Resumo
This article provides an overview on the recent achievements to combat Gram-positive bacteria and the mechanisms related to antimicrobial activity and bacterial resistance. Selected synthetic methodologies to access structurally diverse bioactive compounds are presented in order to emphasize the most important substances currently developed to overcome multiresistant strains. The main properties of vancomycin and related glycopeptide antibiotics are also discussed as a background to understanding the design of new chemotherapeutic agents.
Gram-positive bacteria; bacterial resistance; vancomycin
Gram-positive bacteria; bacterial resistance; vancomycin
DIVULGAÇÃO
Estratégias utilizadas no combate a resistência bacteriana
Recent achievements to combat bacterial resistance
Gustavo Pozza SilveiraI; Faruk NomeI; José Carlos GesserI; Marcus Mandolesi Sá*, I; Hernán TerenziII
IDepartamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, CP 476, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil
IIDepartamento de Bioquímica, Universidade Federal de Santa Catarina, CP 476, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil
ABSTRACT
This article provides an overview on the recent achievements to combat Gram-positive bacteria and the mechanisms related to antimicrobial activity and bacterial resistance. Selected synthetic methodologies to access structurally diverse bioactive compounds are presented in order to emphasize the most important substances currently developed to overcome multiresistant strains. The main properties of vancomycin and related glycopeptide antibiotics are also discussed as a background to understanding the design of new chemotherapeutic agents.
Keywords: Gram-positive bacteria; bacterial resistance; vancomycin.
INTRODUÇÃO
No decorrer das últimas décadas, o desenvolvimento de fármacos eficientes no combate a infecções bacterianas1 revolucionou o tratamento médico, ocasionando a redução drástica da mortalidade causada por doenças microbianas. Por outro lado, a disseminação do uso de antibióticos lamentavelmente fez com que as bactérias também desenvolvessem defesas relativas aos agentes antibacterianos, com o conseqüente aparecimento de resistência. O fenômeno da resistência bacteriana2 a diversos antibióticos e agentes quimioterápicos impõe sérias limitações3 às opções para o tratamento de infecções bacterianas, representando uma ameaça para a saúde pública. Esta resistência prolifera-se rapidamente4,5 através de transferência genética, atingindo algumas das principais bactérias Gram-positivas, como enterococos, estafilococos e estreptococos.
O uso extensivo de penicilina após a Segunda Guerra Mundial6 desencadeou o surgimento das primeiras cepas de bactérias Gram-positivas não susceptíveis a antibióticos penicilínicos, conhecidos como PRSP ("penicillin-resistant" Streptococcus pneumoniae). Da mesma forma, os antibióticos lançados no mercado nos anos seguintes, como os análogos penicilínicos meticilina e cefalosporina, além de tetraciclinas e eritromicinas (Figura 1), aos poucos foram se tornando limitados, devido ao desenvolvimento de resistência múltipla em cepas de enterococos e estafilococos infecciosos. A última linha de defesa contra a ameaça do Staphylococcus aureus surgiu a partir da descoberta do antibiótico glicopeptídico5 vancomicina, isolado do fungo Amycolatopsis orientalis pelo grupo Eli Lilly, em 1956 (Figura 2). Com o nome originado da expressão inglesa "to vanquish" (aniquilar, destruir), vancomicina tornou-se quase uma lenda devido a sua excelente performance frente a cepas de S. aureus resistentes à meticilina, conhecidos por MRSA ("methicillin-resistant" S. aureus). Vancomicina é ativa primariamente7 contra cocos Gram-positivos, sendo também eficaz contra S. aureus, S. epidermidis, Clostridium difficile e Corynebacterium sp., mas não possui atividade contra bactérias Gram-negativas e micobactérias. Sua disponibilidade para uso clínico ocorreu em 1958, após aprovação pela agência norte-americana reguladora de fármacos e alimentos (US-FDA). Nesta mesma época, outros agentes antiestafilococos como cefalosporinas, meticilina, tetraciclina e eritromicina A também passaram a ser utilizados, recebendo uma aceitação clínica muito maior que a vancomicina sobretudo devido aos aparentes efeitos de toxicidade desta última. Avanços5 em processos de fermentação microbiológica e técnicas de separação permitiram a produção de vancomicina com alta pureza, resultando na eliminação de muitos dos seus efeitos colaterais. Com a incidência crescente de resistência bacteriana frente aos outros agentes quimioterápicos (Figura 1), o emprego clínico da vancomicina foi difundido e sua obtenção tornou-se objeto de grande interesse8 acadêmico e industrial.
A consolidação da vancomicina como um antibiótico poderoso frente a bactérias Gram-positivas multirresistentes trouxe um período de certa tranquilidade na incessante guerra contra microrganismos patógenos, causando inclusive uma desaceleração2 nos investimentos de empresas farmacêuticas em programas de descobrimento e desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos. Entretanto, esta supremacia começou a sofrer abalos com o aparecimento das primeiras cepas de enterococos resistentes à vancomicina, conhecidos por VRE ("vancomycin-resistant" enterococci). Apesar da natureza não patogênica dos enterococos com relação a pessoas sadias, o surgimento em 1988 dos primeiros casos de resistência destas bactérias causou enorme alarme, pois os enterococos são capazes de infectar5 pacientes imunodeficientes, tais como transplantados e vítimas de AIDS. A ocorrência de colonização intestinal de VRE em pacientes com longos períodos de internação em hospitais pode não resultar em sintomas infecciosos, mas servirá de reservatório9 para transmissão a outros pacientes. A bactéria pode espalhar-se10 pelo contato direto ou indireto dentro de uma clínica de saúde ou hospital, bem como através de profissionais de saúde que trabalham em mais de uma instituição, e ainda por pacientes que são transferidos e que já haviam sido infectados. Em uma situação mais preocupante, o temor de que genes causadores de resistência à vancomicina presentes nos VRE fossem transmitidos para estafilococos do tipo MRSA foi recentemente confirmado11 em três casos isolados, sendo conhecidos como VRSA ("vancomycin-resistant" S. aureus).
Uma maneira preventiva de combater o avanço de infecções causadas por VRE e VRSA é a implementação10 de medidas de decréscimo de fontes destas bactérias. O controle das infecções a partir de ações que possibilitem o isolamento de pacientes infectados e a educação da população sobre os métodos de transmissão de VRE vêm contendo a propagação do microrganismo. Restrições na utilização de antibióticos, além de diretrizes para o emprego de agentes antibacterianos ajudam a diminuir o florescimento de VRE no trato gastrointestinal. Porém, esta medida parece ser de difícil execução, uma vez que o uso de antibióticos de maneira empírica é bastante comum. De fato, o uso abusivo7 de antibióticos para tratamento de infecções virais, como caxumba, sarampo e gripe, e febres de etiologia desconhecida que não respondem a antibioticoterapia, além de inútil, também promove o surgimento da resistência.
Diante deste cenário alarmante, fármacos que hoje lideram as listas dos mais vendidos correm o risco de se tornarem obsoletos, devido ao aumento da resistência bacteriana. Desta forma, a comunidade médica e científica vem procurando compreender os fenômenos responsáveis pelos mecanismos adaptados de resistência, de forma a criar alternativas e novas estratégias para o combate a bactérias resistentes. A demanda crescente por novas substâncias12 capazes de inibir, em concentrações baixas, processos vitais de uma ou mais espécies de microrganismos resistentes tem provocado uma verdadeira corrida em busca de agentes antibacterianos de origem natural, semissintética ou sintética cada vez mais eficientes. Apesar dos mais otimistas já terem abandonado o antigo sonho de encontrar uma substância antibacteriana "perfeita" (invencível frente a patógenos multirresistentes, com amplo espectro de ação e sem efeitos colaterais), o descobrimento de novos antibióticos potentes e mais seguros representa não apenas o avanço para uma melhor qualidade de vida, mas também a participação em um mercado em crescimento13 que movimenta cerca de 25 bilhões de dólares.
O objetivo deste artigo é abordar as principais estratégias que vêm sendo desenvolvidas para combater bactérias Gram-positivas, bem como os prováveis mecanismos de ação relacionados com a atividade antimicrobiana e a resistência bacteriana. Serão apresentadas algumas metodologias sintéticas empregadas no acesso às diversas classes de compostos bioativos potentes frente a cepas multirresistentes. As principais propriedades da vancomicina e de outros antibióticos glicopeptídicos mais intensivamente estudados são discutidas de maneira crítica, enfatizando também novas classes de compostos recentemente lançados no mercado farmacêutico e outros em estágio final de aprovação pelas agências reguladoras internacionais.
MECANISMOS DE DEFESA BACTERIANA E RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS
Formalmente, o aparecimento de bactérias resistentes a antibióticos pode ser considerado como uma manifestação natural regida pelo princípio evolutivo da adaptação genética de organismos a mudanças no seu meio ambiente. Como o tempo de duplicação das bactérias pode ser de apenas 20 min, existe a possibilidade de serem produzidas muitas gerações em apenas algumas horas, havendo, portanto, inúmeras oportunidades para uma adaptação evolutiva. A freqüência de mutações espontâneas para determinado gene em populações bacterianas é extremamente baixa, sendo de aproximadamente uma por 106-108 células por divisão. Desta forma, a probabilidade é de que uma célula em cada 10 milhões irá, ao dividir-se, produzir uma célula-filha contendo uma mutação em determinado gene. Todavia, como é possível haver um número de células muito maior que este em uma infecção, a probabilidade1 de uma mutação produzir reversão da sensibilidade e resistência a determinados fármacos pode ser muito alta em algumas espécies de bactérias. Apesar da presença de poucos microrganismos geneticamente modificados não ser suficiente para produzir resistência, se uma população bacteriana infecciosa contendo alguns mutantes resistentes a determinado antibiótico for exposta a este fármaco, os genotipicamente alterados terão maior vantagem seletiva. Na maioria dos casos, a drástica redução da população bacteriana obtida pelo agente quimioterápico permite que as defesas naturais do hospedeiro possam lidar efetivamente com os patógenos invasores. Entretanto, isso não ocorrerá se a infecção for causada por uma população de bactérias inteiramente resistentes ao fármaco4 ou se as defesas humanas estiverem momentaneamente deficientes.
Dentre os diferentes mecanismos14 de resistência descritos para microrganismos, aqueles mais importantes em bactérias Gram-positivas podem ser classificados4,15 em 3 grupos distintos: Destruição do antibiótico (resistência a dalfopristina e penicilinas) - enzimas catalisam a degradação do antibiótico ou modificam grupos funcionais farmacologicamente importantes presentes em sua estrutura, criando funções inativas para o reconhecimento molecular; Efluxo contínuo do antibiótico (resistência a tetraciclinas e fluoroquinolonas) - genes mutantes superexpressam proteínas transportadoras de membrana responsáveis pela entrada e saída de substâncias no meio citoplasmático, fazendo com que a retirada do antibiótico para o meio extracelular seja mais rápida que a sua difusão pela membrana bacteriana, mantendo uma concentração insuficiente para atuar como bloqueador de funções celulares; Reprogramação e modificação da estrutura-alvo (resistência à eritromicina e vancomicina) - alvos macromoleculares do antibiótico, como ribossomos, proteínas e constituintes da parede celular, são estruturalmente modificados a partir de genes que os expressam, afetando o reconhecimento do fármaco pelo alvo e diminuindo sua potência. Utilizando um destes mecanismos, ou uma combinação deles, cepas de bactérias vêm sobrepujando até os antibióticos mais promissores, independente da classe química a qual pertençam. Os exemplos abaixo ilustram a rápida "ascensão e queda" de novos antibióticos que eram aguardados com otimismo, mas que pouco tempo depois de serem lançados no mercado tiveram casos de resistência associados.
A utilização de uma combinação de quinupristina (um depsipeptídeo cíclico) e dalfopristina (um cetolídeo peptídico) para tratamento de infecções por VRE foi aprovada pelo US-FDA em 1999 com o nome de Synercid (Figura 3a). Estes derivados de estreptograminas, também conhecidos16 como pristinamicinas e virginiamicinas, inibem a síntese protéica a partir da interação com ribossomos bacterianos. Entretanto, o tratamento com quinupristina-dalfopristina tem custo elevado e apresenta efeitos colaterais, além de já ter sido relatada a existência de cepas de enterococos pouco susceptíveis a este agente antimicrobiano. Os mecanismos de resistência15,16 observados passam por um sistema de efluxo ativo da combinação de antibióticos, além da modificação estrutural da dalfopristina a partir da acetilação do grupo hidroxila em C17 pela enzima acetiltransferase na presença de acetilcoenzima-A.
Já a classe das 4-quinolonas, conhecida há décadas, apresenta atividade antibacteriana17 a partir de um mecanismo único de inibição da DNA girase e da topoisomerase IV, interferindo na replicação do DNA bacteriano. Apesar das novas gerações de fluoroquinolonas proporcionarem boa disponibilidade oral e efeitos adversos mais reduzidos que suas antecessoras18 (Figura 3b), o aparecimento de resistência bacteriana17,18 em 1999 tem mantido estas substâncias sob intensa vigilância. Dentre as defesas adotadas pelas bactérias, incluem-se o efluxo contínuo do antibiótico e a modificação estrutural das topoisomerases.
Vancomicina: modo de ação e resistência bacteriana
Apesar das recentes incidências de resistência de enterococos e estafilococos a antibióticos glicopeptídicos, a vancomicina (Figura 2) e o antibiótico relacionado teicoplanina19 (Figura 4), isolado de Actinoplanes teichomyceticus, ainda são considerados como os recursos mais adequados para tratamento de infecções causadas por bactérias Gram-positivas. Da mesma maneira que os antibióticos penicilínicos, a vancomicina afeta o metabolismo de construção da parede celular das bactérias. Para tanto, ela liga-se na porção terminal D-Ala-D-Ala de um pentapeptídeo encontrado em precursores de peptidoglicano, interferindo na etapa de transpeptidação20,21 (Figura 5a).
O peptidoglicano é um heteropolímero21 formado por cadeias extensas de polissacarídeos e peptídeos. Esta estrutura molecular é responsável pela rigidez e forma da parede celular das bactérias, além de protegê-las da osmólise22 quando em meio hipotônico. A biossíntese de um peptidoglicano é apresentada no Esquema 1. A polimerização do lipídeo II catalisada pela enzima transglicosilase produz o peptidoglicano imaturo, constituído de cadeias longas de polissacarídeos, os quais são transversalmente ligados por transpeptidases para formar o peptidoglicano maduro.
A resistência bacteriana à vancomicina ocorre através da modificação genética em microrganismos, que como resultado23 passam a sintetizar o depsipeptídeo D-Ala-D-Lac ao invés do dipeptídeo D-Ala-D-Ala. A modificação do aminoácido terminal D-alanina por D-lactato introduz uma interação eletrostática repulsiva24 no lugar da ligação de hidrogênio, conforme apresentado na Figura 5b. Em conseqüência, a afinidade da vancomicina com a camada de peptidoglicano diminui em um fator superior a 1000 vezes. Embora a origem da sensibilidade de enterococos frente a teicoplanina envolva mecanismos diferentes daquele da vancomicina (ver abaixo), essas características de sensibilidade e resistência frente aos dois glicopeptídeos servem como base25 para uma classificação clínica. Cepas que são resistentes à vancomicina e teicoplanina são classificadas como VanA, já aquelas que são resistentes à vancomicina, mas sensíveis à teicoplanina, são classificadas como VanB. Existe ainda uma terceira categoria5,26 de cepas de enterococos resistentes classificados como VanC, apresentando resistência modesta frente a vancomicina a partir de efeitos ainda pouco elucidados. Diferente das cepas VanA e VanB, onde o mecanismo de resistência à vancomicina ocorre pela formação de uma unidade terminal D-Ala-D-Lac no lugar de D-Ala-D-Ala, as do tipo VanC possuem a porção terminal do peptidoglicano modificada para D-Ala-D-Ser, causando diminuição da afinidade da vancomicina pela parede celular ainda em formação.
ESTRATÉGIAS PARA CONTRA-ATACAR A RESISTÊNCIA À VANCOMICINA
As estratégias buscando superar a resistência bacteriana frente a vancomicina e a outros antibióticos glicopeptídicos foram inicialmente concentradas na obtenção de novas substâncias possuindo alta afinidade pela porção terminal D-Ala-D-Ala e modificada D-Ala-D-Lac presentes, respectivamente, em bactérias susceptíveis e resistentes à vancomicina, a fim de impedir a biossíntese do peptidoglicano e bloquear27 a construção da parede celular. Desta forma, diversos produtos naturais, sintéticos e semissintéticos têm sido identificados como potenciais agentes antimicrobianos devido à elevada afinidade por modelos de peptidoglicano20,28-31 contendo unidades terminais D-Ala-D-Ala ou D-Ala-D-Lac (Esquema 2).
Estes estudos revelaram que vários derivados de glicopeptídeos ativos contra bactérias Gram-positivas atuam através de mecanismos mais complexos e menos conhecidos. Diversos efeitos secundários podem contribuir para o aumento da atividade antibacteriana de glicopeptídeos, incluindo5,26 processos de dimerização ou oligomerização (envolvendo fenômenos como a multivalência, que amplifica a afinidade entre receptor e ligante) e/ou ancoramento sobre a dupla camada celular fosfolipídica bacteriana (devido a forte interação desta com uma longa cadeia hidrocarbônica presente na estrutura de alguns antibióticos glicopeptídicos). Entretanto, a atividade antibiótica de determinados análogos de vancomicina e teicoplanina não está necessariamente relacionada com a capacidade de promover interações com peptídeos presentes no peptidoglicano. Assim, a inibição de proteínas responsáveis pela etapa de transglicosilação21,32-34 (Esquema 1) impede a construção da parede celular bacteriana nos estágios iniciais. Já antimicrobianos estruturalmente diferentes dos glicopeptídeos, como as quinolonas e os macrolídeos apresentados na Figura 3, atuam a partir de mecanismos4 de destruição celular diferenciados, interagindo diretamente sobre o DNA ou sobre ribossomos envolvidos na síntese protéica bacteriana. Por outro lado, o aparecimento de novas classes de antibióticos possuindo modos de ação pouco estudados15 e a possibilidade de ocorrência de múltiplas interações atuando em sinergia conferem um grau de complexidade ainda maior para estes sistemas e uma compreensão ainda limitada sobre a totalidade dos processos bioquímicos envolvidos na tríade antibiótico-bactéria-organismo humano. Deste modo, não é surpreendente encontrar exemplos de derivados de glicopeptídeos estruturalmente relacionados que apresentam atividade antimicrobiana de mesma magnitude, mas a partir de modos de ação distintos. Da mesma forma, compostos bioativos estruturalmente diferentes que atuam sob mecanismos similares ocasionam sérias dificuldades em um planejamento racional baseado somente no modo de ação.
Portanto, o descobrimento de novos agentes antibacterianos ativos contra cepas de VRE e VRSA vem sendo realizado principalmente a partir de modificações químicas35 sobre a estrutura da vancomicina ou teicoplanina, bem como pela preparação de análogos de glicopeptídeos mais simples. Paralelamente, compostos estruturalmente diferentes de glicopeptídeos, como heterociclos de origem natural e sintética, vêm sendo amplamente investigados e respondem por uma parcela significativa dos novos antibióticos atualmente em desenvolvimento. Basicamente, as principais transformações químicas direcionadas para a obtenção de antibacterianos podem ser classificadas em quatro categorias, e serão brevemente discutidas a seguir: compostos estruturalmente relacionados à vancomicina e glicopeptídeos; análogos de glicopeptídeos estruturalmente mais simples; pequenas moléculas atuando em sinergia com vancomicina; e heterociclos estruturalmente diversos de origem natural ou sintética.
Compostos estruturalmente relacionados à vancomicina
Dimerização/oligomerização de derivados de glicopeptídeos covalentemente ligados
Enquanto a ação antibacteriana dos antibióticos glicopeptídicos é atribuída a sua capacidade de se ligar ao peptídeo terminal D-Ala-D-Ala e inibir o crescimento do peptidoglicano, diversos efeitos secundários contribuem para a intensificação de sua potência. Uma série de estudos em solução e em estado sólido mostrou que a vancomicina e outros glicopeptídeos se auto-associam36,37 através de ligações de hidrogênio para formarem "dímeros" ou complexos bimoleculares, um fenômeno conhecido por multivalência, onde a seletividade e a afinidade são amplificadas pelas interações múltiplas, simultâneas e energeticamente favoráveis entre receptor e ligante. É comum encontrar na natureza sistemas onde a multivalência38 é empregada, como por ex., na adesão de vírus em células alvo e no controle de interações intracelulares. Apesar da vancomicina associar-se apenas fracamente em solução (KAss = 700 M-1), a constante de dimerização para formação do complexo [vancomicina-(D-Ala-D-Ala)] é pelo menos 10 vezes maior. Este resultado é explicado pelos efeitos cooperativos provenientes das ligações de hidrogênio inter- e intramoleculares envolvendo as moléculas do dímero e a porção D-Ala-D-Ala do peptidoglicano, que diminuem o fator entrópico para a afinidade antibiótico-receptor. Baseados neste princípio de multivalência, diferentes dímeros, trímeros e oligômeros derivados da vancomicina31,38-42 vêm sendo preparados e testados quanto à atividade antibacteriana, apresentando resultados promissores frente a cepas de estafilococos e enterococos resistentes.
A ligação entre duas ou mais moléculas de vancomicina pode ser efetuada por um "linker" (ligante, espaçador), unindo, de forma covalente38,39 ou pela complexação40 com metais, regiões distintas do glicopeptídeo. Dessa forma, a união a partir de diferentes combinações dos quatro grupos funcionais mais explorados (carboxilato terminal, ou "head"; grupo amino terminal, ou "tail"; grupos presentes na porção carboidrato, ou "back"; e anéis aromáticos A e B) é sumarizada no Esquema 3. Dímeros de vancomicina unidos por cadeias poliamídicas de extensão variada foram estudados39 de forma abrangente, verificando-se uma dependência da atividade antibacteriana com o tamanho da cadeia e com os grupos funcionais envolvidos na ligação. Por ex., dímeros contendo os menores espaçadores e unidos pelos grupamentos carboidrato (tipo "back-to-back", Estrutura 1) apresentaram potência 1000 vezes maior que vancomicina contra cepas do tipo VRE. Em um trabalho complementar, foram sintetizados41 dímeros da vancomicina contendo w-aminoácidos como espaçadores, unidos a um grupo carboxilato terminal de um glicopeptídeo e a um amino terminal de outro (tipo "head-to-tail", Estrutura 2) a partir de reações de acoplamento e formação de ligações peptídicas.
Estudos recentes42 envolvendo análogos diméricos da vancomicina contendo a porção ligante com o dipeptídeo D-Ala-D-Ala modificada e que, portanto, apresentam uma capacidade fraca de ligação com o dipeptídeo, auxiliaram na compreensão dos fenômenos envolvidos na atividade antibacteriana de glicopeptídeos. Estes dímeros apresentaram boa atividade frente a cepas de VRE e MRSA, sugerindo que o mecanismo de ação principal32-34 não envolve necessariamente a interação com a porção terminal do peptidoglicano D-Ala-D-Ala, mas possivelmente a inibição de proteínas envolvidas na etapa de transglicosilação para construção da parede celular.
Modificações na esfera exterior de glicopeptídeos
A teicoplanina, de modo contrário ao que é observado para vancomicina em solução, não é capaz de dimerizar, embora apresente elevada atividade antibiótica. O mecanismo de ação deste e de outros antibióticos glicopeptídicos está vinculado5,15 à capacidade de ancorar na dupla camada celular fosfolipídica através de uma longa cadeia hidrocarbônica, aumentando a afinidade com precursores de peptidoglicano e obstruindo a construção da parede celular. Assim, a teicoplanina fixa-se na camada fosfolipídica a partir de interações hidrofóbicas com a cadeia lipídica presente na porção carboidrato do antibiótico.
Derivados semissintéticos da vancomicina e teicoplanina contendo substituintes hidrofóbicos na porção do carboidrato mostraram-se ativos contra cepas resistentes à vancomicina. Acilação ou aminação redutiva sobre os grupos funcionais do aminoaçúcar resultou na síntese43 de muitos análogos. O mais notável entre estes é a oritavancina32 (LY-333328, Figura 6), sintetizada por cientistas dos laboratórios Ely Lilly a partir do glicopeptídeo cloroorienticina A. Oritavancina, contendo o grupo (p-clorofenil)benzil ligado na porção carboidrato, possui elevada atividade bacteriana frente a cepas de MRSA e VRE VanA e VanB, além de outras bactérias Gram-positivas, encontrando-se atualmente no estágio de Fase Clínica III. De modo similar, o glicopeptídeo telavancina44 (TD-6424, Figura 7), um derivado da vancomicina obtido por alquilação redutiva sobre o grupo amino da porção carboidrato, tem apresentado atividade potente contra cepas resistentes, estando no momento em Fase Clínica II de estudos. Considerando que estes compostos são ativos tanto para cepas resistentes quanto para sensíveis, sugere-se que seus mecanismos de ação21 sejam fundamentalmente diferentes do da vancomicina. In vitro, eles bloqueiam a etapa de transglicosilação na síntese do peptidoglicano, enquanto a vancomicina age na etapa de transpeptidação (Esquema 1).
Análogos de glicopeptídeos estruturalmente mais simples
O planejamento de compostos estruturalmente mais simples que a vancomicina, mas que mantenham as características que conferem a este fármaco suas propriedades antibióticas, tem se mostrado uma estratégia promissora na busca por substâncias ativas. Estas características estruturais incluem45 a presença de um resíduo aminoácido básico que facilite a interação com os grupos carboxílicos terminais D-Ala-D-Ala e D-Ala-D-Lac presentes em peptidoglicanos, de um fragmento peptídico que favoreça a formação de ligações hidrogênio com os grupos polares da parede celular, e de cadeias hidrocarbônicas que promovam interações hidrofóbicas com a camada celular fosfolipídica. Com base nesta estratégia, uma série de peptóides cíclicos contendo o núcleo carbazólico (3) foi sintetizada a partir de metátese de fechamento de anel ("ring-closing metathesis", RCM) de 1,w-dienos 4 utilizando catalisador de Grubbs, em rendimentos quantitativos46,47 (Esquema 4). Apesar dos melhores resultados observados para os ciclopeptóides carbazólicos 3 apontarem atividade apenas moderada frente a cepas de S. aureus, estes derivados são muito mais simples que a vancomicina, e, além disto, podem sofrer modificações subseqüentes visando o aumento da atividade.
Simplificações na estrutura da vancomicina, mantendo apenas o núcleo constituído pelos anéis aromáticos D e E, foram efetuadas a partir da química de peptídeos, em trabalhos independentes45,48,49. Desproteção e ciclização do tetrapeptídeo 5, obtido a partir de reações consecutivas de acoplamento dos respectivos aminoácidos em fase sólida, seguido de clivagem do suporte sólido forneceu o peptídeo cíclico 6, pertencente a uma classe de compostos com atividade biológica diversificada49 (Esquema 5).
O conceito de simplificação estrutural associado à obtenção de dímeros covalentemente ligados visando um aumento significativo da atividade antibacteriana tem se mostrado como uma estratégia interessante para o acesso a novas classes de agentes terapêuticos. Recentemente, uma coleção de análogos diméricos do ciclopeptídeo 6 foi preparada50 utilizando síntese de peptídeos em fase sólida51 (Esquema 6). Diazidoálcoois simétricos 7 ligados à resina-THP foram reduzidos às respectivas diaminas 8, seguido de acoplamento com uma série de aminoácidos protegidos até a obtenção do intermediário dimérico 9. O acoplamento do dímero 9 com análogos do ciclopeptídeo 6, posterior desproteção da cadeia lateral e subseqüente clivagem do suporte forneceu os dímeros 10, os quais apresentaram concentração inibitória mínima (CIM) na faixa de 9-38 µg/mL frente a cepas de VRE e outras bactérias patogênicas.
Pequenas moléculas que atuam em sinergia com vancomicina
Muitas vezes, é vantajoso usar múltiplas substâncias para tratar uma infecção a fim de impedir a resistência bacteriana. Apesar de tratamentos empregando combinações de antibióticos em doses subterapêuticas possibilitarem o surgimento de cepas multirresistentes, é mais difícil4 que bactérias desenvolvam resistência a duas substâncias com diferentes mecanismos que a um único agente, quando o tratamento é realizado de forma adequada. Uma estratégia alternativa para superar a resistência bacteriana à vancomicina envolve a síntese química de pequenas moléculas capazes de clivar cataliticamente a ligação D-Ala-D-Lac em bactérias resistentes, impedindo a construção da parede celular. Esta metodologia baseia-se na hipótese de reduzir a concentração de precursores de peptidoglicano contendo a unidade terminal modificada e, assim, re-sensibilizar bactérias não susceptíveis ao antibiótico. Tais moléculas seriam utilizadas em conjunto com a vancomicina, ou com derivados possuindo maior afinidade por precursores de peptidoglicano, para o tratamento de cepas de VRE do tipo VanA ou VanB.
Dessa forma, a possibilidade de clivagem da ligação D-Ala-D-Lac por nucleófilos reativos foi investigada a partir de experimentos envolvendo a preparação em fase sólida51,52 de uma coleção combinatória de 50.000 tripeptídeos N-acilados. Posterior avaliação frente ao modelo20 de peptidoglicano 11, um derivado de D-Ala-D-Lac possuindo um grupo corante pendente, revelou os nucleófilos mais ativos, ou seja, aqueles que clivaram a ligação D-Ala-D-Lac e forneceram produtos coloridos 12 pela incorporação do corante ao suporte sólido (Esquema 7). De forma consistente, todos os nucleófilos selecionados possuíam em comum o grupo N-protetor dimetiluréia e os aminoácidos serina (Ser) e lisina (Lis) em suas estruturas, além do predomínio de prolina (Pro). Com base nestes resultados, sugeriu-se que a capacidade de clivar a ligação D-Ala-D-Lac poderia estar correlacionada com o aumento da nucleofilicidade da hidroxila presente na serina, devido à formação de ligações de hidrogênio intramoleculares entre o grupo OH e a dimetiluréia. Além disso, a possibilidade de interações favoráveis entre o grupo amino na lisina e o carboxilato presente no modelo D-Ala-D-Lac favoreceriam a aproximação e orientação dos grupos reativos envolvidos na clivagem. Com a finalidade de dar sustento às observações estruturais deduzidas a partir dos experimentos20 envolvendo química combinatória, estudos de modelagem molecular relacionados com o complexo formado entre o peptídeo BnNH-L-Lys-D-Pro-L-Ser-dimetiluréia 13 (Figura 8a) e D-Ala-D-Lac foram realizados. O peptídeo 13 foi então sintetizado e testado, porém sua capacidade para clivar D-Ala-D-Lac em condições fisiológicas foi apenas modesta, uma vez que somente 20% do depsipeptídeo foi hidrolisado em 24 h.
A análise dos peptídeos identificados por química combinatória e os experimentos com modelagem molecular foram úteis para o reconhecimento dos elementos que devem estar contidos em uma estrutura simples capaz de clivar a porção terminal modificada do peptidoglicano em condições catalíticas: presença de um nucleófilo forte e de um grupo carregado positivamente, capaz de "ancorar" no grupamento carboxilato. Assim, o prolinol foi selecionado20 como um precursor adequado para gerar estruturas que preencham os requisitos propostos. Diante disto, foi preparada uma série homóloga de derivados de N-acilprolinol 14 (Figura 8b), sendo posteriormente submetidos a avaliação antibacteriana contra cepas de Enterococcus faecium altamente resistentes a antibióticos, os quais possuem uma CIM de 500 µg/mL frente a vancomicina. Particularmente, a administração do protótipo 14a em conjunto com a vancomicina reduziu significativamente os valores de CIM em vários experimentos20 conduzidos sob diferentes concentrações. Por ex., a combinação de 50 mM do derivado 14a e de 62,5 µg/mL de vancomicina gerou um aumento de três unidades logarítmicas na atividade antibacteriana quando comparada com a obtida para 250 µg/mL do antibiótico glicopeptídico ao ser testado isoladamente. Já a combinação de 250 µg/mL de vancomicina com 50 mM de 14a resultou no aumento da atividade em quatro ordens de grandeza. Entretanto, os derivados de prolinol mostraram-se ineficazes como agentes bacteriostáticos ou bactericidas ao serem avaliados na ausência da vancomicina. Além disso, nos ensaios biológicos utilizando cepas de E. faecalis sensíveis à vancomicina e que sintetizam precursores de peptidoglicano contendo a unidade D-Ala-D-Ala não houve qualquer alteração na atividade da vancomicina na presença ou ausência dos derivados N-acilados de prolinol 14. Estas observações20 indicam que estes compostos são altamente seletivos para cepas contendo precursores alterados de peptidoglicano (D-Ala-D-Lac).
Apesar dos análogos de prolinol 14 apresentarem atividade anti-VRE em administração conjunta com vancomicina, a necessidade de se empregar concentrações altas, na ordem de milimolar, limita sua utilização mais extensiva. Entretanto, os resultados atestam que a estratégia baseada no desenvolvimento de nucleófilos com capacidade de hidrolisar seletiva e cataliticamente a ligação D-Ala-D-Lac, e assim atuar em conjunto com a vancomicina, pode ser bastante promissora. Portanto, a síntese ou biossíntese de agentes hidrolíticos mais eficazes é de grande apelo. Com base nestas idéias foram preparados e caracterizados diversos anticorpos catalíticos53 responsáveis pela clivagem da porção modificada D-Ala-D-Lac, expandindo as possibilidades para o desenvolvimento de novos agentes antibacterianos.
Heterociclos estruturalmente diversos de origem natural ou sintética
Recentes avanços no desenvolvimento de quimioterápicos de origem sintética e o descobrimento de novos antibióticos potentes isolados de fontes naturais representam contribuições inestimáveis na luta contra a resistência bacteriana. A Tabela 1 apresenta, de forma sucinta, algumas das características importantes relacionadas a estes promissores agentes antibacterianos.
Oxazolidinonas
Oxazolidinonas são uma nova classe de antibióticos54 na qual o representante mais conhecido é o linezolid, comercializado sob o nome de Zyvox (Figura 9). Esta substância de origem sintética foi aprovada para uso clínico pelo US-FDA em 2000 e tem se mostrado extremamente eficiente para o combate a bactérias Gram-positivas resistentes à vancomicina. 2-Oxazolidinonas atuam15,54 a partir da inibição da síntese protéica bacteriana através de interações com ribossomos, bloqueando a formação de complexos de iniciação. Infelizmente, o surgimento55 de resistência bacteriana a linezolid já tem sido relatado, devido principalmente a administração prolongada do antibiótico a pacientes infectados com cepas multirresistentes. Os mecanismos de resistência envolvidos nestes processos parecem estar relacionados a mutações sobre o RNA ribossômico e conseqüente diminuição do reconhecimento do fármaco pelo alvo macromolecular.
De modo a desenvolver novos derivados de oxazolidinonas mais eficientes que linezolid, diversos análogos estruturais56,57 têm sido sintetizados e testados quanto a atividade antibacteriana. Contudo, oxazolidinonas são potenciais inibidores da enzima monoaminaoxidase, especialmente a do tipo A (MAO-A), portanto, efeitos colaterais associados a crises hipertensivas severas podem ser observados. A preparação de triazolil-oxazolidinonas potentes contra cepas do tipo VRE e VRSA e com baixa afinidade por MAO foi relatada58 recentemente. Um dos derivados mais ativos da série, a triazolil-oxazolidinona 15, foi convenientemente preparado a partir da cicloadição dipolar59 entre azido oxazolidinona 16 e buta-1,3-diinil(trimetil)silano catalisada por CuI, seguido de desproteção do derivado sililado 17 em meio básico (Esquema 8). Triazolil-oxazolidinona 15 e análogos apresentaram bons resultados de atividade antibacteriana, em alguns casos sendo mais potentes57,58 que linezolid frente a cepas Gram-positivas resistentes, além de afinidade reduzida por MAO-A.
Benzofuranos de origem natural
Dentre as diversas classes de produtos naturais que apresentam atividade biológica, particularmente ação antimicrobiana, destacam-se60,61 derivados de benzofuranos. Recentemente, alguns 2-arilbenzofuranos de origem natural62 foram identificados como potentes agentes antibacterianos de largo espectro, incluindo a gancaonina I e os mulberrofuranos F e G (Figura 10). Estes heterociclos poli-oxigenados apresentam atividade significativa tanto frente a cepas de enterococos sensíveis à vancomicina, quanto para microrganismos resistentes do tipo VRE e MRSA. Os valores de inibição observados nestes casos (MIC = 3,13-6,35 µg/mL) são da mesma ordem de grandeza do antibiótico oxazolidínico linezolid e, portanto, bastante promissores.
Macrociclos de origem natural
Daptomicina é um lipopeptídeo cíclico63,64 isolado do fungo Streptomyces roseosporus, que apresenta elevada atividade sobre bactérias resistentes. Este antibiótico foi recentemente aprovado pelo US-FDA para tratamento de infecções cutâneas graves, sendo comercializado pelo nome de Cubicin, e no momento encontra-se em Fase Clínica III para o combate a cepas do tipo VRE e VRSA (Figura 11). O mecanismo de ação de daptomicina é único15,65 e envolve, principalmente, a interação com fosfolipídeos da membrana citoplasmática na presença de íons Ca2+, causando vazamento de íons K+ para o meio extracelular e destruição da parede celular bacteriana. Sendo que a resistência à daptomicina é rara, este novo agente quimioterápico é uma das promessas para o combate a cepas resistentes à vancomicina.
Ramoplanina é um glicolipodepsipeptídeo66 isolado do fungo Actinoplanes sp. que está em Fase Clínica III para o combate a cepas do tipo MRSA e para o tratamento de pacientes em estado de colonização estomacal por VRE (Figura 11). A partir da administração por via oral, este antibiótico bloqueia15,66 a biossíntese da parede celular inibindo a enzima N-acetilglucosaminiltransferase, responsável pela transformação lipídeo I ® lipídeo II envolvida na construção do peptidoglicano maduro. Apesar da resistência a ramoplanina ainda não ter sido relatada, diversos análogos estruturais67 têm sido preparados e estudados visando um aumento ainda maior na potência e segurança do antibiótico.
Outros antibióticos naturais, como manopeptimicina68, ciclotialidina69 (Figura 11), equinomicina70 e nocatiacina71 têm sido descobertos e intensamente estudados, encontrando-se no momento nos estágios iniciais de estudos clínicos. As origens naturais de alguns destes agentes, assim como os mecanismos de ação frente a bactérias resistentes, estão apresentados resumidamente na Tabela 1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS
O combate a resistência bacteriana é um problema de saúde pública mundial e deve ser abordado sob vários aspectos. O entendimento dos processos relacionados à ação de antibióticos e ao surgimento da resistência, o planejamento, a síntese e avaliação farmacológica de novos agentes antimicrobianos mais potentes, sua posterior aplicação terapêutica de forma racional e a adoção de normas para controle de infecções no meio hospitalar representam diferentes níveis de ações contínuas e interligadas. Os recentes avanços na identificação de novos alvos macromoleculares importantes e na compreensão dos mecanismos de ação de antibióticos revelam um panorama muito intrincado, onde diversos efeitos podem ser responsáveis pela potência de uma determinada substância, a partir de fenômenos que ocorrem em consonância e contribuem de maneira diferenciada para a atividade antibacteriana.
Não obstante, o desenvolvimento de novos agentes bactericidas potentes vem sendo alcançado com sucesso, seja pela elaboração racional de novas gerações de antibióticos visando suplantar a resistência ou a partir de programas direcionados ao descobrimento de produtos naturais bioativos (Tabela 1). Ramoplanina e daptomicina, representantes da grande classe dos macrociclos peptídicos naturais com expressiva atividade contra cepas de VRE e VRSA, em breve serão lançados no mercado para combater infecções não susceptíveis ao tratamento com vancomicina. Mesmo classes de antibióticos intensamente explorados no passado ainda podem oferecer excelentes perspectivas, como no caso da tigeciclina72 (Figura 12), um derivado da classe das tetraciclinas que no momento se encontra em Fase Clínica III de estudos. Apesar das recentes incidências de resistência, linezolid e quinupristina-dalfopristina ainda são opções clínicas ao tratamento de cepas resistentes a antibióticos glicopeptídicos. Análogos de segunda geração73-75 de pristinamicinas, macrolídeos e oxazolidinonas, incluindo a síntese de antibióticos híbridos76 a partir do desenho ortogonal77 de estruturas quiméricas, apontam para novas estratégias em direção a classes de substâncias ainda pouco exploradas (Figura 12).
Entretanto, os antibióticos glicopeptídicos, em particular a vancomicina, ainda são os mais populares para o tratamento de cepas do tipo MRSA. Este fato decorre não apenas devido à sua comprovada eficácia ao longo de décadas, mas sobretudo porque ainda é mais acessível economicamente63 (Tabela 2), com um consumo anual da ordem de toneladas78 nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Além disso, análogos estruturais mais ativos que vancomicina, em particular aqueles possuindo grupos hidrofóbicos pendentes79 na porção glicosídica, como oritavancina80 e telavancina, caminham a passos largos para a aprovação junto ao US-FDA. Múltiplas contribuições advindas de dimerização, ancoramento na membrana, aumento das interações com D-Ala-D-Lac ou apenas inibição de glicosilases envolvidas na formação da parede celular têm sido atribuídas para explicar81 a capacidade destruidora destes antibióticos sobre cepas resistentes à vancomicina. Dalbavancina, um análogo da teicoplanina possuindo um grupo ácido e uma cadeia amídica longa pendentes na porção carboidrato, é outro exemplo de derivado de glicopeptídeo em fase clínica final82 (Figura 13). Neste caso, o fato de possuir um longo tempo de meia-vida para eliminação pelo organismo permite que dalbavancina seja administrada somente uma vez por semana, tornando o tratamento muito mais conveniente e barato.
A aplicação de combinações de antibióticos de ação sinérgica já vem sendo adotada há anos, como a clássica combinação clavulanato-amoxicilina (Clavulin), ainda hoje uma arma eficiente contra grande parte das infecções bacterianas adquiridas em comunidade. Neste sentido, mais atenção deve ser dada ao desenvolvimento de substâncias para administração em conjunto com a vancomicina, de modo a tornar cepas de VRE novamente susceptíveis a este antibiótico de uso tão difundido. O emprego de nucleófilos potentes83,84 e anticorpos catalíticos que atuam na clivagem de D-Ala-D-Lac são estratégias simples, elegantes e, acima de tudo, potencialmente aptas a se tornarem terapias alternativas para o tratamento de infecções microbianas.
Além de capacidade terapêutica reconhecida, para que um novo antibiótico seja útil por prazo indeterminado é necessária a adoção de um controle rígido na sua utilização, a partir de diagnósticos que justifiquem a real necessidade por um agente mais potente e não convencional, de modo a não expô-lo ao risco desnecessário de propiciar o surgimento prematuro de cepas resistentes. O uso indiscriminado de novos antibióticos em grandes populações ou em doses sub-terapêuticas a animais de criação são fatores preponderantes para a rápida formação85 de resistência. Em 1994, na Dinamarca, 24 kg de vancomicina foram utilizados no tratamento de infecções em humanos, enquanto 24 t de um derivado da vancomicina, chamado de avoparcina, foram empregados na pecuária4 como aditivo alimentar de rebanhos. Com a posterior descoberta de cepas de VRE em suínos, a avoparcina para uso animal foi banida do país. Em suma, é necessário preservar os novos antibióticos, valorizando-os como recursos preciosos e limitados. Além disso, deve-se buscar uma compreensão melhor dos mecanismos de defesa bacteriana e dos fenômenos associados ao surgimento de resistência a partir de transferência genética ou por mutações espontâneas e induzidas, permitindo o planejamento futuro de estratégias para controlar e debelar cepas resistentes de modo derradeiro.
Hoje, paradoxalmente, as armas mais poderosas no arsenal antibiótico do Homem contra microrganismos são substâncias, ou derivados, tipicamente fabricados por outros microrganismos para destruir micróbios concorrentes. Ou seja, estamos utilizando, ou apenas aprimorando, as armas dos inimigos para combatê-los, enquanto microrganismos já estão evolutivamente "habituados" a lidar com substâncias exógenas presentes no seu meio, a partir de diferentes mecanismos de defesa. Considerando o efeito que a resistência bacteriana tem na saúde humana e o impacto econômico que ela representa, muito esforço e investimento ainda serão necessários para vencer a guerra microscópica contra os seres que ameaçam nossa existência.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq e à FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina) pelas bolsas e pelo apoio financeiro e à CAPES pelo acesso ao Portal Periódicos.
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Recebido em 29/6/05; aceito em 23/9/05; publicado na web em 31/3/06
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jul 2006 -
Data do Fascículo
Jul 2006
Histórico
-
Aceito
23 Set 2005 -
Recebido
29 Jun 2005