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Flavonoides e outras substâncias de Lippia sidoides e suas atividades antioxidantes

Flavonoids and other substances from Lippia sidoides and their antioxidant activities

Resumo

The chemical investigation of the ethanol extracts of stems, roots and leaves of Lippia sidoides led to the isolation of: steroid β-sitosterol, naphthoquinone tecomaquinone, monoterpene carvacrol, flavonoid 4',5,7-trihydroxyflavanone (naringenin), 3',4',5,7-tetrahydroxyflavanone and 4',5,7-trihydroxy-6-methoxyflavone flavonoids mixture, and 3,4,4',6'-tetrahydroxydihydrochalcone-2'-O-β-D-glucopyranoside and 4,4',6'-trihydroxydihydrochalcone-2'-O- β-D-glucopyranoside dihydrochalcones mixture. Their structures were characterized on the basis of spectral data, mainly ¹H and 13C NMR (1D and 2D) and mass spectra. The ethanol extract and isolated compounds were evaluated for their antioxidative properties using the method of inhibition of free radical DPPH (2,2-diphenyl-1-picrylhydrazyl).

Lippia; Verbenaceae; chalcones


Lippia; Verbenaceae; chalcones

ARTIGO

Flavonoides e outras substâncias de Lippia sidoides e suas atividades antioxidantes

Flavonoids and other substances from Lippia sidoides and their antioxidant activities

Macia Cleane S. de AlmeidaI; Leonardo A. AlvesI; Luciana Gregório da S. SouzaI; Luciana L. MachadoI; Marcos C. de MatosI; Maria Conceição F. de OliveiraI; Telma L. G. LemosI, * * e-mail: tlemos@dqoi.ufc.br ; Raimundo Braz-FilhoII

IDepartamento de Química Orgânica e Inorgânica, Universidade Federal do Ceará, 60021-970 Fortaleza - CE, Brasil

IIFundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro / Universidade Estadual do Norte Fluminense / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-603 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

ABSTRACT

The chemical investigation of the ethanol extracts of stems, roots and leaves of Lippia sidoides led to the isolation of: steroid β-sitosterol, naphthoquinone tecomaquinone, monoterpene carvacrol, flavonoid 4',5,7-trihydroxyflavanone (naringenin), 3',4',5,7-tetrahydroxyflavanone and 4',5,7-trihydroxy-6-methoxyflavone flavonoids mixture, and 3,4,4',6'-tetrahydroxydihydrochalcone-2'-O-β-D-glucopyranoside and 4,4',6'-trihydroxydihydrochalcone-2'-O- β-D-glucopyranoside dihydrochalcones mixture. Their structures were characterized on the basis of spectral data, mainly 1H and 13C NMR (1D and 2D) and mass spectra. The ethanol extract and isolated compounds were evaluated for their antioxidative properties using the method of inhibition of free radical DPPH (2,2-diphenyl-1-picrylhydrazyl).

Keywords:Lippia; Verbenaceae; chalcones.

INTRODUÇÃO

O gênero Lippia (Verbenaceae), possui cerca de 200 espécies de ervas, arbustos e pequenas árvores, que são naturais da América do Sul e Central.1 Espécies deste gênero destacam-se pelo aroma forte e agradável e seu aspecto atrativo no período de floração. A espécie Lippia sidoides é conhecida popularmente como alecrim-pimenta e é encontrada no sertão nordestino, principalmente nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte. Estudos anteriores realizados com esta espécie relataram a presença de flavonoides, quinonas, triterpenos, lignanas, esteroides livres e glicosilados e ácidos orgânicos.2 A exemplo de outras plantas do gênero, a referida espécie tem uso comprovado na medicina popular, principalmente como antisséptico e antimicrobiano.2 As folhas e flores constituem a parte medicinal desta planta. Seu óleo essencial possui elevado valor comercial, tendo o timol e o carvacrol como constituintes principais, os quais apresentam propriedades antisséptica, antimicrobiana, antifúngica, antioxidante, anti-inflamatória e larvicida.3 O chá ou a tintura diluída desta espécie é também usado no tratamento de problemas de pele.4 Apesar de existirem vários trabalhos na literatura5 acerca da sua composição química, o presente trabalho constitui uma reinvestigação fitoquímica da espécie por esta ser uma das plantas selecionadas pelo Governo do Estado do Ceará2 e pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para produção de fitoterápico,6 além de permitir avaliação comparativa dos perfis fitoquímicos da planta cultivada e daquela coletada no seu habitat natural.

Neste trabalho registra-se o resultado obtido do estudo fitoquímico dos talos, das raízes e das folhas da espécie L. sidoides, descrevendo-se o isolamento e a identificação da naftoquinona tecomaquinona (1), do flavonoide 4',5,7-tri-hidroxiflavanona (2, naringenina), da mistura de flavonoides 3',4',5,7-tetra-hidroxiflavanona (3) e 4',5,7-tri-hidroxi-6-metoxiflavona (4), e da mistura de di-hidrochalconas 2'-O-β-D-glicopiranosil-3,4,4',6'-tetra-hidroxidi-hidrochalcona (5) e 2'-O-β-D-glicopiranosil-4,4',6'-tri-hidroxi-di-hidrochalcona (6), além do β-sistosterol e do carvacrol. Ensaios de atividade antioxidante foram realizados com o extrato etanólico das folhas (LSFE) e os compostos isolados, empregando-se o método do DPPH (2,2-difenil-1-picrilidrazila).7

PARTE EXPERIMENTAL

Procedimentos experimentais gerais

Os pontos de fusão foram determinados em equipamento da Microquímica, modelo MQAPF 302. As determinações foram realizadas a uma velocidade de aquecimento de 4 ºC/min e os valores obtidos não foram corrigidos.

Os espectros de absorção na região do infravermelho (IV) foram obtidos em espectrômetro Perkin Elmer, modelo FT-IR Spectrum 1000, utilizando pastilhas de KBr e filme de NaCl para análise das amostras.

Os espectros de RMN 1H e 13C, uni (1D) e bidimensionais (2D), foram obtidos em espectrômetros Bruker, modelo Avance DPX-300 e DRX-500, operando na frequência de 300 e 500 MHz para hidrogênio (1H), e de 75 e 125 MHz para carbono-13 (13C), respectivamente. Na dissolução das amostras utilizou-se como solvente CDCl3 e CD3OD.

Os espectros de massas foram obtidos por impacto eletrônico a 70 eV em espectrômetro Shimadzu, modelo QP5050A e em espectrômetro Shimadzu, modelo LCMS-IT-TOF, equipado com fonte de ionização por electronspray.

A determinação da rotação óptica foi realizada em um polarímetro 341 da Perkin Elmer, a temperatura de 20 ºC.

Nas cromatografias de adsorção em coluna (CC) foram utilizadas gel de sílica 60 (63-200 μm). Os tamanhos das colunas (comprimento e diâmetro) variaram de acordo com as quantidades de amostras a serem cromatografadas e adsorventes empregados. Para a eluição das amostras foram usados os seguintes solventes de qualidade P.A. (Synth): hexano, diclorometano, acetato de etila e metanol puros ou em misturas binárias em gradiente de polaridade crescente. Para as cromatografias em camada delgada (CCD) utilizou-se gel de sílica 60 G sobre suporte de vidro e gel de sílica 60 F254 sobre poliéster. As revelações das substâncias foram realizadas pela aspersão em solução ácida de vanilina, seguida de aquecimento com soprador térmico.

Material vegetal

A espécie estudada, Lippia sidoides, foi coletada no Horto de Plantas Medicinais da Universidade Federal do Ceará (UFC). A exsicata de número 25149 encontra-se depositada no Herbário Prisco Bezerra do Departamento de Biologia (UFC).

Extração e isolamento dos constituintes químicos

Talos (551,0 g), raízes (2,0 kg) e folhas (208,5 g) foram separados, secos, submetidos à extração com etanol a temperatura ambiente e, em seguida, foram concentrados sob pressão reduzida, fornecendo respectivamente: LSTE (27,7 g), LSRE (56,0 g) e LSFE (36,8 g).

LSTE (18,0 g) foi adsorvido em gel de sílica e submetido a fracionamento cromatográfico em funil de vidro sinterizado utilizando como eluentes hexano, diclorometano e metanol puros em ordem crescente de polaridade, fornecendo as respectivas frações (432,0 mg, 691,0 mg, 4,6 g) após destilação do solvente sob pressão reduzida. A fração diclorometano (691,0 mg) foi submetida a uma coluna cromatográfica em gel de sílica, usando-se eluentes puros e misturas binárias de hexano/diclorometano (0-100%, v/v), diclorometano/acetato de etila (0-100%, v/v) e acetato de etila/metanol (0-100%, v/v). As frações obtidas foram analisadas em CCD usando como eluentes hexano/diclorometano (3/7), hexano/acetato de etila (9/1; 8/2; 7/3; 5/5), diclorometano (100%) e diclorometano/acetato de etila (9/1; 8/2), as quais foram reunidas de acordo com suas similaridades, resultando no isolamento do esteroide β-sitosterol (40,0 mg).

LSRE (56,0 g) foi adsorvido em gel de sílica e submetido a fracionamento cromatográfico em funil de vidro sinterizado utilizando como eluentes hexano, diclorometano, acetato de etila e metanol puros em ordem crescente de polaridade, fornecendo as respectivas frações (1,2g; 14,5g; 8,2g; 22,0g) após destilação do solvente sob pressão reduzida. Parte da fração diclorometano (5,0 g) foi submetida a uma coluna cromatográfica em gel de sílica, usando-se eluentes puros e misturas binárias de hexano/acetato de etila (0-100%, v/v) e acetato de etila/metanol (0-100%, v/v). Foram coletadas um total de 19 frações que, após análise por CCD em hexano/acetato de etila (8/2; 5/5; 2/8), acetato de etila (100%) e acetato de etila/metanol (8/2; 5/5; 2/8), foram reunidas em 9 frações (F1 a F9). A fração F4 eluída com hexano/acetato de etila 6/4 foi submetida a sucessivas colunas cromatográficas em gel de sílica, resultando no isolamento de 1 (15,0 mg).

LSFE (36,8 g) também foi adsorvido em gel de sílica e submetido a fracionamento cromatográfico em funil de vidro sinterizado utilizando como eluentes hexano, acetato de etila e metanol puros em ordem crescente de polaridade, fornecendo as respectivas frações (883,0 mg; 5,4 g; 19,7 g) após destilação do solvente sob pressão reduzida. Parte da fração acetato de etila (2,0 g) foi submetida a uma coluna cromatográfica em gel de sílica, usando-se eluentes puros e misturas binárias de hexano/acetato de etila (0-100%, v/v) e acetato de etila/metanol (0-100%, v/v). Foram obtidas 157 frações que, após análise em CCD em hexano (100%), hexano/acetato de etila (9/1; 7/3), diclorometano/acetato de etila (8/2), acetato de etila (100%) e acetato de etila/metanol (9/1), foram reunidas em 20 frações (F1 a F20). As frações F2-F14 eluídas com hexano/acetato de etila (9/1; 8/2; 7/3; 6/4; 5/5; 4/6; 3/7; 2/8; 1/9), acetato de etila (100%) e acetato de etila/metanol (9/1) foram recromatografadas em gel de sílica, usando-se eluentes puros e misturas binárias de hexano/diclorometano (0-100%, v/v), diclorometano/acetato de etila (0-100%, v/v) e acetato de etila/metanol (0-100%, v/v), levando ao isolamento do monoterpeno carvacrol (60,0 mg), de 2 (27,0 mg), da mistura (22,0 mg) 3/4 (59% / 41%), e da mistura (157,0 mg) 5/6 (67% / 33%).

Acetilação de 5/6

A mistura 5/6 (50,0 mg) foi dissolvida em anidrido acético/piridina (2,0/1,0 mL) e mantida sob agitação magnética por 24 h à temperatura ambiente. Após adição de sulfato de cobre e extração com acetato de etila (2 x 10 mL), a fase orgânica foi lavada com água, tratada com sulfato de sódio anidro e concentrada sob pressão reduzida. Os produtos 5a/6a, provenientes da mistura 5/6, foram purificados em coluna cromatográfica empregando gel de sílica como adsorvente e acetato de etila como eluente, obtendo-se 73,0 mg (85,9%) do derivado acetilado.

Atividade antioxidante pelo método de sequestro de radical DPPH

Para avaliação da atividade antioxidante foi utilizado o método de sequestro de radical DPPH e comparação com padrões positivos, usando a metodologia proposta por Hegazy e El-Hady.7 Amostras do extrato etanólico das folhas (LSFE) e das substâncias isoladas (1, 2, 3/4 e 5/6) nas concentrações de 0,001; 0,005; 0,01; 0,05; 0,1 e 1,0 mg/mL foram dissolvidas em metanol e 1,0 mL de cada amostra foi adicionada a uma solução metanólica de DPPH (1,0 mL), na concentração de 60 μM. Foram realizadas medidas de absorbância na faixa de 520 nm em espectrofotômetro de UV, após 30 min. A percentagem de inibição foi obtida por comparação da absorção da solução contendo amostra, em relação a uma solução controle de DPPH sem amostra.

Tabela 1

Os resultados mostrados na Tabela 2 representam a média aritmética de 3 leituras. Como padrões positivos de referência utilizaram-se Trolox e Vitamica-C, adquiridos da Sigma Aldrich.

Tecomaquinona (1)

Sólido amorfo verde; solubilidade: clorofórmio; Rf = 0,5 (hexano/diclorometano 1/1); p.f. 188-189 ºC; [α]20D -15,2 º (c 0,00105, CHCl3); IV (filme de NaCl), vMax (cm-1): 2969; 2922; 1653; 1594; 1548; 1247; RMN 1H e 13C: de acordo com a literatura. 5

Naringenina (2)

Sólido amarelo; solubilidade: metanol; Rf = 0,43 (diclorometano/acetato de etila 4/1); p.f. 229-231 ºC; [α]20D -10,9 º (c 0,0011, MeOH); IV (pastilha de KBr), vMax (cm-1): 3134; 1603; 1519; 1461; 1312; RMN 1H (500 MHz, CD3OD) - δH (H, multiplicidade, J em Hz, integração): 7,29 (H-2', 6'; d; 8,5; 2H); 6,81 (H-3', 5'; d; 8,5; 2H); 5,88 (H-6; d; 2,1; 1H); 5,87 (H-8; d; 2,1; 1H); 5,31 (H-2; dd; 12,9 e 2,7; 1H); 3,09 (H-3 axial; dd; 17,1 e 12,9; 1H); 2,67 (H-3 equatorial; dd; 17,1 e 2,7; 1H); RMN 13C (125 MHz, CD3OD) - δC: 197,9 (C-4); 168,5 (C-7); 165,6 (C-5); 165,0 (C-9); 159,2 (C-4'); 131,2 (C-1'); 129,2 (C-2', 6'); 116,5 (C-3', 5'); 103,5 (C-10); 97,2 (C-6); 96,3 (C-8); 80,6 (C-2); 44,2 (C-3).

3',4',5,7-tetra-hidroxiflavanona (3) e 4',5,7-tri-hidroxi-6-metoxiflavona (4)

Sólido amarelo; solubilidade: metanol; Rf = 0,43 (diclorometano/acetato de etila 3/2); IV (pastilha de KBr), vMax (cm-1): 3368; 1639; 1606; 1459; 1365; RMN 1H (500 MHz, CD3OD) - δH (H, multiplicidade, J em Hz, integração): 3: 6,90 (H-2'; s; 1H); 6,77 (H-6'; m; 1H); 6,77 (H-5'; m; 1H); 5,87 (H-8; d; 2,4; 1H); 5,85 (H-6; d; 2,4; 1H); 5,23 (H-2; dd; 12,7 e 3,0; 1H); 3,03 (H-3; dd; 17,0 e 12,7; 1H); 2,66 (H-3; dd; 17,0 e 3,0; 1H); 4: 7,74 (H-2'; d; 8,6; 1H); 7,74 (H-6'; d; 8,6; 1H); 6,87 (H-3'; d; 6,8; 1H); 6,87 (H-5'; d; 8,6; 1H); 6,47 (H-3; s; 1H); 6,47 (H-8; s; 1H); 3,89 (MeO-6; s; 3H); RMN 13C (125 MHz, CD3OD) - δC: 3: 197,9 (C-4); 168,5 (C-7); 166,4 (C-5); 165,5 (C-9); 147,0 (C-3'); 146,6 (C-4'); 131,9 (C-1'); 119,4 (C-6'); 117,0 (C-5'); 114,5 (C-2'); 106,0 (C-10); 97,2 (C-6); 96,3 (C-8); 80,6 (C-2); 44,2 (C-3); 4: 184,2 (C-4); 164,9 (C-2); 162,8 (C-4'); 158,7 (C-7); 154,7 (C-9); 154,0 (C-5); 132,0 (C-6); 129,5 (C-2'); 129,5 (C-6'); 123,7 (C-1'); 117,1 (C-3'); 117,1 (C-5'); 106,0 (C-10); 101,5 (C-3); 95,4 (C-8); 59,6 (MeO-6).

2'-O-β-D-glicopiranosil-3,4,4',6'-tetra-hidroxi-di-hidrochalcona (5) e 2'-O-β-D-glicopiranosil-4,4',6'-tri-hidroxi-di-hidrochalcona (6)

Sólido amarelo; solubilidade: metanol; Rf = 0,69 (acetato de etila/metanol 4/1); [α]20D -77,7 º (c 0,001, MeOH); IV (pastilha de KBr), vMax (cm-1): 3411; 2926; 1631; 1517; 1453; 1367; EM m/z: 5: 451,1270 [M - H]- (calc.: 451,1240), 6: 435,1314 [M - H]- (calc.: 435,1291); RMN 1H e 13C: Tabela 1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O fracionamento do extrato etanólico dos talos de L. sidoides resultou no isolamento e identificação do esteroide β-sistosterol.8 Do extrato etanólico das raízes foi isolada e identificada a naftoquinona tecomaquinona (1),5 e do extrato etanólico das folhas foram isolados e identificados o monoterpeno carvacrol,9 o flavonoide naringenina (4',5,7-tri-hidroxiflavanona, 2),10 a mistura de 3',4',5,7-tetra-hidroxiflavanona (3)11 e 4',5,7-tri-hidroxi-6-metoxiflavona (4)11 e a mistura de 2'-O-glicopiranosil-3,4,4',6'-tetra-hidroxi-di-hidrochalcona (5)12 e 2'-O-glicopiranosil-4,4',6'-tri-hidroxi-di-hidrochalcona (6)13 (Figura 1). Estes compostos foram identificados por métodos espectrométricos, tais como IV, EM e, principalmente RMN 1H e 13C (1D e 2D). A confirmação destas estruturas baseou-se na análise comparativa com valores descritos na literatura.5,8-12


O espectro na região do IV [vMax cm-1 (KBr)] de 5/6 revelou bandas de absorção em 3411 (OH), 1631 (C=O), 1517 e 1453 (C=Carom.). O espectro de RMN 1H revelou sinais de hidrogênios alifáticos em δH 2,82 (t, J=7,8 Hz, 2H) e 3,47 (t, J=7,8 Hz, 2H), compatíveis com dois grupos CH2 ligados entre si e sendo um deles alfa à carbonila, além de sinais de anel aromático, compreendidos entre δH 5,96-7,06, sugerindo tratar-se do esqueleto básico Ph-CH2-CH2-CO-Ph, característico de di-hidrochalconas. Os sinais em δH 6,19 (d, J=2,1 Hz, 1H) e 5,96 (d, J=2,1 Hz, 1H) indicaram a presença de dois hidrogênios meta posicionados em um grupo fenila tetrassubstítuido. A análise comparativa dos espectros de RMN 13C-{1H} e RMN 13C-DEPT-135º mostrou sinais característicos de uma unidade de monossacarídeo com absorções em δC 102,0 (CH-1''), 74,7 (CH-2''), 78,4 (CH-3''), 71,1 (CH-4''), 78,4 (CH-5'') e 62,4 (CH2-6''), típico de uma unidade β-D-glicopiranosila. O acoplamento heteronuclear a longa distância de H-1'' (δH 5,02) com C-2' (δC 162,78, 3JCH) revelado pelo espectro de HMBC permitiu definir a localização desta unidade glicosídica no anel A (C-2'). A análise do espectro de RMN 1H da mistura permitiu reconhecer os sinais correspondentes ao componente 5 (Tabela 1) em δH 6,70 (d, J=1,7 Hz, H-2), 6,69 (d, J=8,0 Hz, H-5) e 6,56 (dd, J=8,0; 1,7 Hz, H-6), indicando a presença de um grupo fenila trissubstítuido, estando dois destes hidrogênios acoplados em orto; já os sinais dos átomos de hidrogênio deste grupo arila em 6 apareceram em δH 7,06 (d, J=8,3 Hz, H-2/H-6) e δH 6,67 (d, J=8,3 Hz, H-3/H-5), compatíveis com um sistema aromático para-dissubstítuido (típico sistema AA'BB') na molécula. Estes dados, juntamente com os picos dos íons moleculares em m/z 451,1270 ([M - H]-, 5, calc.: 451,1240) e m/z 435,1314 ([M - H]-, 6, calc.: 435,1291) revelados pelo espectro de massas de alta resolução (modo negativo) permitiram deduzir a fórmula molecular C21H24O11 e C21H24O10 para 5 e 6, respectivamente. Assim, todos estes dados e os resultados adicionais fornecidos pelos espectros de RMN 13C ({1H} e DEPT-135º) e pelas experiências 2D (1H-1H COSY, HSQC e HMBC), resumidos na Tabela 1, foram usados para deduzir as estruturas dos componentes da mistura como 2'-O-β-D-glicopiranosil-3,4,4',6'-tetra-hidroxi-di-hidrochalcona (5) e 2'-O-β-D-glicopiranosil-4,4',6'-tri-hidroxi-di-hidrochalcona (6). Os dados da Tabela 1 permitiram também estabelecer a correlação inequívoca dos deslocamentos dos átomos de hidrogênio e carbono das duas di-hidrochalconas (5 e 6).

O flavonoide 5 já foi descrito na espécie Malus12 e o flavonoide 6 nas espécies Symplocos lancifolia,14S. spicata14 e Lithophragma affine.14 Dentre as substâncias naturais isoladas, os flavonoides (2 - 6) estão sendo registradas pela primeira vez na espécie L. sidoides.

A mistura contendo 5 e 6 foi submetida à reação de acetilação usando anidrido acético/piridina, obtendo-se os derivados acetilados 5a e 6a, respectivamente. Os derivados acetilados 5a/6a comprovaram a estrutura proposta com m/z 811,1991 ([M + Na]+, calc.: 811,2061) para 5a e m/z 753,1958 ([M + Na]+, calc.: 753,2007) para 6a. Dados adicionais destes acetilados obtidos por RMN 1H e 13C (Tabela 1) colaboraram para a completa caracterização das estruturas como sendo: 2'-O-β-D-2'',3'',4'',6''-tetra-O-acetilglicopiranosil-3,4,4',6'-tetra- O-acetil-di-hidrochalcona (5a) e 2'-O-β-D-2'',3'',4'',6''-tetra-O-acetilglicopiranosil-4,4',6'-tri- O-acetil-di-hidrochalcona (6a).

O extrato etanólico das folhas e as substâncias isoladas foram submetidos ao teste de atividade antioxidante utilizando o método do sequestro do radical DPPH.7 Através dessa metodologia foi observada atividade significativa na concentração de 1 mg/mL para o extrato etanólico (LSFE), para a mistura de flavonoides 3/4 e para a mistura de di-hidrochalconas 5/6 com inibição de 99,9% de radicais. A Tabela 2 mostra os resultados obtidos no ensaio antioxidante, juntamente com os valores de IC50. Os dados mostram que dentre as substâncias testadas, a que se revelou mais ativa foi a mistura de di-hidrochalconas com IC50 de 2,50 x 10-3 mg/mL, resultado superior ao padrão Trolox. A alta atividade antioxidante encontrada para o extrato de L. sidoides pode ser atribuída à presença de substâncias flavonoídicas, o que justifica em parte o uso desta espécie na medicina popular.

CONCLUSÃO

Estudo fitoquímico da espécie Lippia sidoides cultivada no Horto de Plantas Medicinais-UFC resultou no isolamento e identificação de 6 compostos, dos quais 3 são inéditos na espécie [o flavonoide naringenina (2), a mistura de flavonoides 3',4',5,7-tetra-hidroxiflavanona (3) e 4',5,7-tri-hidroxi-6-metoxiflavona (4) e a mistura de di-hidrochalconas 2'-O-β-D-glicopiranosil-3,4,4',6'-tetra-hidroxi-di-hidrochalcona (5) e 2'-O-β-D-glicopiranosil-4,4',6'-tri-hidroxi-di-hidrochalcona (6)] e os outros já foram reportados [a naftoquinona tecomaquinona (1), o monoterpeno carvacrol e o esteroide β-sitosterol].

O estudo apresentou alguns constituintes químicos diferentes daqueles já registrados. Este fato pode estar relacionado a diferentes locais de coleta, um no habitat natural e outro de planta cultivada. Extratos, flavonóides e outros constituintes apresentaram significativa atividade antioxidante, semelhante a padrões, no ensaio de inibição de radicais usando DPPH. Este representa o primeiro registro desta atividade em substâncias isoladas desta espécie.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, em forma de arquivo PDF, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

Às instituições de fomento à pesquisa CNPq, CAPES, PRONEX e FUNCAP pelos auxílios financeiros, ao CENAUREMN-UFC pelos espectros RMN, Programa de Pós-graduação em Química - UFC e FAPERJ pela Bolsa de Pesquisador Visitante Emérito concedida a R. B. F.

REFERÊNCIAS

1. Pascual, M. E.; Slowing, K.; Carretero, E.; Sánchez Mata, D.; Villar, A.; J. Ethnopharmacol. 2001, 76, 201.

2. Costa, S. M. O.; Lemos, T. L. G.; Pessoa, O. D. L.; Assunção, J. C. C.; Braz-Filho, R.; Rev. Bras. Farmacogn. 2002, 12, 66.

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Recebido em 5/1/10; aceito em 11/6/10; publicado na web em 22/9/10

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  • 1. Pascual, M. E.; Slowing, K.; Carretero, E.; Sánchez Mata, D.; Villar, A.; J. Ethnopharmacol. 2001, 76, 201.
  • 2. Costa, S. M. O.; Lemos, T. L. G.; Pessoa, O. D. L.; Assunção, J. C. C.; Braz-Filho, R.; Rev. Bras. Farmacogn. 2002, 12, 66.
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  • Carvalho, A. F. U.; Melo, V. M. M.; Craveiro, A. A.; Machado, M. I. L.; Bantim, M. B.; Rabelo, E. F.; Mem. Inst. Oswaldo Cruz 2003, 98, 569.
  • 4. Matos, F. J. A.; Sousa, M. P.; Matos, M. E. O.; Machado, M. I. L.; Craveiro, A. A.; Constituintes químicos ativos e propriedades biológicas de plantas medicinais brasileiras, 2Ş ed., Edições UFC: Fortaleza, 2004.
  • 5. Santos, A. K. L.; Assunção, J. C. C.; Fonseca, A. M.; Pessoa, O. D. L.; Monte, F. J. Q.; Lemos, T. L. G.; Braz-Filho, R.; Magn. Reson. Chem. 2005, 43 , 582;
  • Lemos, T. L. G.; Costa, S. M. O.; Pessoa, O. D. L.; Braz-Filho, R.; Magn. Reson. Chem. 1999, 37, 908;
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  • Lemos, T. L. G.; Matos, F. J. A.; Alencar, J. W.; Craveiro, A. A.; Clark, A. M.; McChesney, J. D.; Phytother. Res 1990, 4, 82.
  • 6. http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/RENISUS.pdf, acessada em Setembro 2010.
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  • 7. Hegazi, A. G.; Hady, F. K. A.; Z. Naturforsch. C: J. Biosci. 2002, 57, 395.
  • 8. Macari, P. T. A.; Emerenciano, V. P.; Ferreira, Z. M. G. S.; Quim. Nova 1990, 13, 260.
  • 9. Macambira, L. M. A.; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Brasil, 1985.
  • 10. Niwa, M.; Otsuji, S.; Tatematsu, H.; Liu, G. Q.; Chen, X. F.; Hirata, Y.; Chem. Pharm. Bull. 1986, 34, 3249.
  • 11. Agrawal, P. K.; Thakur, R. S.; Bansal, M. C. Em Carbon-13 NMR of Flavonoids; Agrawal, P. K., ed.; Elsevier: Amsterdam, 1989.
  • 12. Lu, Y.; Foo, L. Y.; Food Chem. 1997, 59, 187.
  • 13. Bernonville, T. D.; Guyot, S.; Paulin, J.; Gaucher, M.; Loufrani, L.; Henrion, D.; Derbré, S.; Guilet, D.; Richomme, P.; Dat, J. F.; Brisset, M.; Phytochemistry 2010, 71, 443;
  • Hilt, P.; Schieber, A.; Yildirim, C.; Arnold, G.; Klaiber, I.; Conrad, J.; Beifuss, U.; Carle, R.; J. Agric. Food Chem. 2003, 51, 2896.
  • 14. Harborne, J. B.; The Flavonoids: advances in research since 1980, Chapman and Hall: London, 1988.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      05 Jan 2010
    • Aceito
      11 Jun 2010
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