Resumos
O presente estudo avaliou a diversidade e estrutura da vegetação de fragmentos de floresta aluvial no Município de São Sebastião da Bela Vista, MG, e as principais variáveis ambientais que influenciam essa vegetação. Os estudos das variáveis ambientais (dados de amostras superficiais dos solos, nível freático no solo, cobertura do dossel e impactos ambientais) e da composição e estrutura da vegetação arbórea (DAP ³ 5 cm) foram conduzidos em 54 parcelas de 200 m², alocadas em floresta ciliar com influência aluvial e em cinco fragmentos de floresta aluvial. Nas parcelas, foram registrados 2.064 indivíduos pertencentes a 51 espécies. A análise de correspondência canônica detectou gradiente de distribuição das espécies arbóreas no eixo 1, de acordo com os valores no solo de: profundidade do nível freático, porcentagem de areia e argila e teores de Mg, matéria orgânica e H + Al. O eixo 2 esteve correlacionado com as variáveis cobertura do dossel e porcentagem de silte no solo. Estas variáveis ambientais ocasionaram a formação de grupos de parcelas, de acordo com a distribuição das espécies.
áreas inundáveis; componente arbóreo; fitossociologia
Fragments of alluvial forest in the South of Minas Gerais, Brazil, were studied in order to assess the vegetation structure, tree diversity and the most influential environmental variables on vegetation variations. The environment and vegetation data (dbh ³ 5 cm) were collected in 54, 20 × 10 m, permanents plots allocated in a riverine forest and in five fragments of alluvial forests. In the plots, the survey totalled 2,064 tree individuals, distributed in 51 species. The canonical correspondence analysis detected a tree composition gradient in the first axis, related to Mg, organic matter and H + Al soil content, sand and clay percentage and soil water table level. The CCA second axis was associated with canopy coverage and soil silte percentage. Theses variables caused a plot group formation related to species distribution.
phytosociology; tree component; wetlands
ARTIGOS
Florística e estrutura da comunidade arbórea em fragmentos de floresta aluvial em São Sebastião da Bela Vista, Minas Gerais, Brasil
Tree community floristic and structure of alluvial forest fragments in São Sebastião da Bela Vista, Minas Gerais, Brazil
Ana Carolina da SilvaI, 1, Eduardo van den BergII, Pedro HiguchiI, Ary Teixeira de Oliveira-FilhoIII, João José Granate de Sá e Melo MarquesIV, Vivette AppolinárioIII, Daniel Salgado PifanoIII, Leonardo Massamitsu OgusukuIII; Matheus NunesIII
IUniversidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Agroveterinárias, Departamento de Engenharia Florestal, Av. Luiz de Camões, 2090. B. Conta Dinheiro. 88520-000 Lages, SC, Brasil.
IIUniversidade Federal de Lavras, Departamento de Biologia, 37200000 Lavras, MG, Brasil.
IIIUniversidade Federal de Lavras, Departamento de Ciências Florestais, 37200-000 Lavras, MG, Brasil.
IVUniversidade Federal de Lavras, Departamento de Ciências do Solo, 37200-000 Lavras, MG, Brasil.
RESUMO
O presente estudo avaliou a diversidade e estrutura da vegetação de fragmentos de floresta aluvial no Município de São Sebastião da Bela Vista, MG, e as principais variáveis ambientais que influenciam essa vegetação. Os estudos das variáveis ambientais (dados de amostras superficiais dos solos, nível freático no solo, cobertura do dossel e impactos ambientais) e da composição e estrutura da vegetação arbórea (DAP ³ 5 cm) foram conduzidos em 54 parcelas de 200 m2, alocadas em floresta ciliar com influência aluvial e em cinco fragmentos de floresta aluvial. Nas parcelas, foram registrados 2.064 indivíduos pertencentes a 51 espécies. A análise de correspondência canônica detectou gradiente de distribuição das espécies arbóreas no eixo 1, de acordo com os valores no solo de: profundidade do nível freático, porcentagem de areia e argila e teores de Mg, matéria orgânica e H + Al. O eixo 2 esteve correlacionado com as variáveis cobertura do dossel e porcentagem de silte no solo. Estas variáveis ambientais ocasionaram a formação de grupos de parcelas, de acordo com a distribuição das espécies.
Palavras-chave: áreas inundáveis, componente arbóreo, fitossociologia
ABSTRACT
Fragments of alluvial forest in the South of Minas Gerais, Brazil, were studied in order to assess the vegetation structure, tree diversity and the most influential environmental variables on vegetation variations. The environment and vegetation data (dbh ³ 5 cm) were collected in 54, 20 × 10 m, permanents plots allocated in a riverine forest and in five fragments of alluvial forests. In the plots, the survey totalled 2,064 tree individuals, distributed in 51 species. The canonical correspondence analysis detected a tree composition gradient in the first axis, related to Mg, organic matter and H + Al soil content, sand and clay percentage and soil water table level. The CCA second axis was associated with canopy coverage and soil silte percentage. Theses variables caused a plot group formation related to species distribution.
Key words: phytosociology, tree component, wetlands
Introdução
Dentre os fatores que podem causar a fragmentação natural de hábitats estão incluídos os processos hidrogeológicos, que produzem áreas com inundação temporária ou permanente (MMA 2003), mescladas com áreas mais elevadas, com conseqüente menor saturação hídrica. Nas áreas mais baixas e saturadas, na maioria das vezes, há o impedimento de formação de vegetação arbórea, predominando uma vegetação herbácea adaptada, enquanto que nas elevações, há o desenvolvimento do estrato arbóreo, formando fragmentos florestais naturais que, durante a estação chuvosa, podem ser alagados. Além destas áreas, que normalmente estão em planícies associadas a cursos de água, existem as florestas ciliares sobre os diques, margeando o curso de água, que também podem estar sujeitas às inundações sazonais. Devido à intensidade e à freqüência das inundações, às mudanças graduais no curso da água e à dinâmica de remoção e deposição de sedimentos, a comunidade biótica das áreas sujeitas às inundações, denominada de floresta aluvial, está em constante instabilidade e reorganização, pois seu estabelecimento, crescimento e reprodução são influenciados pelos níveis da água (Salo & Räsänem 1990).
Apesar de serem consideradas áreas de preservação permanente pela Lei número 4.771, de 15/09/1965, do Código Florestal (Milaré 1991), as matas ciliares, e entre elas as florestas aluviais, estão entre as mais ameaçadas, pois são sistemas complexos (Rodrigues & Nave 2000) e frágeis ao impacto antrópico (van den Berg & Oliveira-Filho 2000). Muitas destas florestas, essenciais para a manutenção dos recursos hídricos, a proteção de cursos de água, além de servirem como corredores ecológicos e hábitat para a flora e a fauna (Barrella et al. 2000, Lino & Dias 2003), estão também fragmentadas, devido às ações antrópicas.
Em Minas Gerais, poucos estudos fitossociológicos têm sido realizados em florestas aluviais, dentre os quais se destacam os realizados na bacia do Rio Grande (Botrel et al. 2002, Pereira et al. 2006, Vilela et al. 2000, van den Berg et al. 2006), bacia do Rio Doce (Meira Neto et al. 1997, Meira Neto et al. 2003) e na bacia do Rio Paranaíba (Schiavini 1992). Na sub-bacia do Rio Sapucaí, pertencente à bacia do Rio Grande, não foi encontrado nenhum estudo. Considerando a importância das áreas aluviais, assim como a escassez de estudos nestas florestas, os objetivos deste trabalho foram: i) conhecer a diversidade e a estrutura da vegetação de fragmentos de floresta aluvial no Médio Sapucaí, no Sul do Estado de Minas Gerais e ii) identificar as principais variáveis ambientais que influenciam essa vegetação. As hipóteses foram: i) áreas aluviais possuem baixa diversidade e elevada dominância ecológica; ii) o componente arbóreo dos fragmentos estudados apresenta variações florísticas e estruturais que refletem a heterogeneidade ambiental definida pelas variações na profundidade de nível freático e características físico-químicas no solo, cobertura do dossel e na intensidade dos impactos ambientais.
Material e métodos
Descrição das áreas de estudo e desenho amostral Foram estudados um fragmento de mata ciliar e cinco fragmentos florestais na planície aluvial após o dique da mata ciliar (figura 1) localizados no Município de São Sebastião da Bela Vista, Minas Gerais, nas coordenadas geográficas limites de latitude 22°05'57" S a 22°07'22,5" S e longitude 45°48'05" W a 45°48'53,5" W, a 809 m de altitude. A região está localizada na bacia hidrográfica do Rio Sapucaí, que integra a bacia do Rio Grande, com relevo predominante entre o plano e o suave ondulado, com as formas planas sujeitas às inundações periódicas. Junto ao Rio Sapucaí, além da mata ciliar, existem vários fragmentos florestais naturais e antropizados, que estão localizados em matriz de vegetação herbácea associada a solos com condições de saturação hídrica inviáveis ao estabelecimento da vegetação arbórea. Nas partes mais elevadas do relevo, o grau de saturação hídrica diminui e há o estabelecimento do componente arbóreo, formando, assim, fragmentos em meio a áreas mais saturadas. Segundo a classificação de Köppen, o clima predominante na região é mesotérmico úmido, com dois a três meses secos ao ano, enquadrado no tipo Cwb (temperatura média do mês mais frio inferior a 18°C e do mês mais quente não ultrapassa 22°C) (Brasil 1992). A região Sul mineira enquadra-se em zona de influência dos domínios vegetacionais do Cerrado e da Floresta Atlântica (Rizzini 1997) e as formações florestais são classificadas como Florestas Estacionais Semideciduais Aluviais (IBGE 1992).
Os estudos das variáveis ambientais e da composição e estrutura da vegetação arbórea foram conduzidos em 54 parcelas de 200 m2 (10 × 20 m), totalizando 1,08 ha de área amostrada. Foram alocadas 24 parcelas na mata ciliar e seis em cada um dos cinco fragmentos aluviais estudados. As parcelas foram distribuídas nas áreas, de forma a amostrar adequadamente as suas variações ambientais, tendo, em cada fragmento, sido alocadas três parcelas nas bordas e três no interior do fragmento, com exceção do fragmento 5, onde todas as parcelas foram alocadas na borda ou próxima a esta, devido ao seu tamanho reduzido e formato alongado. Foi considerada como borda a área localizada nos primeiros 15 m para o interior da floresta, devido às pequenas dimensões dos fragmentos e pequena largura da mata ciliar. Embora alguns autores considerarem que o efeito borda possa ocorrer em distâncias maiores (e.g. Murcia 1995), é nos primeiros metros que os efeitos são mais intensos.
Na mata ciliar, foram alocadas nove parcelas na borda junto ao rio, nove parcelas na borda junto à matriz de campo circundante, e seis parcelas no interior da mata ciliar. O fato de a mata ciliar ser muito estreita em alguns trechos explica a menor quantidade de parcelas no seu interior. A borda ao lado do rio está mais propensa ao alagamento sazonal e possui o terreno mais baixo, que vai se tornando mais alto, à medida que se aproxima do interior da mata, formando um dique. Já os fragmentos florestais estão localizados na planície aluvial (figura 1).
Variáveis ambientais - Os solos de cada parcela foram classificados, no campo, de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos (Embrapa 1999) até o quarto grupo categórico e suas propriedades físico-químicas obtidas por meio de amostras compostas em cada parcela, oriundas de três coletas realizadas no perfil de 0 a 20 cm. As análises foram realizadas nos Laboratórios de Fertilidade e de Física de Solos da Universidade Federal de Lavras (UFLA), seguindo o protocolo da Embrapa (1997). Foram quantificados pH, fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg), matéria orgânica (MO) e teores de areia, silte e argila nos solos, e também calculado o índice H + Al. A altura do nível freático no solo de cada parcela foi mensurada uma vez a cada dois meses, durante um ano, por meio da instalação de poços de observação de um metro de profundidade (Barddal et al. 2004, Ivanauskas 2002).
Para verificar a cobertura do dossel, foram feitas observações da luminosidade no centro de cada parcela e atribuídas notas de zero a cinco, em que zero correspondeu à menor abertura observada e cinco à maior abertura observada. A avaliação dos impactos ambientais foi feita por meio da observação de presença de trilhas, de impactos causados pelo gado e do corte seletivo de árvores dentro das parcelas. Foram atribuídas notas de zero a cinco, sendo zero para a ausência de impacto observável.
Composição e estrutura da vegetação arbórea - Todos os indivíduos arbóreos vivos que apresentaram diâmetro medido a 1,30 m de altura (DAP) igual ou superior a 5 cm foram identificados e mensurados (DAP e altura total). Indivíduos com caules múltiplos foram medidos quando a soma das áreas basais das secções dos caules correspondia a uma área basal igual ou maior que a de um caule único com 5 cm de DAP. As identificações foram realizadas por meio de consultas a especialistas, à literatura e herbários. Os espécimes coletados foram depositados no Herbário ESAL (UFLA). As espécies foram classificadas nas famílias reconhecidas pelo sistema APG II (2003) e as grafias dos nomes dos autores foram uniformizadas, seguindo a padronização proposta por Brummitt & Powell (1992).
Análise dos dados - Foram realizadas análises usando o teste de Kruskal-Wallis, no programa Statistica (StatSoft 2001), para a comparação entre as classes de solo encontradas em termos das médias das variáveis químicas, texturais e de nível freático no solo.
A diversidade foi avaliada pelo índice de Shannon-Wiener (H'), equabilidade de Pielou (J') (Brower & Zar 1984) e o estimador de riqueza Jackknife de primeira e segunda ordem (Heltsche & Forrester 1983), calculados pelo programa R (R Development Core Team 2005).
A estrutura do componente arbóreo foi descrita a partir do cálculo, para cada espécie, dos parâmetros quantitativos (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974): densidade absoluta e relativa, freqüência absoluta e relativa, dominância absoluta e relativa e valor de importância (VI). A distribuição diamétrica foi representada para: i) as três espécies com maior VI, ii) a comunidade da área total, e iii) a comunidade de cada fragmento e da mata ciliar. As classes de distribuição de diâmetro foram definidas de forma a ajustarem-se aos números de indivíduos encontrados e à amplitude da variação do diâmetro na área, conforme a seguir: Classe 1, de 5 a 8,9 cm; Classe 2, de 9 a 16,9 cm; Classe 3, de 17 a 32,9 cm; Classe 4, de 33 a 64,9 cm e Classe 5, acima de 65 cm. Como sugerido por Oliveira-Filho et al. (2001), foram empregados intervalos de classe com amplitudes exponencial crescentes para compensar o decréscimo da densidade nas classes de tamanho maiores, típico da distribuição J-invertido. De acordo com os mesmos autores, estes intervalos permitem melhor representação das classes diamétricas maiores e de baixa densidade, o que é desejável em comparações gráficas.
Para o estudo das interações entre espécies (³ 5 indivíduos) e variáveis ambientais, foi empregada a Análise de Correspondência Canônica (CCA) (ter Braak 1987), junto com o teste de permutação de Monte Carlo, para a verificação das significâncias, no programa PC-ORD versão 4.14 (McCune & Mefford 1999). Após análises preliminares, foram eliminadas as variáveis com correlações fracas com os dois primeiros eixos de ordenação (r < 0,5).
Resultados e discussão
Variáveis edáficas - Foram identificadas quatro classes de solos: Neossolos Flúvicos Tb distróficos câmbicos (RUbd), situados na mata ciliar (parcelas 1 a 24); Cambissolos Húmicos Tb distróficos gleicos (CHd), situados no fragmento 2 (parcelas 31 a 36) e em duas parcelas do fragmento 1 (28 e 30), ambientes mais secos entre os fragmentos; Gleissolos Melânicos distróficos hísticos (GMdh), situados nos fragmentos 3 e 4 (parcelas 37 a 48), na maioria das parcelas do fragmento 1 (25 a 27 e 29) e nas parcelas 49 e 51 a 53 do fragmento 5, ambientes com nível freático próximo à superfície do solo a alagados no período de maior pluviosidade, e Gleissolos Melânicos distróficos típicos (GMdt), localizados nas parcelas 50 e 54 do fragmento 5, parcelas menos saturadas deste fragmento. No fragmento 1, houve predominância do solo GMdh, que é um solo mais saturado. Porém, duas parcelas de interior (28 e 30) obtiveram o solo CHd, com menor saturação hídrica. Isso ocorreu porque, nesse fragmento, as parcelas próximas da borda estão em um nível do terreno mais baixo, com nível freático próximo à superfície do solo, enquanto que as parcelas de interior apresentaram menor influência da água.
P, Ca, Mg, H + Al, pH e MO foram significativamente diferentes entre os tipos de solos (Neossolos, Cambissolos e Gleissolos), assim como as variáveis texturais porcentagem de areia, silte e argila e o nível freático no solo (tabela 1). Os Neossolos, tipo de solo encontrado na área de mata ciliar, são solos mais bem drenados que os solos dos fragmentos, apresentando maior porcentagem de areia e menor de argila no perfil superficial. Neste solo, não foi registrada água a 1 m de profundidade, em todos os meses, nos poços de observação, resultando em menor acúmulo de matéria orgânica, ao contrário dos outros tipos de solos. Os Gleissolos, que foram os solos mais saturados, com nível freático mais próximo à superfície, obtiveram maior acúmulo de matéria orgânica, resultando em grande quantidade de P e H + Al disponível. Em um gradiente de saturação hídrica, os Cambissolos foram solos intermediários entre os Neossolos e Gleissolos, obtendo também, algumas vezes, valores intermediários das outras variáveis mensuradas (tabela 1).
Florística, estrutura e diversidade do componente arbóreo - Foram identificadas 82 espécies, pertencentes a 62 gêneros e a 34 famílias botânicas nas áreas aluviais estudadas (tabela 2). As famílias com maior número de espécies foram Myrtaceae, com 17 espécies, seguida por Fabaceae com 12 espécies e Lauraceae, com sete espécies, que, juntas, respondem por 43,9% da riqueza. Em diversos estudos, como Loures (2006), em mata paludosa e Araujo et al. (2004), em floresta aluvial, foi encontrado Myrtaceae como a família mais abundante, indicando ser uma família com espécies adaptadas à saturação hídrica. Myrtaceae é também uma das maiores famílias da flora brasileira (Souza & Lorenzi 2005), sendo encontrada em diferentes ecossistemas. Os gêneros com maior número de espécies foram Myrcia (6), Eugenia (5), Machaerium (3), Nectandra (3) e Ocotea (3) que, juntos, representam 24,4% do total das espécies.
Nas 54 parcelas, foram amostrados 2.064 indivíduos, pertencentes a 51 espécies, 40 gêneros e 23 famílias botânicas (tabela 3), ou seja, 31 espécies (37,80%) foram registradas fora das parcelas, inclusive em locais relativamente mais secos, como no dique de origem antrópica que atravessa o fragmento 4. Porém, as 51 espécies encontradas dentro das parcelas representam 82,4% a 85,2% da riqueza esperada pelos estimadores Jackknife de primeira e segunda ordem, que tiveram valores de 59,9 e 61,9 espécies, respectivamente. No levantamento florístico, o número de espécies foi de 82, superando o número de espécies esperado pelos estimadores Jackknife.
Sebastiania commersoniana (VI = 28,4%), com 791,67 ind ha-1 presentes em 52 das 54 parcelas, Inga vera (VI = 13,6%) e Guarea macrophylla (VI = 11,9%) foram as espécies que mais se destacaram na amostragem (tabela 3). Inga vera possuiu menor densidade absoluta (200 ind ha-1), porém, maior dominância absoluta (8,77 m2 ha-1) do que Guarea macrophylla (262,04 ind ha-1; 4,98 m2 ha-1), o que justifica seu maior VI. Juntas, essas três espécies representam 53,9% do VI total da área, o que explica o baixo valor de J (0,601). O valor de H' obtido para a área foi considerado baixo: 2,36 nats ind1. Martins (1993), com base em diversos trabalhos, considerou que, para a Mata Atlântica, o H' varia entre 3,61 e 4,07, em florestas não inundáveis. Em um estudo em área aluvial no Município de Madre de Deus de Minas, MG, Vilela et al. (2000) também observaram baixa diversidade de espécies (H' de 0,93 nats ind-1) e uma alta dominância de Salix humboldtiana e Inga vera (J de 0,45). Essa alta dominância e baixa diversidade estão associadas ao ambiente restritivo e seletivo, favorecendo poucas espécies adaptadas a estas condições (Rocha et al. 2005, van den Berg et al. 2006, Vilela et al. 2000).
Verifica-se que a maioria dos indivíduos de Inga vera, ao contrário de Sebastiania commersoniana e Guarea macrophylla, está concentrada nas Classes 2 e 3 de diâmetro, entre os diâmetros de 9 a 32,9 cm, tendo distribuição próxima da normal (figura 2). Inga vera é também, entre as espécies estudadas, a que possuiu mais indivíduos na Classe 4 de diâmetro (17 a 32,9 cm), indicando indivíduos maiores na área, como já demonstrado pela área basal (tabela 3).
Quando há grande número de indivíduos jovens em relação a indivíduos adultos, a população está estável e provavelmente crescendo, porém, poucos indivíduos jovens podem indicar que a população está em declínio, pois não há regeneração natural suficiente, que pode ser característica da espécie ou, como muitas vezes ocorre, influência da intervenção antrópica (Condit et al. 1998). Porém, Schaaf et al. (2006) concluíram, em seus estudos, que o grande número de indivíduos nas classes inferiores de diâmetro nem sempre é um indicativo de que a espécie irá manter uma população viável.
Uma espécie com poucos indivíduos nas classes inferiores de diâmetro, mas com pequena probabilidade de morrer devido à competição, provavelmente se manterá na floresta, enquanto que uma espécie com grande parte dos indivíduos sujeitos a morrer, devido à competição, necessita apresentar uma grande freqüência nas classes diamétricas inferiores para ter alguma chance de sobreviver na comunidade. Assim, pode-se concluir que a distribuição diamétrica reflete as características auto-ecológicas das espécies (Schaaf et al. 2006).
Em toda área, além de Inga vera, as outras espécies que ocupam o estrato superior do dossel (h ³ 20 m) são: Alchornea triplinervia, Eugenia florida, Vitex megapotamica, Duguetia lanceolata e Copaifera langsdorffii (tabela 3). As espécies que ocorrem somente no sub-bosque (h < 8 m) são: Picramnia sellowii, Eugenia sp., Myrciaria tenella, Guettarda viburnoides, Eugenia blastantha, Myrcia multiflora, Plinia cauliflora, Myrcia laruotteana, Andira fraxinifolia, Lacistema hasslerianum e Ficus luschnathiana. Considerando a distribuição diamétrica da comunidade, constatou-se tendência ao padrão J invertido (figura 2), não sendo um J invertido típico, provavelmente devido ao aumento crescente dos intervalos de diâmetro abrangidos pelas classes. Em populações importantes dentro da comunidade, como as de Sebastiania commersoniana e Inga vera, não foi observada esta estrutura, pois houve menos indivíduos de menores diâmetros, o que pode ser devido à característica ecológica da espécie ou à fatores ambientais. Apenas Guarea macrophylla, dentre as espécies com maior VI, apresentou população com tendência ao J invertido (figura 2).
Verifica-se a tendência de padrão J invertido no componente arbóreo de alguns fragmentos, porém, na mata ciliar, houve distribuição diamétrica com maior número de indivíduos nas Classes 2 e 3 de diâmetro (9-32,9 cm), tendendo à distribuição de normal (figura 3). Inga vera contribuiu pouco para a tendência à distribuição normal, pois, apesar de a mata ciliar possuir grandes indivíduos desta espécie, estes representam apenas 63 dos 650 indivíduos presentes na área. Além disso, a mata ciliar possui o mesmo padrão de dominância ecológica de toda área, com mais indivíduos de Sebastiania commersoniana, seguida por Guarea macrophylla.
Na mata ciliar, ao contrário dos fragmentos, o nível freático ficou abaixo de 1 m de profundidade do solo durante todas as medições nos poços de observação. Porém, há evidências de alagamentos temporários provocados por enchentes, como a presença de sedimentos sobre plântulas durante a época de maior pluviosidade. Nesses locais, onde o processo de sedimentação e a grande velocidade do rio dificultam o estabelecimento de plântulas, a regeneração natural pode ser menor, o que, provavelmente, é uma das causas da menor ocorrência de indivíduos de pequeno porte, ressaltando-se, porém, que os menores indivíduos avaliados neste estudo possuem 5 cm de DAP.
Segundo Rodrigues & Shepherd (2000), a inundação ocorrente na faixa ciliar é instrumento natural de perturbação da vegetação, pois o extravasamento do rio provoca o soterramento ou remoção periódica da serapilheira, do banco de sementes e mortalidade de plântulas, dificultando a regeneração natural.
Distribuição das espécies - Os autovalores da CCA para os três primeiros eixos de ordenação foram de 0,270 (eixo 1), 0,221 (eixo 2) e 0,113 (eixo 3). Autovalores baixos (< 0,5 sensu ter Braak 1995) indicam a existência de gradiente curto, com baixa substituição de espécies entre extremos e predominância de variações na abundância das espécies. Os três primeiros eixos explicaram apenas 23,7% da variância dos dados (eixo 1 = 10,6%, eixo 2 = 8,7% e eixo 3 = 4,4%), indicando grande variância remanescente não explicada pelas variáveis ambientais utilizadas. No entanto, isso é comum em dados de vegetação e não prejudica a significância das relações espécie-ambiente (ter Braak 1987), mesmo porque os três primeiros eixos de ordenação obtiveram altas correlações de Pearson (0,908, eixo 1, 0,815, eixo 2 e 0,795, eixo 3) e o teste de permutação de Monte Carlo indicou correlações significativas para os três eixos (P = 0,01) entre abundância das espécies e variáveis ambientais. As variáveis ambientais mantidas na CCA por possuírem correlações altas com os dois primeiros eixos de ordenação (r < 0,5) foram: teores de Mg, H + Al e MO, porcentagem de areia, silte e argila no solo, nível freático no mês de maior encharcamento e cobertura do dossel. As variáveis com correlações fracas com os dois primeiros eixos da CCA, como o impacto ambiental, não explicaram de forma significativa a distribuição das espécies na área. As variáveis mais correlacionadas com o primeiro eixo foram teores de matéria orgânica, teores de H + Al, profundidade do nível freático no solo e porcentagem de argila (tabela 4). A variável ambiental mais correlacionada com o segundo eixo foi cobertura do dossel.
Foram altas e positivas as correlações ponderadas entre teor de matéria orgânica, teores de H + Al, altura máxima do nível freático e teor de argila (tabela 4). Já o teor de areia teve correlação negativa com todas essas variáveis. Isso ocorreu devido à presença de dois extremos ambientais ocasionados pelos processos geomorfológicos da dinâmica de sedimentação da área. Durante as cheias do rio, pode ocorrer seu extravasamento e sedimentos são depositados na mata ciliar ou levados a distâncias maiores, na planície após o trecho de mata, onde estão localizados os fragmentos. Os sedimentos maiores e mais pesados (predominantemente arenosos) são depositados mais próximo do rio, no dique marginal da mata ciliar, enquanto que os sedimentos mais finos e leves (predominantemente argilosos) são carregados, pelas águas das cheias, a uma distância maior do rio (fragmentos na planície aluvial) (Ab'Saber 2000). Os resultados encontrados confirmam este padrão, pois foram encontrados solos mais argilosos nos fragmentos e solos mais arenosos na mata ciliar (tabela 1).
A maior porcentagem de argila no solo dificulta a infiltração de água, colaborando para a sua retenção e formando solos saturados, como os encontrados nos fragmentos. Com a baixa disponibilidade de oxigênio nestes solos, não há suficiente decomposição da matéria orgânica, ocorrendo seu acúmulo e ocasionando o aumento da acidez do solo (maior disponibilidade de H). Ao contrário, os solos da mata ciliar, mais arenosos em comparação com os dos fragmentos, possuem maior eficiência da infiltração de água, não proporcionando sua retenção e nem a acumulação de matéria orgânica. Em outros estudos, como o de van den Berg et al. (2006), a textura do solo foi também um importante fator condicionante da distribuição das espécies na floresta aluvial localizada na bacia do Rio Preto (pertencente à bacia do Rio Grande), Sul de Minas Gerais.
Foi possível constatar, na CCA, a separação de grupos de parcelas de acordo com a distribuição das espécies, associada ao ambiente no qual se encontram (figura 4). Em relação ao primeiro eixo, da esquerda para a direita do gráfico, houve o aumento dos valores de teor de Mg, porcentagem de areia e profundidade do nível freático (redução do nível freático) e diminuição dos teores de MO, H + Al e argila. À esquerda predominaram parcelas com Gleissolos Melânicos (parcelas 25 a 27, 29, 37 a 54), associados à maior saturação hídrica e, à direita, parcelas com Neossolos Flúvicos (parcelas 1 a 24) e Cambissolos (parcelas 28, 30 e 31 a 36), que são mais bem drenados (figura 4A).
Symplocos tetrandra, Symplocos uniflora, Vitex megapotamica, Myrcia oblongata, Myrcia pulchra, Eugenia sp., Alchornea triplinervia, Myrsine gardneriana, Croton urucurana e Xylosma venosa ocorreram com maior freqüência nos Gleissolos, com maior saturação hídrica (figura 4B). Nectandra megapotamica, Casearia sylvestris, Cecropia pachystachya, Myrciaria tenella, Guarea macrophylla, Pouteria gardneriana e Eugenia florida ocorreram mais freqüentemente nos ambientes mais bem drenados, nos Neossolos e Cambissolos. Sebastiania commersoniana e Inga vera, espécies muito comuns em toda a área, ocorreram tanto em ambientes mais como em menos inundados, neste estudo. Porém, outros autores encontram estas espécies em ambientes com maior saturação hídrica: Vilela et al. (2000) encontraram Inga vera e Botrel et al. (2002) e Pereira et al. (2006) encontraram Sebastiania commersoniana. Casearia sylvestris também foi descrita por Araujo et al. (2004), como espécie mais comum em locais com nível freático mais profundo, confirmando os resultados deste estudo, porém, Botrel et al. (2002) encontraram-na mais freqüentemente em ambiente com maior saturação hídrica, juntamente com Nectandra megapotamica que, neste estudo, foi mais freqüente em ambiente com menor saturação hídrica. Croton urucurana foi também encontrado em ambientes com maior saturação hídrica porVilela et al. (2000) e Botrel et al. (2002), e Vitex megapotamica por Pereira et al. (2006).
Em relação ao segundo eixo da CCA, parcelas alocadas nos Cambissolos (28, 30 e 31 a 36) e nos Gleissolos Melânicos Distróficos Típicos (50 e 54) ficaram abaixo no gráfico, separadas das demais, o que pode ser explicado pelas duas variáveis mais importantes do eixo 2: cobertura do dossel e porcentagem de silte (figura 4A). De cima para baixo no eixo 2 do gráfico de ordenação, ocorre a diminuição da porcentagem de silte e aumento da cobertura do dossel (figura 4). Nas parcelas de Cambissolos houve menor porcentagem de silte (tabela 1), confirmando os resultados encontrados na CCA. A porcentagem de silte nos Gleissolos é de 28,59% (tabela 1), sendo que GMdh possui 29,15% de silte e GMdt 23,0%, um dos fatores que ocasionaram a separação das parcelas dos dois tipos de Gleissolos (GMdh e GMdt) no eixo 2 da CCA (figura 4A).
Os dosséis com maior cobertura foram o da mata ciliar (Neossolos) e os das parcelas alocadas em Cambissolos. A vegetação das parcelas alocadas nos Gleissolos possui dossel mais aberto, provavelmente devido à maior saturação hídrica do solo, o que pode estar ocasionando maior deciduidade das folhas. A deficiência de O2 no solo em áreas com saturação hídrica causa aumento da resistência radicular, reduzindo a absorção de água e, em conseqüência disso, plantas adaptadas a estes ambientes sobrevivem por meio do fechamento estomático (Lobo & Joly 2000) ou abcisão das folhas, mecanismos que evitam a perda de água para a atmosfera.
O presente trabalho confirma o padrão observado em florestas aluviais, de baixa diversidade de espécies arbóreas e elevada dominância ecológica. Também aponta para a importância das variações do nível freático do solo na diferenciação da estrutura do componente arbóreo em pequena escala.
A heterogeneidade ambiental, representada principalmente por fatores edáficos químicos, texturais e de altura do nível freático, ocasionou variações florísticas e estruturais nos fragmentos estudados. Os dois principais extremos ambientais, localizados na mata ciliar, de solos mais arenosos e com nível freático distante da superfície, e em alguns fragmentos de nível freático mais próximo à superfície, com maior porcentagem de argila, matéria orgânica e acidez nos solos, foram determinantes na separação de grupos de parcelas, de acordo com a distribuição das espécies na área, tendo algumas demonstrado maior ou menor ocorrência nos diferentes ambientes.
Agradecimentos Ao pesquisador Marcos Eduardo Guerra Sobral, pela identificação das espécies da família Myrtaceae.
(recebido: 17 de janeiro de 2008; aceito: 5 de março de 2009)
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Ago 2009 -
Data do Fascículo
Jun 2009
Histórico
-
Recebido
17 Jan 2008 -
Aceito
05 Mar 2009