RESUMO
Objetivo:
investigar as principais causas e situações de risco mais comuns relacionadas aos acidentes na infância, em nossa realidade local.
Métodos:
estudo observacional, transversal, retrospectivo, descritivo e analítico, a partir dos prontuários médicos de pacientes atendidos nos serviços de urgências pediátricas do complexo hospitalar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, no ano de 2016. Foram incluídos os atendimentos de pacientes de zero a 15 anos de idade que haviam recebido atendimento médico relacionado a acidentes, determinando-se idade, sexo, tipo de acidente, período do dia e ambiente onde aconteceu o acidente e histórico de acidentes pregressos.
Resultados:
do total de atendimentos com registros adequados no prontuário, 936 (27,5%) estavam relacionados a acidentes: 588 (62,8%) em pacientes do sexo masculino e 348 (37,2%) em pacientes do sexo feminino. Quanto à idade, 490 (52,3%) acidentes ocorreram com crianças de zero a cinco anos, 245 (26,2%) com crianças de seis a dez anos e 201 (21,5%) com crianças com mais de dez anos de idade. Quedas e traumas locais foram os tipos de acidentes mais comuns em todas as faixas etárias analisadas. A maior parte dos acidentes ocorreu à tarde (46,1%), em casa (60,7%), e 26,6% dos pacientes apresentavam antecedentes de acidentes prévios.
Conclusão:
os acidentes foram responsáveis por grande parcela dos atendimentos de urgência. A elevada taxa de pacientes com registros de acidentes prévios indica a exposição repetida destas crianças às situações de risco.
Descritores:
Prevenção de Acidentes; Saúde da Criança; Prevenção & controle; Pesquisa sobre Serviços de Saúde
ABSTRACT
Objective:
to investigate the main causes and most common risk situations related to childhood accidents, in our local reality.
Methods:
an observational, cross-sectional, retrospective, descriptive, and analytical study from the medical records of patients attended in the pediatric emergency services of the hospital complex of Hospital das Clínicas, Botucatu Medical School - UNESP, in 2016. We included patients from zero to 15 years old who had received medical care related to accidents, determining age, gender, type of accident, period of the day, accident place, and history of previous accidents.
Results:
considering all consultations with appropriate medical records, 936 (27.5%) were related to accidents: 588 (62.8%) in male patients and 348 (37.2%) in female patients. As to age, 490 (52.3%) happened with children from zero to five years, 245 (26.2%) with children from six to ten years, and 201 (21.5%) with children over ten years. Falls and local traumas were the most common types of accidents in all analyzed age groups. Most accidents occurred in the afternoon (46.1%), at home (60.7%), and 26.6% of the patients had a history of previous accidents.
Conclusion:
accidents were responsible for a large portion of urgent care. The high rate of patients with previous accident records indicated the repeated exposure of these children to risk situations.
Keywords:
Accident Prevention; Child Health; Prevention & control; Health Services Research
INTRODUÇÃO
Os acidentes na infância representam um grave problema para o sistema de saúde em todo o mundo11 Alonge O, Hyder AA. Reducing the global burden of childhood unintentional injuries. Arch Dis Child. 2014;99(1):62-9.
2 Heaton K. Using theory to guide injury prevention activities. J Emerg Nurs. 2011;37(3):278-9.-33 Hong J, Lee B, Ha EH, Park H. Parental socioeconomic status and unintentional injury deaths in early childhood: consideration of injury mechanisms, age at death, and gender. Accid Anal Prev. 2010;42(1):313-9.. Lesões não intencionais são as maiores causas de morbidade e mortalidade na infância, correspondendo a cerca de 25% das causas de mortes entre crianças de cinco e nove anos de idade44 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman F, et al, editors. World report on child injury prevention [Internet]. Genebra: WHO; UNICEF; 2008 [cited 2019 Jan 4]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/
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. Dados da Organização Mundial de Saúde demonstram que os acidentes na infância são responsáveis por aproximadamente 830.000 mortes por ano44 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman F, et al, editors. World report on child injury prevention [Internet]. Genebra: WHO; UNICEF; 2008 [cited 2019 Jan 4]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/
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No Brasil, os acidentes de trânsito e os afogamentos são as principais causas de mortalidade, seguidos por sufocações, queimaduras, quedas e intoxicações55 Criança Segura Brasil [Internet]. Os acidentes em números: conheça os dados sobre acidentes. São Paulo (SP): Criança Segura Brasil. c2019 - [cited 2019 Jan 4]. Disponível em: https://criancasegura.org.br/dados-de-acidentes/
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. Dados do Ministério da Saúde revelam que, por ano, 4,7 mil crianças morrem e 125 mil são hospitalizadas vítimas de acidentes66 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. 2a ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2005.. O traumatismo chega a ser responsável por 19,5% da mortalidade de crianças até a adolescência e, na faixa dos cinco aos 19 anos de idade, representa a principal causa de morte77 Baracat EC, Paraschin K, Nogueira RJ, Reis MC, Fraga AM, Sperotto G. [Accidents with children in the region of Campinas, Brazil]. J Pediatr (Rio J). 2000;76(5):368-74. Portuguese..
Aproximadamente 90% das lesões não intencionais podem ser evitadas por meio de medidas de prevenção44 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman F, et al, editors. World report on child injury prevention [Internet]. Genebra: WHO; UNICEF; 2008 [cited 2019 Jan 4]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/
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. Vários estudos comprovam a redução nos índices de acidentes após implantação de estratégias de prevenção educacionais, legislativas e ambientais88 Ameratunga SN, Peden M. World report on child injury prevention: a wake-up call. Injury. 2009;40(5):469-70.
9 Mytton J, Towner E, Brussoni M, Gray S. Unintentional injuries in school-aged children and adolescents: lessons from a systematic review of cohort studies. Inj Prev. 2009;15(2):111-24.
10 Roberts YH, Huang CY, Crusto CA, Kaufman JS. Health, emergency department use, and early identification of young children exposed to trauma. J Emerg Med. 2014;46(5):719-24.-1111 Chandran A, Khan UR, Zia N, Feroze A, de Ramirez SS, Huang CM, et al. Disseminating childhood home injury risk reduction information in Pakistan: results from a community-based pilot study. Int J Environ Res Public Health. 2013;10(3):1113-24.. Estas atividades de prevenção podem ser otimizadas se elaboradas com base em aspectos da realidade local, considerando os principais fatores de risco e as situações cotidianas relacionadas à ocorrência de acidentes44 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman F, et al, editors. World report on child injury prevention [Internet]. Genebra: WHO; UNICEF; 2008 [cited 2019 Jan 4]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/
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Entretanto, em nível nacional, este tipo de informação ainda é limitado, com poucas casuísticas publicadas. Nosso grupo tem desenvolvido, desde 2014, atividades de prevenção de acidentes na infância em escolas de ensino fundamental, direcionadas para pais, alunos e professores do sexto ano1212 Lourenção PLTA, Ortolan EVP, Caponi CA, Choaib ML, Oliveira Junior WE. Prevenção de acidentes com crianças: uma campanha educativa nas escolas de ensino fundamental de Botucatu/SP. In: de Castro RM. Extensão Universitária e Saúde. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2018. p. 83-100.. Desta forma, nós decidimos investigar quais são as principais causas e as situações de risco mais comuns relacionadas aos acidentes na infância, em nossa realidade local, em uma cidade de médio porte, da região Sudeste do Brasil.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo observacional, transversal, retrospectivo, descritivo e analítico, a partir dos prontuários médicos de pacientes atendidos nos serviços de urgências pediátricas do complexo hospitalar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (HC-FMB-UNESP), no ano de 2016. Estes atendimentos foram realizados em dois locais: no Pronto Socorro Infantil do Hospital do Bairro, da cidade de Botucatu - SP e no Pronto Socorro Infantil Referenciado, localizado no HC-FMB-UNESP.
Foram incluídos os atendimentos de pacientes com idade de zero a 15 anos, que haviam recebido atendimento médico relacionado a algum dos seguintes tipos de acidentes: quedas, afogamentos, queimaduras, intoxicações exógenas, acidentes com corpos estranhos, acidentes de trânsito, traumas locais, agressões físicas entre crianças e acidentes com animais. Os traumas locais incluíram ferimentos cortantes, corto-contusos e contusões locais, sem relação direta com nenhum outro tipo de acidente. Os acidentes com corpos estranhos incluíram a ingestão, a aspiração e a colocação de corpos estranhos no ouvido. Os acidentes com animais compreenderam as mordeduras por cães ou por outros animais e as picadas de insetos peçonhentos. As queimaduras incluíram lesões térmicas, químicas e elétricas. As intoxicações exógenas incluíram acidentes relacionados à exposição a agentes químicos, inclusive as substâncias cáusticas. Os acidentes de trânsito incluíram acidentes automobilísticos envolvendo crianças como passageiros de veículos e os atropelamentos. As agressões físicas foram representadas por agressões entre crianças, sem incluir casos de violência praticada por adultos. Foram excluídos os atendimentos que não apresentavam registro adequado de informações. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (CAAE nº 55911316.7.0000.5411).
As consultas de urgência relacionadas aos acidentes foram analisadas de forma detalhada para obtenção das seguintes informações: idade, sexo, tipo de acidente, período de ocorrência do acidente (matutino, vespertino e noturno), região do corpo atingida, ambiente de ocorrência do acidente, diagnóstico médico definido pela Classificação Internacional de Doenças (CID) e histórico de acidentes pregressos envolvendo a própria criança.
Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística descritiva e analítica. Variáveis quantitativas foram representadas por números absolutos e respectivos valores percentuais. Foram determinados valores de média (± desvios padrão) e mediana (mínimo/máximo). Diferenças entre proporções foram analisadas por meio do teste binomial. A comparação estatística entre as idades dos pacientes de acordo com sexo, tipo de acidente e região do corpo acometida foi realizada pelo do teste de Mann-Whitney, após comprovação da distribuição não paramétrica dos dados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. O nível de significância considerado foi de 5% e a análise foi realizada no software SPSS 22.0 for Windows.
RESULTADOS
Foram revisados 3612 atendimentos médicos de urgência envolvendo crianças, registrados no ano de 2016. Foram excluídos 213 atendimentos, por não apresentarem informações mínimas nos prontuários médicos. Novecentos e trinta e seis (27,5%) atendimentos estavam relacionados a acidentes. Destes, 588 (62,8%) ocorreram em pacientes do sexo masculino e 348 (37,2%) em pacientes do sexo feminino. A média de idade foi de 71,7 (± 51,7) meses, com mediana de 60 (1 a 180) meses. Na estratificação por sexo, não houve diferença estatisticamente significativa entre as idades dos pacientes (p=0,636). Quatrocentos e noventa (52,3%) acidentes ocorreram com crianças de zero a cinco anos, 245 (26,2%) com crianças de seis a dez anos e 201 (21,5%) com crianças de dez a 15 anos de idade.
A tabela 1 apresenta a distribuição dos acidentes, estratificados pelo tipo de acidente, e os respectivos valores de média e mediana de idade dos pacientes. A figura 1 apresenta a distribuição percentual dos tipos de acidentes, por faixas etárias. Quedas e traumas locais foram os tipos de acidentes mais comuns em todas as faixas etárias analisadas. O grupo de pacientes que sofreu quedas, traumas locais ou que foram vítimas de agressões foi composto por crianças com idade mais elevada do que o grupo de pacientes vítimas de acidentes relacionados a corpos estranhos e intoxicações exógenas (p=0,003).
Distribuição dos tipos de acidentes de acordo com as faixas etárias: A) de 0 a 5 anos; B) de 6 a 10 anos; e C) >10 anos de idade.
A distribuição dos tipos de acidentes, de acordo com o sexo, é apresentada na tabela 2. Nota-se proporção mais elevada, com significância estatística, de meninos vítimas de quedas, traumas locais e acidentes com animais.
A tabela 3 apresenta a distribuição dos tipos de acidentes de acordo com características específicas e com os diagnósticos médicos estabelecidos pela CID. A região de cabeça, face e pescoço, incluindo os traumatismos cranioencefálicos, foi a mais atingida pelos acidentes causados por quedas. Os traumas locais estiveram mais relacionados às lesões que acometeram os membros superiores e inferiores. Os politraumatismos, por outro lado, acometeram principalmente crianças vítimas de acidentes de trânsito. As vítimas de acidentes que atingiram a região da cabeça e do pescoço apresentaram idade significativamente menor do que as vítimas de lesões em outras regiões do corpo (p<0,001).
Distribuição dos tipos de acidente de acordo com características próprias e com os diagnósticos estabelecidos pela Classificação Internacional de Doenças (CID).
A tabela 4 apresenta a distribuição dos acidentes de acordo com o período do dia e ambiente de ocorrência. Quinhentos e dois (53,6%) atendimentos traziam informações sobre o período do dia em que o mesmo ocorreu e 397 (42,4%) referiam informações sobre o ambiente de sua ocorrência.
A figura 2 representa a distribuição percentual dos tipos de acidentes de acordo com o ambiente de ocorrência.
Distribuição dos tipos de acidentes de acordo com os locais de ocorrência: A) casa; B) rua; C) escola; e D) clube, parques ou quadras esportivas.
Novecentos e quatorze (97,6%) atendimentos traziam informações sobre a ocorrência de outros acidentes ao longo da vida. Duzentos e quarenta e três (26,6%) apresentavam história positiva para acidentes prévios. Nenhum dos pacientes analisados evoluiu para óbito.
DISCUSSÃO
Nosso estudo apresenta o perfil dos acidentes na infância, atendidos nos dois serviços de urgência do complexo hospitalar do HC-FMB-UNESP. Estes serviços atendem pacientes da cidade de Botucatu, município de médio porte, do interior do Estado de São Paulo, e são referência em nível terciário, pelo Sistema Único de Saúde, para o atendimento de uma região com população estimada em até dois milhões de pessoas1313 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP [Internet]. Disponível em: http://www.hcfmb.unesp.br. Acesso em: 04 de janeiro de 2019.
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. A parcela de atendimentos referentes a acidentes na infância foi bastante significativa, representando 27,5% de todos os atendimentos de urgência realizados no ano de 2016. Este índice é superior aos apresentados em outros estudos1414 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):287-94.,1515 Batalha S, Salva I, Santos J, Albuquerque C, Cunha F, Sousa H. Acidentes em crianças e jovens, que contexto e que abordagem? Experiência de nove meses no serviço de urgência num hospital de nível II. Acta Pediatr Port. 2016;47:30-7., o que pode ser justificado pelas características dos serviços, que são referência para atendimento especializado de urgências em pediatria.
A maioria dos pacientes atendidos por acidentes era do sexo masculino, o que vai de encontro com outros estudos nacionais e internacionais1414 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):287-94.
15 Batalha S, Salva I, Santos J, Albuquerque C, Cunha F, Sousa H. Acidentes em crianças e jovens, que contexto e que abordagem? Experiência de nove meses no serviço de urgência num hospital de nível II. Acta Pediatr Port. 2016;47:30-7.
16 Bem MAM, Silva Júnior JL, Souza JA, Araújo EJ, Pereima ML, Quaresma ER. Epidemiologia dos pequenos traumas em crianças atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmão. ACM Arq Catarin Med. 2008;37(2);59-6.
17 Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Viegas APB, Sá NNB, Silva Junior JB. Acidentes e violência na infância: evidências do inquérito sobre atendimentos de emergência por causas externas - Brasil, 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(9):2247-58.-1818 Cleves D, Gómez C, Dávalos DM, García X, Astudillo RE. Pediatric trauma at a general hospital in Cali, Colombia. J Pediatr Surg. 2016;51(8):1341-5.. Isso pode ser justificado pelo aspecto cultural das principais atividades e brincadeiras executadas pelos meninos, que habitualmente envolvem maior exposição à força, velocidade e impacto corporal1414 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):287-94.. Em contraponto, é interessante observar que houve predominância do sexo feminino para os atendimentos que envolviam agressões entre crianças, o que demonstra que os indivíduos de ambos os sexos estão expostos a desentendimentos e eventuais danos causados por agressões físicas. Os dados registrados nos atendimentos não foram suficientes para se analisar o sexo da criança que havia praticado a agressão.
A faixa etária mais acometida pelos acidentes envolveu crianças com até cinco anos de idade. Este achado, também demonstrado em outros estudos1616 Bem MAM, Silva Júnior JL, Souza JA, Araújo EJ, Pereima ML, Quaresma ER. Epidemiologia dos pequenos traumas em crianças atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmão. ACM Arq Catarin Med. 2008;37(2);59-6.,1919 Martins CB, Andrade SM. Epidemiologia dos acidentes e violência entre menores de 15 anos em município da região sul do Brasil. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(4):530-7.,2020 Barros MD, Ximenes R, Lima ML. Mortalidade por causas externas em crianças e adolescentes: tendências de 1979 a 1995. Rev Saúde Pública. 2001;35(2):142-9., pode ser justificado pelo fato de que as crianças desta faixa etária possuem entendimento limitado sobre a exposição a potenciais riscos. Tipicamente apresentam pensamentos mágicos, com percepção egocêntrica e uma lógica própria de interpretação do ambiente, fatores que podem favorecer a ocorrência de determinados tipos de acidentes, principalmente as quedas1616 Bem MAM, Silva Júnior JL, Souza JA, Araújo EJ, Pereima ML, Quaresma ER. Epidemiologia dos pequenos traumas em crianças atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmão. ACM Arq Catarin Med. 2008;37(2);59-6..
Os tipos de acidentes mais comuns, em todas as faixas etárias analisadas, foram quedas e traumas locais. Isso vai de encontro à maioria dos levantamentos publicados1414 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):287-94.
15 Batalha S, Salva I, Santos J, Albuquerque C, Cunha F, Sousa H. Acidentes em crianças e jovens, que contexto e que abordagem? Experiência de nove meses no serviço de urgência num hospital de nível II. Acta Pediatr Port. 2016;47:30-7.
16 Bem MAM, Silva Júnior JL, Souza JA, Araújo EJ, Pereima ML, Quaresma ER. Epidemiologia dos pequenos traumas em crianças atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmão. ACM Arq Catarin Med. 2008;37(2);59-6.-1717 Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Viegas APB, Sá NNB, Silva Junior JB. Acidentes e violência na infância: evidências do inquérito sobre atendimentos de emergência por causas externas - Brasil, 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(9):2247-58., confirmando que as quedas representam o principal mecanismo de trauma na infância, podendo causar inúmeras lesões, algumas vezes bastante graves1414 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):287-94.. No Brasil, a proporção de quedas entre pacientes menores de 15 anos de idade foi a maior causa de hospitalizações no ano de 2017, em todas as faixas etárias515 Batalha S, Salva I, Santos J, Albuquerque C, Cunha F, Sousa H. Acidentes em crianças e jovens, que contexto e que abordagem? Experiência de nove meses no serviço de urgência num hospital de nível II. Acta Pediatr Port. 2016;47:30-7.. Os traumas locais, por sua vez, incluem traumas contusos, cortantes e corto-contusos, resultados de contatos e colisões. Esse tipo de acidente também foi bastante comum em outros levantamentos1515 Batalha S, Salva I, Santos J, Albuquerque C, Cunha F, Sousa H. Acidentes em crianças e jovens, que contexto e que abordagem? Experiência de nove meses no serviço de urgência num hospital de nível II. Acta Pediatr Port. 2016;47:30-7.,1613 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP [Internet]. Disponível em: http://www.hcfmb.unesp.br. Acesso em: 04 de janeiro de 2019.
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. Em nosso estudo, houve aumento proporcional de sua incidência com o aumento da idade, sendo mais comum em crianças com mais de dez anos de idade. Além disso, os traumas locais ocorreram mais comumente em ambientes fora do domicílio, como na rua, escola e em quadras esportivas e parques, o que pode ser justificado por estarem associados a atividades mais dinâmicas, como brincadeiras ao ar livre e esportes.
O número elevado de acidentes relacionados a corpos estranhos, representados principalmente pela sua ingestão e impactação no tubo digestório, demonstra o quanto esse tipo de acidente é comum na infância, principalmente em crianças abaixo de cinco anos, de forma semelhante ao reportado em outros estudos1414 Filócomo FRF, Harada MJCS, Mantovani R, Ohara CVS. Perfil dos acidentes na infância e adolescência atendidos em um hospital público. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):287-94.,2121 Sousa STEV, Ribeiro VS, Menezes Filho JM, Santos AM, Barbieri MA, Figueiredo Neto JA. Aspiração de corpo estranho por menores de 15 anos: experiência de um centro de referência no Brasil. J Bras Pneumol. 2009;35(7):653-9.,2222 Kramer RE, Lerner DG, Lin T, Manfredi M, Shah M, Stephen TC, Gibbons TE, Pall H, Sahn B, McOmber M, Zacur G, Friedlander J, Quiros AJ, Fishman DS, Mamula P; North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition Endoscopy Committee. Management of ingested foreign bodies in children: a clinical report of the NASPGHAN Endoscopy Committee. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;60(4):562-74.. Os pacientes que foram vítimas de intoxicações ou de acidentes por corpos estranhos eram mais jovens do que aqueles que sofreram os outros tipos de acidentes. Isso pode ser justificado pelo fato de que as crianças até os cinco anos de idade comumente apresentam curiosidade aguçada, buscando conhecer novas coisas, muitas vezes levando esta nova "descoberta" à boca. Desta forma, objetos como moedas, baterias em disco, pregos ou substâncias tóxicas, como a soda cáustica, são ingeridos acidentalmente, podendo levar a lesões graves, com elevada morbimortalidade2222 Kramer RE, Lerner DG, Lin T, Manfredi M, Shah M, Stephen TC, Gibbons TE, Pall H, Sahn B, McOmber M, Zacur G, Friedlander J, Quiros AJ, Fishman DS, Mamula P; North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition Endoscopy Committee. Management of ingested foreign bodies in children: a clinical report of the NASPGHAN Endoscopy Committee. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;60(4):562-74.
23 Schvartsman C, Schvartsman S. Intoxicações exógenas agudas. J Pediatr (Rio J). 1999;75 Supl 2:244-50.-2424 Arnold M, Numanoglu A. Caustic ingestion in children-A review. Semin Pediatr Surg. 2017;26(2):95-104.. Cabe ressaltar que os indicadores relativos aos acidentes com corpos estranhos podem ter sido influenciados pelas características do nosso centro, que atua como uma das poucas referências para o tratamento de urgências endoscópicas em toda a região.
Os tipos de acidentes e os respectivos mecanismos de trauma relacionados tiveram influência direta na topografia das lesões. As quedas estiveram mais relacionadas a lesões na cabeça, face e pescoço. Os traumatismos locais levaram a um número maior de lesões em membros superiores e inferiores. Os politraumatismos, por sua vez, estiveram mais presentes em vítimas de acidentes de trânsito. É interessante notar, também, que as lesões do segmento cefálico foram mais frequentes em crianças mais jovens, quando comparados aos outros segmentos corpóreos. Isso pode ser justificado pela maior relação entre o tamanho da cabeça e o restante do corpo, típica de crianças mais jovens, tornando mais provável uma lesão deste segmento corpóreo2525 Huelke DF. An overview of anatomical considerations of infants and children in the adult world of automobile safety design. Annu Proc Assoc Adv Automot Med. 1998;42:93-113..
Da mesma forma que evidenciado por outros estudos, a maioria dos acidentes ocorreu no período da tarde, dentro do domicílio1515 Batalha S, Salva I, Santos J, Albuquerque C, Cunha F, Sousa H. Acidentes em crianças e jovens, que contexto e que abordagem? Experiência de nove meses no serviço de urgência num hospital de nível II. Acta Pediatr Port. 2016;47:30-7.,1616 Bem MAM, Silva Júnior JL, Souza JA, Araújo EJ, Pereima ML, Quaresma ER. Epidemiologia dos pequenos traumas em crianças atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmão. ACM Arq Catarin Med. 2008;37(2);59-6.. Provavelmente, no período da tarde, as crianças estão no ápice de suas atividades, dentro de casa, depois de retornarem do período escolar, e provavelmente sem supervisão. Não haviam informações suficientes nos prontuários analisados a respeito da supervisão das crianças, nos momentos de ocorrência dos acidentes, impedindo uma análise mais específica sobre esse aspecto.
Apesar de os acidentes representarem a principal causa de mortalidade na infância44 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman F, et al, editors. World report on child injury prevention [Internet]. Genebra: WHO; UNICEF; 2008 [cited 2019 Jan 4]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/
https://www.who.int/violence_injury_prev...
5 Criança Segura Brasil [Internet]. Os acidentes em números: conheça os dados sobre acidentes. São Paulo (SP): Criança Segura Brasil. c2019 - [cited 2019 Jan 4]. Disponível em: https://criancasegura.org.br/dados-de-acidentes/
https://criancasegura.org.br/dados-de-ac...
-66 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. 2a ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2005., em nosso levantamento, não houve nenhum óbito registrado nos atendimentos analisados. Vale ressaltar que foram analisados apenas os atendimentos iniciais dos serviços de urgência, e não os dados relacionados a eventuais internações hospitalares em enfermarias ou unidades de terapia intensiva.
A elevada taxa de pacientes que possuíam registros de terem sido vítimas de acidentes pregressos representa, sem dúvida, a exposição repetida destes pacientes à situações de risco. Evitar este tipo de exposição é o principal objetivo das atividades de prevenção, que representam a melhor forma de tratamento para este problema de saúde pública22 Heaton K. Using theory to guide injury prevention activities. J Emerg Nurs. 2011;37(3):278-9.,44 Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman F, et al, editors. World report on child injury prevention [Internet]. Genebra: WHO; UNICEF; 2008 [cited 2019 Jan 4]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/
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,2626 Mickalide A, Carr K. Safe Kids Worldwide: preventing unintentional childhood injuries across the globe. Pediatr Clin North Am. 2012;59(6):1367-80.. Por tudo isso, acreditamos que este levantamento de dados possa contribuir positivamente, ao fornecer dados do perfil dos atendimentos por acidentes em crianças atendidas em uma cidade de médio porte brasileira, podendo direcionar futuras atividades de prevenção.
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Fonte de financiamento: nenhuma.
REFERÊNCIAS
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1Alonge O, Hyder AA. Reducing the global burden of childhood unintentional injuries. Arch Dis Child. 2014;99(1):62-9.
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2Heaton K. Using theory to guide injury prevention activities. J Emerg Nurs. 2011;37(3):278-9.
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3Hong J, Lee B, Ha EH, Park H. Parental socioeconomic status and unintentional injury deaths in early childhood: consideration of injury mechanisms, age at death, and gender. Accid Anal Prev. 2010;42(1):313-9.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Abr 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
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Recebido
04 Jan 2019 -
Aceito
27 Jan 2019