheitas foram realizadas, principalmente da cana-planta para a primeira soca. Este resultado é um indicativo de que, na medida em que o solo exaure-se pelos cultivos, com redução no estoque de carbono e de N, pela mineralização da matéria do solo, a FBN naturalmente associada à cultura - que é inversamente proporcional à abundância de 15N - começa a se expressar de forma mais significativa. Urquiaga et al. (2012), ao avaliar o potencial produtivo da cana-de-açúcar em um Argissolo Amarelo distrófico, após 15 anos sem adubação com N fertilizante e remoção completa da palhada nas colheitas, verificaram comportamento similar ao observado no presente estudo no que se refere à redução da abundância natural do isótopo 15N nas plantas ao longo do tempo. Os autores concluíram ainda que houve significativo balanço positivo de N no sistema solo-planta após o período avaliado. A presença de bactérias endofíticas fixadoras de N2 atmosférico nos diferentes tecidos da cana-de-açúcar está bem descrita na literatura (Baldani et al., 2009), com relato de contribuições que podem variar desde zero a 70% do total de N acumulado ao longo ciclo da cultura (Yoneyama et al., 1997; Boddey et al., 2001; Urquiaga et al., 2012), de acordo com o genótipo e as condições edafoclimáticas.
A Figura 3 mostra a variação do N disponível no perfil do solo, até 60 cm de profundidade, bem como a variação isotópica de δ15N extraído pelas plantas controle. No Planossolo Háplico, de textura arenosa, ocorreu distribuição aproximadamente uniforme do N disponível, da superfície até 40 cm de profundidade. Já no Argissolo Vermelho, de textura argilosa, houve aumento expressivo do N disponível nos primeiros 20 cm do perfil, e esses valores mantêm-se altos em profundidade. A influência da textura do solo na distribuição do isótopo 15N ao longo de seu perfil limita, em muitos casos, a interpretação dos resultados de FBN na cana-de-açúcar. Segundo Ledgard et al. (1984) essas variações podem superestimar ou subestimar a real contribuição da FBN para a cana-de-açúcar. Boddey et al. (2001) afirmam que, apesar da desuniformidade do isótopo 15N no perfil do solo, sua variação temporal é insignificante, ou seja, há estabilidade ao longo dos anos. Conforme a premissas desses autores, pode-se inferir que a redução da composição isotópica de 15N nas folhas-bandeira da cana-de-açúcar, ao longo dos anos, é resultante do empobrecimento do solo e do aumento da eficiência da FBN natural associada à cultura, que dessa forma garantiria os níveis de produtividade e longevidade dos canaviais, o que não é observado em outras culturas de interesse econômico que não contam com a contribuição eficiente do processo de FBN.
Conclusões
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As variedades RB72454 e RB867515 apresentam baixos índices de respostas à adubação nitrogenada e à inoculação com bactérias diazotróficas.
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Nas condições deste estudo, o inoculante não influencia de forma significativa a abundância natural de 15N nas folhas-bandeira da cana-de-açúcar.
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A abundância natural de 15N nas folhas-bandeira diminui ao longo das colheitas, o que indica que a fixação biológica do nitrogênio, naturalmente associada à cultura, aumenta na medida em que o N disponível no solo exaure-se com o cultivo.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, CT-Agro projeto no. 558329/2009-8), pelo apoio financeiro; e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pela bolsa cientista.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Set 2016
Histórico
-
Recebido
25 Ago 2015 -
Aceito
23 Dez 2015