Open-access Classificação de 86 casos de linfoma em bovinos de acordo com a Working Formulation (WF) of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage e a Revised European-American Classification of Lymphoid Neoplasms (REAL)1

Classification of 86 bovine lymphomas cases according to the Working Formulation (WF) of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage and The Revised European-American Classification of Lymphoid Neoplasms (REAL)

Resumo

Por meio de um estudo retrospectivo, realizou-se avaliação fenotípica (histologia) e imunofenotípica (imuno-histoquímica [IHQ]) de 86 casos de linfoma bovino. Quanto ao padrão de distribuição, todos os linfomas foram incluídos como difusos. Em relação à dimensão dos linfócitos neoplásicos, 83,8% dos linfomas foram considerados como de grandes células e 11,6% como de pequenas células. Linfomas mistos, ou seja, constituídos por grandes e pequenas células, representaram apenas 4,6% dos casos. Quanto ao número de mitoses, 84,9% dos linfomas foram incluídos como de grau intermediário, 10,5% como de baixo grau e 4,6% como de alto grau. No que se refere à morfologia do núcleo, linfomas em que predominavam linfócitos não clivados (58,2%) ou linfócitos clivados (37,2%) foram mais frequentes do que aqueles em que havia uma mistura igualmente proporcional de linfócitos clivados e não clivados (4,6%). Com base nestes resultados, os 86 linfomas foram assim distribuídos utilizando-se a classificação proposta pela Working Formulation (WF) of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage: difuso de grandes células não clivadas (46,5%), difuso de grandes células clivadas (33,7%), difuso de pequenas e grandes células (4,6%), difuso de pequenas células - tipo plasmocitoide (7%), imunoblástico (3,5%), difuso de pequenas células - tipo intermediário (2,3%), difuso de pequenas células não clivadas (1,2%) e difuso de pequenas células não clivadas - tipo Burkitt (1,2%). Na imuno-histoquímica, 27 dos 86 (31,4%) linfomas foram positivos para o anticorpo monoclonal CD79αcy, utilizado para detecção de linfócitos B, e nenhum caso foi positivo para o anticorpo policlonal CD3, utilizado para detecção de linfócitos T. Com base nestes resultados, os 27 linfomas B foram assim distribuídos utilizando-se a Revised European-American Classification of Lymphoid Neoplasms (REAL): linfoma difuso de grandes células B (81,5%), linfomas imunoblásticos de grandes células (11,1%) e linfomas linfoplasmocíticos (7,4%). Os resultados aqui apresentados permitem concluir que à semelhança do que vem sendo descrito em outras partes do mundo, os linfomas bovinos são basicamente difusos e predominantemente de grau intermediário, de grandes células, com núcleos clivados ou não clivados. Esses linfomas são decorrentes da proliferação neoplásica de linfócitos B e correspondem, em sua quase totalidade (92,6%), ao que atualmente é incluído na REAL como linfoma difuso de grandes células B.

Termos de Indexação: Doenças de bovinos; leucose enzoótica bovina; linfoma; linfossarcoma; sistemas de classificação de tumores linfoides

Abstract

A retrospective study of 86 cases of bovine lymphoma classified as with diffuse pattern of distribution and verified by phenotypic (histology) and immunophenotypic (immunohistochemistry [IHC]) is presented. Regarding the size of the neoplastic lymphocytes, 83.8% was classified as large cells lymphoma and 11.6% as small cells lymphoma. Mixed lymphomas, i.e., formed by large and small cells simultaneously represented only 4.6% of all cases. Regarding their mitotic index, 84.9% of lymphomas was included in the intermediate-grade, 10.5% as low-grade and 4.6% as high-grade. Regarding the nucleus morphology, lymphomas with mostly non-cleaved cells (58.2%) or cleaved cells (37.2%) were the more frequent than those with a balanced mixed proportion of cleaved and non-cleaved cells (4.6%). Based on these results, the 86 lymphoma cases were classified by the Working Formulation (WF) of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage as: diffuse large non-cleaved cell (46.5%), diffuse large cleaved cell (33.7%), diffuse mixed small and large cell (4.6%), diffuse small cell - plasmacytoid (7%), immunoblastic (3.5%), diffuse small cell - intermediate (2.3%), diffuse small non-cleaved cell (1.2%), and diffuse small non-cleaved cell Burkitt's (1.2%). According to the IHC, 27 out of 86 (31.4%) lymphomas were positive to monoclonal antibody CD79αcy, used to detect B cells, and none were positive for polyclonal antibody CD3, used to detect T cells. Based on this, the 27 B-cell type lymphomas were distributed as follows: diffuse large B-cell lymphoma (81.5%), large cell immunoblastic lymphoma (11.1%), and lymphoplasmacytoid lymphoma (7.4%), according the Revised European-American Classification of Lymphoid Neoplasms (REAL). The results of this retrospective study, similar to what has been described in other parts of the world, allow us to conclude that bovine lymphomas are basically diffuse and predominantly made of intermediate-grade, large cells, with cleaved or non-cleaved nuclei. These lymphomas are due to neoplastic proliferation of B cells and correspond to almost all (92.6%) to what is currently classified as diffuse large B-cell lymphoma by REAL.

Index Terms: Cattle diseases; enzootic bovine leucosis; lymphoma; lymphosarcoma; classification of lymphoid neoplasms

Introdução

Linfoma, também denominado linfossarcoma, é um neoplasma hematopoiético descrito em várias espécies animais e, em bovinos, dependendo da localização geo­gráfica, é considerado o tumor mais frequentemente incriminado como causa de morte, principalmente em ra­ças leiteiras (Jacobs et al. 2002). Os linfomas bovinos são divididos em dois grandes grupos: enzoóticos e esporádicos. Linfomas enzoóticos são causados pelo vírus da leucemia bovina (BLV, bovine leukemia virus) e ocorrem predominantemente em bovinos adultos, principalmente de raças leiteiras, com idades entre 5 a 8 anos. Os linfomas esporádicos não apresentam nenhuma relação com infecção pelo BLV e são subdivididos em três formas: multicêntrica (também chamado linfoma do bezerro ou juvenil), tímica (também chamado linfoma adolescente) e cutânea (Jacobs et al. 2002, Barros 2007, Fighera & Graça 2010).

Os linfomas representam um grupo heterogêneo de neoplasmas, com uma grande variedade de apresentações morfológicas, principalmente microscópica e muitas manifestações clínicas. Por essas razões, numerosas tentativas têm sido feitas na oncologia humana e veterinária para estabelecer classificações racionais para esses tumores. Devido às numerosas similaridades que existem entre os linfomas de animais e os linfomas humanos não Hodgkin (NHL), a maioria das propostas de classificação em animais foram adaptadas de esquemas consagrados em hematopatologia humana (Ioachim 1994, Parodi 2001, Jacobs et al. 2002), que incluem: método de Rappaport, sistema Kiel, classificação de Lukes-Collins, Working Formulation (WF) of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage (Exposição Sistemática dos Linfomas Não Hodgkin para Uso Clínico) e Revised European-American Classification of Lymphoid Neoplasms (REAL) (Classificação Europeu-Americana Revisada dos Neoplasmas Linfoides) (Ioachim 1994, Parodi 2001, Jacobs et al. 2002, Fighera & Graça, 2010). Em medicina veterinária, todos esses sistemas foram aplicados da forma como foram desenvolvidos, e suas aplicações serviram para demonstrar um surpreendente nível de subtipos de linfomas e leucemias nos animais (Valli et al. 2002).

No Brasil, a classificação utilizada pela maioria dos patologistas veterinários baseia-se na WF. Esta classificação subdivide os linfomas de acordo com: 1) o padrão de distribuição da neoplasia, 2) o índice mitótico, 3) o tamanho das células neoplásicas e, 4) a forma do núcleo (Parodi 2001). Entretanto, atualmente, a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para linfomas em animais já obedece às normas da REAL. Essa classificação divide os linfomas de animais em entidades agrupadas de acordo com as manifestações clinicopatológicas e com a origem dos linfócitos neoplásicos (Fighera & Graça 2010).

Devido à importância do linfoma bovino na rotina diagnóstica do Laboratório de Patologia Veterinária (LPV) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (Lucena et al. 2011, Panziera et al. 2014), o objetivo deste estudo foi realizar a avaliação fenotípica e imunofenotípica desses neoplasmas, através da histologia e da imuno-histoquímica (IHQ), respectivamente.

Material e Métodos

Para classificação microscópica dos linfomas, foram utilizados dois sistemas reconhecidos internacionalmente: WF e REAL. No sistema de classificação da WF (Quadro 1), os tecidos já emblocados em parafina, foram recortados e corados pela hematoxilina e eosina (HE). Os seguintes critérios classificatórios foram adotados: 1) padrão de distribuição (folicular ou difuso), 2) índice mitótico (baixo grau, alto grau ou grau intermediário), 3) dimensão das células neoplásicas (pequenas, grandes ou misto de pequenas e grandes) e 4) formato do núcleo (clivado, não clivado ou misto de clivado e não clivado). Quanto ao padrão de distribuição das células neoplásicas, os linfomas foram classificados em um de dois padrões: uma proliferação que causa obliteração completa da arquitetura normal do tecido (padrão difuso) ou uma proliferação na forma de nódulos (padrão folicular ou nodular). Quanto ao índice mitótico, foram contadas as figuras de mitoses em campo de maior aumento (1.000x) sob imersão. Realizou-se uma média da contagem de 10 campos consecutivos. Os valores de referência para o índice mitótico são os mesmos em todas as espécies animais, pois derivam de valores pré-estabelecidos para linfoma de humanos, ou seja: menor ou igual a 1 (baixo grau), de 2 a 4 (grau intermediário) e maior ou igual a 5 (alto grau). A dimensão das células neoplásicas foi determinada por comparação com o volume dos eritrócitos (5,5 µm). Assim, os linfomas foram considerados como de pequenas células quando essas equivaliam a, no máximo, o volume de um eritrócito e meio; e de grandes células quando essas equivaliam ao volume de dois eritrócitos ou mais.

Quadro 1:
Sistema de classificação através da Working Formulation (WF) of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage (Adaptado de Ioachim 1994).

Para a realização da REAL (Quadro 2) foi utilizada a técnica de IHQ a fim de determinar a origem dos linfócitos neoplásicos presentes em tecidos embebidos em parafina, ou seja, a diferenciação entre linfócitos B e T, utilizando para isso os anticorpos anti-CD79 αcy e anti-CD3, respectivamente. Realizou-se a desparafinização e reidratação dos tecidos e, para recuperação antigênica utilizou-se solução tampão de Tris-EDTA pH 9,0 no forno de micro-ondas em potência alta por 10 minutos. O bloqueio da peroxidase endógena foi realizado com peróxido de hidrogênio a 3% por 20 minutos. Em todos os protocolos, o bloqueio das reações inespecíficas foi realizado com caseína (leite em pó desnatado) a 5% por 30 minutos em temperatura ambiente. Como anticorpo primário utilizou-se anticorpo policlonal anti-CD3 humano e anticorpo monoclonal anti-CD79αcy humano produzidos em coelho e camundongo, respectivamente. Os anticorpos foram diluídos em solução salina tamponada com fosfato com Tween (PBST) na seguinte proporção: 1:400 para o anticorpo anti-CD3 e 1:200 para o anticorpo anti-CD79αcy. Após a diluição, foram incubados na estufa a 37°C por uma hora. O anticorpo secundário (polímero)6 foi utilizado consecutivamente, incubado em temperatura ambiente por 30 minutos e marcado através da adição do cromógeno de tetracloreto de 3-3' diaminobenzidina (DAB)7 por cinco minutos. As lavagens entre as etapas da técnica foram feitas com PBST. A contra-coloração foi realizada com hematoxilina de Harris8. Como controles positivos utilizaram-se tonsilas de bovinos. Como controle negativo utilizou-se uma secção do tecido analisado incubado apenas com PBST. Foram considerados como linfoma de células B, todos os linfomas que tiveram suas células neoplásicas imunomarcadas para CD79αcy, mas não para CD3, e como linfomas de células T, todos os linfomas que tiverem suas células neoplásicas imunomarcadas para CD3, mas não para CD79αcy.

Quadro 2:
Revised European-American Classification of Lymphoid Neoplasms (REAL) (Adaptado de Valli et al. 2002)

Resultados

Todos os 86 casos de linfomas bovinos avaliados histologicamente utilizando os critérios estabelecidos pela WF apresentaram um padrão de distribuição difuso, no qual os linfócitos neoplásicos obliteravam completamente o parênquima dos linfonodos (Fig.1) e variavelmente dos demais órgãos acometidos (Fig.2). Nesses linfonodos, não havia como distinguir córtex e medula, devido ao obscurecimento completo da estrutura nodal ("apagamento nodal"). Em relação à dimensão dos linfócitos neoplásicos, a grande maioria (72/86 [83,7%]) era de grandes células (Fig.3). Linfomas de pequenas células foram diagnosticados infrequentemente (10/86 [11,6%]) (Fig.4). Linfomas mistos, ou seja, com proporção semelhante de pequenas e grandes células, foram ainda menos comuns (4/86 [4,6%]) (Fig.5). Quanto ao número de mitoses, a maioria dos linfomas (73/86 [84,9%]) foram incluídos como de grau intermediário. Linfomas de baixo (9/86 [10,5%]) e alto (4/86 [4,6%]) graus foram incomuns. Alguns linfomas de grau intermediário e todos os de alto grau apresentavam grande quantidade de macrófagos com citoplasma repleto de restos apoptóticos ("macrófagos com corpúsculos tingíveis"), o que dava ao tecido um padrão do tipo "céu estrelado" (Fig.6). No que se refere à morfologia do núcleo, linfomas em que predominavam linfócitos não clivados (50/86 [58,2%]) (Fig.7) ou linfócitos clivados (32/86 [37,2%]) (Fig.8) foram mais frequentes do que aqueles em que havia uma mistura igualmente proporcional de linfócitos clivados e não clivados (4/86 [4,6%]). Com base nesses achados, a prevalência dos diagnósticos morfológicos utilizando a WF pode ser contemplada no Quadro 3.

Fig.1:
Obliteração completa do parênquima do linfonodo ("apagamento nodal") de um bovino com linfoma por um manto denso de linfócitos neoplásicos (padrão difuso). HE, obj.10x.

Fig.2:
Proliferação neoplásica difusa no coração de um bovino com linfoma. Notem que as fibras cardíacas estão dissecadas por uma intensa população de linfócitos tumorais. HE, obj.10x.

Fig.3:
Proliferação difusa de grandes linfócitos (linfoma de grandes células) no linfonodo de um bovino com linfoma. A grande maioria desses linfócitos possui aproximadamente o volume de pelo menos dois eritrócitos. HE, obj.40x.

Fig.4:
Proliferação difusa de pequenos linfócitos (linfoma de pequenas células) no linfonodo de um bovino com linfoma. Há uma população monomórfica de pequenas células com o núcleo formado por cromatina intensamente agregada. Notem a grande diferença de tamanho desses linfócitos quando comparados aos linfócitos da Figura 3. HE, obj.40x.

Fig.5:
Proliferação difusa de pequenos e grandes linfócitos (linfoma misto) no linfonodo de um bovino com linfoma. Nesse tipo histológico há notável diferença de tamanho entre as células tumorais e perda do monomorfismo. HE, obj.40x.

Fig.6:
Proliferação difusa de linfócitos neoplásicos no linfonodo de um bovino com linfoma. Observem a grande quantidade de macrófagos com citoplasma repleto de restos apoptóticos ("macrófagos com corpúsculos tingíveis"). Esse padrão histológico é comparado a um "céu estrelado". HE, obj.40x.

Fig.7:
Proliferação difusa de linfócitos não clivados no linfonodo de um bovino com linfoma. Nesse padrão histológico, praticamente todas as células neoplásicas possuem núcleo arredondado e sem clivagem. HE, obj.40x.

Fig.8:
Proliferação difusa de linfócitos clivados no linfonodo de um bovino com linfoma. Note que uma grande quantidade de linfócitos tumorais possuem dobras nucleares em formato de entrâncias (núcleo [setas]). HE, obj.40x.

Quadro 3:
Prevalência dos 86 casos de linfomas bovinos classificados através da Working Formulation of Non-Hodgkin's Lymphomas for Clinical Usage

Dos 86 casos de linfoma bovino em que foi realizada a técnica de imuno-histoquímica, 27 casos (31,4%) foram positivos para o anticorpo monoclonal CD79αcy, utilizado para detecção de linfócitos B (Fig.9 e 10), e nenhum caso foi positivo para o anticorpo policlonal CD3, utilizado para detecção de linfócitos T. Com base nos resultados, os 27 casos de linfomas confirmadamente reconhecidos como sendo oriundos de linfócitos B foram utilizados para classificação conforme o sistema REAL. Assim, utilizando critérios morfológicos e imuno-histoquímicos, a maior parte (22/27 [81,5%]) dos linfomas foi considerada como linfoma difuso de grandes células B (Fig.11 e 12). Linfoma imunoblástico de grandes células (3/27 [11,1%]) (Fig.13 e 14), outro linfoma de grandes linfócitos B, foi ocasionalmente diagnosticado, assim como linfoma linfoplasmocítico (2/27 [7,4%]) (Fig.15 e 16).

Fig.9:
Linfócitos neoplásicos fortemente imunomarcados para o anticorpo monoclonal CD79αcy no linfonodo de um bovino com linfoma. Obj.20x.

Fig.10: Maior
aumento da Figura 9. Observe a marcada imunoreatividade no citoplasma dos linfócitos tumorais. Obj.40x.

Fig.11:
Linfoma difuso de grandes células B no linfonodo. Esse neoplasma é caracterizado por uma população difusa de grandes linfócitos tumorais. HE, obj.40x.

Fig.12:
Imuno-histoquímica de um linfoma difuso de grandes células B no rim. Há intensa imunomarcação dos linfócitos tumorais para o anticorpo monoclonal CD79αcy. Note também raras células imunomarcadas no interior do glomérulo (setas). Obj.40x.

Fig.13:
Linfoma imunoblástico no linfonodo. Observe que esse tipo histológico é caracterizado por uma proliferação de grandes linfócitos neoplásicos marcadamente pleomórficos. HE, obj.40x.

Fig.14:
Imuno-histoquímica de um linfoma imunoblástico no linfonodo. Note a imunomarcação dos linfócitos pleomórficos para o anticorpo monoclonal CD79αcy. Obj.40x.

Fig.15:
Linfoma linfoplasmocítico no rim. Os linfócitos neoplásicos são pequenos e a maioria possui núcleo excêntrico e citoplasma eosinofílico. Células de Mott são vistas aleatoriamente (detalhe superior esquerdo [seta]). HE, obj.40x.

Fig.16:
Imuno-histoquímica de um linfoma linfoplasmocítico no rim. Há moderada imunomarcação dos pequenos linfócitos para o anticorpo monoclonal CD79αcy. Obj.40x.

Discussão

Esquemas de classificação de tumores linfoides, adaptados da oncologia humana, são amplamente utilizados em medicina veterinária e suas relevâncias dependem de estudos clinicopatológicos (Ioachim 1994, Valli et al. 2002). Trabalhos envolvendo classificação desses neoplasmas são realizados principalmente utilizando pequenos animais, e estão associados com importância prognóstica. Em bovinos, estudos relacionados com classificação de linfomas são escassos, embora esse represente um dos principais tumores dessa espécie. Mais recentemente, para o diagnóstico mais acurado dos linfomas, tornou-se importante, além da classificação com base exclusivamente na morfologia, a determinação imuno-histoquímica do tipo de células (B ou T) (Jacobs et al. 2002). Assim, esses aspectos podem ser avaliados com a utilização concomitante dos sistemas de classificação da WF e REAL.

A WF foi proposta em meados da década de 1980, não como uma nova classificação, mas como um meio de traduzir os diversos sistemas em uso na época (método de Rappaport, sistema Kiel e classificação de Lukes-Collins) e com o intuito de facilitar as comparações clínicas e os tratamentos terapêuticos (Parodi 2001). Um grande estudo de classificação histológica de linfoma em bovinos realizado no Canadá (Vernau et al. 1992), demonstrou a aplicabilidade da WF nesta espécie. Nesse, quase dois terços dos tumores linfoides de bovinos adultos (possivelmente todos enzoóticos) foram classificados como linfomas difusos de grandes células clivadas e linfomas difusos de grandes células não clivadas, ambos os tipos histológicos com prevalências equivalentes (35,5% e 30,6%, respectivamente). Utilizando o índice mitótico como um indicador do grau do tumor, estes dois padrões foram considerados pelos autores (Vernau et al. 1992) como de grau elevado. Dados semelhantes foram observados neste estudo, no qual a grande maioria dos linfomas apresentou esses mesmos padrões histológicos (33,7% e 46,5%, respectivamente), entretanto, os linfomas aqui descritos foram de grau intermediário na sua quase totalidade. Embora tenha sido observada maior prevalência de linfomas de grau intermediário, deve-se levar em consideração esse dado no estudo do comportamento dos linfomas enzoóticos. O envolvimento do vírus da leucemia bovina (BLV) na patogênese desses linfomas pode predispor esses tumores a uma alta taxa proliferativa e a uma perda do comportamento de diferenciação. Além disso, sugere-se que a perda de diferenciação seja responsável pela baixa incidência de linfoma folicular em bovinos (Vernau et al. 1992). Esses linfomas são extremamente raros na espécie bovina, o que contraste fortemente com humanos, no qual esse neoplasma representa mais de um terço (Jacobs et al. 2002).

De maneira geral, a maioria dos linfomas em animais é de grau intermediário a alto grau e constituídos por grandes células (Jacobs et al. 2002). Em cães, diversos estudos demonstram que os linfomas de alto grau (imunoblástico, linfoblástico e difuso de pequenas células não clivadas) representam cerca de dois terços dos linfomas caninos. Os outros 20% dos linfomas nessa espécie são de grau intermediário e de grandes células não clivadas (Carter et al. 1986, Greenlee et al. 1990, Teske et al. 1994, Arespacochaga et al. 2007). Similar aos cães, os gatos possuem linfomas de grau predominantemente intermediário e alto. No entanto, linfomas de grandes células clivadas e linfomas imunoblásticos são bem mais frequentes do que em cães, enquanto que linfomas de grandes células não clivadas e linfomas linfoblásticos são menos prevalentes (Valli et al. 2000, Jacobs et al. 2002). Algumas semelhanças e diferenças podem ser traçadas entre os linfomas bovinos e os linfomas em pequenos animais. A principal similaridade inclui o grau desses tumores, pois assim como observado nesse estudo, tumores de baixo grau são pouco frequentes (Jacobs et al. 2002). Em relação às diferenças, a variação entre os tipos histológicos é a principal delas. Linfoma imunoblástico, por exemplo, apresentam alta prevalência em gatos e cães (aproximadamente 37% e 25%, respectivamente) quando comparados aos bovinos. Neste estudo, por exemplo, os linfomas imunoblásticos perfizeram apenas 3,5% dos casos, ou seja, cerca de 10 e 7 vezes menos comuns do que em cães e gatos, respectivamente.

Diferenças também são observadas entre os linfomas bovinos e os linfomas de equinos e suínos. Em equinos, o linfoma difuso de pequenas e grandes células (linfoma difuso misto) representa o tipo histológico predominante, com aproximadamente 38% dos casos (Jacobs et al. 2002). Neste estudo, o mesmo padrão histológico perfez apenas 4,6% dos linfomas bovinos, semelhante ao descrito por outros autores (Vernau et al. 1992, Jacobs et al. 2002). Em suínos, cerca de 60% dos linfomas são incluídos no tipo difuso de grandes células não clivadas. Entretanto, a grande diferença da espécie suína com a bovina e com as outras espécies, está na ocorrência de linfomas tipo Burkitt. Em um estudo envolvendo 36 suínos com linfoma, 16 casos foram classificados como tipo Burkitt (Hayashi et al. 1988). Linfomas tipo Burkitt são infrequentes ou raros em bovinos e nos demais animais domésticos (Jacobs et al. 2002). Dado semelhante foi observado neste estudo.

A maior prevalência de alguns tipos histológicos em determinadas espécies, pode ser correlacionada com as etiologias dos linfomas. Essa relação pode ser melhor observada em bovinos e felinos, espécies que possuem etiologias virais estabelecidas no desenvolvimento desses tumores. Essa associação entre a etiologia e o padrão histológico representa uma aplicabilidade prática que auxilia no momento do diagnóstico histológico do linfoma. No caso dos linfomas bovinos, a localização dos tumores e a epidemiologia, associado ao tipo histológico, permite a classificação do neoplasma em enzoótico ou esporádico. Esses aspectos são importantes na rotina anatomopatológica, principalmente quando técnicas adicionais não estão disponíveis. Outra aplicabilidade dos sistemas de classificação, particularmente da WF, é em relação ao uso de protocolos quimioterápicos em pequenos animais. A maioria dos estudos demonstra que tumores de alto grau respondem melhor a quimioterapia do que tumores de baixo grau, entretanto, cães com tumores de baixo grau podem ter a doença de progressão bem mais lenta e viver um tempo relativamente longo sem um tratamento agressivo (Gray et al. 1984, Teske et al. 1994, Kiupel et al. 1999).

Um aumento na sofisticação das análises citogenéticas e imuno-histoquímicas dos linfomas em medicina veterinária, associada a uma crescente disponibilidade de marcadores imunológicos, resultou, nos últimos anos, na implementação do sistema REAL para animais. Esse esquema fornece uma extensa subdivisão dos linfomas e baseia-se principalmente na interação da morfologia e com o imunofenótipo (Parodi 2001, Valli et al. 2002, Fighera & Graça 2010). Com base nessa revisão, os tumores linfoides (linfomas e as leucemias linfoides) são classificados em quatro grandes grupos: neoplasias de células B precursoras, neoplasias de células T precursoras, neoplasias de células B maduras e neoplasias de células T maduras e células nulas (Valli et al. 2002). Neste estudo, assim como é descrito na literatura (Valli et al. 2002, Valli 2007), linfoma difuso de grandes células B, representou o linfoma bovino mais prevalente de todos, perfazendo cerca de 80% dos casos. Linfomas de grandes células, presuntivamente do tipo de células B, são os tumores de maior ocorrência em bovinos, felinos, equinos e suínos (Valli et al. 2002). Dois terços dos linfomas em bovinos são do tipo de grandes células B, sendo que aproximadamente metade dos quais estão associados com a infecção pelo BLV e tendem a ter maior variação na forma nuclear, mais comumente relacionada a dobras nucleares em formato de entrâncias, ou seja, correspondem aos linfomas difusos de grandes células clivadas da WF (Valli 2007).

Analisando o conjunto dos dados obtidos, principalmente aqueles relacionados com os tipos histológicos encontrados na WF, pode-se inferir através da IHQ uma maior prevalência de linfomas B. Do total de amostras analisadas, aproximadamente um terço (31,4%) puderam ser confirmadas através dessa técnica como linfomas que se originaram dessas células. Vários fatores podem ter contribuído para a ausência de imunomarcação nos cerca de dois terços restantes dos casos (68,6%). Dentre eles devem ser considerados, por exemplo, o tempo de fixação em formol. As amostras foram remetidas ao longo de cerca de 50 anos, sendo que vários cuidados relativos ao tempo de fixação ideal para IHQ possivelmente não foram tomados nas primeiras décadas. Adicionalmente, mesmo em casos mais recentes, muitas amostras foram remetidas fixadas em formol por tempo indeterminado. Sabe-se que a imunomarcação, mesmo após a aplicação de métodos de recuperação antigênica, pode ficar muito comprometida pela fixação prolongada em formol. Outro fator observado foi a autólise de algumas amostras, que não interferiu criticamente na interpretação das características histológicas, mas resultou em imunomarcação negativa de alguns casos (Ramos-Vara 2005, Ramos-Vara & Miller 2014).

Conclusões

Os resultados aqui apresentados permitem concluir que à semelhança do que é descrito em outras partes do mundo, os linfomas bovinos são basicamente difusos e predominantemente de grau intermediário, de grandes células, com núcleos clivados ou não clivados.

Esses linfomas são decorrentes da proliferação neoplásica de linfócitos B e correspondem, em sua quase totalidade, ao que atualmente é classificado no sistema REAL como linfoma difuso de grandes células B.

Referências

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  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor
  • 6
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Aceito
    12 Fev 2016
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