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Prevalência de depressão entre estudantes de Medicina em universidade de Goiás

Prevalence of depression among medicine Medicine students at a university in Goiás

RESUMO

Introdução:

Depressão é uma designação sindrômica que pode compreender um amplo espectro de quadros clínicos, mas que tem despertado interesse acadêmico tanto por sua prevalência quanto pelo investimento em dispositivos terapêuticos. O Brasil lidera, na América Latina, o ranking de pessoas com depressão em termos absolutos e relativos, e, no mundo, está entre as nações com a maior prevalência de condições clínicas designadas como depressão (5,9% do total ou cerca de 11,5 milhões de pessoas).

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de depressão e condições associadas entre estudantes dos cursos de Medicina da Universidade de Rio Verde, no estado de Goiás.

Métodos:

Trata-se de um Estudo transversal realizado na Universidade de Rio Verde com estudantes de Medicina. Realizou a coleta de dados mediante instrumento autoaplicável, cujo desfecho foi o diagnóstico médico referido de depressão. Realizaram-se análises bruta e ajustada por meio da regressão de Poisson.

Resultado:

Dos 1.609 participantes do estudo, 334 (20,8%; IC95% 18,8; 22,7) apresentaram depressão. Na análise ajustada, permaneceram associados sexo feminino, idades acima de 20 anos, baixo apoio social, fumantes e autopercepção de saúde classificada como razoável e ruim.

Conclusão:

A prevalência de depressão foi elevada, apontando para o sofrimento mental entre estudantes dos cursos de Medicina, sendo importante que as escolas conheçam essa realidade. A variável associada ao desfecho passível de modificação foi apoio social, indicando a importância da implantação de estratégias que minimizem o problema e a elaboração de políticas com aconselhamento educacional e apoio psicológico para os alunos.

Palavras-chave:
Depressão; Estudantes; Suporte Social; Faculdades de Medicina

ABSTRACT

Introduction:

Depression is a syndromic term that can encompass a broad spectrum of clinical conditions, but which has aroused academic interest as a result of both its prevalence and the investment in therapeutic devices. Brazil leads Latin America in the ranking of people with depression in absolute and relative terms, and globally has one of the highest rates of prevalence of clinical conditions designated as depression (5.9% of the total population or around 11.5 million people).

Objective:

To determine the prevalence of depression and associated conditions among medical students at the University of Rio Verde in the state of Goiás.

Methods:

This was a cross-sectional study carried out at the University of Rio Verde/GO with medical students. Data collection was through a self-administered instrument, the outcome of which was the referred medical diagnosis of depression. Raw and adjusted data analyses were performed using Poisson regression.

Results:

Among the 1609 study participants, 334 (20.8%; CI 95% 18.8; 22.7) had depression. In the adjusted analysis, the remaining associated factors were: female gender, age over 20 years with low social support, smokers and self-perceived health classed as fair and poor.

Conclusion:

The prevalence of depression was high, pointing to mental suffering among medical students, and it is important for schools to be aware of this reality. The variable associated with the outcome that could be modified was social support, indicating the importance of implementing strategies that minimize the problem and the development of policies with educational counseling and psychological support for students.

Keywords:
Depression; Students; Social Support; Medical Schools

INTRODUÇÃO

Depressão é uma designação sindrômica que pode compreender um amplo espectro de quadros clínicos, mas que tem despertado interesse acadêmico tanto por sua prevalência quanto pelo investimento em dispositivos terapêuticos11. Gujral S, Aizenstein H, Reynolds CF 3rd, Butters MA, Erickson KI. Exercise effects on depression: possible neural mechanisms. Gen Hosp Psychiatry. 2017;49:2-10. doi: https://doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2017.04.012.. O Brasil lidera, na América Latina, o ranking de pessoas com depressão em termos absolutos e relativos22. Organização Pan-Americana da Saúde. Depressão. Opas; c2022 [acesso em 4 mar 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/depressao .
https://www.paho.org/pt/topicos/depressa...
, no mundo, está entre as nações com a maior prevalência de condições clínicas designadas como depressão (5,9% do total ou cerca de 11,5 milhões de pessoas)33. World Health Organization. Depression. WHO; c2022 [acesso em 4 mar 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/health-topics/depression#tab=tab_1 .
https://www.who.int/health-topics/depres...
. O suicídio costuma estar associado à ocorrência de doenças depressivas, sendo reconhecido como a segunda causa de morte na população brasileira entre 15 e 29 anos22. Organização Pan-Americana da Saúde. Depressão. Opas; c2022 [acesso em 4 mar 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/depressao .
https://www.paho.org/pt/topicos/depressa...
.

A vida universitária pode levar à sobrecarga tanto física quanto emocional de estudantes, o que é ainda mais relevante entre os que já apresentam algum diagnóstico compatível com síndrome depressiva44. Baldassin S, Martins LC, Andrade AG. Traços de ansiedade entre estudantes de Medicina. Arq Med ABC 2006;31(1):27-31.),(55. Graner KM, Cerqueira ATAR. Revisão integrativa: sofrimento psíquico em estudantes universitários e fatores associados. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(4):1327-46.. Muitas vezes os estudantes precisam morar sozinhos ou com colegas desconhecidos, podem precisar de suportar os custos para estudar e são submetidos a mudanças de hábitos, aumento da carga horária das aulas, situações desconhecidas e mudanças no ambiente77. Acharya L, Jin L, Collins W. College life is stressful today: emerging stressors and depressive symptoms in college students. J Am Coll Health. 2018; 66(7):655-64. doi: https://doi.org/10.1080/07448481.2018.1451869.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
. A educação médica pode ser percebida como mais estressante para estudantes em comparação com outros cursos de graduação88. Azad N, Shahid A, Abbas N, Shaheen A, Munir N. Anxiety and depression in Medical students of a private medical college. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2017;29(1):123-7. 4. Prevalências mais elevadas de sintomas depressivos ou de transtornos reconhecidos como depressão entre acadêmicos de Medicina costumam estar associados à carga horária extensa, aos conteúdos densos, ao distanciamento de seus familiares e a grandes responsabilidades ao lidarem com a vida do próximo99. Vasconcelos TC, Dias BRT, Andrade LR, Melo GF, Barbosa L, Souza E. Prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med. 2015;39(1):135-42..

Monitorar a ocorrência de depressão em suas diferentes expressões é especialmente relevante e oportuno quando se trata de estudantes de Medicina. Especialmente relevante é investigar sua ocorrência e as condições associadas entre estudantes de cursos relativamente novos e instalados em universidade privada, no Centro-Oeste do Brasil, palco não usual dos estudos conhecidos sobre o tema.

O objetivo do estudo foi determinar a prevalência de depressão e condições associadas entre estudantes dos cursos de Medicina da Universidade de Rio Verde (UniRV) no estado de Goiás.

MÉTODO

Foi realizado estudo transversal, conduzido em 2018, incluindo estudantes de Medicina de ambos os sexos, de 18 anos de idade ou mais, matriculados nos campi de Rio Verde, Aparecida de Goiânia e Goianésia da UniRV.

O tamanho da amostra para o projeto permitiu estimar agravos de saúde com 50% de prevalência (maior tamanho de amostra necessário) com uma precisão de 2,2%. Para detectar associações, foram adicionados 10% para perdas, permitindo 80% de poder para estimar a razão de prevalência de 1,13 com nível de confiança de 95%. Para posterior cálculo de amostra, no presente estudo foi utilizada a população de duas mil pessoas, com nível de confiança de 95%, prevalência de 20,0%, erro amostral de 3%, exigindo 479 participantes. Para verificar associações, utilizaram-se os seguintes parâmetros: poder de 80%, razão de expostos/não expostos de 0,5 (correspondendo a apoio social), prevalência da doença entre os não expostos de 16% e razão de risco 1,5, exigindo tamanho de amostra de 953 participantes.

Foram utilizados para coleta de dados questionários padronizados, pré-codificados e autoaplicáveis respondidos pelos alunos durante os períodos de aulas, sob supervisão de professores da universidade. Os questionários não permitiram a identificação dos alunos, pois foram depositados em urna ao final da aplicação. O questionário e a logística do estudo foram testados mediante realização de estudo-piloto em outro curso da universidade.

O desfecho deste estudo foi o diagnóstico médico referido de depressão. A pergunta de pesquisa partiu do enunciado “Algum médico já lhe disse que você tem/teve depressão?”, admitindo respostas como não, sim e não sei. Dessa forma, pretendeu-se analisar a prevalência de depressão verificando os respectivos fatores associados.

Analisaram-se variáveis independentes demográficas, socioeconômicas, apoio social, hábitos de vida, características discentes e autopercepção de saúde.

As variáveis demográficas foram: sexo (feminino; masculino), idade (até 19 anos; de 20 a 24 anos; de 25 a 29 anos; 30 anos ou mais), cor de pele declarada (branca; parda; outra), situação conjugal (com companheiro; sem companheiro) e se morava sozinho (não; sim).

Foi utilizada a classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) categorizada como A, B, C e D/E. Essa classificação levou em conta a posse de determinados bens materiais, além de presença de empregados domésticos na família, escolaridade do chefe da família e disponibilidade de serviços públicos próximos do local de moradia1010. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de classificação econômica Brasil: critério Brasil 2015 e atualização da distribuição de classes para 2016. São Paulo: Abep; 2016 [acesso em 4 mar 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.abep.org/ Servicos/Download.aspx?id=12 .
https://www.abep.org/ Servicos/Download....
. O apoio social foi categorizado como alto, moderado e baixo, sendo avaliado pela Escala Multidimensional de Suporte Social Percebido (EMSSP). A escala, composta por 12 itens, avaliou o apoio social do tipo emocional e a interação social, tendo como fonte os amigos, a família e outros aspectos significativos. A escala apresentou boas propriedades psicométricas avaliadas mundialmente1111. Dambi JM, Corten L, Chiwaridzo M, Jack H, Mlambo T, Jelsma J. A systematic review of the psychometric properties of the cross-cultural translations and adaptations of the Multidimensional Perceived Social Support Scale (MSPSS). Health Qual Life Outcomes. 2018;16(1):80. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-018-0912-0.
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) e foi validada no Brasil1212. Brugnoli AVM, Gonçalves TR, Silva RCDD, Pattussi MP. Evidence of the validity of the Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS) in university students. Ciênc Saúde Colet . 2022;27(11):4223-32. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320222711.08592022.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Os escores foram somados e posteriormente categorizados em tercis.

Os hábitos de vida foram representados pela prática de atividade física (fisicamente ativos ou não), consumo de tabaco (não fumantes; ex-fumantes; fumantes), consumo de drogas ilícitas nos últimos 30 dias (não; sim) e uso problemático de álcool (risco baixo; uso de risco; uso nocivo).

Foram considerados como ativos fisicamente os participantes que praticavam no mínimo 150 minutos semanais de atividade física no lazer a partir da versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física 1313. Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2012;6(2):5-18.. O hábito de fumar foi considerado a partir do consumo de cigarro e outras formas, como narguilé, charutos, cigarrilhas, cachimbos, cigarro eletrônico, fumo de mascar e rapé. O consumo de drogas ilícitas incluiu o uso no último mês de maconha, cocaína, crack, LSD, ecstasy, cola, loló e lança-perfumes. O uso problemático de álcool foi investigado pela aplicação da escala Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT), preconizada pela Organização Mundial da Saúde e validada no Brasil. A escala foi estruturada em dez itens e respostas em escala Likert de cinco pontos. No presente estudo, adotou-se a seguinte categorização: baixo risco (até 7 pontos), uso de risco (de 8 a 15 pontos) e uso nocivo (16 ou mais pontos)1414. Moretti-Pires RO, Corradi-Webster CM. Adaptação e validação do Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) para população ribeirinha do interior da Amazônia, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2011;27(3). :497-506.),(1515. Santos WS, Gouveia VV, Fernandes DP, Souza SSB, Grangeiro ASM. Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT): explorando seus parâmetros psicométricos. J Bras Psiquiatr. 2012; 61(3):117-23..

Entre as características discentes, analisaram-se os semestres cursados (do primeiro ao quarto; do quinto ao oitavo; nono semestre ou mais) e reprovação (não; sim).

A autopercepção de saúde foi verificada por meio de pergunta formulada como “Em geral, como você diria que sua saúde está?”, sendo categorizada como excelente/muito boa/boa e como razoável/ruim.

Os dados foram submetidos à dupla digitação no programa Epi-Data, com verificação e correção de eventuais erros de digitação. Inicialmente foi apresentada a caracterização da amostra mediante dados absolutos e relativos. Posteriormente, realizaram-se as análises bruta e ajustada utilizando a regressão de Poisson com variância robusta. As variáveis que obtiveram até p-valor de 0,20 na análise bruta foram conduzidas ao modelo ajustado. A análise ajustada foi hierarquizada dispondo-se, no primeiro nível, as variáveis demográficas, a classe econômica da Abep e o apoio social. No segundo nível, constavam os hábitos de vida e as características discentes. No terceiro nível, analisou-se a autopercepção de saúde. Todas as variáveis analisadas determinavam o desfecho. Foram consideradas associadas as variáveis com p-valor < 0,05 após ajuste.

O estudo foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa, com pareceres nºs 2.892.764 da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em 13 de setembro de 2018, e 2.905.704 da UniRV, em 19 de setembro de 2018.

RESULTADOS

Em 2018, nos registros da UniRV constavam 1.654 alunos matriculados em cursos de Medicina, dos quais 1.609 foram incluídos na presente análise com 45 (2,7%) perdas. Entre os participantes do estudo, 334 (20,8; IC95% 18,8; 22,7) apresentavam depressão referida por médicos.

Na distribuição da amostra, a maioria dos participantes era do sexo feminino (68,2%), com idade entre 20 e 24 anos (71,4%), e referiu cor da pele branca (62,3%). Constataram-se 90,3% indivíduos vivendo sem companheiro, predomínio de participantes inseridos na classe A (52,4%), na classe B1 (21,6%) e com apoio social classificado como alto (36,2%). Quanto aos hábitos de vida, 66,5% eram ativos fisicamente, 84,9% não fumavam, 81,2% não tinham consumido drogas ilícitas no último mês e 69,8% apresentavam baixo risco para uso problemático de álcool. Em relação às características discentes, a maioria dos entrevistados estava matriculada até o quarto semestre (46,4%) e não tinha sido reprovada (97,1%). A autopercepção de saúde foi classificada como excelente, muito boa e boa por 86,4% dos participantes.

Tabela 1
Distribuição da amostra de estudantes de Medicina da UniRV, Goiás, 2018.

A análise bruta mostrou que a prevalência de depressão foi 39% maior entre as mulheres. Constatou-se que a prevalência de depressão foi aumentando com o decorrer da idade, atingindo 30,1% na faixa etária de 25 a 29 anos. Os participantes classificados com baixo apoio social apresentaram razão de prevalência 78% maior do que naqueles com alto apoio social. Por sua vez, os indivíduos classificados como inativos fisicamente apresentaram maior prevalência de depressão (25,7%). Fumantes e ex-fumantes alcançaram maiores prevalências de depressão em comparação aos não fumantes, 29,7% e 35,7%, respectivamente. As variáveis reprovação e autopercepção de saúde razoável ou ruim estavam associadas à maior prevalência de depressão. Não foram constatadas associações entre ocorrência de depressão e cor da pele, situação conjugal, morar só, classe econômica, consumo de drogas ilícitas, uso de álcool e semestre cursado (Tabela 2).

Tabela 2
Análises bruta e ajustada da prevalência de depressão e fatores associados entre estudantes de Medicina da UniRV, GO, 2018.

Na análise ajustada, permaneceram associados ao desfecho sexo feminino, idade e baixo apoio social. Mesmo após ajuste, fumantes, ex-fumantes e indivíduos com autopercepção de saúde classificada como razoável ou ruim se mantiveram associados com depressão. A prática de atividade física apresentou intervalos de confiança limítrofes, enquanto a variável reprovação não estava associada à depressão após o ajuste (Tabela 2).

DISCUSSÃO

As prevalências de depressão reveladas neste estudo foram elevadas, entretanto inferiores às prevalências encontradas em outras investigações realizadas no Brasil. Um estudo transversal multicêntrico que envolveu 22 escolas de Medicina, aplicou o Inventário Depressivo de Beck e arrolou participantes de maneira aleatória encontrou 41,0% estudantes com prevalência de depressão1616. Mayer FB, Santos SI, Silveira PS, Lopes MHI, Souza AR, Campos EP, et al. Factors associated to depression and anxiety in medical students: a multicenter study. BMC Med Educ. 2016;16 (1):282. doi: https://doi.org/10.1186/s12909-016-0791-1.
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. Uma revisão sistemática que incluiu 21 estudos realizados de 2008 a 2018 concentrados nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil encontrou prevalência média de depressão ao redor de 30%1717. Rosa C, Nunes ES, Armstrong AC. Depressão entre estudantes de medicina no Brasil: uma revisão sistemática. Rev Inter Educ Saúde. 2021;5(1):133-41. doi: https://doi.org/10.17267/2594-7907ijhe.v5i1.2722.
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. As variações podem ser explicadas pelas diferenças metodológicas, pelas formas de classificação da depressão e pelos instrumentos aplicados. Em um estudo transversal conduzido em uma universidade da Região Nordeste do Brasil, arrolando 172 alunos dos últimos três semestres de Medicina, Odontologia e Enfermagem, mostrou que a prevalência de depressão atingiu 33,7%, sem diferenças significativas entre os cursos1818. Costa EFO, Rocha MMV, Santos ATRA, Melo EV, Martins LAN, Andrade TM. Common mental disorders and associated factors among final-year healthcare students. Rev Assoc Med Bras. 2014; 60(6):525-30..

A prevalência de depressão entre estudantes de Medicina em todo o mundo tem se mostrado elevada. Mao et al.1919. Mao Y, Zhang N, Liu J, Zhu B, He R, Wang X. A systematic review of depression and anxiety in medical students in China. BMC Med Educ . 2019;19(1):327. doi: https://doi.org/10.1186/s12909-019-1744-2.
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em seus estudos na China com estudantes de Medicina mostraram prevalência de depressão variando de 13,1% a 76,2%, com média de 32,7%. Uma metanálise com 77 estudos que incorporou 62.728 estudantes de Medicina apontou prevalência de depressão de 28,0%2020. Puthran R, Zhang MW, Tam WW, Ho RC. Prevalence of depression amongst medical students: a meta-analysis. Med Educ. 2016;50(4):456-68. doi: https://doi.org/10.1111/medu.12962.
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. Essas elevadas prevalências de depressão têm mostrado que os níveis alcançados pelos estudantes de Medicina foram mais elevados do que de alunos de outros cursos2121. Bacchi S, Licinio J. Qualitative literature review of the prevalence of depression in Medical students compared to students in non-medical degrees. Acad Psychiatry. 2015;39(3):293-9. doi: https://doi.org/10.1007/s40596-014-0241-5.
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e da população geral2222. Dyrbye LN, West CP, Satele D, Boone S, Tan L, Sloan J, et al. Burnout among U.S. medical students, residents, and early career physicians relative to the general U.S. population. Acad Med. 2014;89(3):443-51. doi: https://doi.org/10.1097/ACM.0000000000000134.
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
. Diferentes procedimentos para estimar o fenômeno podem explicar, pelo menos em parte, algumas dessas diferenças. A investigação direta de sintomas depressivos, com o emprego do BDI, por exemplo, contempla um amplo leque de condições clínicas, como quando se usa a definição ampla de depressão, mas atinge pessoas que não tenham buscado atendimento médico, não contempladas na investigação de depressão referida por profissional médico.

Em relação às variáveis demográficas, o presente estudo mostrou associação de depressão com o sexo feminino e pessoas a partir dos 20 anos de idade. Outros estudos brasileiros incluindo estudantes de Medicina também encontraram maior prevalência de depressão no sexo feminino1212. Brugnoli AVM, Gonçalves TR, Silva RCDD, Pattussi MP. Evidence of the validity of the Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS) in university students. Ciênc Saúde Colet . 2022;27(11):4223-32. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320222711.08592022.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
),(1616. Mayer FB, Santos SI, Silveira PS, Lopes MHI, Souza AR, Campos EP, et al. Factors associated to depression and anxiety in medical students: a multicenter study. BMC Med Educ. 2016;16 (1):282. doi: https://doi.org/10.1186/s12909-016-0791-1.
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
),(2323. Silva AG, Cerqueira AT, Lima MC. Social support and common mental disorder among medical students. Rev Bras Epidemiol. 2014;17(1):229-42. doi: https://doi.org/10.1590/1415-790x201400010018eng.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
),(2424. Aragão JA, Freire MRM, Farias LGN, Diniz SS, Aragão FMS, Aragão ICS, et al. Prevalence of depressive symptoms among medical students taught using problem-based learning versus traditional methods. Int J Psychiatry Clin Pract. 2018;22(2):123-8. doi: https://doi.org/10.1080/13651501.2017.1383438.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
. Contudo, deve-se ressaltar que as mulheres fazem consultas médicas mais do que os homens, o que pode ampliar a possibilidade de ocorrência do desfecho como definido aqui (diagnóstico médico referido em atendimento). A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostrou que a prevalência de consultas médicas e a média de visitas no último ano foram mais elevadas entre as mulheres do que entre os homens2525. Cobo B, Cruz C, Dick PC. Desigualdades de gênero e raciais no acesso e uso dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Ciênc Saúde Colet . 2021;26(09):4021-32.. Entretanto, existem evidências de que a depressão é mais grave no sexo masculino. Um estudo de tendência realizado no período de 1997 a 2019, incluindo a população brasileira de 20 a 29 anos, mostrou maior prevalência da mortalidade por suicídio no sexo masculino2626. Arruda VL, Martins de Freitas BHB, Marcon SR, Fernandes FY, Lima NVP, Bortolini J. Suicídio em adultos jovens brasileiros: série temporal de 1997 a 2019. Ciênc Saúde Colet . 2021;26(07): 2699-706.. Outro estudo descritivo compreendendo todas as faixas etárias no período de 2010 a 2019 também apontou que a mortalidade por suicídios no Brasil foi mais elevada no sexo masculino2727. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância à Saúde. Mortalidade por suicídio e notificações de lesões autoprovocadas no Brasil. Boletim Epidemiológico 2021;33(52).p3.. Quanto à idade, as revisões citadas não apontaram associações evidentes, contudo estudos realizados na China e na Malásia também relataram a prevalência dos sintomas de depressão e ansiedade em estudantes com mais idade (≥ 20 anos)2828. Shao R, He P, Ling B, Tan L, Xu L, Hou Y, et al. Prevalence of depression and anxiety and correlations between depression, anxiety, family functioning, social support and coping styles among Chinese medical students. BMC Psychol. 2020;8(1):38. doi: https://doi.org/10.1186/s40359-020-00402-8.
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
),(2929. Shamsuddin K, Fadzil F, Ismail WS, Shah SA, Omar K, Muhammad NA, et al. Correlates of depression, anxiety and stress among Malaysian university students. Asian J Psychiatr. 2013; 6(4):318-23. doi: https://doi.org/10.1016/j.ajp.2013.01.014.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

Os participantes classificados com baixo apoio social apresentaram razão de prevalência mais elevada do que aqueles com alto apoio social. Outros estudos têm evidenciado que o suporte social insuficiente também foi considerado um importante fator associado à ocorrência de depressão2323. Silva AG, Cerqueira AT, Lima MC. Social support and common mental disorder among medical students. Rev Bras Epidemiol. 2014;17(1):229-42. doi: https://doi.org/10.1590/1415-790x201400010018eng.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
),(2828. Shao R, He P, Ling B, Tan L, Xu L, Hou Y, et al. Prevalence of depression and anxiety and correlations between depression, anxiety, family functioning, social support and coping styles among Chinese medical students. BMC Psychol. 2020;8(1):38. doi: https://doi.org/10.1186/s40359-020-00402-8.
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
. Parte das prevalências usualmente mais elevadas de sintomas de depressão pode ser explicada por uma rotina especialmente estressante e carga horária extenuante associadas a extensos volumes de conteúdos ao longo dos estudos99. Vasconcelos TC, Dias BRT, Andrade LR, Melo GF, Barbosa L, Souza E. Prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med. 2015;39(1):135-42., ao contato direto com pessoas doentes e ao fato de o estudante residir muitas vezes sozinho e estar afastado dos familiares3030. Santos FS, Maia CRC, Faedo FC, Gomes GPC, Nunes ME, Oliveira MVM. Estresse em estudantes de cursos preparatórios e de graduação em Medicina. Rev Bras Educ Med . 2017;41(2):194-200. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41n2RB20150047.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Todas essas condições podem ser total ou parcialmente compensadas por suporte social presente e efetivo, incluindo apoio familiar e de grupos diversos3131. Zhong Y, Schroeder E, Gao Y, Guo X, Gu Y. Social support, health literacy and depressive symptoms among medical students: an analysis of mediating effects. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(2):633. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph18020633.
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
.

As características de bidirecionalidade dos estudos transversais prejudicam as interpretações do desfecho com os hábitos de vida. A análise de atividade física mostrou significância limítrofe no presente estudo, embora outras investigações tenham relatado que indivíduos ativos estavam protegidos contra a ocorrência de sofrimento mental3232. Schuch FB, Stubbs B, Meyer J, Heissel A, Zech P, Vancampfort D, et al. Physical activity protects from incident anxiety: a meta-analysis of prospective cohort studies. Depress Anxiety. 2019;36(9):846-58. doi: https://doi.org/10.1002/da.22915.
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
),(3333. Porras-Segovia A, Rivera M, Molina E, López-Chaves D, Gutiérrez B, Cervilla J. Physical exercise and body mass index as correlates of major depressive disorder in community-dwelling adults: results from the PISMA-ep study. J Affect Disord. 2019;251:263-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.jad.2019.01.050.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
.

A análise também mostrou associação entre fumantes e ex-fumantes com depressão e corroborou achados de outros estudos, com importante prevalência do tabagismo, uso de outras substâncias3434. Góralska K, Gawor W, Lis S, Oszczygieł M, Boroński A, Brzeziańska-Lasota E. Evaluation of medical students’ knowledge of psychoactive substances in the context of their future role in addiction prevention and therapy. New Bioeth. 2021;27(2):133-47. doi: https://doi.org/10.1080/20502877.2021.1911740.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
e problemas decorrentes do consumo de álcool3535. Lenoir AL, Giet D. Alcohol consumption in medical community. Rev Med Liege. 2019;74(5-6):253-7. entre os acadêmicos de Medicina, sendo necessário estabelecer estratégias preventivas e de cessação mais efetivas a fim de tentar reduzir esses hábitos entre os futuros médicos3636. Stramari LM, Kurtz M, Silva LC. Prevalence of and variables related to smoking among medical students at a university in the city of Passo Fundo, Brazil. J Bras Pneumol. 2009;35(5):442-8. doi: https://doi.org/10.1590/s1806-37132009000500009.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. A reversibilidade causal impede a extrapolação dos achados aqui apresentados para inferências causais, mas o uso de substâncias pode ser, eventualmente, compreendido como necessidade de modulação da atividade cerebral, diante da percepção de sintomas já vigentes3737. Feingold D, Weinstein A. Cannabis and depression. Adv Exp Med Biol. 2021;1264:67-80. https://doi.org/10.1007/978-3-030-57369-0_5.
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
.

Os estudos conduzidos no Brasil citados no presente estudo não incluíram a autopercepção de saúde na análise. A autopercepção de saúde classificada como razoável e ruim também estava associada à maior prevalência de depressão. A autopercepção de saúde das condições de saúde física também estava associada à depressão nos estudos de Hossain et al.3838. Hossain S, Anjum A, Hasan MT, Uddin ME, Hossain MS, Sikder MT. Self-perception of physical health conditions and its association with depression and anxiety among Bangladeshi university students. J Affect Disord . 2020;15;263:282-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.jad.2019.11.153.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, constatando-se uma escassez na literatura sobre a autopercepção de saúde e alunos de Medicina.

A principal limitação do estudo se referiu à sua representação, incluindo alunos de uma universidade que exige pagamento de mensalidade. Porém, o estudo atinge três campi, situados em diferentes municípios, com estudantes frequentando cursos relativamente novos e de região com pouca tradição no monitoramento de dados como esses. Além disso, os desfechos foram construídos sem aplicação de instrumentos diagnósticos amplamente utilizados em estudos epidemiológicos1616. Mayer FB, Santos SI, Silveira PS, Lopes MHI, Souza AR, Campos EP, et al. Factors associated to depression and anxiety in medical students: a multicenter study. BMC Med Educ. 2016;16 (1):282. doi: https://doi.org/10.1186/s12909-016-0791-1.
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
, contudo investigações consagradas também têm utilizado diagnóstico realizado por médico3939. Brito VCA, Bello-Corassa R, Stopa SR, Sardinha LMV, DahlMaria CM, Viana C. Prevalência de depressão autorreferida no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde 2019 e 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2022;31(esp 1):e2021384, . doi: https://doi.org/10.1590/SS2237-9622202200006.especial.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. O estudo foi planejado e conduzido com rigor metodológico, incluindo um número expressivo de participantes e chamando a atenção sobre o problema que parece ser generalizado entre estudantes de Medicina.

A educação médica é conhecida por ser altamente estressante e desafiadora. A principal variável modificável associada com os desfechos do estudo foi apoio social. Assim, parece essencial ampliar e favorecer o apoio social, incentivando o aporte emocional para lidar com problemas e tomar decisões, promover interações sociais para trocas de alegrias e tristezas. Sugerem-se estratégias como programas de mentoring, serviços de apoio psicológico e até mesmo o desenvolvimento de novas propostas pedagógicas, centradas nos alunos, por meio de pequenos grupos, com a participação ativa dos estudantes no processo ensino-aprendizagem, de modo a tornar o ambiente universitário saudável e acolhedor2424. Aragão JA, Freire MRM, Farias LGN, Diniz SS, Aragão FMS, Aragão ICS, et al. Prevalence of depressive symptoms among medical students taught using problem-based learning versus traditional methods. Int J Psychiatry Clin Pract. 2018;22(2):123-8. doi: https://doi.org/10.1080/13651501.2017.1383438.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
.

CONCLUSÃO

A prevalência de depressão foi elevada, demonstrando o sofrimento psíquico entre estudantes dos cursos de Medicina, e, por isso, é importante que as escolas conheçam essa realidade. A variável associada aos desfechos passível de modificação foi apoio social, indicando a importância da implantação de estratégias que minimizem o problema e a elaboração de políticas e ações com aconselhamento educacional e apoio psicológico para os alunos.

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    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Maira Nazima.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2023
  • Aceito
    21 Mar 2024
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