Resumos
Este trabalho teve por objetivo estudar os efeitos da acidose láctica ruminal, induzida experimentalmente em caprinos, sobre o quadro clínico, as características físico-químicas e microbiológicas do fluido ruminal. Para tal, foram utilizados dez animais, sem raça definida (SRD), com peso médio de 25 kg, machos, com um a dois anos de idade, fistulados, clinicamente sadios e mantidos em baias. Após se estabelecer os padrões de normalidade para as variáveis estudadas, os animais foram induzidos experimentalmente a ter a acidose ruminal empregando-se a sacarose, na dose de 15 g/kg de peso corporal. As observações clínicas e laboratoriais foram realizadas nos intervalos de 4, 8, 12, 16, 24, 32, 48, 72, 96, 120 e 144 horas, após a indução (PI) onde se avaliou a intensidade do processo da acidose láctica ruminal. Os caprinos estudados apresentaram manifestações clínicas de acidose láctica ruminal já a partir das 4 horas PI, cujos sinais como apatia, anorexia, taquicardia, atonia ruminal, distensão abdominal e diarréia de intensidade variável foram observados. As características do suco ruminal sofreram alterações, ocorreu a redução do pH para valores inferiores a 5, a cor tornou-se leitosa, o odor ácido e a consistência aquosa. O tempo de atividade de sedimentação (TAS) reduziu seus valores, e a dinâmica da fauna e flora ficaram comprometidas, havendo um predomínio da microbiota Gram-positiva. Ao término do período de observação constatou-se que em alguns animais não ocorreu o restabelecimento pleno das variáveis analisadas.
Acidose ruminal; caprinos; ruminantes
The objective was to study the effects of ruminal lactic acidosis in goats, induced experimentally, on the clinical manifestations, the physical, chemical and microbiological characteristics of the ruminal fluid. Ten 1 to 2 year old male goats, cross bred (SRD), with 25 kg body weight, in good health condition and housed in a stall, were rumen-fistulated. After establishing normal pattern for the variables studied, the acidosis was induced with the administration of 15g sucrose/kg body weight. Clinical and laboratorial observations were accomplished at intervals of 4, 8, 12, 16, 24, 32, 48, 72, 96, 120 and 144 hours, after the induction (PI). Already 4 hours PI the animals showed clinical signs of apathy, anorexia, increased heart frequency, ruminal atony, abdominal distention and diarrhea. The characteristics of the ruminal fluid suffered alterations, as reduction of the pH (below 5.0), and its color became a milky aspect, acid smell and aqueous consistency. The time of sedimentation activity (TAS) was reduced and the dynamics of the fauna and flora were committed, with the prevalence of Gram-positive bacteria. At the end of the observation period the analyzed variables were not yet fully re-established in some animals.
Ruminal lactic acidosis; goats; ruminants
Estudo clínico e características do suco ruminal de caprinos com acidose láctica induzida experimentalmente1
Clinical study and characteristics of the ruminal fluid of goats in experimentally induced lactic acidosis
Eldinê G. Miranda NetoI,*; José Augusto B. AfonsoII; Carla L. MendonçaII; Mayra Z.P.R.B. AlmeidaIII
ICentro de Saúde e Tecnologia Rural, Universidade Federal de Campina Grande, Campus Patos, PB 58700-000
IIClínica de Bovinos, Campus Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Av. Bom Pastor s/n, Cx. Postal 152, Garanhuns, PE 55292-901. E-mail: carlaze@uol.com.br
IIIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco
RESUMO
Este trabalho teve por objetivo estudar os efeitos da acidose láctica ruminal, induzida experimentalmente em caprinos, sobre o quadro clínico, as características físico-químicas e microbiológicas do fluido ruminal. Para tal, foram utilizados dez animais, sem raça definida (SRD), com peso médio de 25 kg, machos, com um a dois anos de idade, fistulados, clinicamente sadios e mantidos em baias. Após se estabelecer os padrões de normalidade para as variáveis estudadas, os animais foram induzidos experimentalmente a ter a acidose ruminal empregando-se a sacarose, na dose de 15 g/kg de peso corporal. As observações clínicas e laboratoriais foram realizadas nos intervalos de 4, 8, 12, 16, 24, 32, 48, 72, 96, 120 e 144 horas, após a indução (PI) onde se avaliou a intensidade do processo da acidose láctica ruminal. Os caprinos estudados apresentaram manifestações clínicas de acidose láctica ruminal já a partir das 4 horas PI, cujos sinais como apatia, anorexia, taquicardia, atonia ruminal, distensão abdominal e diarréia de intensidade variável foram observados. As características do suco ruminal sofreram alterações, ocorreu a redução do pH para valores inferiores a 5, a cor tornou-se leitosa, o odor ácido e a consistência aquosa. O tempo de atividade de sedimentação (TAS) reduziu seus valores, e a dinâmica da fauna e flora ficaram comprometidas, havendo um predomínio da microbiota Gram-positiva. Ao término do período de observação constatou-se que em alguns animais não ocorreu o restabelecimento pleno das variáveis analisadas.
Termos de indexação: Acidose ruminal, caprinos, ruminantes.
ABSTRACT
The objective was to study the effects of ruminal lactic acidosis in goats, induced experimentally, on the clinical manifestations, the physical, chemical and microbiological characteristics of the ruminal fluid. Ten 1 to 2 year old male goats, cross bred (SRD), with 25 kg body weight, in good health condition and housed in a stall, were rumen-fistulated. After establishing normal pattern for the variables studied, the acidosis was induced with the administration of 15g sucrose/kg body weight. Clinical and laboratorial observations were accomplished at intervals of 4, 8, 12, 16, 24, 32, 48, 72, 96, 120 and 144 hours, after the induction (PI). Already 4 hours PI the animals showed clinical signs of apathy, anorexia, increased heart frequency, ruminal atony, abdominal distention and diarrhea. The characteristics of the ruminal fluid suffered alterations, as reduction of the pH (below 5.0), and its color became a milky aspect, acid smell and aqueous consistency. The time of sedimentation activity (TAS) was reduced and the dynamics of the fauna and flora were committed, with the prevalence of Gram-positive bacteria. At the end of the observation period the analyzed variables were not yet fully re-established in some animals.
Index Terms: Ruminal lactic acidosis, goats, ruminants.
INTRODUÇÃO
A acidose láctica resultante da ingestão de forma rápida e excessiva de uma dieta rica em grãos, pelos bovinos, caprinos e ovinos, representa um sério problema pelas perdas econômicas na exploração pecuária; pois acarreta, devido aos efeitos diretos provocados pelas alterações no metabolismo ruminal, o surgimento de manifestações clínicas que podem levar o animal à morte e, indiretamente, acarretar conseqüências nos animais enfermos, como rumenite, abscessos hepáticos e laminite (Vestweber et al. 1974, Brent 1976, Nocek 1997).
Em alguns rebanhos de caprinos, a morbidade deste distúrbio alcançou índices de 18% e, pelo seu curso agudo e por afetar grande número de animais, foi considerada como uma das mais importantes desordens metabólicas desta categoria de ruminantes (Prasad et al. 1976).
A enfermidade surge quando ocorre uma abrupta mudança na dieta dos animais, de uma alimentação volumosa para uma dieta concentrada rica em carboidratos não fibrosos sem uma prévia adaptação (Dunlop 1972, Dougherty et al. 1975). As ocorrências naturais dos casos de acidose láctica em caprinos comumentes estão associadas com o consumo não intencional de quantidades elevadas em grãos, tubérculos ou frutas ricas em amido ou açucares; entretanto, pode ser também induzida pelo rápido aumento na quantidade de rações concentradas, ricas em carboidratos de fermentação rápida, no início da lactação para se obter uma máxima produção de leite (Cao et al. 1987).
A condição é iniciada pela rápida proliferação de bactérias produtoras de ácido láctico no rúmen, resultando numa elevação da concentração do ácido láctico. A produção e o acúmulo anormal de ácido láctico nas formas D (-) e L (+) leva a uma acidose ruminal e sistêmica (Hungate et al. 1952, Braun et al. 1992, Feltrin et al. 2001).
Em caprinos e ovinos a acidose láctica resulta em manifestações clínicas que, dependendo da sua severidade, podem ser observadas com intensidade variável, como a diminuição da motilidade ruminal ou atonia, anorexia, apatia, ranger dos dentes, a não ruminação, a produção de leite é reduzida, a elevação das freqüências cardíaca e respiratória e a diarréia. Timpanismo e febre podem estar presentes em alguns casos (Smith & Sherman 1994, Afonso et al. 2002b).
As marcantes alterações nas características físico-químicas do suco ruminal são observadas com a evolução da doença, e estão relacionadas com a diminuição do pH causada pela excessiva elevação na concentração do ácido láctico no rúmen, que altera a osmolaridade do meio, aumentando-a, tornando o meio hipertônico em relação ao plasma (Krogh 1959, Juhász & Szegedi 1968, Dunlop 1972, Dougherty et al. 1975). Entretanto, poucas são as informações em nosso meio a respeito dos achados clínicos e laboratoriais provocados por este distúrbio fermentativo em caprinos.
Este trabalho teve por objetivo estudar as manifestações clínicas e as alterações nas características do fluido ruminal em caprinos submetidos à acidose láctica induzida experimentalmente.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais, manejo e alimentação
Foram utilizados dez caprinos machos, com um a dois anos de idade, castrados, sem raça definida (SRD), com peso corporal médio de 25kg, clinicamente sadios e que no decorrer do trabalho foram mantidos isolados em baias. O trabalho foi desenvolvido nas instalações da Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Os animais foram submetidos ao implante cirúrgico de cânulas ruminais permanentes, seguindo o procedimento desenvolvido por Reichert Neto (1996), e um intervalo de quatro semanas foi dado para que ocorresse a recuperação cirúrgica, antes dos estudos serem iniciados. Neste período e durante toda a fase experimental, os caprinos receberam uma dieta, contendo: farelo de soja, fornecido na quantidade de 150g por animal, duas vezes ao dia, às 08:00 e 16:00 horas; além de feno de coast-cross (Cynodom dactylon), sal mineral e água ad libitum.
Períodos experimentais
Após o período de recuperação cirúrgica dos animais, uma semana antes da indução, foram avaliadas as características clínicas e a análise do fluido ruminal as 4 e 8 horas após a alimentação matinal. Este procedimento foi realizado por dois dias, com a finalidade de se estabelecer os valores médios das diferentes variáveis estudadas, considerando-se este momento como controle (0h), antes da indução do quadro de acidose.
Após o período, onde foram estabelecidos os padrões para as variáveis estudadas no grupo dos animais, a acidose foi induzida nos caprinos fornecendo 15 gramas de sacarose/kg de peso corporal, através da fístula ruminal, antes da dieta matinal (Cao et al. 1987).
Realizada a indução, as observações clínicas foram constantes e amostras de fluído ruminal foram colhidas nos intervalos de 4, 8, 12, 16, 24, 32, 48, 72, 96, 120 e 144 horas pós-indução (PI), onde observou-se o surgimento das alterações clínicas e laboratoriais indicativas de acidose láctica.
Exame clínico
Foi realizado segundo Smith & Sherman (1994), onde foram observados as características de atitude, comportamento, apetite, coloração das mucosas, vasos espisclerais, temperatura, freqüência cardíaca e respiratória, forma do abdômen, motilidade retículo-ruminal (freqüência e amplitude) e aspectos das fezes.
Colheita e exame das amostras do fluido ruminal
As amostras do conteúdo ruminal foram obtidas por meio de uma bomba de sucção a vácuo no saco ventral caudal do rúmen, acoplada a uma sonda plástica flexível inserida através da cânula ruminal. Foram colhidos em frascos de vidro, aproximadamente 200 mL de líquido ruminal em cada amostra.
Exame das características físico-químicas do fluido ruminal. A aferição do pH das amostras de fluido ruminal foi realizada imediatamente à coleta, ainda no local, utilizando um medidor de pH2. As análises dos aspectos físicos cor, odor, consistência, do tempo de atividade de sedimentação (TAS) e da prova de redução do azul de metileno (PRAM), foram realizadas logo após a colheita, interpretada de acordo com as técnicas propostas por Dirksen (1993).
Determinação do teor de cloretos. A determinação do teor de cloretos foi realizada pelo método colorimétrico, submetendo as amostras de 10 mL de fluido ruminal à centrifugação de 3.000 rpm durante 15 minutos, obtendo-se o sobrenadante para realização da prova utilizando um fotocolorímetro3 e um kit comercial4.
Avaliação da população de protozoários e das bactérias ruminais. A observação da viabilidade dos protozoários pequenos, médios e grandes quanto à porcentagem de vivos, densidade e motilidade foi realizada empregando o modelo indicado por Dirksen (1993). Na contagem dos infusórios, utilizou-se a técnica proposta por Dehority (1977). A avaliação morfo-tintorial da flora bacteriana foi realizada em esfregaços obtidos do suco ruminal dos caprinos, utilizando a coloração de Gram para tal fim.
Análise estatística
Os valores obtidos foram analisados ao longo de doze momentos, onde se comparou individualmente os 11 momentos PI com o controle, empregando nas variáveis pH, TAS, acidez titulável total e o teor de cloretos do fluido ruminal, o método estatístico paramétrico, t de Student pareado para amostras dependentes, tendo utilizado a média como medida de tendência central. Para a análise das variáveis porcentagem de protozoários vivos, contagem, densidade, motilidade e PRAM do fluido ruminal, obteve-se a mediana como medida de tendência central, e utilizou-se o método analítico não paramétrico, de Wilcoxon, para amostras dependentes, usando o X2 e calculando-se a diferença mínima significativa (DMS) para alfa igual a 0,05, com o intuito de verificar se existiam diferenças significativas entre os valores (Curi 1997).
RESULTADOS
A ingestão experimental de 15g/kg de sacarose provocou um quadro de acidose ruminal aguda, desencadeando manifestações clínicas com intensidade variada entres os animais. Ao exame clínico, foram observados sinais bem evidentes de acidose ruminal como anorexia, apatia, taquicardia, distensão do abdômen, atonia do rúmen, ausência da ruminação, diarréia com fezes amarronzadas, aquosas e fétidas. Constatou-se também que ocorreu uma perda de peso corporal que variou de 0,5 a 2,5 kg entre os animais induzidos. Estes sinais se iniciaram nas 4h pós-indução (PI) e tornaram mais evidentes entre 12h e 24h PI; entretanto, a maioria dos caprinos tendeu a restabelecer o quadro clínico cerca de 48h PI. Os valores médios da temperatura retal permaneceram dentro da faixa de normalidade para a espécie, enquanto a freqüência respiratória elevou-se nas primeiras 8h PI, retornando em seguida aos padrões de normalidade. O quadro de timpanismo não foi observado, contudo algumas vezes, uma certa quantidade de gás, além do normal era expelida pela abertura da cânula ruminal dos caprinos.
As alterações da cor, odor e consistência do suco ruminal dos caprinos com acidose ruminal ocorreram a partir das 4h PI. A coloração do fluido ruminal dos caprinos modificou-se para leitosa; o odor aromático tornou-se extremamente ácido, sugerindo uma alta concentração de ácido láctico no conteúdo ruminal; e, por conseguinte, a consistência modificou sua característica tornando-se aquosa. O restabelecimento do padrão normal para a consistência ocorreu a partir das 32h na maioria dos caprinos estudados; porém, para a cor e o odor somente foi observado a partir das 120h PI.
Os valores encontrados para o pH do suco ruminal após a indução do distúrbio fermentativo com a sacarose, permitiu verificar que ocorreu uma queda significativa (P<0,05) desta variável a partir das 4h PI (Fig. 1) Onde os resultados mais baixos para o pH foram de 4,75 (± 0,17) observados às 12h PI. O restabelecimento dos valores de normalidade do pH ocorreu a partir das 48h, e ao final das 144h todos os animais retornaram aos padrões estabelecidos inicialmente, antes da indução.
Os valores médios encontrados para o TAS não demonstraram diferenças significativas (P>0,05), entre os momentos controle e PI durante as 144 horas de observação. Contudo, observamos que ocorreu uma diminuição dos seus índices, que foi mais expressiva as 32 h PI (Fig. 1).
Nos caprinos estudados, a acidose ruminal causou uma elevação significativa (P<0,05) nos valores da acidez titulável, em relação à 0h, a partir das 4h PI, alcançando o valor máximo de 73,10ºD (± 7,06), observado às 12h PI. Após o término do período experimental, foi observada nos animais, uma redução nos valores médios da acidez titulável no fluido ruminal, retornando ao valor que foi estabelecido previamente (Fig. 2).
Os teores de cloretos obtidos do fluido ruminal dos caprinos com acidose láctica, apresentaram uma oscilação dos seus valores, ao longo do tempo de observação. Onde foi constatado às 8h PI, o menor valor de 20,69 mEq/L obtido para o teor de cloretos. Entretanto, elevações significativas (P<0,05) nos teores de cloreto foram verificadas a partir a partir das 48h, que alcançaram valores máximos de 45,17 mEq/L às 144h PI (Fig. 3).
Os valores obtidos na PRAM demonstraram que após a indução da acidose láctica ruminal, ocorreu uma elevação significativa (P<0,05) no tempo de avaliação da prova, que ultrapassou o limite máximo de 15 minutos nos caprinos estudados, entre as 8h e 32h PI, quando comparados com o momento controle. Porém, ao final das 144h de observação verificamos uma melhora na atividade da microbiota, constatada pela redução no tempo da prova nas amostras, que se encontrava dentro da faixa de normalidade, apesar dos valores estarem acima do que foi obtido antes da indução (Fig. 3).
Na avaliação direta da população bacteriana do fluido ruminal, após a indução da acidose, foi verificada uma modificação na flora bacteriana, havendo uma maior presença de microrganismos Gram-positivos, sendo que em certos momentos foi observada uma ausência da flora Gram-negativa no fluido ruminal de alguns animais. As bactérias Gram-positivas tinham as formas de cocos e bastonetes, com o agravamento do processo fermentativo, ocorreu o predomínio deste último e uma diminuição das estruturas em forma dos cocos Gram-positivos. Com a recuperação clínica dos animais, observou-se um restabelecimento gradual da flora bacteriana do conteúdo ruminal, voltando a predominar a Gram-negativa ao final do experimento.
Nos momentos iniciais da acidose ruminal observamos que a viabilidade, a densidade e a motilidade dos protozoários sofreram uma diminuição significativa (p<0,05), ocorrendo comprometimento total destas características a partir das 8 horas da indução; a permanência deste quadro foi mantida até às 144 horas; entretanto, alguns animais (40%) apresentaram a partir das 96h PI, o restabelecimento parcial da viabilidade dos infusórios (Fig. 3 e 4).
Após a indução da acidose, foi constatado um declínio significativo (P<0,05) no número de infusórios no fluido ruminal logo nos primeiros momentos, às 4h PI, que se manteve até o final das 144h de observação, quando comparado ao momento inicial (0h) (Fig. 5). Em todos os animais, antes da indução, existia uma maior prevalência de pequenos infusórios, em torno de 60%, e o restante era composto pelos médios e grandes. Na sua maioria, a fauna era constituída de Oligotriquídeos em relação aos Holotriquídeos. Vale ressaltar, que durante a fase da acidose, surgiram modificações na população dos infusórios, onde se constatou que havia um predomínio dos pequenos (80%) em relação aos médios e grandes, que se mostraram mais sensíveis às alterações ocorridas no ambiente ruminal.
DISCUSSÃO
Os sinais clínicos observados nos animais com acidose induzida foi muito similar ao ocorrido em outros modelos, quando diferentes tipos de substratos e espécie animal foram utilizados. Os sintomas típicos de acidose láctica ruminal como anorexia, estase ruminal, apatia, febre em dois animais, depressão com relutância para se mover, desidratação, poliúria, e oligúria ao final do processo fermentativo, taquicardia, diarréia com fezes de aspecto aquosas, fétidas e castanhas escuras, consumo freqüente de água e distensão abdominal foram verificadas nos caprinos, a partir das 4h PI. Tais manifestações coincidiram com a diminuição do pH do fluido ruminal, principalmente quando os valores estavam abaixo de 5. Estas observações foram constatadas por Muir et al. (1980), Cao et al. (1987), Crichlow (1989), Aslan et al. (1995), Owens et al. (1998) e Metkari et al. (2001), que relataram esta diminuição, em razão do aumento da concentração de ácido láctico, e na elevação da osmolaridade do meio ruminal em relação à corrente sangüínea, pelo qual desencadearam estas alterações clínicas.
O tempo de recuperação clínica dos caprinos foi variável; porém, este começou a ser notado a partir das 32h PI, quando alguns animais iniciaram o restabelecimento do apetite de forma discreta, o retorno da motilidade ruminal, a ruminação e uma evolução na melhoria do aspecto da consistência das fezes. Estas observações foram semelhantes às encontradas por Kezar & Church (1979) e Afonso et al. (2002a), que relataram para que ocorra a recuperação clínica dos animais, se faz necessário que alguns fatores estejam inter-relacionados no ambiente ruminal, como, o pH acima de seis, os níveis de ácido láctico não sejam detectados e as concentrações dos ácidos graxos voláteis (AGV) apresentem valores acima de 50mM.
Foram marcantes as modificações das características físicas do fluido ruminal observadas durante o período de acidose ruminal nos caprinos, como a cor tornando-se leitosa, a consistência aquosa e o odor extremamente ácido. Estes achados condizem com os encontrados por alguns autores que relacionam as alterações com a diminuição do pH no rúmen causada pela excessiva elevação na concentração do ácido láctico e AGV, que eleva a osmolaridade do meio, tornando-o hipertônico em relação ao plasma, provocando um maior fluxo de água dos compartimentos intra e extracelulares para o interior do trato digestivo, principalmente ao rúmen (Krogh 1959, Juhász & Szegedi 1968, Dunlop 1972, Dougherty et al. 1975). Essas mudanças foram semelhantes às manifestações observadas em caprinos e ovinos com acidose ruminal estudadas por Huber (1971) e Cao et al. (1987). O restabelecimento destas características acompanhou a recuperação do pH aos valores anteriores a indução.
Houve um declínio nos valores para o pH ruminal logo no início do processo, e estes achados assemelham-se aos encontrados por Krogh (1959), Juhász & Szegedi (1968), Dunlop (1972) e Nocek (1997) que atribuem este decréscimo no pH às modificações da microflora ruminal, onde as bactérias Gram-negativas, sensíveis á acidez do meio, são substituídas pelas Gram-positivas, principalmente S. bovis e Lactobacillus sp, que são as principais produtoras do ácido láctico, nas formas D (-) e L (+), o qual é considerado como um ácido forte, por possuir um pKa muito baixo.
Diante das observações clínicas, supõe-se que o restabelecimento dos valores normais do pH ocorreu devido à utilização plena do substrato empregado, e a modificação gradual da população microbiana do fluido ruminal, onde ocorreu a redução ou desaparecimento dos agentes considerados como nocivos, produtores de ácido láctico, e o restabelecimento da flora Gram-negativa considerada como as principais fermentadoras do lactato (Goad et al. 1998). Criando-se uma melhoria no ambiente ruminal, principalmente quanto ao pH, favoreceu desta maneira o retorno do apetite, com isso melhorou o tamponamento e propiciou a restauração da população microbiana que facilitou desta forma a recuperação clínica.
Quanto à diminuição no tempo da atividade de sedimentação e flotação (TAS), poderá ter ocorrido devido à inativação ou destruição da flora normal, sensível às variações de pH observadas, e à mudança ocorrida, da população bacteriana Gram-negativa para Gram-positiva (Randhawa et al. 1989). Entretanto, esses achados discordam com os encontrados por Basak et al. (1993) que observaram uma elevação no TAS, podendo estar relacionado com o tipo de substrato utilizado na indução.
Os valores da acidez total apresentaram-se bastante elevados nos animais induzidos, mantendo-se acima do normal até às 48h; esses valores condizem com as informações encontradas por Hungate et al. (1952) e Dirksen (1993), que citam volumes de 8 a 25mL da solução de NaOH (N/10) como normais e que no caso da acidose ruminal, estes valores podem alcançar 70 unidades ou mais, dependendo do grau de hiperacidez existente no meio. Com o restabelecimento da clínica e na melhoria da condição microambiental a acidez titulável diminuiu ao longo do tempo.
O índice de mais que 15 minutos observado no tempo de redução da prova do azul de metileno, durante a manifestação da acidose, foi semelhante aos relatados por Basak et al. (1993), que justificaram esta alteração devido à inativação da flora normal, que fica com o seu metabolismo comprometido, quando as condições do meio estão adversas. A restauração do ambiente ruminal nos caprinos, foi mais uma vez determinante para que esta variável retornasse aos valores normais.
As alterações no teor de cloretos ocorreram já nos momentos iniciais, provavelmente, pelo decréscimo do pH no fluido ruminal, notado a partir da administração da sacarose. Esta diminuição foi verificada após 8h de indução, coincidindo com as observações dos trabalhos realizados por Huber (1971) e Cao et al. (1987), em ovinos e caprinos induzidos a ter acidose com diferentes substratos, que justificaram esta alteração ocorrer devido ao aumento do gradiente osmótico, que acarretou o seqüestro de líquido da corrente sangüínea para o interior do rúmen, causando uma diluição exacerbada do fluido ruminal, e com isso reduziu a concentração deste íon. Entretanto, no decorrer do experimento foi observado que a concentração de cloretos sofreu elevação, fato que provavelmente deve está relacionado com o menor volume de líquido em relação à matéria seca do conteúdo ruminal daqueles animais que tiveram sinais clínicos de diarréia e desidratação. Um fator complicador para esta ocorrência, segundo Owens et al. (1998), é que a alta osmolaridade do fluido ruminal durante a acidose, provoca quase sempre uma inibição dos movimentos ruminais, compromete a dinâmica microbiana e a motilidade intestinal, há uma hipertonicidade do abomaso, tornando-o distendido, diminuindo o trânsito do bolo alimentar e dificultando a remoção do fluido e dos ácidos a partir do rúmen. O refluxo do conteúdo abomasal, devido a sua inércia foi citado por Braun et al. (1992) como sendo a causa do aumento nas concentrações de cloretos (>25mmol/l) no fluido ruminal, em 42% dos ovinos e caprinos diagnosticados com acidose ruminal aguda.
As alterações na fauna microbiana do fluido ruminal dos caprinos estudados, com relação à diminuição da viabilidade, densidade e motilidade dos infusórios ocorreram em momentos iniciais, e com o aumento da acidez ruminal (8h) não foi mais observado nenhum protozoário vivo e com 48h PI a densidade tornou-se comprometida até o final do experimento. Diferindo dos nossos achados os encontrados por Afonso et al. (2002b) em ovinos, onde a defaunação persistiu até às 96h após a indução. De acordo com Krogh (1959) e Hungate (1966) os protozoários perdem a sua atividade quando o pH cai para valores entre 5,5 e 5,0, desintegrando-se ou sofrendo lise no rúmen quando ocorre uma elevação da acidez do meio, e o pH alcança valores inferiores a 5,0; Ahuja et al. (1990) ainda relatam que o aumento da pressão osmótica no ambiente ruminal causa alterações na população de protozoários. Ao final das observações, verificamos que em alguns dos caprinos ocorreu o reaparecimento da fauna e o restabelecimento de suas funções, o que condiz com as informações de Basak et al. (1993), que relataram esta manifestação sincronizada com a melhoria da condição no ambiente do rúmen.
Como foi observada, a modificação qualitativa no padrão morfotintorial da população bacteriana ocorreu devido à diminuição do pH para valores abaixo de 5,5. Com isso, a flora predominantemente Gram-negativa foi substituída, ao longo dos momentos, por bactérias Gram-positivas, sendo justificadas por Dunlop (1972), Howard (1981), Nocek (1997) e Owens et al. (1998), onde comentaram que com a evolução da doença, há uma alteração na população microbiana, caracterizada pelo crescimento rápido das bactérias produtoras de ácido láctico, que se acumula em quantidades suficientes para reduzir o pH ruminal a valores bem críticos (pH<5,0), provocando um decréscimo drástico na concentração e na atividade de muitas bactérias fisiologicamente importantes, provocando com isso um predomínio das bactérias Gram-positivas. O restabelecimento da flora normal ocorreu de forma gradual, a partir do momento em que houve o desaparecimento ou a redução das bactérias produtoras de ácido láctico e o crescimento de bactérias Gram-negativas, que prevaleceram no ambiente ruminal, conforme o que relata Afonso et al. (2002b).
A indução experimental com sacarose provocou manifestações clínicas típicas da doença e alterações nas características físico-químicas e microbiológicas do fluido ruminal de forma diferente entre os animais. O modelo experimental realizado foi adequado por não colocar em risco a vida dos caprinos estudados durante o experimento.
Recebido em 8 de outubro de 2004.
Aceito para publicação em 7 de dezembro de 2004.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Set 2005 -
Data do Fascículo
Jun 2005
Histórico
-
Recebido
08 Out 2004 -
Aceito
07 Dez 2004