Resumos
OBJETIVO: Avaliar fatores de risco cardiometabólicos durante a gestação normal, observando a influência da obesidade materna sobre os mesmos.
MÉTODOS: Estudo realizado com 25 gestantes sadias com gestação única e idade gestacional inferior a 20 semanas. Foi feita análise longitudinal de pressão arterial, peso, índice de massa corporal (IMC), concentrações séricas de leptina, adiponectina, cortisol, colesterol total e frações, triglicérides, ácido úrico, glicose de jejum, teste oral de tolerância à glicose, HOMA-IR e relação insulina/glicose nos três trimestres da gestação. Para avaliação da influência da obesidade, as gestantes foram divididas em dois grupos baseados no IMC do primeiro trimestre: grupo com peso normal (Gpn) para gestantes com IMC<25 kg/m2 e grupo com sobrepeso/obesidade (Gso) para IMC≥25 kg/m2. Foram utilizados testes ANOVA de um fator para medidas repetidas ou teste de Friedman e os testest de Student ou de Mann-Whitney para análises estatísticas comparativas e teste de Pearson para correlações.
RESULTADOS: A média de idade foi de 22 anos. Os valores médios para o primeiro trimestre foram: peso 66,3 kg e IMC 26,4 kg/m2, sendo 20,2 kg/m2do Gpn e 30,7 kg/m2 do Gso. A média do ganho de peso foi de 12,7 kg (10,3 kg para Gso e 15,2 Kg para Gpn). Os níveis de cortisol, ácido úrico e lipidograma elevaram-se nos trimestres, com exceção do HDL-colesterol que não se alterou. A pressão arterial, insulina e HOMA-IR sofreram elevação apenas no terceiro trimestre. O grupo Gso mostrou tendência a maior ganho de peso, apresentou concentrações de leptina, colesterol total, LDL-colesterol, VLDL-colesterol, TG, glicemia jejum e insulina mais elevados, maior HOMA-IR, além de reduzida concentração de HDL-colesterol e pressão arterial diastólica mais elevada no 3° trimestre. Três gestantes desenvolveram hipertensão gestacional, apresentaram obesidade pré-gestacional, ganho excessivo de peso, hiperleptinemia e relação insulina/glicose maior que dois. O peso e o IMC apresentaram correlação positiva com colesterol total e sua fração LDL, TG, ácido úrico, glicemia jejum, insulina e HOMA-IR; e negativa com adiponectina e HDL-colesterol. Leptina apresentou correlação positiva com pressão arterial.
CONCLUSÕES: As alterações metabólicas da gestação são mais expressivas entre as gestantes obesas, o que as torna mais propensas às complicações cardiometabólicas. As mulheres obesas devem ser esclarecidas sobre esses riscos e diante de uma gestante obesa, na primeira consulta de pré-natal, o cálculo do IMC, bem como da relação insulina/glicose e o lipidograma devem ser solicitados, a fim de identificar a gestante de maior risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Gravidez; Obesidade; Leptina; Adiponectina; Hipertensão; Fatores de risco
PURPOSE: To assess cardiometabolic risk factors during normal pregnancy and the influence of maternal obesity on them.
METHODS: This study included 25 healthy pregnant women with a single pregnancy and a gestational age of less than twenty weeks. Longitudinal analysis of blood pressure, body weight, body mass index (BMI), serum concentrations of leptin, adiponectin, cortisol, total cholesterol and fractions, triglycerides, uric acid, fasting glucose, oral glucose tolerance test, HOMA-IR and insulin/glucose ratio was performed each trimester during pregnancy. In order to evaluate the impact of obesity, pregnant women were divided into two groups based on BMI for the first quarter of pregnancy: Gpn for pregnant women with BMI<25 kg/m2 and Gso for BMI≥25 kg/m2. One-Way ANOVA for repeated measurements or Friedman test and Student-t or Mann-Whitney tests for statistical comparisons and Pearson correlations test were used for statistical analysis.
RESULTS: The mean values for the first quarter of pregnancy for the following parameters were: age: 22 years; weight: 66.3 kg and BMI 26.4 kg/m2, with 20.2 and 30.7 kg/m2 for the Gpn and Gso groups, respectively. Mean weight gain during pregnancy was ±12.7 kg with 10.3 kg for the Gso group and 15.2 kg for the Gpn group. Regarding plasma determinations, cortisol, uric acid and lipid profile increased during all trimesters of pregnancy, except for HDL-cholesterol, which did not change. Blood pressure, insulin and HOMA-IR only increased in the third quarter of pregnancy. The Gso group tended to gain more weight and to show higher concentrations of leptin, total cholesterol, LDL-cholesterol, VLDL-cholesterol, TG, glucose, insulin, HOMA-IR, besides lower HDL-cholesterol and greater diastolic blood pressure in the 3rdquarter of pregnancy. Three pregnant women developed gestational hypertension, presented prepregnancy obesity, excessive weight gain, hyperleptinemia and an insulin/glucose ratio greater than two. Weight and BMI were positively correlated with total cholesterol and its LDL fraction, TG, uric acid, fasting blood glucose, insulin and HOMA-IR; and were negatively correlated with adiponectin and HDL-cholesterol. Leptin level was positively correlated with blood pressure.
CONCLUSIONS: The metabolic changes in pregnancy are more significant in obese women, suggesting, as expected, an increased risk of cardiometabolic complications. During their first visit for prenatal care, obese women should be informed about these risks, have their BMI and insulin/glucose ratio calculated along with their lipid profile to identify pregnant women at higher risk for cardiovascular diseases.
Pregnancy; Obesity; Leptin; Adiponectin; Hypertension; Risk factors
Introdução
Atualmente, observa-se tendência crescente na prevalência de obesidade no mundo e também no Brasil. Segundo pesquisa do Ministério da Saúde, 15,8% da população brasileira é obesa, enquanto 52% dos homens e 45% das mulheres estão com sobrepeso, independente de classe social ou idade1.
Entre os indivíduos com sobrepeso e obesidade identificou-se, nas últimas décadas, uma relação expressiva entre a gordura visceral abdominal e a resistência insulínica (RI), a hipertensão arterial (HA) e a dislipidemia. A RI, a HA e a dislipidemia formam um grupo heterogêneo de manifestações denominado inicialmente de "síndrome X", sendo posteriormente denominado de "síndrome metabólica" (SM). A SM descreve um conjunto de transtornos clínicos e metabólicos ligados à RI e relacionados a fatores de risco cardiometabólicos, que predizem a doença cardiovascular e/ou diabetesmellitus 2,3.
A gravidez humana é caracterizada por hiperinsulinemia progressiva. Isso se deve à crescente concentração de estrogênio e progesterona, juntamente com RI induzida pelas crescentes concentrações de cortisol, gonadotrofina coriônica e hormônio lactogênio placentário, e decrescente concentração de adiponectina4. Essas alterações hormonais, que interagem entre si, criam mudanças no metabolismo materno, entre as quais se destaca a ativação do mecanismo de lipólise na segunda fase da gestação, a fim de garantir os nutrientes adequados para o feto4.
Devido à lipólise, muitos ácidos graxos livres (AGL) são liberados pelo tecido adiposo, associando-se à RI. O aumento dos triglicérides (TG) e AGL pode desencadear o depósito ectópico de TG no fígado e no miocárdio. A mudança do perfil glicolipídico, embora fisiológica, gera maior risco cardiovascular quando descontrolada. A obesidade pode ser o gatilho para este descontrole. McIntyre et al.5 afirmam, em seu estudo, que a gravidez tem um efeito potencializador sobre a relação entre IMC e RI, devido possivelmente à situação nutricional da mãe.
Muitas gestantes já apresentam obesidade ao engravidarem, enquanto outras se tornam obesas durante a gestação. Além do aumento de peso e da gordura subcutânea, uma redistribuição do tecido gorduroso materno é observada durante a gravidez normal6. A maioria das gestantes desconhece o fato de que a obesidade está associada a taxas mais elevadas de morbimortalidade materna e fetal7. Em adição, as gestantes obesas também desconhecem que intervenções comportamentais poderiam beneficiá-las na redução do ganho de peso8. O peso pré-gestacional é fator influente no ganho de peso durante a gestação, e uma vez excessivo, ele contribui não só para complicações durante a gestação (por exemplo, a pré-eclâmpsia), como também para a manutenção da obesidade após a gravidez, podendo se tornar futuramente fator causal de RI9,10.
Durante a gestação normal, tanto a placenta quanto o tecido adiposo materno secretam adipocinas, como a leptina e a adiponectina. Essas proteínas atuam no controle da ingestão alimentar e no aumento do gasto energético ao influenciar a secreção de insulina, a utilização de glicose, a síntese de glicogênio e o metabolismo de ácidos graxos11. Os estudos associados às alterações da adiponectina têm apresentado resultados divergentes. Já os estudos que abordam a leptina12 mostram que os seus níveis aumentados têm sido associados a IMC>25 kg/m2.
Com base no exposto acima, o presente estudo visa reforçar dados de estudos anteriores e contribuir para dados ainda não totalmente consolidados em relação à obesidade na gestação, especificamente em relação às alterações dos fatores de risco cardiometabólicos.
Métodos
Neste estudo, avaliou-se longitudinalmente o comportamento de variáveis classicamente relacionadas ao risco cardiometabólico, bem como as concentrações de leptina e de adiponectina em um grupo de 25 gestantes sadias, que foram acompanhadas durante o pré-natal de baixo risco da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), entre 2011 e 2012. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFTM, sob o número de protocolo 2067/2011. Todo o grupo de gestantes assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O critério de inclusão considerado foi idade gestacional (IG) inferior a 20 semanas. A IG foi dada em semanas completas, e seu cálculo foi baseado na data da última menstruação e/ou na IG do primeiro exame de ultrassonografia, caso esse exame tivesse sido realizado antes da 18ª semana de gestação. Os critérios de exclusão foram gestação múltipla e ocorrência de doença cardiometabólica prévia. Exames preliminares, como função renal, hepática e tireoidiana, hemograma e glicemia de jejum, foram realizados para avaliar o estado de saúde das gestantes.
Na primeira entrevista, foi calculado o índice de massa corporal (IMC) (kg/m2) do 1° trimestre (T). Baseando-se no peso pré-gestacional autorreferido, foi também calculado o IMC pré-gestacional. Considerados os IMCs do 1° T, as gestantes foram divididas em dois grupos: grupo de gestantes com peso normal (Gpn), com IMC<25 kg/m2 e grupo de gestantes com sobrepeso/ obesidade (Gso), com IMC≥25 kg/m2.
Peso e IMC foram registrados no 1° T, 2° T, 3° T e no momento do parto. A pressão arterial (PA) e os exames laboratoriais específicos para o estudo — leptina, adiponectina, cortisol, colesterol e frações, triglicérides (TG), ácido úrico, glicose de jejum, teste oral de tolerância à glicose (TOTG), relação insulina/glicose (I/G) e HOMA-IR — foram registrados apenas nos três trimestres.
A coleta de sangue do 1° T foi realizada entre a 9ª e a 20ª semanas gestacionais (média: 16ª semana); a do 2° T, entre a 24ª e a 29ª semanas gestacionais (média: 27ª semana) e a do 3° T, entre a 30ª e a 39ª semanas gestacionais (média: 35ª semana).
As amostras de sangue foram colhidas após um período de 10 a 12 horas de jejum, entre 7 e 9 horas da manhã, e foram, em seguida, encaminhadas ao laboratório do Hospital de Clínicas da UFTM. As amostras foram então centrifugadas, e o soro obtido foi separado em três alíquotas. Uma delas foi encaminhada para processamento imediato dos exames bioquímicos. Duas outras alíquotas foram armazenadas a -20°C até o momento da realização dos ensaios hormonais e das citocinas de interesse.
Os exames bioquímicos e hormonais foram realizados no laboratório do Hospital das Clínicas da UFTM, no setor de análises clínicas, empregando-se o sistema de automação Cobas 6000 (módulo E601) e Cobas E411 da Roche-Hitachi. Foi utilizado o método enzimático com hexoquinase para glicemia de jejum e teste oral de tolerância à glicose, e o método colorimétrico enzimático para colesterol e frações, TG e ácido úrico. Insulina basal, cortisol basal, TSH e T4 livre foram dosados pelo método de eletroquimioluminescência (Compendium of background information-CD, 2010), utilizando-se kits Roche Diagnostics (Indianápolis, USA), sendo os valores de referência menores que 20 µU/mL; entre 6,2 e 19,4 µg/dL; entre 0,27 e 4,2 mUI/L e entre 0,93 e 1,7 ng/dL, respectivamente.
A adiponectina foi dosada no Laboratório de Imunologia da UFTM, utilizando-se enzimoimunoensaio quantitativo (ELISA), com padrão duplo de anticorpo recombinante ekits do tipo Adiponectin Human Elisa kit ab(108789), fornecidos pela Abcam Inc. (Cambridge, USA). Os resultados foram lidos em espectrofotômetro Biorad, utilizando-se placas Benchmark plus.
A leptina foi dosada no Laboratório de Hormônio e Genética Molecular-LIM 42 do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de São Paulo-SP, empregando-se o método de enzimoimunoensaio MI e kits Human Leptin cat#EZHL-80SK, fornecidos por Millipore Corporation, (St. Charles, Missouri, USA), os quais foram calibrados com padrão da NIBSC 97/554. Os valores de referência para IMC 18 a 25 kg/m2 foram de 3,70 a 11,10 ng/mL.
O índice HOMA-IR foi calculado segundo a fórmula: glicemia de jejum (mg/dL) X insulina (µU/mL) / 405. Os valores normais de referência foram analisados de acor-do com o IMC: até 25 kg/m2, 0,40 a 2,90; IMC de 25 a 30 kg/m2, 0,40 a 4,30, e IMC maior de 30 kg/m2, 0,70 a 8,2013. A relação insulina/glicose foi considerada normal com quociente menor que 0,214.
Os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística, utilizando-se do teste de normalidade de Kolmogonov-Smirnov para a avaliação do perfil de distribuição dos dados. Nas análises comparativas entre os trimestres, utilizou-se o teste de ANOVA de um fator para medidas repetidas ou teste de Friedman, de acordo com a necessidade. Através dessa análise, foi possível verificar o comportamento dos fatores estudados nos trimestres, sem fazer diferenciação entre grupos. Para análise comparativa do comportamento dos fatores estudados entre os dois grupos (Gpn e Gso), foram utilizados o teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney. O teste de correlação de Pearson foi usado para avaliação das correlações do peso corporal, do IMC, da leptina e da adiponectina com os demais fatores. Os resultados estatísticos foram calculados através do Software Sigmastat 2.0.3 (SPSS Inc., Sommers, NY, USA). Diferenças foram consideradas significativas com os valores de p<0,05.
Resultados
A média de idade entre as 25 gestantes incluídas no estudo foi de 22 anos (13–34 anos), com a média de idade da menarca de 12 anos (9–14 anos). A maioria (85%) apresentava ciclos menstruais regulares. Constatou-se acantose em três pacientes. Quanto à escolaridade, 80% haviam completado o ensino fundamental. Em relação à atividade física, 64% estavam sedentárias. Quanto à presença de doenças cardiovasculares nos familiares, 60% relatavam pai ou mãe com doença, sendo a hipertensão a mais frequente (58,8%), seguida pelo diabetes (41,2%).
Na análise dos parâmetros antropométricos, a média autorreferida de peso pré-gestacional foi de 64,4 kg, com IMC médio de 25,7 kg/m2. O peso médio no 1° T foi de 66,3 kg (39,3–97,9 kg), com IMC médio de 26,4 kg/m2(16,6–42,4 kg/m2), resultados muito semelhantes ao período pré-gestacional. A média de peso no 2° T, 3° T e parto foi de 71,4; 75,3 e 77,1 kg e do IMC foi de 28,4; 30,0 e 30,7 kg, respectivamente. Doze gestantes integraram o grupo com peso normal (Gpn), apresentando IMC médio de 20,1 kg/m2 e 13 gestantes formaram o grupo sobrepeso/obesidade (Gso), apresentando IMC médio de 30,7 kg/m2. O peso corporal e o IMC elevaram-se de modo significativo nos trimestres, apresentando um aumento de +12,7 kg e +5,1 kg/m2, respectivamente. O Gpn apresentou aumento significativamente superior (+15,2 kg e +6,2 kg/m2, respectivamente) ao do Gso (+10,3 kg e +4,1 kg/m2, respectivamente).
No registro dos níveis pressóricos, observou-se elevação de modo significativo no 3° T, com média aferida de 102 × 64 mm/Hg no 2° T e 111 × 72 mm/Hg no 3° T. A PA diastólica do Gso (80 mmHg) foi significativamente mais elevada (p=0,038) que no Gpn (65 mmHg) durante o 3° T. Três pacientes (12%) desenvolveram hipertensão arterial gestacional.
O nível sérico de cortisol elevou-se significativamen-te durante os três trimestres. O nível sérico de leptina também se elevou do primeiro para o terceiro trimestre, apesar da diferença não ter sido significativa. As concentrações séricas de adiponectina não variaram (Tabela 1). Nestes três trimestres, o Gso (19,9 ng/mL) apresentou concentrações séricas significativamente mais elevadas de leptina em relação ao Gpn (9,7 ng/mL).
As concentrações séricas de colesterol total e frações (203,3 para 239,1 mg/dL), bem como de TG (135,6 para 213,6 mg/dL) e ácido úrico (3,2 para 4,0 mg/dL), foram significantemente crescentes nos trimestres, com exceção do HDL-colesterol, que se manteve inalterado (61,9 para 61,6 mg/dL) (Tabela 1). Durante toda a gestação, as gestantes do Gso mantiveram níveis sanguíneos de colesterol total e suas frações VLDL e LDL mais elevadas que as do Gpn. As diferenças foram significativas para VLDL-colesterol (36,9 para 24,0 mg/dL) e LDL-colesterol (105,4 para 134,5 mg/dL), respectivamente. Foi observado comportamento inverso com relação ao HDL-colesterol, onde o Gso (54,7 mg/dL) manteve níveis séricos significativamente mais baixos que o Gpn (69,3 mg/dL).
Na avaliação do metabolismo glicídico, a glicemia de jejum manteve-se estável. TOTG, insulina basal, HOMA-IR e I/G apresentaram redução dos níveis sanguíneos no 2° T. HOMA-IR elevou-se de modo significativo no 3° T (Tabela 1). Observou-se que as médias da relação I/G do 1° T e do 3° T foram maiores que 0,2, sugerindo hiperinsulinemia. Verificamos que seis pacientes eram hiperinsulinêmicas desde o início da gestação, e foram responsáveis pelo aumento da média da relação I/G no 1° T. Como tais gestantes poderiam interferir na análise dos dados, realizamos nova análise após exclusão dessas gestantes. Observou-se, então, gradativa elevação da média sérica de insulina basal durante a gestação (1° T=10,1; 2° T=10,2; 3° T=16,4 µU/mL), simultaneamente a elevação do índice HOMA-IR (1° T=1,7; 2° T=1,9; 3° T=3,3) e a relação I/G (1° T 0,1; 2° T=0,1; 3° T=0,2). Essa nova análise resultou em diferença significativa entre 1° e 2° T, entre 2° e 3° T (p=0,04) para HOMA-IR, e entre 2° e 3° T (p=0,03) para I/G. Neste estudo, nenhuma das gestantes preencheu critérios para diabetes mellitus gestacional (DMG).
As três pacientes que desenvolveram hipertensão arterial gestacional (HAG) apresentavam IMC≥25 kg/m2 no 1° T (29,7; 37,4 e 26,3 kg/m2) pesavam 64,4, 93 e 57 kg e apresentaram um considerável ganho de peso durante a gestação de +20,7; +21,9 e +23,3 kg respectivamente. A gestante de maior peso (93 kg) apresentava hiperleptinemia (37,5 ng/mL) desde o inicio da gestação, e a de menor peso (57 kg) teve a leptina sérica elevada em 52,41% (12,4 para 18,9 ng/mL) e apresentou um ganho de peso de 40% (57 para 80,3 kg). As três gestantes apresentavam relação I/G>0,2 no 1° T (0,3; 0,5 e 1,0 respectivamente), revelando hiperinsulinemia. Ao compará-las às gestantes que se mantiveram normotensas, observou-se PAS, PAD, níveis de leptina e HOMA-IR significativamente mais elevadas. Constatou-se também correlação positiva entre PAS, PAD e leptina.
Os resultados das correlações entre peso corporal, IMC, leptina e adiponectina com as outras variáveis estudadas estão representadas na Tabela 2. Destacamos a correlação negativa do peso com níveis séricos de adiponectina e com HDL-colesterol; correlação negativa da adiponectina com frações não HDL do colesterol e com TG; correlação positiva da leptina com PAS e com PAD; e correlação positiva do peso e do IMC com o colesterol total, assim como com suas frações não HDL, glicemia de jejum e insulina basal.
Discussão
Este estudo descreve as mudanças longitudinais dos fatores de risco cardiometabólicos no decorrer da gestação, bem como a influência da obesidade sobre esses fatores. Os resultados encontrados no presente estudo reforçam achados de estudos anteriores.
O ganho de peso foi mais expressivo no 3° T. O Gpn ganhou mais peso que o Gso, mas se manteve dentro do valor adequado. O ganho de peso do Gso, entretanto, esteve no limite ou além do preconizado15. O menor ganho de peso do Gso observado no presente estudo em comparação ao Gpn contrasta com achado prévio15, o qual demonstrou que o ganho de peso excessivo durante a gestação é mais frequente nas mulheres que já iniciam a gestação com sobrepeso/obesidade. Independente dessa discrepância de resultados, o ganho de peso excessivo leva ao maior risco de pré-eclâmpsia (PE) e também leva as gestantes a se manterem obesas no pós-parto16, além de predispor à hipertensão arterial sistêmica17.
Nesse estudo, não foram observadas variações significativas de adiponectina durante a gestação. Tal resultado é similar ao descrito no estudo de Mazaki et al.18, embora contrate com o estudo de Cseh et al.19, em que foram descritos níveis sanguíneos inferiores de adiponectina durante a gestação. Observamos correlação negativa entre peso, TG e colesterol não HDL com adiponectina. Semelhantes observações foram feitas em outros estudos20,21. Nesse trabalho, a adiponectina apresentou comportamento semelhante entre obesas e não obesas. Porém, existem estudos22 que mostram concentrações maiores nas gestantes com IMC<25 kg/m2 quando comparadas com gestantes com IMC≥25 kg/m2. Mostrando sua estreita relação com o peso, os níveis séricos de leptina foram mais elevados nas gestantes obesas, da mesma forma que apresentado nos dados de Madan et al.23.
Nesse estudo, os níveis pressóricos das gestantes aumentaram significativamente no 3°T, em paralelo ao aumento do peso e da RI. Apesar de o Gso apresentar níveis pressóricos normais, ainda assim eram maiores que do Gpn, especialmente a PA diastólica no 3° T. As três gestantes que desenvolveram hipertensão arterial gestacional iniciaram gestação com IMC≥25 kg/m2 e ganharam peso excessivo. Concordante observação foi demonstrada na revisão realizada por Viswanathan et al.24, que revelou forte evidência entre ganho de peso e maior incidência de PE.
Outra observação relevante neste trabalho é a respeito do índice HOMA-IR. Esse índice apresentou-se significativamente maior nas gestantes que desenvolveram hipertensão arterial, quando comparadas com o grupo das gestantes não hipertensas. Outro estudo recente concluiu que HOMA-IR do 1° T pode ser fator preditivo da PE25.
A respeito da hipertensão gestacional e da PE, a literatura vem apontado a associação destas duas condições com variações das adipocinas. Em estudo recente26, demonstrou-se que as concentrações de adiponectina no soro de gestantes com PE foram significativamente mais altos do que nas gestantes normais, sendo essas concentrações ainda mais elevadas no grupo com PE grave. Os nossos resultados não demonstraram tal associação. Foi constatado, no entanto, correlação positiva entre níveis de leptina e PA. As gestantes que desenvolveram hipertensão arterial gestacional cursaram a gestação com níveis elevados de leptina, resultado concordante com estudo prévio27. Lepercq e Hauguel De Mouzo28 correlacionaram a hipertensão arterial com níveis séricos de leptina e hiperinsulinemia durante 1°, 2° e 3° T ao mesmo tempo em queo aumento da massa corporal ocorria, encontrando dados semelhantes ao de nosso trabalho, em que as gestantes que desenvolveram hipertensão arterial gestacional apresentaram relação I/G>0,2 ao longo dos três trimestres.
O perfil lipídico das gestantes apresentou evidente modificação, com elevações do colesterol total, frações não HDL e TG durante o evoluir da gestação. Esse quadro, associado a um ambiente de RI, ainda que fisiológica, provavelmente aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Um estudo anterior29 definiu que os níveis de TG, colesterol total, LDL e VLDL-colesterol diminuem até a oitava semana de gestação, sofrendo, após esse período, um crescente aumento. Como previsto, as gestantes do Gso apresentaram níveis de colesterol total, frações LDL, VLDL, bem como TG mais elevados nos três trimestres em relação ao Gpn, sendo expressiva a elevação do LDL-colesterol no Gso durante o 3° T, resultando em um pior perfil lipídico do Gso no final da gestação. Observou-se também uma correlação positiva do colesterol total, do LDL-colesterol, do TG e do ácido úrico com o peso e o IMC, e correlação inversa com HDL-colesterol. Tais resultados são similares aos encontrados no estudo de McIntyre et al.5, em que foi observado uma correlação positiva entre TG e peso materno.
As glicemias mantiveram-se normais ao longo do período de observação, o que não significa, entretanto, que não estivesse ocorrendo RI, uma vez que as células β do pâncreas têm capacidade de aumentar a produção e secreção de insulina mantendo uma situação metabólica de hiperinsulinemia e normoglicemia, associado a alterações metabólicas que favorecem a aterogênese, como aumento do VLDL-colesterol e AGL. Adicionalmente, foi observada correlação positiva da glicemia de jejum, insulina, HOMA-IR e I/G com peso e IMC11. A hiperinsulinemia leva à disfunção endotelial e estimula a proliferação de células da musculatura lisa vascular e endotelial como parte do início do processo aterosclerótico30.
Em vista desses resultados, podemos concluir que, durante a gestação, ocorrem mudanças fisiológicas no organismo materno que levam ao ganho de peso, à piora do perfil lipídico, à elevação da PA e à hiperinsulinemia. Tais mudanças sofreram importante influência do estado nutricional prévio da gestante, uma vez que as gestantes com IMC>25 kg/m2 adquiriram maior elevação na PA diastólica, maiores concentração sérica de leptina, de colesterol total, de LDL-colesterol, de VLDL-colesterol, de TG, de glicemia jejum, de insulina e de HOMA-IR, além de menor concentração de HDL-colesterol. Tais modificações metabólicas nas gestantes com IMC>25 kg/m2 podem torná-las mais aptas a desenvolverem doenças cardiometabólicas.
Diante do quadro acima exposto e discutido, vemos uma necessidade emergente de esclarecer a população crescente de mulheres acima do peso, em idade reprodutiva, sobre os riscos de complicações na gestante obesa, para que assim medidas preventivas e comportamentais possam ser tomadas em caso de gravidez planejada. Diante de uma gestante obesa, recomendamos que sejam calculados, na primeira consulta de pré-natal, o IMC, o I/G, o HOMA-IR, e que seja solicitado o lipidograma a fim de identificar as gestantes com maior risco de complicações cardiometabólicas. Uma vez identificadas, o monitoramento e a educação a respeito de mudanças comportamentais para um menor ganho de peso podem ser imperativas no sucesso da gestação.
Agradecimentos
À Profa. Dra. Berenice Bilharinho de Mendonça, Profa. Titular do Departamento de Clinica Médica, Área de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pelo apoio na dosagem da leptina.
Ao Prof. Dr. Valdo Dias da Silva, Prof. Titular do Departamento de Fisiologia, UFTM, pela revisão do artigo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Out 2014 -
Data do Fascículo
Out 2014
Histórico
-
Recebido
29 Jan 2014 -
Aceito
12 Ago 2014