Resumo
The authors present a concise but critical review on the development of physical chemistry in Brazil, as seen by two experimental scientists with more then 25 years of experience in the Brazilian academics.
physical chemistry; Brazil; last 25 years
physical chemistry; Brazil; last 25 years
FQ
SBQ ¾ 25 ANOS: FÍSICO ¾ QUÍMICA
Paulo Sérgio Santos
Instituto de Química, Universidade de São Paulo, CP 26077, 05513-970 São Paulo - SP
Gerardo Gerson Bezerra de Souza* * e-mail: gerson@iq.ufrj.br
Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 21949-900 Rio de Janeiro - RJ
SBQ-25 YEARS: PHYSICAL CHEMISTRY. The authors present a concise but critical review on the development of physical chemistry in Brazil, as seen by two experimental scientists with more then 25 years of experience in the Brazilian academics.
Keywords: physical chemistry; Brazil; last 25 years.
INTRODUÇÃO
Ao escrever a presente revisão não houve, por parte dos autores, a pretensão de abordar de forma exaustiva o tema, nem de apresentar uma análise detalhada da área, calcados em dados existentes na literatura. Procuramos na verdade, baseados numa longa experiência de trabalho experimental em Físico ¾ Química, fornecer uma visão crítica a respeito do desenvolvimento desta área, nos últimos 25 anos. É importante salientar, entretanto, que existem estatísticas cuidadosas e de fácil acesso elaboradas, nos últimos anos, por parte de agências financiadoras, tais como CAPES e CNPq.
Cabe ainda, de justiça, mencionar a existência de excelentes artigos dedicados à análise da área de Química no país1-3, nos quais, evidentemente, aborda-se com maior ou menor profundidade a questão da Físico ¾ Química. Consideramos particularmente válidas, neste sentido, as avaliações e críticas fornecidas pelo Prof. José M. Riveros2. É importante ainda mencionar estudo recente da CAPES, coordenado pelo Prof. Alfredo Arnóbio da Gama, sobre as lacunas da pós-graduação em Química4.
DESENVOLVIMENTO DA FÍSICO-QUÍMICA
Um quarto de século é um período suficientemente longo para um balanço da evolução da Química brasileira contemporânea. Em particular, nesta breve análise procuramos destacar as especialidades da Físico ¾ Química que atingiram maturidade e competitividade internacional, bem como algumas outras igualmente importantes que ainda estão numa fase bem mais incipiente. Devemos antes de mais nada destacar, que devido ao seu caráter central dentro da Química, muita Físico ¾ Química acaba formalmente sendo classificada como Química de Materiais, Química Inorgânica, Química Orgânica, etc. De qualquer modo, utilizando os indicadores clássicos, como número de grupos de pesquisa, número de mestres e doutores formados, número de publicações e de citações, verifica-se que a Físico ¾ Química, ao longo dos últimos 25 anos mostrou impressionante crescimento quantitativo e qualitativo. Nesse particular não foi diferente do que ocorreu nas outras áreas clássicas da Química. Não é difícil correlacionar esse desempenho da Química, e da Físico ¾ Química em particular, com a implantação dos vários programas PADCT no país, que reservaram uma parcela considerável dos recursos para as áreas da Química e da Engenharia Química. Estes programas de financiamento, de âmbito nacional embora de recursos limitados, foram entretanto acompanhados apenas de forma modesta pelas fundações de auxílio à pesquisa estaduais. A grande e notável exceção constituiu-se, como é do conhecimento geral, na FAPESP, que tem garantido um nível bastante razoável de financiamento. Projetos temáticos, projetos multi-usuários, projetos de infraestrutura entre outros, permitiram que a Físico ¾ Química apresentasse um bom nível de crescimento no estado de São Paulo. Não por acaso, expressiva parcela dos laboratórios de pesquisa do país está situada neste estado (o que ademais vale para as outras áreas da Química). Cabe entretanto mencionar que, nos últimos anos, a FAPERJ voltou a assumir um papel importante no financiamento à pesquisa no estado do Rio de Janeiro, com reflexos inclusive para os grupos de Físico ¾ Química daquele estado.
No tocante a sub-áreas, gostaríamos de mencionar com destaque a Química Teórica e a Química Computacional, que mais recentemente passaram a ser consideradas como áreas autônomas, mas que obviamente guardam estreita relação com a Físico ¾ Química. Certamente essas áreas estão entre aquelas que mais cresceram nos últimos 25 anos, como pode ser verificado, por exemplo, pela expansão dos encontros de Química Teórica realizados em Caxambú, com a grande maioria dos trabalhos sendo publicada por periódico internacional de prestígio. Para isso muito têm contribuído os significativos investimentos nas facilidades computacionais nas Universidades e Institutos de Pesquisa. O enorme avanço nas técnicas de Química Computacional possibilitou o tratamento de sistemas moleculares cada vez mais complexos, fazendo assim a Físico ¾ Química cada vez mais presente em outras áreas da Química, e em particular na Bioquímica.
Dentro das especialidades mais clássicas da Físico ¾ Química, como é o caso da Eletroquímica, da Cinética Química, da Termoquímica e da Físico ¾ Química de Superfícies verificou-se a consolidação de diversos grupos de pesquisa e a emergência de vários outros. Um dos fatores de crescimento e de aumento de competitividade com certeza foi a incorporação de moderna instrumentação, que tem permitido uma abordagem cada vez mais ao nível molecular. É o caso típico da introdução crescente de técnicas espectroscópicas modernas na Eletroquímica, e de técnicas de microscopia eletrônica na Química de Superfícies. No lado menos positivo vale a pena assinalar, entretanto, que não existe até hoje no país, dentro de nosso conhecimento, nenhum laboratório de Físico ¾ Química (pelo menos a nível acadêmico) com capacitação instrumental para a análise de superfície com técnicas experimentais clássicas como ESCA, Auger ou SIMS. São ainda em número bastante reduzido os pesquisadores dedicados ao trabalho experimental com técnicas modernas de espectroscopia baseadas no emprego de lasers (p. ex. espectroscopia multifotônica, ZEKE etc) e da luz síncrotron.
Embora não seja tradição no nosso meio diferenciar, como se faz em países anglo-saxões, as especialidades onde a abordagem é mais de natureza fenomenológica e clássica (Physical Chemistry), daquelas onde a abordagem é muito mais molecular e quântica (Chemical Physics), seria importante considerar essa divisão para as considerações que faremos a seguir.
Se, por um lado, as áreas mais clássicas e fenomenológicas da Físico ¾ Química mostraram, ao longo dos últimos 25 anos, crescimento, maturação e consolidação, o mesmo não pode ser dito das áreas que constituem a "Chemical Physics" em países anglo-saxões, e para a qual nem mesmo temos ainda uma denominação em língua portuguesa. Alguns dos aspectos dessa área estão com certeza contidos naquilo que a comunidade dos físicos denomina Física Molecular, e que, de acordo com muitos físicos, é no Brasil uma área relativamente negligenciada. É interessante notar que, por razões históricas, o Journal of Physical Chemistry é publicado pela American Chemical Society, enquanto que o Journal of Chemical Physics é publicado pelo American Institute of Physics. Reafirmando não termos a pretensão de apresentar aqui conclusões baseadas em amplos levantamentos estatísticos, mas apenas com o objetivo de mostrar um padrão ao longo dos últimos 25 anos (e por que não dizer, até para provocar uma discussão na comunidade), gostaríamos de comentar aqui alguns dados abstraídos do "web of science". Nos últimos 25 anos temos da ordem de 150 publicações no Journal of Physical Chemistry com pelo menos um autor brasileiro, enquanto que no mesmo período esse número é de 270 para o Journal of Chemical Physics.
À primeira vista, esses números parecem contradizer o que afirmamos anteriormente, ou seja, que entre nós a situação da "Physical Chemistry" é muito melhor do que a de "Chemical Physics". Uma análise mais cuidadosa mostra, entretanto, que não é bem assim pois enquanto a imensa maioria das 150 publicações do Journal of Physical Chemistry está associada a departamentos de Química, verificamos que a grande maioria dos 270 publicações do Journal of Chemical Physics está associada a departamentos de Física. Também muito significativo é constatar que a imensa maioria dos trabalhos do Journal of Chemical Physics publicados nos últimos 25 anos oriundos de departamentos de Química no Brasil são trabalhos teóricos ou quando envolvem parte experimental, esta foi realizada no exterior. Esse último aspecto tem mudado positivamente, em anos recentes, em função das facilidades experimentais do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, mas ainda se observa que o número de trabalhos experimentais oriundos de departamentos de Química realizados no Síncrotron é bastante tímido, na área de "Chemical Physics". Apenas para efeito de comparações, quando se repete essa análise (Physical Chemistry X Chemical Physics) tomando como base publicações oriundas da Inglaterra, no mesmo período de 25 anos, pode-se perceber uma diferença fundamental. Temos por volta de 1100 publicações no Journal of Physical Chemistry, a imensa maioria oriunda de departamentos de Química, aliás como também se verifica no Brasil. No caso do Journal of Chemical Physics, temos da ordem de 2200 publicações ¾ coincidência ou não, a relação de artigos no Journal of Chemical Physics para artigos no Journal of Physical Chemistry (sempre nos últimos 25 anos) é aproximadamente 2 na Inglaterra e 1,8 no Brasil ¾ portanto bastante comparáveis. Onde está então a diferença? Na verdade são duas diferenças muito importantes: a primeira é que no caso de autores ingleses no Journal of Chemical Physics, a grande maioria está associada a departamentos de Química (chegaríamos à mesma conclusão se escolhêssemos os Estados Unidos, Alemanha, etc). A segunda diferença reside no fato dessa predominância valer tanto para trabalhos de natureza teórica como experimental. Temos pois uma situação perversa, pois apesar do fantástico desenvolvimento, a nível mundial, de técnicas experimentais modernas na área de "Chemical Physics" (feixes moleculares, lasers de femtosegundos, espectroscopia de ultra-alta resolução, etc), a mesma área tem sido negligenciada no Brasil, tanto pelos físicos (Física Molecular), como pelos químicos (Chemical Physics).
Em resumo, acreditamos que um balanço realista da Físico ¾ Química brasileira nos últimos 25 anos não pode deixar de apontar um vertiginoso crescimento em diversas áreas hoje muito bem consolidadas e com ampla disponibilidade de instrumentação moderna. Várias dessas especialidades têm se beneficiado de uma crescente ação interdisciplinar junto a outros segmentos, mormente na área de materiais e na área biológica. Não pode passar desapercebido, entretanto, o caráter ainda bastante incipiente da "Chemical Physics" no nosso país, nos seus aspectos experimentais. Isso fica ainda mais preocupante quando se leva em conta que já existe entre nós massa crítica e "expertise" no tratamento teórico de inúmeros problemas afetos a essa área, o que causa um enorme desbalanço entre teóricos e experimentais.
Obviamente não podemos esquecer nesta análise um fato concreto ¾ a instrumentação envolvida nesta área é em geral extremamente cara, como também o é a infraestrutura de apoio necessária. Também não podemos nos esquecer do enorme investimento realizado no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, com sua excelente infraestrutura de apoio, o que em princípio abre excelentes perspectivas para o crescimento de diversas especialidades de "Chemical Physics" experimental no país. Levando em consideração ainda o fato deste laboratório fornecer inclusive apoio financeiro para a realização de experiências em suas instalações, fica patente a sua importância, particularmente para pesquisadores jovens ou provenientes de centros dotados de menos recursos. Parece entretanto que nossa comunidade ainda não se apercebeu com clareza desta excepcional oportunidade para o desenvolvimento da área de Físico ¾ Química experimental, tão fundamental dentro da Química moderna.
Finalmente, cabe abordar um problema que, de forma crônica, afeta a Físico ¾ Química e inúmeras outras áreas científicas em nosso país: a fortíssima concentração, no sudeste, dos grupos de pesquisa. De fato, e à guisa de exemplo, uma análise simples dos trabalhos apresentados nos últimos anos na Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (cerca de 75, em média) mostra que menos de 10% são provenientes de estados do norte e nordeste. A atenuação destas disparidades deve, necessariamente, constituir-se numa preocupação constante por parte das agências de financiamentos e de nossa Sociedade.
REFERÊNCIAS
- 1. Cagnin, M. A. H.; Quim. Nova, 1991, 14, 219.
- 2. Riveros, J. M. Em Ciência e Tecnologia no Brasil: A Capacitação Brasileira para a Pesquisa Científica e Tecnológica; Schwartzman, S., coord.; Ed. Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 1996, p. 359-388.
- 3. Pinto, A. C.; Zagatto, E. A. G.; Gama, A. A. S. da; Kato, M. J.; trabalho não publicado.
- 4. Gama, A. A. S. da; trabalho não publicado.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Nov 2003 -
Data do Fascículo
Maio 2002