Open-access Aportes Teóricos da Ação Comunicativa de Habermas para as Metodologias Ativas de Aprendizagem

Theoretical Contributions of Habermas' Communicative Action for the Active Learning Methodologies

Resumo:

Neste artigo buscamos fundamentar na teoria da ação comunicativa de Habermas para sua aplicação na aprendizagem realizada em pequenos grupos, nas metodologias ativas (PBL e Problematização). Utilizamos pequenos grupos de estudantes como um estratégia de aprendizagem nas metodologias ativas e, neste trabalho queremos mostrar como a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, pode ser utilizada nos mesmos para o desenvolvimento de melhor interação através da intersubjetividade, pois através desta cria-se a possibilidade do reconhecimento do álter de si, e, a partir desse ponto, a construção do consenso. Hebermas é o grande pensador da escola de Frankfurt, e sua obra segue a mesma linha de seus predecessores, Hokheimer e Adorno, tentando, porém, um reconstrução e ampliação da teoria crítica da sociedade. O autor propõe uma concepção da sociedade que a considere simultaneamente como sistema e como ‘mundo da vida’. Acredita ainda, que a ação comunicativa é constituinte da sociedade e, através desse pressuposto, tenta reconstruir a filosofia da racionalidade, portanto com grandes implicações éticas, pois, para ele, através do desenvolvimento cognitivo trona-se possível uma compreensão do mundo descentrada do sujeito não egocêntrica. A Teoria da Ação Comunicativa abrange todos os âmbitos da racionalidade e da ação ético, social, psicológico, enfim, de tudo que se relaciona ao homem e suas interações, podendo ser utilizado em pequenos grupos de estudantes como modelo de desenvolvimento moral e ético.

Palavras-chave: Ética; Bioética; Educação em Saúde

Abstract:

In this article we aim to apply Habermas’ theory of communicative action in active methodologies (Problems Based Learning) to the learning/teaching process in small groups. We show how the theory of communicative active action can be used for developing a better interaction inside the group, through intersubjective recognition providing the possibility of recognizing the “alter! And themselves and, from this point on, being able to achieve a consensus. Habermas, today’s great thinker of the Frankfurt School, follows in his work the line of his predecessor, Horkheimer and Adorno, but trying to rebuilt and amplify the criticaltheory of society. The author proposes a concept of society considering it at the same time a system and a ‘lifeworld’. He also believes communicative action to be a consituent of socienty and, based on this idea, attempts to rebuid the philosophy of rationality. Habermas’ communicative action theory has great ethical implications. According to him, cognitive development allows a global “decentered” not egocentric understanding of the world. The communicative action theory involves all fields of rationality and action, ethical, social and phychological, in summary, everything related to man and his interactions, thus being a valuable model to be used for moral and ethical development in samll groups of students.

Key-words: Ethics; Bioethics; Education in Health

Quando um dia a fortaleza da razão centrada no sujeito for demolida, também desabará o logos, que sustentou por muito tempo a interiorização protegida pelo poder, oca por dentro e agressiva por fora. O logos terá, então, de render-se ao seu outro, seja este qual for. Jurghen Habermas

INTRODUÇÃO

A educação hoje exige postura aberta a mudanças e revisão de paradigmas. O conhecimento atual é amplo e complexo, tornando-se necessária a interdisciplinaridade. Toma-se imprescindível uma busca e crítica constantes das informações para que a atuação profissional possa ser consciente e baseada em evidências científicas. Talvez o ponto fundamental de toda essa mudança seja a necessidade de olhar o ser humano em sua totalidade e agir com eticidade, buscando justamente integrar o conhecimento que ao longo do tempo, principalmente do século XX, ficou fragmentado. Para atingir essas metas, inovações são propostas nos modelos de ensino dos cursos de formação profissional na área de saúde.

Nessas práticas pedagógicas inovadoras, o aprendizado é centrado no aluno, que num processo dia lógico de construção coletiva e progressiva do conhecimento, desenvolve atividades em pequenos grupos, acompanhados pelo professor. Esse, nesse caso, desempenha o papel de facilitador na construção do conhecimento, ou seja, acompanha o trabalho do grupo, muito mais preocupado com o processo metacognitivo.

Espera-se que com as metodologias ativas, utilizadas nos cursos de saúde, preparar profissionais mais ativos, críticos e transformadores da realidade; com a capacidade de trabalhar em equipe, de relacionar-se melhor com o paciente, compreendendo a sua situação de vida (processo viver-adoecer-morrer), intervindo nesta, de modo ético e consciente. Estes pressupostos estão presentes nas metodologias de aprendizagem, implantadas na Faculdade de Medicina de Marília: o ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas) e a Problematização, que tem no trabalho em grupo a principal estratégia para atingir essas metas.

Observamos em nossa prática que o trabalho cm grupo bem orientado proporciona a oportunidade de o aluno obter um desenvolvimento no seu agir, através da auto reflexão e do confronto de ideias. Nesse processo o estudante é estimulado a lançar-se à discussão com maior autonomia, organizando suas ideias em relação ao conteúdo abordado, constantemente avaliando o seu próprio desempenho, do grupo e do professor (facilitador ou tutor). No momento em que expõe seu pensamento, encontra ideias contrastantes que podem possibilitar, quando há preparo do tutor, um movimento dialético e continuo de reavaliação de ideias e posições adotadas anteriormente. Existe, assim, a possibilidade de ampliar suas perspectivas para além da auto reflexão, levando à compre­ensão da pluralidade de ideias e valores existentes.

Através da intersubjetividade, cria-se a possibilidade do reconhecimento do álter e de si, e, a partir desse ponto, a construção do consenso. Buscamos, assim, fundamentação na teoria da ação comunicativa de Habermas para o desenvolvimento de um procedimento que torne possível encontro e proximidade entre os sujeitos.

METODOLOGIAS ATIVAS DE APRENDIZAGEM

Na sociedade moderna, complexa e, em constante mudança, o ensino tradicional, que centra o aprendizado na transmissão do conhecimento pelo professor, perde progressivamente seu suporte, pois o conhecimento é hoje amplo demais, e o acúmulo de informações de nada vale se estiver isolado da capacidade de resolver novos problemas que surgem diariamente. Nessa nova realidade, a capacidade criativo-pragmática torna-se mais importante que a simples ilustração. Em decorrência dessa constatação, busca-se cada vez mais colocar em prática metodologias de ensino-aprendizagem com possibilidade de desenvolver nos alunos tais competências.

Um recente relatório da UNESCO1 coloca essa problemática, deixando bem clara a premência em desenvolver o processo educacional não apenas voltado para aquisição de conhecimentos técnicos específicos, mas sustentado em quatro pilares básicos: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Segundo esse mesmo relatório, já não é mais possível e nem adequado apenas transmitir grandes quantidades de informações sem dar subsídios para que o estudante consiga emergir nas ondas de um mar de informações e aproveitar cada momento de aprendizagem que lhe for oportunizado. Dessa forma, ele será capaz de atualizar-se, aprofundar-se no conhecimento e enfrentar situações novas colocadas pela prática, hoje e no futuro1.

Dentro desse enfoque, parece-nos que as metodologias ativas de aprendizagem têm maior adequação ao perfil de profissional que se almeja, uma vez que incentivam a busca ativa de informações, o trabalho em equipe, proporcionam a análise crítica das fontes consultadas, desenvolvem a habilidade de avaliação do seu desempenho individual e do grupo e proporcionam o reconhecimento da importância da interrelação com o outro na construção do conhecimento. As metodologias ABP e Problematização guardam estreita relação com os pressupostos filosófico-pedagógicos de John Dewey e Paulo Freire, respectivamente, pois, visam ao desenvolvimento de cidadãos conscientes das realidades vividas e participantes de mudanças baseadas num senso crítico.

John Dewey e Paulo Freire acreditavam que o processo ensino-aprendizagem se inicia quando os estudantes se defrontam com conflitos, os quais despertam seus interesses, e os problematizam. No caso do ABP os alunos, inicialmente, analisam uma situação-problema e identificam nessa situação os conflitos que serão, em um primeiro momento, discutidos pelo grupo com base em seus conhecimentos prévios (conhecimento teórico e/ou vivencias). Num segundo momento os alunos identificarão os pontos folhos no seu conhecimento e então partirão para a busca ativa de conhecimento para fundamentação teórica que resolva as lacunas percebidas anteriormente.

Em uma sessão de tutoria subsequente, os alunos retornam com os dados obtidos e fazem nova discussão até que se satisfaçam as necessidades imediatas para entendimento e/ou resolução dos conflitos e lacunas identificadas. Esse processo pode se repetir quantas vezes forem necessárias em uma mesma situação-problema. Após ser alcançado o consenso nessa discussão, o grupo tenta realizar generalizações e imaginar variações sobre o mesmo tema para sedimentar e rea­plicar o conhecimento adquirido. O ponto fundamental é a metacognição, isto é, o aprendizado do processo de análise dos problemas, raciocínio, construção de novo conhecimento e aplicação do mesmo, e não apenas o conteúdo material de conhecimento adquirido. O conhecimento é construído pelos próprios alunos nesse processo dialógico, de maneira progressiva, em abordagem interdisciplinar, além de haver também a possibilidade do desenvolvimento de habilidades de trabalho em equipe e de relacionamento interpessoal.

Paulo Freire, ao qual nos reportamos na metodologia da problematização, propõe alguns passos para o aprendizado. A partir da vivência real dos educandos, são identificados pelo educador os temas geradores (assuntos de grande interesse dos educandos em seu cotidiano) que, nesse primeiro momento, se encontram ainda não problematizados. Esse; temas geradores são apresentados para os educandos que realizam um trabalho de problematização desses temas geradores, isto é, realizam uma contextualização desses temas em suas vivências. A partir dessa problematização, busca-se fundamentação teórica na tentativa de entender os problemas levantados. Os alunos realizam, então, uma reflexão crítica, num processo dialógico entre educadores-educandos, realizado também em pequenos grupos, tentando identificar quais as causas histórico-sociais desse problema, e a partir dessa tomada de consciência propõem uma ação social para alcançar uma mudança da realidade.

Freire pretende que o educando faça uma correlação dos problemas com o poder, com a perversidade das instituições, com a demagogia das elites, enfim, prepara o educando para viver como cidadão, vivenciando o problema, entendendo-o e procurando soluções articuladas para os mesmos2.

Nas duas metodologias, o professor desempenha a função de facilitador do processo e não de transmissor de conteúdos teóricos descontextualizados, buscando a formação autônoma, crítica e transformadora da realidade.

Venturelli, baseado no pensamento de Freire, ressalta que as metodologias ativas estão calcadas numa prática centrada no aluno. Estes não são mais ouvintes e sim, co-investígadores críticos num diálogo com o professor3.

Para que o professor possa acompanhar a busca e discussão realizadas, assim como a capacidade de os alunos interagirem, ressaltamos que um dos pilares fundamentais da ABP e da Problematização é o trabalho em pequenos grupos, que promove a discussão, a compreensão (não somente o uso da memória, mas de raciocínio) e o trabalho em equipe. A educação, segundo Venturelli, contínua extra-muro universitário, e o estudante tem de estar preparado para atuar nos problemas e situações de vida, através do desenvolvimento da capacidade de 'aprender a aprender'. Essa afirmação vem ao encontro dos princípios pedagógicos propostos por Dewey e Freire, em que os resultados são satisfatórios quando o estudante é capaz de encontrar soluções para novos problemas através das capacidades de auto aprendizado e da pedagogia autônoma desenvolvidas pelos métodos utilizados.

TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA

Habermas é um grande pensador da escola de Frankfurt, e sua obra segue a mesma linha de seus predecessores (Horkheimer e Adorno), tentando, porém, uma reconstrução e ampliação da teoria crítica da sociedade. Nos seus estudos sobre a comunicação, interessado pela filosofia analítica da linguagem, da ciência e na psicologia do desenvolvimento mental, percorre a história da teoria social fazendo uma aná­lise das patologias sociais, consideradas por ele intrínsecas ao capitalismo avançado. Está de acordo com seus predecessores, quando diz que na sociedade moderna há um crescimento exagerado dos aspectos instrumentais, culminando com a objetificação e mediatização dos indivíduos. No entanto, acredita que a crítica apenas negativa não é frutífera e tenta, em sua reconstrução, buscar alternativas para estes problemas.

Habermas acredita que a espécie humana evoluiu, organizando-se historicamente em diversos tipos de sistemas sociais, sendo que cada um desses sistemas pressupõe uma inter-relação própria dos subsistemas (sociocultural, econômico e político). Através da história, a humanidade foi se desenvolvendo e aumentando a complexidade dessas interações no sentido de criar sistemas de auto-preservação4. Para que seja possível essa interação entre os diversos indivíduos e, por conseguinte, entre os diversos subsistemas, faz-se necessária a existência de um mundo simbólico compartilhado pelos seus integrantes. Habermas acredita que o tecido de fundo que faz a mediação dessa inter-relação entre os subsistemas é a linguagem, entendida como ferramenta pragmática que serve não apenas para transmissão de informações técnicas, mas também para compartilhamento de representações simbólicas acerca do mundo, introjetando papéis e normas de ação.

Partindo desse pondo de vista pragmático, Habermas acredita que o ser humano articula suas ações sempre em função de suas necessidades e interesses e, para alcançar esta finalidade, utiliza-se da linguagem como meio de expressão e, principalmente, como ferramenta para, direta ou indiretamente, alcançar a satisfação desses interesses.

Nas sociedades modernas, o predomínio da racionalidade instrumental tem provocado uma ruptura entre o âmbito do material e dos valores, entre pensamento e ação, teoria e práxis, com a hipertrofia do positivismo. Habermas se opõe a este, propondo um resgate da reflexão filosófica sobre o sentido e os fins da vida, na tentativa de equilibrar novamente essa relação.

Acredita ainda que a ação comunicativa é constituinte da sociedade e, através desse pressuposto, tenta reconstruir a filosofia da racionalidade4. Ele diferencia o agir e o falar, em que ações em sentido estrito, ou atividades não linguísticas, são orientadas para um fim; os atos intervêm no mundo para realizar fins propostos, utilizando meios adequados. Por outro lado, as ações linguísticas são atos onde um falante tenciona chegar a um entendimento com outro falante sobre algo no mundo.

Habermas tenta recuperar a reflexão e a discussão racional sobre as formas e o fim da vida, nos quais, o sentido e a racionalidade se dão pela discursividade; no processo dialógico é que se constitui a personalidade dos indivíduos nos grupos sociais.

Ele considera o trabalho e a linguagem características e originárias da vida e evolução humanas. Para ele, o que evolui não é o macro-sujeito histórico, mas as sociedades e os sujeitos que nela atuam, assim como as regulamentações que orientam as ações humanas. Acredita que os interesses que motivam toda ação humana, os diferentes tipos de ação e o conhecimento próprio de cada uma, são elementos básicas dentro desta evolução. Sendo assim, uma teoria crítica da sociedade só pode ser reconstruída com base numa concepção sistêmica e articulada de interesses, ações e conhecimentos4.

Para Habermas, há tipos de ação que são dependentes dos tipos de interesse: técnico, prático e emancipativo. Nesse sentido, o autor coloca três tipos de ação: a ação estratégica, a ação orientada por normas e a ação dirigida ao entendimento.

A 'ação estratégica' é aquela que se desenvolve a partir de interesses comuns para atingir uma finalidade, em uma lógica utilitarista, sendo, portanto, instrumental-teleológica. A 'ação orientada por normas' relaciona-se com o interesse prático e coordena as interações pessoais que ocorrem no cotidiano. Esse tipo de ação pressupõe a existência de papéis sociais e normas, introjetados pelos indivíduos e reconhecidos pelo grupo, segundo os esquemas sistêmicos do mundo social no qual vivem e, tem por finalidade a superação dos conflitos sociais. Por sua vez, a ação comunicativa é correlata ao interesse crítico-emancipatório que busca o entendimento através da argumentação. Assim, chegamos ao conceito de ação comunicativa, que é um tipo especifico de ação voltada ao entendimento. Habermas coloca requisitos fundamentais para sua ocorrência, a saber: a finalidade da ação deve ser autenticamente expressa no ato de fala, sem subterfúgios; as pretensões de validez dos interlocutores devem poder ser criticadas; o falante e o ouvinte devem ocupar lugares próprios no processo dia lógico, de tal maneira que tenham participação em um plano de igualdade; e finalmente, a ação comunicativa deve sempre ter a possibilidade implícita de levar a um entendimento racional, baseado na convicção e nunca na coação4.

Habermas propõe uma concepção da sociedade que a considere simultaneamente como sistema e como 'mundo da vida'. O autor denomina 'mundo da vida' o lugar transcendental onde aquele que fala e aquele que ouve se encontram com padrões de interpretações desenvolvidos socioculturalmente e individualmente, buscando o entendimento.5

A produção da cultura da sociedade e a manifestação de personalidade se dão nas interações ocorridas no cotidiano, mediadas pela comunicação. Para Habermas, a comunicação faz a mediação no processo de aprendizado social, necessário para a sobrevivência. O ponto de partida é a compreensão baseada na experiência pessoal, que adquire coerência e identidade quando é reconhecida intersubjetivamente, vinculando o indivíduo à comunidade. A política e a economia são determinantes da vida social, assim como a dominação política e econômica influenciam ideologicamente a formação da cultura e da tradição. Daí deriva a necessidade da teoria crítica como forma emancipatória dos padrões de pensamento que limitam a auto compreensão. Esse interesse emancipatório é crescente na sociedade moderna de classes, devido ao interesse pela sobrevivência6. Habermas coloca que, num certo sentido, todo conhecimento se relaciona com o interesse emancipatório, que está ligado à noção cultural de autopreservação e com o interesse emergente em atingir a 'vida boa'.6

Habermas fala da dificuldade em estabelecer regras na modernidade, constata a hostilidade metodológica contra a razão, a pouca investigação nesse campo e a crítica da razão decorrente de um contra discurso de quase 200 anos. Porém, vários autores da modernidade se dedicam a esclarecer o discurso da nova crítica da razão. Desse processo deriva o conceito de razão situada, entendendo que a razão foz a mediação concreta dos homens na práxis social.

Habermas sustenta que essa práxis se efetiva numa dimensão histórica e mediatiza a natureza subjetiva dos indivíduos em suas necessidades, com uma natureza objetivada no trabalho7. Não haveria a necessidade da compreensão, da razão crítica descentrada do sujeito, se não fosse a vida em comunidade e, do mesmo modo, não seria possível a razão compreensiva sem o outro. Nesse sentido, Habermas respalda-se em Freud e Nietzshe,"a razão não existe sem o seu outro do ponto de vista funcional - torna-se necessária mediante esse outro".7 Porém, o autor supera seus antecessores quando formula o pensamento de descentramento do sujeito e constata a necessidade de situar-se no "paradigma da inter­subjetividade", em que o 'eu' se constrói num processo de aprendizagem constitutivamente intersubjetivo.4

O pensamento de Habermas se desencadeia num sentido extremamente ético, no que diz respeito a uma racionalidade em prol de discutir o sentido existencial, emancipatório e não somente instrumental e técnico das formas de vida. É, portanto, inevitável conduzir seus ensinamentos para o ensino em geral e da ética especificamente, uma vez que a reflexão de Habermas contribui excepcionalmente para o entendimento da vida humana individual e coletiva.

CONCLUSÃO

Consoante as mudanças exigidas em nosso tempo frente à pluralidade de valores e costumes, informações cada vez mais amplas e acessíveis, a Teoria da Ação Comunicativa e, consequentemente, a ética do discurso é, para nós, um referencial extremamente indispensável. Não é, no entanto, de fácil compreensão e abstração, principal mente para nós profissionais da área da saúde, mas torna-se fundamental no ensino da ética, como também acreditamos que seja a sua aplicação de grande alcance.

A Teoria da Ação Comunicativa abrange todos os âmbitos da racionalidade, da ação, do ético, social e psicológico, enfim de tudo que se relaciona com o homem e suas interações.

Ela faz um elo com todos esses aspectos da vida e do conhecimento e, portanto, deve ser usada nas metodologias ativas de aprendizagem, como uma explicação filosófica que dá coerência aos pressupostos dos projetos pedagógicos já mencionados. Para nós, o conhecimento e a aplicação dessa teoria seriam o pano de fundo do ensino integrador, participativo e ético, isto é, na capacidade de projetar no futuro as escolhas de hoje, no modo de ser e fazer consciente.

A sua aplicação possibilita ação racional mais solidária, mais justa, e, acima de tudo, desenvolvida, buscando a emancipação humana. Objetivando portanto, uma sociedade que valorize a vida.

A sociedade atual possui características próprias que a diferencia cada vez mais das anteriores: sua crescente complexidade, desenvolvimento acelerado da tecnociência e a discutida ausência de referenciais morais universais. Faz-se necessário, enfim, a busca de alternativas educacionais que permitam o desenvolvimento da capacidade do indivíduo de enfrentamento e resolução dos problemas advindos dessa situação.

A evolução da sociedade e da ciência devem ser integradas, isto é, não é efetiva a evolução do conhecimento desvinculada da evolução do espírito, correndo-se o risco de chegar-se à negação dos próprios objetivos que deram origem ao processo de esclarecimento, emancipação humana como espécie, em relação à natureza, e como indivíduo em relação à opressão da própria sociedade. Concluímos, portanto, nessa perspectiva, que se faz necessário buscar na educação referenciais que se coadunem com paradigmas inovadores e integradores e que tenham como característica a possibilidade de proporcionar um desenvolvimento moral do indivíduo, ao mesmo tempo, que não seja autoritário ou dogmático.

Assim, após a aproximação com a proposta da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, que nos possibilita um diagnóstico da sociedade atual, percebemos também, claramente, que a mesma proporciona uma nova abordagem, tanto do agir ético no estabelecimento de princípios morais que possam servir de referência para o agir humano quanto de referencial para a educação, pois se adapta perfeitamente às propostas de ensino-aprendizagem ativas, desenvolvidas em pequenos grupos.

A busca de formação dentro de perfis profissionais desenhados com o intuito de ter no mercado de trabalho profissionais com iniciativa, criativos, que saibam resolver problemas, deve buscar, além disso, formar ‘indivíduos’ mais humanos, críticos, que consigam ampliar sua visão de mundo, entendendo a conformação da sociedade e que possam atuar de modo a transforma-la numa sociedade melhor. A ação discursiva oferece uma perspectiva de reconhecimento de valores plurais e, reconhecendo os requisitos fundamentais para a sua ocorrência, possibilita ação mais solidária, mais justa.

O trabalho de desconstrução, por mais furioso que seja, possui consequências identificáveis somente quando o paradigma da consciência de si, da auto relação de um sujeito que conhece e age solitário é substituído por outro - pelo entendimento recíproco, isto é, da relação intersubjetiva entre indivíduos que, socializados por meio da comunicação, se reconhecem reciprocamente 7 .

REFERÊNCIAS

  • 1 Unesco. Education for all 2000: Global assessment synthesis. Dakar; 2000.
  • 2 GhiraldelliJunior P. Didática e teorias educacionais. Rio de Janeiro: OP&A; 2000.
  • 3 Venturelli J. Educación medica: Nuevos enfoques, metas y métodos. Washington: OPS-OMS; 1997.
  • 4 Boladeras M. Comunicación, ética y política: Habermas y sus críticos. Madri: Tecnos; 1996.
  • 5 Habermas J. Teoria de la acción comunicativa, II: Crítica de la razón funcionalista. Madri: Taurus; 1992.
  • 6 lngram D. Habermas e a dialética da razão. 2.ed. Brasília: UnB; 1997.
  • 7 Habermas J. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes; 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2005

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2004
  • Revisado
    02 Jul 2005
  • Aceito
    22 Ago 2005
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