Open-access A vida, a morte e o pós-vida das materialidades de uma igreja demolida para a construção da Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro

The life, death and afterlife of the materialities of a church demolished for the construction of Avenida Presidente Vargas, in Rio de Janeiro

Resumos

Este artigo discute duas disputas técnicas entre engenheiros da Secretaria de Viação, Transporte e Obras Públicas e arquitetos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, durante as obras de abertura da Avenida Presidente Vargas (1937-1945). São elas: a discussão sobre o traçado retilíneo da avenida e a ameaça de demolição de quatro bens tombados, entre os quais duas igrejas de arquitetura colonial, e a proposta de transladação monolítica da Igreja de São Pedro dos Clérigos. Exploramos a ideia de que as demolições são boas para pensar processos de consagração e dessagração do patrimônio. Argumentamos que a ameaça de decomposição da unidade dos bens tombados, especialmente os religiosos, permite discutir o valor das coisas sagradas.

Palavras-chave: obras urbanas; patrimônio histórico; igrejas coloniais; Avenida Presidente Vargas; sagrado.


This paper discusses disputes between engineers and architects during the building of Presidente Vargas Avenue in Rio de Janeiro (1937-1945). The engineers worked for the Secretary of Transport and Public Works and were in charge of the Director Plan for the city. On the other hand, the architects worked for the Service of National Historical and Artistic Heritage, responsible for protecting historical buildings and cultural assets. The remodeling plan menaced the demolition of historical buildings and a public garden, thus opening three controversies: the avenue design and the engineering operation for transferring the colonial church of São Pedro. We explore the idea of demolitions as good food for thought about the consecration and desecration of heritage. We argue that the menace of fragmenting the unity of cultural assets, especially religious ones, enables discussing the value of sacred things.

Keywords: urban works; historical heritage; colonial churches; Presidente Vargas Avenue; sacred


No meio do caminho, tinha uma pedra… 1

Este artigo discute algumas disputas entre engenheiros e arquitetos durante as obras de abertura da Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro (1937-1945). O projeto desta avenida foi concebido pela Comissão Plano da Cidade e apresentado, pela primeira vez, no estande da Secretaria de Viação, Trabalho e Obras Públicas (SVTOP), na XI Feira Internacional de Amostras da Cidade do Rio de Janeiro, realizada em 12 de outubro de 1938. Neste evento, ao lado de estandes de modernas empresas internacionais, como a Siemens e a Philips, a SVTOP levou ao grande público "a noção visual do nosso progresso"2 . A maquete da então chamada Avenida 10 de Novembro prolongava a já construída Avenida do Mangue até o mar. Nas modelagens e nos croquis, não se via mais o "xadrez das ruas estreitas" que caracterizavam o traçado do Centro do Rio de Janeiro, mas uma enorme linha reta, ladeada por prédios de gabarito elevado e "coroada" pela Igreja da Candelária. Aos olhos de alguns especialistas, em particular os arquitetos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a maquete e os croquis da avenida chamaram a atenção: faltavam nessas imagens projetadas da cidade quatro igrejas coloniais, a Praça 11, uma porção do Campo de Santana, prédios de órgãos municipais e de moradia. Abriu-se uma contenda. Engenheiros da Prefeitura do Distrito Federal, de um lado, e arquitetos do SPHAN, de outro, digladiaram-se até 1944, quando as "picaretas da prefeitura" levaram ao desfecho do embate com a demolição de todos os quarteirões previstos no plano de obras da "mais bela avenida do Brasil".

Com base na análise de vasta documentação do Arquivo Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em matérias publicadas em jornais de grande circulação à época do imbróglio e em algumas publicações técnicas da Revista Municipal de Engenharia, analisamos os termos dos debates entre arquitetos e engenheiros sobre o traçado da avenida e o valor da Igreja de São Pedro dos Clérigos, um dos bens que ela encontrou no seu caminho.

Resultado de duas pesquisas mais amplas sobre obras urbanas e demolição de igrejas, coordenadas pelos autores, este artigo tem um objetivo circunscrito. Nele discutimos o caráter transgressor do evento de demolição da Igreja de São Pedro. Tombada como patrimônio histórico e artístico nacional em 1938, em menos de seis anos, ela foi destombada e demolida. O tempo de vida desta igreja colonial como patrimônio nos permite refletir sobre as duas faces dos processos de tombamento. Se podemos pensar a patrimonialização como um processo social de consagração secular, as demolições são seus pares reversos (Goyena 2015), eventos iconoclastas que, pela radicalidade da ruptura, exaltam aquilo mesmo que destroem (Taussig 2023; Toniol 2023). Sustentamos o argumento de que a demolição, assim como o patrimônio, é boa para pensar o valor das coisas. Sugerimos, de maneira não menos transgressora, que as demolições operam decomposições de unidades sagradas em fragmentos de matéria. E não é a morte que se encontra no fim desse processo, mas um pós vida social de coisas que viram entulho, obras de arte, artefatos religiosos.

Neste artigo, discutimos o papel desempenhado por duas classes profissionais nessa empreitada: os engenheiros e os arquitetos. Os primeiros, velhos conhecidos da política, sobretudo em uma cidade de "prefeitos obreiros", estavam, naqueles anos 1930, imersos nas disputas que atravessaram o nascimento do urbanismo como um campo disciplinar (Leme 1999). Desde os anos 1920, eles viam despontar arquitetos empunhando canetas que desenhariam a cidade. As visitas de Le Corbusier em 1929 e 1936 e, sem dúvidas, a contratação do urbanista francês Alfred Agache para elaboração do primeiro plano urbanístico da cidade (Pereira 1996), na gestão de Prado Junior (1926-1930), foram momentos de tensão aguda para os egressos da Escola Politécnica e membros do prestigioso Clube de Engenharia. Os arquitetos, por sua vez, não adentravam as modernas disputas urbanas apenas pelas portas do urbanismo. A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, alçou-os à instituição cujo propósito era proteger "o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico" (Art.1º, Decreto-Lei nº 25, 30/11/1937).

Duas faces de uma mesma moeda, patrimônio e urbanismo lançam luzes sobre o passado que buscávamos rememorar e o futuro que almejávamos construir. As disputas em torno das obras da Avenida Presidente Vargas são um objeto analítico que permite observar, em sua simultaneidade, a invenção do passado colonial e o projeto de um futuro de progresso para a nação brasileira, em um momento no qual os processos de patrimonialização estavam começando a emergir. Nesses processos, consagrar como patrimônio era a forma moderna de narrar um passado do qual se pretendia distanciar (Gonçalves 2004).

Enquanto o SPHAN selecionava estilos, artistas e bens, justificava e hierarquizava escolhas de tombamento, a Comissão Plano da Cidade e a Secretaria de Viação, Trabalho e Obras Públicas emitiam relatórios técnicos sobre os problemas de uma cidade moderna. O trânsito, as ruas abarrotadas de gente, as vielas estreitas e sinuosas eram objetos de análises, cálculos e investimentos públicos, apresentados em detalhados nas páginas da Revista Municipal de Engenharia (CPC, RME, julho 1940:255-359).

A simultaneidade das práticas do urbanismo e da patrimonialização nos fazem pensar o Rio de Janeiro, então capital federal, como uma obra em construção - imagética e material. O que do passado colonial deveria ser preservado, agora como patrimônio nacional? E como o futuro de progresso poderia se inscrever sobre o desenho, a forma e a materialidade de uma cidade de passado colonial? Essas são duas das perguntas que agitaram os debates sobre o Rio nos anos 1930.

O presente artigo está estruturado da seguinte forma. Na primeira seção, descrevemos as justificativas mobilizadas pelo SPHAN para a realização do tombamento da Igreja de São Pedro dos Clérigos; e ainda apontamos para possíveis aproximações entre o dispositivo secular da patrimonialização de um bem e certas dimensões de reconhecimento do caráter sagrado das coisas. Na seção seguinte, contextualizamos o surgimento da Comissão Plano da Cidade, responsável pelo Plano Diretor que previu a remodelação do centro do Rio de Janeiro. Em seguida, entramos no conflito em torno do traçado da Avenida Presidente Vargas. Mais do que a linha reta do traçado da avenida, estava em jogo quais bens imóveis que estavam em seu caminho seriam preservados. Vemos aqui despontar, na retórica política do diretor do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade, uma defesa da arquitetura como um corpo humano, ameaçado por uma "cirurgia" urbana que o "mutilaria", "amputaria", "mataria". Como desdobramento desse embate no qual o urbanismo é a própria ameaça que sustenta a defesa de igrejas coloniais como patrimônio histórico,3 discutimos uma segunda contenda, derivada da primeira, sobre a possibilidade de suspensão da Igreja de São Pedro dos Clérigos por macacos hidráulicos e seu transporte inteiriço até outro ponto da avenida. Aqui, a mais moderna engenharia do Instituto Nacional de Tecnologia foi empenhada na defesa da arquitetura religiosa. Apesar dos testes em laboratório, diante dos riscos de destruir o templo, a prefeitura acabou por não operar o "milagre da técnica". Chegamos finalmente à demolição. Em consonância com debates do campo do patrimônio (Goyena 2015; Gonçalves 2015), discutimos as potencialidades das demolições como entradas analíticas para a discussão da unidade e do valor das coisas (con)sagradas, apresentando alguns dos destinos resultantes da dispersão dos fragmentos remanescentes da igreja demolida. Concluímos desdobrando nossas reflexões sobre a demolição como um ato transgressor das auras sagrada e patrimonial da Igreja de São Pedro, mas que inaugura o início do pós-vida das materialidades antes abrigadas pelo edifício destruído.

As consagrações seculares do sagrado: o tombamento da Igreja de São Pedro dos Clérigos

A Igreja de São Pedro dos Clérigos, construída originalmente em 1733, então localizada na altura da Rua Uruguaiana, no centro do Rio, foi um dos primeiros bens tombados pelo SPHAN, logo na primeira leva de bens selecionados e alçados ao estatuto de patrimônio histórico em 1938. Esse templo é apenas um dos bens de um volumoso conjunto de edificações religiosas que foram patrimonializadas pelo SPHAN naquele primeiro momento.4 Tombar bens religiosos não se trata de uma particularidade brasileira. Aqui e em outros Estados nacionais, a afinidade entre religião e patrimônio foi intrínseca ao próprio surgimento das primeiras versões de órgãos estatais competentes da patrimoniliazação.5

Com relação à Igreja de São Pedro dos Clérigos, a justificativa para o seu tombamento foi tripla. Seu corpo, frontispício e torres eram dotados de um traçado curvilíneo singular, modelo para a posterior construção de igrejas em Mariana e Ouro Preto, cidades históricas mineiras paradigmáticas do passado colonial que o SPHAN pretendia imortalizar e preservar, naquele final dos anos 1930 (Chuva 2009). No seu interior, os entalhes de Mestre Valentim, escultor de projeção no século XVIII, faziam de seus altares e ornamentos obras de arte colonial de valor único. E sob a terra, jaziam sepultos corpos de figuras excepcionais, como o padre José Maurício, o historiador Monsenhor José de Souza Pizarro e o poeta Silva Alvarenga. O caráter excepcional e único da composição da Igreja de São Pedro dos Clérigos foram exaltados em dezenas de ofícios, cartas e matérias de jornal assinadas por Rodrigo Melo Franco em defesa da preservação do templo, após a apresentação do projeto da Avenida Presidente Vargas. A Igreja São Pedro dos Clérigos era um exemplar dos mais autênticos daquilo que foi classificado pelos intelectuais e técnicos do SPHAN como “arquitetura tradicional do período colonial, representante genuína das origens da nação” (Chuva 2017:42).

Naqueles anos 1930, quando a nação encontrava nas fileiras de intelectuais do SPHAN os seus narradores, o católico remetia ao colonial e o colonial que se queria preservar era, em grande medida, católico. Esse aspecto remete a princípios mais gerais que caracterizaram a política de tombamento do SPHAN em suas primeiras décadas de existência. Naquele período, a rede de intelectuais e agentes públicos responsáveis pela institucionalização do órgão, tais como Rodrigo Melo Franco de Andrade, Gustavo Capanema e Carlos Drummond de Andrade, não somente considerou a produção arquitetônica e artística do século XVIII de Minas Gerais como digna de tombamento, como também a converteu no paradigma modelar das representações acerca do que deveria ser o patrimônio artístico e nacional. Como bem sintetizou Márcia Chuva, “o patrimônio [nacional] passou a ser analisado e comentado à luz do patrimônio mineiro - padrão estético de qualidade” (Chuva 2017:58). Disso depreende-se quatro características centrais da política de patrimonialização do órgão em seus primeiros anos de existência. Em primeiro lugar, privilegiava-se os bens coloniais em detrimento daqueles considerados modernos. O vetor temporal do patrimônio dirigia-se ao passado, uma vez que era percebido a partir de uma condição iminente de “perda”, cabendo às agências de preservação resgatar os bens de um suposto processo de declínio e desaparecimento (Gonçalves 2004). Em segundo lugar, "o patrimônio aparece como um dado individualizado, um objeto que pode ser nitidamente identificado, definido juridicamente e, portanto, preservado, embora sob a perene condição de possível perda de sua forma original ou de sua autenticidade” (Gonçalves 2015:216). O que está em jogo em ambas características é uma determinada concepção de tempo histórico, sempre progressivo, que compreende o futuro como um fim absoluto, percebendo o presente "ora como uma fonte de destruição do passado (daí o risco da “perda”), ora como um campo de possibilidades para construir o futuro, em especial o futuro nacional” (Gonçalves 2015:216). A terceira característica da política de patrimonialização do SPHAN que caracterizou seu período inaugural é a recusa ao ecletismo arquitetônico e artístico, bem como aos bens associados ao império. Trata-se de uma recusa estética, mas sobretudo de uma opção política pela história que a rede de bens tombados pelo SPHAN deve contar sobre a própria nação (Fonseca 1997; Rubino 1991; Santos 1992). Por fim, a atenção aos bens religiosos por parte do SPHAN tem como característica central o exclusivismo católico. A política de patrimônio do órgão excluiu de seu horizonte espaços de culto e objetos sagrados oriundos de qualquer outra matriz religiosa. Foi apenas em 1986, que o primeiro terreiro de Candomblé foi tombado no país, o Terreiro da Casa Branca, localizado em Salvador, na Bahia (Dantas et al 2022).

Mas as afinidades entre religião e patrimônio vão além da seleção das coisas e dos templos religiosos como patrimônio (Lins, Gomes & Machado 2017; Meyer & Van der Port 2018; Gomes & Oliveira 2016). A própria semântica da patrimonialização está carregada por uma espécie de sintática do sagrado. Os atos de patrimonialização e os efeitos da patrimonialização podem ser lidos como eventos de consagração, isto é, de tornar sagrado. A transformação de bens em monumentos define usos e intervenções autorizados, congelando os patrimônios como cristalizações da memória de um outro tempo. Seus valores de troca são restringidos e mesmo seu valor de uso presente e cotidiano é subordinado ao valor histórico6 que o bem assume como meio e mensagem da memória coletiva. Localizado no espaço, mas congelado no tempo, o valor do patrimônio está associado à sua capacidade de ser uma inscrição do passado no presente. Quanto ao valor do bem patrimonializado, este não depende da crença dos observadores, mas a própria coisa emanaria o seu valor extraordinário. Assim como um objeto sagrado, o que há para ser feito com um bem patrimonializável é a justiça do reconhecimento de suas qualidades intrínsecas, e não o ato ad hoc de fabricação do ídolo. O culto do patrimônio também não aceita fetiches.

A patrimonialização consagra o bem por meio de um processo secular. A defesa dos atributos extraordinários - autenticidade, singularidade, excepcionalidade - retira o corpo material de sua vida profana e, por meio da inscrição no Livro do Tombo, canoniza sua extraordinariedade sagrada. Em se tratando da arquitetura religiosa tornada patrimônio, estamos falando de uma superposição de auras e consagrações. Sua aura como espaço do sagrado emana da unidade inquebrantável entre o templo e seus artefatos (católicos, no nosso caso). Mais do que uma soma de conteúdos, a composição entre coisas e espaço cria um ambiente particular, perceptível sensorialmente, criador de um arrebatamento (Meyer 2018). Sua aura como obra de arte (colonial), por sua vez, emana da inviolabilidade da autoria das peças. Seja no traço curvilíneo da construção arquitetônica, seja no traço autoral do Mestre Valentim, a forma confere unidade e singularidade às coisas. Contra as ameaças reais e virtuais da perda da memória, da história, e da alma que nos faria brasileiros (Gonçalves 1996), em seus primeiros anos, os rituais de patrimonialização do SPHAN consubstancializaram a nação em bens imóveis de arquitetura colonial - eis aqui o corpo de Cristo - e, desse modo, permitiram a redenção da nossa cultura (Chuva 2017; Handler 1988). Diferenciado de outros desenhos coloniais destituídos de valor, como o “xadrez de ruas estreitas” do Centro, em sua curta vida, a Igreja de São Pedro dos Clérigos assegurou seu lugar como monumento da brasilidade. Ela foi um exemplar de como os pares fé e nacionalidade, catolicismo e nação foram mobilizados no processo de invenção da nossa comunidade imaginada (Anderson 2008), pelos técnicos e intelectuais do SPHAN (Chuva 2017).

As lógicas da patrimonialização encarnam uma espécie de alegoria do sagrado por meio de seus princípios de preservação da unidade, de consagração e de monumentalidade. Mais ainda, não seria forçoso reconhecer a patrimonialização de espaços, materialidades e construções religiosas como uma das formas privilegiadas de presença da religião no espaço público. O dispositivo estatal da patrimonialização foi uma via de inscrição da religião, a católica, essa que era nossa matriz nacional, no mundo secular e moderno. Como já havia assinalado Emerson Giumbelli (2008) “as formas de presença da religião no espaço público não foram construídas por oposição à secularização, mas, por assim dizer, no seu interior”. Assim, "foi no interior da ordem jurídica encimada por um Estado comprometido com os princípios da laicidade que certas formas de presença da religião ocorreram” (Giumbelli 2008:80-81). E como veremos a seguir, as primeiras maquetes e croquis da Avenida Presidente Vargas não suprimiam completamente o patrimônio histórico. Desde as primeiras versões veiculadas, os desenhos da avenida apagavam do mapa a Igreja de São Pedro, além das igrejas de Bom Jesus do Calvário e de São Domingos, mas adornavam-na com a Igreja da Candelária. Essa "joia" mantida para "coroar" a nova e moderna avenida é uma peça incômoda no jogo de forças, visibilizações e invisibilizações entre o patrimônio e o urbanismo, naqueles anos 1930.

Figura 1:
Igreja de São Pedro dos Clérigos, no encontro entre a Rua de São Pedro e a Rua dos Ourives.

A remodelação do centro da cidade

Na Semana do Engenheiro de 1940, Edison Passos, Secretário de Viação, Transporte e Obras Públicas do Distrito Federal, foi convidado a dar uma conferência na sede da Academia Brasileira de Imprensa (ABI). Naquele mês de dezembro, ele apresentou o Plano Diretor formulado pela Comissão Plano da Cidade. Esta entidade havia sido oficialmente criada em 08 de novembro de 1937 (Decreto-Lei nº 6092/1937), tendo à sua frente os engenheiros José de Oliveira Reis, Hermínio de Andrade e Silva e Armando Stamile. Eram três os principais problemas urbanos que a Comissão e a Secretaria de Viação deveria enfrentar nos anos seguintes: o problema do tráfego, o do saneamento básico da cidade e o das edificações. O primeiro prevaleceu sobre os demais.

Desde 1938, a prefeitura de Henrique Dodsworth (1937-1945) já vinha realizando inúmeras obras novas na cidade do Rio. Em extenso relatório de atividades, publicado na Revista Municipal de Engenharia em julho de 1940 (CPC, RME, julho 1940:255-359), o prefeito listou e mostrou com riqueza de fotografias, as centenas de obras pontuais que vinha realizando por todo o território da capital federal. Nesse documento, Dodsworth chegou a anunciar a proposta de "prolongamento da Avenida do Mangue", mas foi Edison Passos, durante a conferência na ABI, quem justificou a necessidade dessa "nova artéria".

Havia se passado vinte anos desde o governo do presidente Rodrigues Alves e da gestão de Francisco Pereira Passos na prefeitura da cidade do Rio, responsáveis pelo "primeiro ensaio de alteração do velho sistema de xadrez"7 legado por nossa arquitetura colonial. Nesse ínterim, o desmonte do Morro do Castelo, realizado pelo prefeito Carlos Sampaio (Kessel 2001), e a elaboração do Plano Agache, contratado por Prado Júnior (Agache 1930), foram esforços de continuidade das obras de transformação, melhoramento e expansão da cidade, iniciadas por Pereira Passos. Contudo, naquele final dos anos 1930, essas intervenções já eram insuficientes. "O advento do automóvel, cuja influência, ultrapassando de modo geral as previsões, determinou profunda modificação na vida urbana, criando predominância do tráfego nos planos normais de urbanização”8, impunha novo desenho urbano: em "linhas retas" de "artérias funcionais" "abertas", "rasgadas" e "alargadas". Para superar os mais de 40 minutos gastos na travessia entre a zona norte e o centro, a Comissão Plano da Cidade aproveitaria ideias do Plano Agache (1930) e modificaria o centro do Rio por meio da "aplicação do urbanismo". Abriria novas avenidas "largas" que garantiriam o funcionamento de uma "cidade tentacular": Av. Presidente Vargas (como prolongamento da Av. do Mangue), Av. Diagonal (conectando a Lapa ao Campo de Santana), Av. do Contorno (ligando a Praça Mauá à Av. Beira Mar) e a extensão da Av. Almirante Barroso.

Como se vê no croqui de autoria do próprio Edison Passos (Fig. 2), para abertura dessas "artérias" seriam necessárias três principais intervenções urbanísticas no centro da cidade: a demolição dos quarteirões de prédios localizados entre o Canal do Mangue e a Igreja da Candelária, o avanço do aterramento da Esplanada do Castelo e o arrasamento do Morro de Santo Antônio. Como se sabe, esta última obra não foi realizada naquele momento, mas apenas no final da década de 1950. Logo após a conferência de Edison Passos na ABI, no apagar das luzes de 1940, foi aprovado o plano de urbanização da Avenida Presidente Vargas e da Esplanada do Castelo (Decreto nº 6897, de 28 de dezembro de 1940). Os Serviços Técnicos Especiais, responsáveis pelas obras, só seriam criados em setembro de 1941 (Decreto nº 7101, de 15 de setembro de 1941).

Como já destacado, neste artigo, nos dedicamos a discutir as tensões políticas e técnicas que atravessaram o processo de demolição para abertura da avenida, focando em dois momentos dos muitos conflitos que marcaram os canteiros de obras. Na próxima seção, discutimos os embates em torno do traçado da avenida, travados entre o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Secretaria de Viação, Transporte e Obras Públicas, que culminaram na criação do dispositivo de cancelamento do tombamento de bens patrimonializados.

Figura 2:
Croqui com intervenções urbanísticas previstas por Edison Passos, de 11 de setembro de 1940.

A linha reta da avenida e o traço curvilíneo da Igreja de São Pedro dos Clérigos

Em setembro de 1940, antes, portanto, da conferência na ABI, um receoso Rodrigo Melo Franco de Andrade enviou um ofício ao secretário Edison Passos com um apelo: que se apresentasse um "substitutivo ao projeto elaborado pela referida Comissão [do Plano da Cidade]". Tal como projetado nas maquetes e nos croquis da Secretaria de Viação, Transporte e Obras Públicas (Figs. 2 e 3), o prolongamento da Avenida do Mangue "mutilaria" o Campo de Santana e "demoliria" o Edifício da Alfândega e duas igrejas tombadas, "atentado irreparável ao patrimônio histórico e artístico da cidade". Alternativamente, o diretor do SPHAN sugeriu "uma variante do projeto", com "pequeno desvio no trecho compreendido entre o Canal do Mangue e a Praça da República [Campo de Santana]"9.

Como a resposta recebida foi o silêncio da Secretaria, Rodrigo Melo Franco de Andrade seguiu em contato com as autoridades responsáveis. Em meados de outubro de 1940, ele escreveu ao prefeito Henrique Dodsworth e, uma semana depois, ao Ministro de Educação e Saúde, Gustavo Capanema. No apelo ao Ministro, Andrade condenou o "sacrifício dos monumentos" e indagou "qual interesse público deverá prevalecer? (...) realização de obras planejadas pelas autoridades municipais ou conservação dos logradouros e monumentos de valor histórico ou artístico excepcional?10 Na visão do diretor do SPHAN, os dois interesses públicos - o prolongamento da avenida e a preservação do patrimônio histórico - seriam conciliáveis. Bastava que se fizesse um “pequeno desvio” no traçado.

Apesar do encaminhamento do ofício ao presidente Getúlio Vargas, Andrade não foi atendido. Ao ser notificado da criação do Serviço Técnico Especial que levaria adiante as obras da Avenida Presidente Vargas, ele descreveu ao Ministro Capanema "o valor dos monumentos que seriam sacrificados"11. A "mutilação" do Campo de Santana removeria "árvores preciosas" e o "traçado tradicional" elaborado pelo paisagista do império Auguste Glaziou12. A demolição do Edifício da Alfândega subtrairia do patrimônio nacional o desenho do saguão feito pelo arquiteto Grandjean de Montigny, logo após a chegada da Corte Portuguesa em 1808. A demolição da Igreja de Bom Jesus do Calvário e Via Sacra apagaria o "valor histórico" da capela datada de 1719. E a demolição da Igreja de São Pedro dos Clérigos atentaria contra o primeiro "traçado curvilíneo" de templo religioso de toda a América. Esse ofício de Andrade é o primeiro em que ele apresenta a relação dos bens tombados a serem demolidos pelas obras da avenida. A defesa do patrimônio histórico e artístico é a arma empunhada por ele na batalha contra a "linha reta" da nova "artéria" da capital.13

O diretor do SPHAN foi além. Em diálogo com o Ministro Capanema, seu superior, ele discutiu também o aspecto legal da questão. De acordo com o Decreto-Lei nº 25/1937, documento de criação do SPHAN, as "mutilações" e "demolições" de bens tombados eram passíveis de multa. Sem uma deliberação do presidente, capaz de anular o tombamento de um bem, as obras da Avenida Presidente Vargas configurariam "iniciativa ilícita".

O tiro saiu pela culatra. Em resposta ao ofício do diretor do SPHAN, como a ecoar a famosa defesa de Le Corbusier de que "a linha reta é sadia para a alma das cidades", o prefeito Henrique Dodsworth negou a possibilidade de alteração do traçado. "Todos os projetos mantêm o traçado retilíneo", desde o Plano Agache. E prosseguiu questionando o "valor histórico" e a sacralidade dos monumentos defendidos pelo SPHAN: o Edifício da Alfândega não passava de um "casarão imprestável"; a Igreja de Bom Jesus, como o próprio diretor deixara transparecer no seu ofício, tinha "valor secundário"; e a Igreja de São Pedro poderia ser reconstruída em outro lugar. O Campo de Santana teria que se "sacrificar" parcialmente, por se situar no "ponto de concentração do tráfego". Nada de novo na capital federal. O Morro do Castelo, o Convento da Ajuda, a Igreja de São Joaquim e diversas ruas da nossa "tradição colonial" já haviam sido sacrificados "em nome dos imperativos da vida contemporânea de uma cidade viva".14

Ora, mas "não passou despercebida a questão dos monumentos históricos e até, podemos dizer, foi ela objeto de carinhosa apreciação", ponderou o engenheiro da Comissão Plano da Cidade, Hermínio de Andrade e Silva, na segunda resposta enviada a Rodrigo Melo Franco de Andrade.15 Tão grande era o apreço pelo patrimônio que o desejo da Comissão foi "realçá-lo mais possível plena e livremente", destacando a Igreja da Candelária (Fig. 3). O Campo de Santana só teria 4% da sua área “sacrificada". O saguão do Edifício da Alfândega, de autoria do arquiteto francês Grandjean de Montigny, poderia ser reconstituído no futuro Museu da Cidade. E as duas igrejas poderiam ser reconstruídas. "Conjuntos de pedra, massa e madeira poderão ser desmembrados e reunidos depois em outro local", operação para a qual a Secretaria "contaria com a colaboração dos técnicos do SPHAN".16

Figura 3:
Croqui da Avenida Presidente Vargas

Furioso com os ofícios da prefeitura, Andrade apelou novamente ao Ministro Capanema, desta vez dizendo que os interesses da prefeitura e do SPHAN eram irreconciliáveis. As propostas da Secretaria eram a demolição total, a "amputação" e a criação de "cópias ou reproduções" dos monumentos. As reflexões de Rodrigo Melo Franco de Andrade ecoam o problema da aura discutido pelo sociólogo Walter Benjamin (1936 [2012]):

(...) resta ainda ponderar que a cópia ou a reprodução de monumentos e de obras de arte não apresenta nem de longe o mesmo interesse artístico e o mesmo interesse histórico que há na conservação dos originais. Quer do ponto de vista histórico, quer do ponto de vista artístico, a reprodução, por mais fiel e feliz que se consiga, é outra obra. Não há quem ignore que a cópia de um Rembrandt não é um Rembrandt, ou que a casa em que nasceu Duque de Caxias tem um valor histórico bem diferente de outra, idêntica, mas na qual o Duque de Caxias não nasceu. (Andrade 1941; grifo do autor).18

Incansável defensor do patrimônio histórico e artístico contra as ameaças da perda, Rodrigo Melo Franco de Andrade apelou mais uma vez ao "amigo Henrique Dodsworth", mas perdeu a batalha. Em 29 de novembro de 1941, foi publicado o Decreto-Lei nº 3.866, que criou um novo dispositivo jurídico, o do destombamento:

Artigo único. O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto por qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados, aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

Em um gesto de boa vontade, para atender o apelo do diretor do SPHAN, o prefeito Henrique Dodsworth solicitou o cancelamento dos quatro bens tombados que se encontravam no meio do caminho da avenida e, no caso das igrejas, a demolição e reconstrução dos templos em outros lugares.19 Em 08 de janeiro de 1942, a perita Judith Martins cancelou o tombamento dos bens.

O ato administrativo não impediu Andrade de fazer uma última tentativa de preservação das igrejas - o traçado do Campo de Santana e o Edifício da Alfândega, ele dava por perdidos. Em junho de 1943, o Jornal Literário Dom Casmurro publicou duas matérias com ninguém menos do que Alfred Agache, o urbanista que desenhou o primeiro plano de urbanização da cidade. Bandeira Duarte, repórter do periódico, indagou o urbanista se ele veria alternativas ao traçado que preservassem os monumentos na avenida. Agache não se furtou a conceder à prefeitura do Distrito Federal os "aplausos merecidos" pela construção da "mais bela avenida do Brasil". Mesmo encantado com a "marcha dos trabalhos" e a "coragem da operação cirúrgica", ele achava que "a picareta da demolição deve[ria] hesitar como que presa de um terror sagrado". O urbanista deveria cumprir a "arte de embelezar e não de demolir" (Duarte 1943). Na publicação do mesmo periódico na semana seguinte, o "pai espiritual" do projeto da avenida apresentou seus croquis "sem pretensão", como alternativa a "uma avenida demasiado retilínea". Nele, vemos, porém, outra mutilação de bens tombados, transformados em adornos do corpo da avenida.

Esses ajardinados repartidos à direita e à esquerda dessa grande artéria, poderiam ser ornamentados com elementos arquitetônicos de valor tomados aos edifícios demolidos, reunindo, assim, de espaço em espaço, no trajeto, entre as verduras e as flores, lembranças arqueológicas: velhos pórticos de palácios ou igrejas, chafarizes votados ao esquecimento dos quais José Mariano Filho fez uma simpática descrição em uma obra recente. Dar-se-ia assim, um interesse considerável a essa maravilhosa realização destinada a marcar uma etapa grandiosa no progresso da capital brasileira, realização colocada sob o signo do grande patriota e estadista que dirige os destinos do Brasil… (Agache em entrevista a Bandeira Duarte, 1943).

Figura 4:
Propostas de Agache para preservação das Igrejas de São Pedro dos Clérigos e Bom Jesus do Calvário e Via Sacra publicadas no jornal Dom Casmurro, em 12 de jun. de 1943

Vemos aqui que a ameaça contra o patrimônio fazia emergir a força da sua sacralidade. Engenheiros, urbanistas e arquitetos do SPHAN compartilhavam uma mesma gramática do espaço: a cidade era um corpo. Intervenções urbanísticas eram “cirurgias" para abertura ou desobstrução de “artérias" e a boa circulação pela cidade era sinal de saúde do organismo. A arquitetura dava alma ao corpo. Os estilos arquitetônicos, sobretudo o colonial que estava no coração dos problemas, animava a matéria construída, conferindo-lhe valor e singularidade. O SPHAN era o defensor da alma da cidade - e da nação. Foi o Serviço do Patrimônio que consubstancializou a brasilidade por meio do tombamento desses e de tantos outros bens que agora estavam ameaçados de desaparecer. Preservar os corpos era preservar a alma. Amputá-los, mutilá-los, decompô-los em “conjuntos de massa, pedra e madeira” fragmentaria a unidade material que encarnava a alma. Desfeita, ela não poderia ser refeita. Como o próprio Agache reconhecia, demolir criava um “terror sagrado”.

Chama a atenção que a defesa da preservação da integridade da Igreja de São Pedro dos Clérigos, o bem que foi mais ardorosamente defendido por Rodrigo Melo Franco de Andrade, se deu exclusivamente em termos de seus traços artísticos e qualidade patrimonial, mas não em função de seu valor religioso. A opção em encaminhar a disputa dessa forma ganha relevo quando a comparamos com outras tentativas de preservação de templos religiosos igualmente ameaçados por obras públicas. A antropóloga indiana Leilah Vevaina (2023) em seu trabalho sobre a construção de um metrô em Mumbai apresenta um caso que merece destaque pelo valor contrastivo.

Na década de 2010, as obras da linha norte-sul da cidade indiana avançaram em direção a dois templos zoroastristas. Ambos tombados como patrimônio histórico nacional da India e pertencentes a uma comunidade de relevância histórica da cidade, embora em declínio demográfico, os templos não teriam suas estruturas físicas dos templos não seriam modificadas pela obra, mas o solo abaixo deles seria cortado pelos túneis do metrô. Isso significaria, para os zoroastristas, uma interrupção do fluxo de fogo entre o centro da Terra e os templos, afetando as dinâmicas de comunicação e vínculo com o sagrado segundo a sua religião. O embate gerou comoção pública, petições e um processo judicial no qual os zoroastristas argumentavam que a obra resultaria numa destruição desastrosa na comunicação com o sagrado não apenas para a comunidade local, como também para todos os zoroastristas do mundo. Aqueles que estavam contrários à obra apelavam com argumentos relativos à liberdade de culto sem interferência estatal. Era o culto, as formas de comunicação com o sagrado e as bases religiosas do zoroastrismo, portanto, que naquele caso moviam o debate. O juiz que decidiu sobre o caso solicitou aos religiosos “provas" de que a conexão entre a Terra e os dois templos eram essenciais para as suas práticas. Por fim, decidiu-se pela continuidade das obras, uma vez que, para o juiz, "essas crenças [de conexão entre o centro da Terra e os templos] não dizem respeito à religião zoroastriana ou à fé” e que “os requerentes não apresentaram escrituras, textos religiosos ou outras provas substanciais para apoiar sua crença” (Vevaina 2023:247).

Tanto no caso indiano quanto no caso brasileiro, os templos religiosos eram considerados patrimônio histórico e todos eles estavam ameaçados por obras de infraestrutura viária. O que importa reter do contraste entre eles são os termos do debate. Se a defesa dos templos zoroastristas, bem como a autorização das obras se deu a partir de questões da prática religiosa, a defesa da Igreja de São Pedro dos Clérigos correu exclusivamente pelas vias da qualidade histórica e artística do patrimônio. O juiz indiano dobrou a aposta, afirmando aos religiosos que a prática de sua religião permaneceria intacta mesmo com a construção dos túneis. No caso brasileiro, contudo, o problema não era exatamente o de demolir uma igreja, mas sim o de destruir um patrimônio. Por isso, a argumentação de que tal ato seria possível dependia de um apelo na linguagem do patrimônio. Daí a razoabilidade da solução encontrada pelos técnicos da prefeitura: destombar a Igreja, apresentando reticências acerca do seu valor histórico nacional. Antes desse desfecho técnico-burocrático, porém, a disputa ganhou um outro capítulo. Antes de demoli-la, recorreu-se a um possível “milagre da técnica”.

O "milagre da técnica” de fazer um templo andar

Apesar das reticências de Rodrigo Melo Franco de Andrade em relação ao valor da reconstrução das igrejas, afinal seriam outra obra, não a original, essa opção foi diversas vezes aventada. Logo em maio de 1941, quando ainda se discutia o traçado da avenida, Edison Passos admitiu a possibilidade de reconstruir as Igrejas de São Pedro e Bom Jesus do Calvário nas proximidades dos seus endereços originais20. Diante dos avanços das obras, temendo vê-los apagados da história, o próprio Rodrigo Melo Franco passou a exigir a reconstrução dos templos,21 demanda acatada pela prefeitura da cidade.22

A questão ganhou as páginas dos jornais. Logo após o cancelamento do tombamento das igrejas, algumas matérias discutiram o valor histórico da Igreja de São Pedro e aventaram para os leitores a possibilidade de sua reconstrução.23 Preocupado de não dispor de autoridade e dos recursos para realizar a "remoção" das igrejas, Rodrigo Melo Franco solicitou a Lúcio Costa, então técnico do SPHAN, um estudo meticuloso sobre as condições da Igreja de São Pedro. Infelizmente, segundo o arquiteto, a igreja "é o resultado de obras realizadas em épocas diferentes sem obediência a um risco arquitetônico digno do traçado erudito da planta-baixa e do seu magnífico acabamento interno". Seria necessário mais tempo para a investigação que permitiria compreender "o melhor critério a seguir nas obras de reconstrução da igreja" 24.

Temeroso em relação à repercussão negativa da demolição das igrejas nos jornais, o prefeito Henrique Dodsworth encomendou um estudo muito particular às Estacas Franki Ltda., uma das empresas de construção civil que vinham realizando algumas obras na Avenida Presidente Vargas, como a reforma do prédio do Ministério da Guerra e da Estrada de Ferro Pedro II. O estudo consistia no cálculo do processo que permitiria a "remoção integral dos edifícios, por meio de trilhos ou rolos, tendo em vista o congelamento do solo e levantando-se a estrutura por meio de macacos hidráulicos"25. Desse modo, as obras da "toilette urbana" poderiam ser harmonizadas com o interesse do patrimônio histórico.

Em posse do relatório confidencial elaborado pela empresa, Edison Passos recomendou ao prefeito que se fizesse o translado da Igreja de São Pedro. Até aquele momento, a solução encontrada era a indenização da Venerável Irmandade do Príncipe dos Apóstolos São Pedro pela demolição do templo. "Assim se encontrava a questão, quando foi apresentada pela firma 'Estacas Franki Ltd.' proposta para, sob sua exclusiva responsabilidade, fazer o 'transporte monolítico' da Igreja”. A operação custaria quatro vezes mais do que a indenização, mas "dando, portanto, maior peso às razões de ordem espiritual, a solução do transporte monolítico da Igreja de S. Pedro, nas condições examinadas, será a preferida. Essas são as razões defendidas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que, na elevada missão de preservar os monumentos históricos nacionais, houve por bem fazer o "tombamento" desse templo da era colonial"26. Arquitetos e engenheiros encontravam-se, assim, lado a lado na defesa da técnica moderna para a preservação do patrimônio histórico.

Os jornais, porém, não aceitaram bem a alternativa encontrada. No final de outubro de 1943, matérias em diversos jornais de grande circulação da época começaram a questionar a exequibilidade da operação e o dispêndio com o translado.

Para os olhos dos leigos, o transporte de uma enorme massa de alvenaria e pedra ou de um bloco de cimento armado pesando milhares de toneladas - como uma igreja ou um arranha céu, é obra de verdadeiro milagre somente comparável àquelas que aladino fazia transportando, num esfregar de olhos, palácios e jardins para sítios distantes. Daí, o interesse do carioca que, mais do que nunca, aguçou sua proverbial curiosidade louco para ver esse espetáculo inédito: um templo arrastar-se inteirinho como um brinquedo cerca de 80m, para alinhar-se ao lado dos prédios de 22 andares que comporão aquela magnífica artéria naquela altura. Se os leigos olham a coisa desse modo, para o engenheiro o problema se apresenta diferente. Nada de extraordinário. A mecânica, a eletricidade combinadas em cálculos precisos fazem o milagre da técnica moderna. Nada de mais (A Noite 17/11/1943).

Seria um espetáculo à parte fazer "andar" uma igreja. A imagem que ilustra a matéria do Diário da Noite (Fig. 5) ajuda os leitores a imaginarem o que se estava propondo. Mas valeria a pena tanto custo para preservar um "lindo e pequeno templo de estilo barroco" que não estava ligado a "nenhum acontecimento político ou social do país que lhe desse um ilustre histórico" (A Noite 17/11/1943)? A técnica estava disponível, o uso do concreto armado em obras urbanas já completava sua primeira década no Brasil, mas faltavam máquinas e excediam os gastos27. Seria uma operação cara para remover "só quatro paredes do templo", já que os bancos, adornos, altares e talhas de seu interior já estavam sendo removidos pela Irmandade e enviados para um depósito da Secretaria de Viação, Transporte e Obras Públicas no bairro do Caju28. Decompondo-se a igreja, voltava-se ao problema da aura: "(...) despida de seus ornamentos, seus altares e suas imagens, reduzida, apenas, às quatro paredes e o teto", a igreja ainda teria o seu valor? Não seria, como questionavam os jornais, mais fácil e mais barato simplesmente reconstruir? A demolição tinha sido o destino de outros templos que se encontraram como pedras no meio do caminho da Reforma Pereira Passos e do desmonte do Morro do Castelo29.

Sem irreverência de nossa parte, quer nos parecer que São Pedro, chaveiro do Paraíso, poderia inspirar sua irmandade a que faça o mesmo, isto é, que essa entregue igualmente ao ilustre governador da cidade, a chave de sua igreja, que oportunamente, estamos certos, aparecerá nova, suntuosa e condigna como de agora ao culto do Divino Apóstolo. (A Noite 17/11/1943).

Invertia-se o debate. O monumento era agora a avenida, um "tesouro da arquitetura moderna", diante do qual a Igreja de São Pedro não seria mais do que um "anão modesto entre gigantes soberbos"30. Manter a Igreja de São Pedro seria um "atentado à estética da paisagem urbanística da avenida"31, "uma das mais belas do continente, obra arrojada e magnífica”32.

Figura 5:
Projeção do deslocamento da Igreja de São Pedro dos Clérigos publicada pelo jornal Diário da Noite, em 17 de novembro de 1943

No jogo das ordens de grandeza, de comparações entre o velho e o novo, o pequeno e o grandioso, escritores e artistas assinaram um manifesto em defesa da "joia do patrimônio histórico e artístico do país"33. Entre eles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Candido Portinari, Heloísa Alberto Torres, Vinicius de Morais, Roquette Pinto e José Lins do Rego. Apesar dos apelos de nomes da nossa arte moderna, temeroso que o templo colonial desmoronasse durante o translado, o prefeito Henrique Dodsworth decidiu pela demolição das igrejas e sua reconstrução em outros terrenos. Contudo, há que se destacar que a imaginação material e espacial do "transporte monolítico" não foi um fracasso, muito pelo contrário. Fernando Lobo Carneiro, engenheiro do Instituto Nacional de Tecnologia, responsável pelo cálculo de translado sobre rolos de concreto armado, ficou mundialmente conhecido por ser o autor do "ensaio brasileiro", o estudo de compressão diametral de um rolo de concreto armado, contribuição da moderna engenharia brasileira aos modelos da construção civil (Carneiro 1943).

Epitáfio? O pós-vida da Igreja de São Pedro dos Clérigos

Em agosto de 1943, começou a ecoar "a cantiga da destruição”. A Irmandade entregou as chaves do templo sagrado à prefeitura e os trabalhadores das Estacas Franki, empresa contratada para demolir a Igreja de São Pedro dos Clérigos, chegaram com suas marretas, picaretas e pás. A Igreja foi envolta por uma "nuvem de pó, cacos e pedaços” e se tornou um canteiro de demolição. Sua unidade foi decomposta em partes: além do entulho das pedras de cantaria, “material aproveitável, objetos de culto e obras de arte” foram transportados para um depósito da prefeitura, no bairro do Caju.34

Apesar do “terror sagrado” que marretadas poderiam inspirar nos demolidores, o trabalho de demolição do templo foi operado meticulosamente. Nas quatro caixas de registros imagéticos que compõem o dossiê do Iphan sobre a Igreja de São Pedro dos Clérigos, encontramos 3 pinturas e 127 fotografias. Destas, três são de autoria de Marc Ferrez e duas de Augusto Malta, as cinco anteriores ao início das obras da avenida. As demais 122 compõem um material primoroso para pensar o processo de demolição. 73 dessas fotografias foram feitas entre 1940 e 1943, ou seja, durante as obras. Outras 64 não estão datadas, mas seu conteúdo leva a crer que foram tiradas durante o mesmo período. Entre os fotógrafos-autores temos: Schultz, Mario Baldi e Eric Hess. Esses dois últimos foram contratados pelo Ministro Gustavo Capanema para produzir registros imagéticos do Brasil, que integrariam um livro nunca lançado intitulado Obra Getuliana (Brum 2020).35

Os registros das 117 fotografias tiradas durante a demolição mostram um canteiro de obras que ora se assemelhava a um sítio arqueológico, ora a uma cenografia em (des?)montagem. Algumas poucas delas enquadram trabalhadores. São fotos de homens quebrando lajeados, retirando grades e desfazendo altares. A maioria enquadra somente as coisas: entalhes, portas, campas, retábulos, altares, capelas, cadeiras, lampadários. São registros da decomposição da unidade do sagrado em fragmentos de matéria. Matéria muito diversa: temos fotos de entulho (Fig. 7), fotos de artefatos religiosos (Fig. 6) e obras de arte (Fig. 8).

Figura 6:
fotos de artefatos religiosos.

Figura 7:
Fotos de entulho da Igreja em demolição.

Figura 8:
obras de arte.

Dois conjuntos de fotografias permitem sustentar nosso argumento de que a demolição dos templos não significou um apagamento, como outros autores discutiram (Lima 1991), mas uma decomposição da unidade em materialidades de valores muito diversos. No primeiro conjunto, temos três fotografias da imagem de São Pedro. Na Figura 9, vemos a unidade do "altar do santo na sacristia”, conforme descrição da foto de Mario Baldi. Na Figura 10, vemos um zoom in de Schultz dentro do altar. Esse enquadramento transforma São Pedro, o santo, em “escultura”, conforme vem descrito no verso da foto. E na Figura 11, sem autoria, vemos, de fora do templo, o recorte na parede lateral feito pelos trabalhadores da demolição para a “remoção da estátua”, como escrito à mão no verso da foto. Devemos notar a variedade de enquadramentos operados por diferentes fotógrafos, mas isso não nos impede de destacar a operação de decomposição do ambiente religioso e a separação de peças, que, no processo mesmo de decomposição, vão assumindo novos estatutos. Na decomposição da igreja, santos ou imagens viram esculturas ou estátuas.

Figura 9:
Altar do santo na sacristia.

Figura 10:
São Pedro em destaque.

Figura 11:
Remoção da imagem de São Pedro.

O segundo conjunto de fotografias que trazemos neste artigo forma uma sequência, registrada pelo mesmo fotógrafo e enumerada como tal no arquivo do Iphan (Figs. 12, 13 e 14). Nelas vemos o zoom in de Schultz, o fotógrafo. Na Figura 12, vemos um enquadramento centralizado em uma das peças do altar. A imagem é povoada de objetos ao lado, ao fundo, acima. A composição mostra um conjunto de signos que conferem inteligibilidade à cena religiosa. Na Figura 13, a urna eucarística é abstraída do seu contexto, o altar, e é fotografada sobre um fundo branco, fora do espaço. E na Figura 14, o cordeiro da parte superior da peça é separado do conjunto, fotografado sobre o mesmo fundo branco, fora do tempo e do espaço, tornado puro símbolo cristão - uma representação de Cristo.

Figura 12:
Peças do altar.

Figura 13:
Urna eucarística em detalhe.

Figura 14:
Cordeiro da parte superior da urna eucarística. Fonte: Iphan. Caixa RJ 287.

A decomposição do templo é realizada também pelos próprios técnicos do SPHAN, que passaram a retratá-la imageticamente por meio de enquadramentos específicos. Assim, fotografias de portas, de recortes de talhas de madeira, das cantarias de suas paredes e de seu mobiliário tanto fizeram parte do trabalho técnico de demolição da igreja, como também marcam o início da pós-vida dessas materialidades após a destruição do prédio que as abrigavam. Colocar ênfase nas obras e nas disputas sobre elas, tal como procedemos nesse texto, nos permite perceber a decomposição do templo não como o seu arrasamento, mas como uma espécie de evento que também inaugura a pós-vida de suas materialidades. Autores como Gordillo Gastón (2014) e Akhil Gupta (2018) têm chamado atenção para a pós-vida da destruição e para a pós-vida das infraestruturas. Neste texto, também estamos implicados nessa agenda de pesquisa, mas lidamos com um objeto singular. A pós-vida das materialialidades que aqui tratamos está marcada por um ato de transgressão de suas auras sagrada e patrimonial. A decomposição da Igreja de São Pedro por parte dos técnicos do SPHAN não é o ato final, mas sim a inauguração de um novo regime de vida de suas materialidades que, a partir daí, se dispersaram e continuaram carregando a tensão do ato transgressor e suas duplas auras.

Os destinos dos fragmentos da Igreja de São Pedro dos Clérigos remanescentes de sua decomposição foram variados e estão territorialmente distribuídos pelo país.36 Ao acompanhar algumas dessas dispersões, identificamos seis circuitos nos quais esses fragmentos foram inscritos e ganharam o seu pós-vida. Em cada um deles a dinâmica de circulação dos objetos é própria e mereceria uma análise pormenorizada. Neste texto, nos restringiremos a enunciar esses circuitos a partir da breve descrição de algumas de suas materialidades exemplares. Com isso, procuramos assinalar a rentabilidade da proposta analítica que temos desenvolvido em nossas pesquisas: a de constituir um arco narrativo que contemple as controvérsias relativas aos projetos, as obras de demolição e o pós-vida das materialidades remanescentes de igrejas demolidas.

Assim que as picaretas da prefeitura começaram a demolir o templo, três espaços foram acionados como destinos imediatos das materialidades em fragmento. O primeiro desses espaços, que corresponde ao primeiro dos circuitos aqui descritos, foi o de outros templos religiosos. Trata-se de um conjunto de peças, selecionadas pelos religiosos da irmandade de São Pedro dos Clérigos, que seguiram da igreja demolida para outros templos por eles administrados. Esse é o caso da imagem de São Pedro, anteriormente mencionada, que passou do altar principal da antiga igreja no centro para a lateral de entrada da igreja da irmandade no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro (Fig. 15). As materialidades que foram para outros templos chamam a atenção por dois aspectos importantes e relativamente pouco tratados pela literatura especializada. Em primeiro lugar, esses deslocamentos implicam muitas vezes a produção de novos arranjos e configurações da posição e centralidade das peças nas igrejas. Isso é, ao se inscrever noutros espaços, as materialidades são colocadas noutras posições, o que também implica em outras formas de relação dos fiéis com as imagens. A imagem de São Pedro, antes central, colocada no alto e fora do alcance das mãos dos devotos, passou para um espaço lateral, sem ornamentação, na altura dos olhos e do toque em sua nova morada. Em segundo lugar, destacar esses deslocamentos de imagens nos permite indicar que templos religiosos, muitas vezes descritos como unidades encerradas em si mesmas e cristalizadas em termos da disposição de seus objetos, são espaços de intensa dinâmica, que se transformam regularmente com a entronização e retirada de objetos sagrados. 37

Figura 15
Fotografia da imagem de São Pedro atualmente.

Outras materialidades que foram imediatamente deslocadas do templo demolido para outros circuitos foram os corpos enterrados na antiga igreja. Os cemitérios constituem o segundo circuito que nos importa. No dia 24 de julho de 1944, o periódico O Jornal publicou o seguinte texto:

Foi divulgada, ontem, a ata da transferência dos ossos das pessoas sepultadas na igreja de São Pedro, a qual está sendo demolida para ceder lugar à Avenida Presidente Vargas. A exumação foi realizada em janeiro do corrente ano, tendo sido recolhidas ao Cemitério de São Francisco Xavier nada menos de três toneladas de ossos.

Os corpos sepultados na Igreja de São Pedro, assim como noutras que são objeto de nossa investigação mais ampla, são tema de constantes controvérsias não somente acerca do destino que deveriam ter, como também pelas dificuldades de identificação das ossadas, o que impõe questões técnicas e litúrgicas a serem resolvidas. No caso das ossadas da Igreja de São Pedro, apenas uma foi devidamente identificada, deixando ao restante das “três toneladas de ossos” o destino de uma vala comum em um terreno comprado pela irmandade no conhecido Cemitério do Caju.

O terceiro espaço acionado pelos encarregados da demolição foi um galpão, pertencente à Secretaria de Viação e Obras Públicas da cidade, localizado no bairro do Caju, para onde foram levados dois conjuntos de materiais: aqueles que a própria irmandade enviou porque não sabia qual destino lhes dar e os entulhos, partes de objetos destruídos na obra de demolição ou simplesmente fragmentos que não interessavam aos religiosos. Ao contrário dos dois anteriores, esse espaço não constitui em si um circuito de destino, mas sim uma ancoragem para outros três que gostaríamos de destacar.

Durante as próprias obras de demolição e no translado de um espaço para outros, os canteiros foram invadidos por garimpeiros, colecionadores, donos de antiquários e mercadores de arte. Ao que tudo indica, os próprios trabalhadores da demolição e alguns dos técnicos das obras foram responsáveis pela inscrição dos materiais remanescentes no terceiro circuito que aqui tratamos, o de arte. Quase dez anos depois da demolição da Igreja de São Pedro, em 8 de setembro de 1953, Rodrigo Melo Franco de Andrade, ainda na condição de diretor do SPHAN, protocolou o ofício 753, ao então Secretário-Geral de Viação e Obras Públicas do Distrito Federal, Carlos Schwerin Filho, nos seguintes termos:

Estando posta a venda, na loja do antiquário à rua Siqueira Campos 23-B [em Copacabana], nesta cidade, grande parte da obra de talha do interior da igreja de São Pedro, desapropriada e demolida por iniciativa dessa Secretaria Geral, venho solicitar a V. Exa. queira determinar as providências necessárias a fim de ser transmitida com urgência a esta Diretoria informação sobre as condições em que terão sido alienadas ou cedidas aquelas valiosas obras de arte tradicional. Cumpre esclarecer que a presente consulta é motivada pela circunstância do despacho do Sr. Presidente da República, cancelando o tombamento da Igreja de São Pedro para permitir sua demolição, ter determinado providências ulteriores que impunham a preservação de todos os elementos arquitetônicos e decorativos do templo. Não consta a esta repartição que o referido despacho presidencial tenha sido tornado sem efeito, facilitando a dispersão irreparável da obra de talha da igreja pela venda avulsa de suas peças. Nem quer parecer verosímil, ainda na hipótese do Chefe das Nação haver reconsiderado o mesmo despacho, houvessem as autoridades da Secretaria Geral anuído em que um negociante de antiguidades possa especular, tal como sucede, com valores tão importantes e expressivos do nosso patrimônio de arte tradicional, sem consultar previamente o Museu da Cidade e os museus federais se lhe interessaria a aquisição das peças em causa.

Pois a dispersão das materialidades da igreja não somente ocorreu naquele momento, como ainda vigora. Sem qualquer dificuldade ainda hoje é possível identificar em sites de leilão de arte a venda de peças de talha atribuídas ao Mestre Valentim. De modo que algumas peças da antiga igreja presumivelmente passaram a ornar casas e compor coleções particulares de arte.

Figura 16:
Venda de peça da igreja demolida em site de leilão.

No entanto, como indicou o próprio diretor dos SPHAN em seu ofício, a venda aparentemente ilegal de peças do templo demolido também foi acompanhada pela destinação de parte desses objetos para coleções particulares. Esse é o caso de dois anjos, talhados pelo Mestre Valentim, atualmente dispostos no Museu do Açude, localizado no Parque Nacional da Floresta da Tijuca, antiga casa do expoente do mundo das artes modernas Raymundo de Castro Maya.

Figura 17:
Talhas da igreja demolida atualmente no Museu do Açude

Figura 18:
Talhas da igreja demolida atualmente no Museu do Açude.

O circuito de arte como destino de algumas das peças nos remetem a novos enquadramentos dessas materialidades, não mais por seu valor religiosos, mas sim destacados por seu valor artístico. Trata-se de uma forma de inscrição da religião na chave da cultura, como bem já destacou Emerson Giumbelli (2008) sobre as variadas modalidades de presença da religião no espaço público brasileiro.38

Ainda relativo aos objetos que foram destinados ao galpão da Secretaria de Viação e Obras Públicas da cidade, há um conjunto de materiais que não se inscreveram nem no circuito de outros templos religiosos e tampouco no de arte. Referimo-nos aos objetos que se transformaram em lixo religioso. Neste circuito circulou um grande conjunto de pedaços de paredes, objetos quebrados, talhas, madeira, janelas, portas e toda sorte de materiais remanescentes da igreja demolida. Algumas pedras de cantaria foram recolhidas pelo então aluno de Lúcio Costa, Roberto Burle Marx, e transformadas em matéria-prima para obras em seu sítio em Guaratiba. A maioria talvez tenha passado de resíduo a matéria de aterramentos na cidade. Qualquer que tenha sido o caso, a noção de “lixo sagrado” (Stengs 2014) nos ajuda a pensar as coisas sagradas, como santos, flores, oferendas, mas também tijolos de igrejas, altares e obras de arte, no processo de descarte. As tradições religiosas têm várias maneiras de lidar com o lixo sagrado, por meio de práticas e ritos de limpeza. O que nos interessa aqui, no entanto, não é como o lixo sagrado é tratado por uma ou outra tradição religiosa, mas sim como é produzido e manejado quando as materialidades de uma tradição religiosa são demolidas, viram escombros e ruínas, desmoronam ou ainda são interpeladas por outras obras, de natureza secular, tal como a construção de uma avenida. Nesses casos, surgem questões sobre as remanescências sagradas - o que resta e sobeja? O que fica e excede? Intimamente atrelado ao processo de fragmentação que acompanhou a demolição dos templos está a negociação dos valores e dos destinos das materialidades remanescentes das igrejas demolidas.

Enquanto patrimônio denota um tipo de apreciação das coisas, que as reconhece a partir de seus valores culturais, o lixo é, em muitos aspectos, o Outro do patrimônio. Coisas que perderam seu valor, foram deixadas em ruínas ou destinadas à destruição são boas para pensar o patrimônio como dispositivo político de produção de valor. Aquilo que poderíamos chamar de patrimônio perturbador diz respeito ao patrimônio que ficou fora de controle, politicamente, mas também epistemologicamente.39 Tratam-se das materialidades que são capazes de perturbar o patrimônio enquanto regime de autenticação e consagração que elege as coisas que são dignas de preservação.

Restam ainda dois outros circuitos de destino das materialidades da igreja demolida. O quarto deles é o dos museus de arte sacra. Embora pudessem também ser inseridas no circuito de arte, as peças que foram para esses espaços apelam para a ambiguidade de seu valor, que é artístico, mas também religioso. Um exemplo é um dos anjos do altar lateral da Igreja de São Pedro, atualmente exposto no Museu Arquidiocesano de Arte Sacra do Rio de Janeiro (MAAS), localizado no subsolo da Catedral Metropolitana da cidade. Em museus de arte sacra, a relação com as coisas sagradas é tensa. Algumas ficam ao alcance das mãos, emanando a sua agência protetora. Outras são dispostas em isolamento e à distância, apenas para serem contempladas.

Figura 19:
Anjo lateral da igreja demolida atualmente no MAAS.

E, por fim, o circuito de prédios públicos, que receberam as obras religiosas e a destacam como exemplares dos tesouros da nação. Nesse caso, os objetos religiosos ganham aura civil e se apresentam como ícones além da religião, inscritos em uma narrativa mais ampla sobre o país. Esse foi o destino do par de anjos que ocupou a porção superior da estrutura do templo demolido, reservada ao altar principal da igreja, e que atualmente estão no salão de entrada do Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Figura 20:
Anjos da igreja demolida atualmente no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Os seis circuitos que destacamos aqui mostram que a demolição da Igreja de São Pedro dos Clérigos para a construção da Avenida Presidente Vargas não marcou o fim da sua vida. Pelo contrário, como demonstramos nesta seção, seguir a vida social de seus fragmentos ao longo do tempo nos indica não somente a dispersão de sua materialidade, como sobretudo a transformação de suas formas de presença no espaço público em dinâmicas nem sempre restritas ao caráter religioso desses objetos. Foi somente porque tomamos as obras de demolição como entrada analítica privilegiada que pudemos acompanhar os seus percursos. De nossa parte, o caso da demolição da Igreja de São Pedro dos Clérigos é apenas a primeira de um inventário por nós produzido que soma mais de duas centenas de igrejas católicas demolidas ao longo do século XX, sobre o qual estamos debruçados.

Considerações finais

Em 1987, na comemoração do cinquentenário do SPHAN, técnicos do órgão solicitaram autorização ao Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro e à Secretaria Municipal de Obras para realizar uma intervenção na Avenida Presidente Vargas. Munidos de latas de tinta, os técnicos do IPHAN pintaram a planta-baixa da Igreja de São Pedro dos Clérigos sobre o asfalto da avenida, exatamente onde ela se localizava antes de ser demolida. Tal qual uma perícia forense que chega ao local de um crime, os técnicos delinearam o corpo da vítima no chão. Como um gesto de invocação do espírito do morto, o desenho fez emergir do seu túmulo a igreja sacrificada pelas obras da avenida. E a projeção do passado sobre o presente no concreto realizou o feito que o templo erguido não conseguiu em vida: fazer um "pequeno desvio" no trânsito. Os carros deixaram a pista livre para o espírito da igreja pairar.

"Réquiem pela Igreja de São Pedro: um patrimônio perdido" foi o título da exposição e da publicação feita pelo Ministério da Cultura, SPHAN e Fundação Casa de Rui Barbosa por ocasião da efeméride. Chama a atenção que a morte de um bem destombado e demolido seja o tema da comemoração do aniversário do órgão de patrimonialização no Brasil. No coração da homenagem ao serviço de proteção do patrimônio, fez-se lembrar a obra profana que exigiu o sacrifício do passado em nome de um projeto de futuro.

Como objeto sociológico, a obra da Avenida Presidente Vargas, então pensada como uma "cirurgia" urbanística de abertura de "novas artérias" que permitissem uma melhor circulação no corpo da cidade, fez o que as cirurgias muitas vezes fazem: mutilou, amputou, removeu partes que não compõem mais o todo. Naquele momento em que o Brasil inventava seu passado - através das consagrações de monumentos feitas pelo SPHAN - e o seu futuro - por meio de grandes obras públicas que encarnavam o Brasil moderno, país do progresso -, as obras da Avenida Presidente Vargas foram um importante campo de batalhas entre os técnicos que escreviam a história da nação. O passado colonial tinha lugar como "joia" a "coroar" o monumento da avenida e seu traçado retilíneo. Tudo o mais o que se encontrava no meio do caminho do progresso deveria ser demolido ou deslocado para outros locais onde o colonial pudesse compor um acervo memorial do passado. Esse foi o lugar reservado ao Morro de Santo Antônio, região onde primeiro se pensou reconstruir as Igrejas de São Pedro e Bom Jesus do Calvário e Via Sacra. Anos mais tarde, o entorno do Convento de Santo Antônio, também ele tombado, acabou por sofrer parcial arrasamento do morro homônimo e "desmembramentos" feitos pelas obras de abertura da Avenida Chile e prolongamento da Avenida Almirante Barroso, pelas obras do metrô da Carioca…

Mas essa é outra história que foge ao escopo deste artigo. O que nos importa aqui é indicar a repetição do embate entre obras urbanas e patrimônio religioso. A repetição talvez nos fale das tensões entre futuro e passado na produção do espaço urbano. E certamente o embate nos apresenta uma agenda de pesquisa situada na interseção entre antropologia da religião e estudos urbanos, na qual privilegiam-se as múltiplas formas como as práticas da religião fazem cidade e como fazer cidade faz também religião - pela ocupação de terras, pela imaginação urbana, pelo desenho de fronteiras espaciais, pelo governo de corpos e mentes e pela produção material de templos, monumentos e de infraestrutura urbana.

A patrimonialização monumentaliza o bem tombado e para fazê-lo depende de um processo de produção de unidade, da afirmação de que há uma unidade discernível, completa e total. Parafraseando o modo pelo qual a antropóloga Mary Douglas define a constituição do sagrado: um bem monumentalizado pelo dispositivo do patrimônio é total, uno e íntegro (Douglas 2012:43). Sustentamos neste artigo os benefícios de conceber as obras de demolição como uma entrada metodológica privilegiada que desestabiliza essa unidade. No caso das obras que aqui tratamos, nas quais a sacralidade do patrimônio se justapôs à sacralidade do templo religioso, a transgressão, seja ela na linguagem secular do patrimônio ou religiosa, foi um risco constante. Ocorre, no entanto, como já propôs Michael Taussig (1997; 2023), que o sagrado se manifesta com toda sua força, justamente, em situações e eventos de transgressão. É nesse contexto que emerge a agenda na qual esse artigo se inscreve, articulando obras, patrimônio, demolição e transgressão.

O encontro entre obras urbanas e patrimônio religioso produz duas vantagens imediatas. Como evento crítico potencialmente transgressor, as obras urbanas ameaçam fragmentar o sagrado. Nesse processo, uma multiplicidade de materialidades religiosas são demolidas, viram ruínas, desmoronam, mas também são decompostas, recompostas, restauradas. Daí surgem questões sobre as remanescências sagradas, relativas tanto às coisas em si quanto ao sagrado das coisas, que impregna esses materiais, dando a eles outros significados como, por exemplo, arte, lixo ou patrimônio. E além do recorte de um novo objeto, observar o religioso a partir do patrimônio permite encontrar registros escritos e audiovisuais com os quais realizar a pesquisa.

No nosso caso, a Igreja de São Pedro dos Clérigos foi tombada pelo SPHAN como patrimônio, sofreu processo de despatrimonialização para que fosse demolida e fragmentada em materialidades remanescentes. Os documentos do Iphan sobre as igrejas coloniais tombadas e destombadas não admitem a narrativa do "apagamento" do passado colonial pelas obras de construção da avenida, como sugeriu Lima (1989). Os documentos indicam, na verdade, que, após a demolição, as coisas sagradas tiveram um pós-vida. Os relatórios técnicos do SPHAN, os registros audiovisuais do interior das igrejas e dos seus adornos, as fotografias do trabalho de demolição apontam para um processo complexo de decomposição e fragmentação dos templos religiosos. As materialidades remanescentes não se reencontraram todas nos terrenos que, nas décadas de 1950 e 1960, foram cedidos para a reconstrução dos templos. Nas viagens entre o antigo endereço, a sede da irmandade e o depósito da Secretaria de Viação, Transporte e Obras Públicas, os fragmentos tomaram rumos diversos. Alguns viraram lixo religioso; outros foram parar nas vitrines de antiquários de Copacabana; outros ainda terminaram como peças de arte em museus e repartições públicas.

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    » https://onzedinheiros.lel.br/peca.asp?ID=7586117
  • 1
    Agradecemos às pesquisadoras de iniciação científica Daniele Thomaz, Rebecca Bassi, Jéssica Pinheiro e Yara Barroso pelo levantamento e sistematização dos documentos relativos às obras da Avenida Presidente Vargas e ao tombamento e destombamento das igrejas coloniais demolidas para sua abertura.
  • 2
    Fala de Georgino Avelino, in RSP, E. Notícias. Revista do Serviço Público, [S. l.], v. 3, nº 2:86 - 96, 2022. 2 Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/9707. Acesso em: 31/05/2023.
  • 3
    Durante as obras da Avenida Presidente Vargas, o urbanismo materializou a ameaça que, se não diretamente, em outros casos, sustentava a "retórica da perda” do SPHAN no início de sua atuação (Gonçalves 1996).
  • 4
    Considerando somente os dois primeiros anos de existência do SPHAN, entre 1938 e 1939, nada menos do que 351 processos de tombamentos foram abertos. Desse amplo conjunto, 166 eram edificações religiosas católicas. Fonte: Lista dos bens tombados e processos em andamento do Iphan. Disponível em: http://portal.Iphan.gov.br/pagina/detalhes/126. Acesso em: 20/09/2023.
  • 5
    Em A alegoria do patrimônio, Françoise Choay (2006) descreve a criação da Comissão dos Monumentos Históricos, em 1837, na França, como a primeira experiência daquilo que se constituiria como a gestão do patrimônio no Ocidente. Essa comissão classificava os monumentos históricos de sua alçada entre: vestígios da Antiguidade, edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos.
  • 6
    Cf. Capítulo III - Dos efeitos do tombamento, Decreto-Lei nº25, 30 de novembro de 1937.
  • 7
    PASSOS, Edson. (1941), “Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro”. Revista Municipal de Engenharia, vol.8, nº4, Jul. 1941:215.
  • 8
    Idem.
  • 9
    ANDRADE, ofício 530. Arquivo Geral do IPHAN, 17-T-SPHAN/38.
  • 10
    ANDRADE, ofício nº 685, 24 de outubro de 1940, p. 2 - Arquivo Geral do IPHAN, 17-T-SPHAN/38, doc. 437, armário 1, gaveta 6, pasta 27, fl. 11-3
  • 11
    ANDRADE, ofício nº 24, 09 de janeiro de 1941, 17-T-SPHAN/38, doc. 439-8, arm. 1, gaveta 6, pasta 27, fl. 16-23.
  • 12
    Arquivo Geral do Iphan, 17-T-SPHAN/38.
  • 13
    A mesma defesa não receberam tantos outros edifícios e espaços, como a Praça 11 de Junho, a Igreja e o Largo de São Domingos e as centenas de prédios de moradia. Nenhum deles era tombado patrimônio ou estava em vias de patrimonialização.
  • 14
    DODSWORTH, 03 de fevereiro de 1941 - Arquivo Geral do IPHAN, 17-T-SPHAN/38, doc. 440-3, arm. 1, gav. 6, pasta 27, fl. 24-6.
  • 15
    Arquivo Geral do Iphan - 17-T-SPHAN/38, Doc. 441-2, arm. 1, gav. 6, pasta 27, fl. 27-8.
  • 16
    SILA. Arquivo Geral do Iphan, 17-T-SPHAN/38, doc 441-2, arm 1, gaveta 6, pasta 7.
  • 17
    Revista Municipal de Engenharia (1938), vol. 5, nº 6, nov. 1938:685.
  • 18
    ANDRADE, Rodrigo Melo de. (1941), Ofício nº 880, 29 de setembro de 1941 - Arquivo Geral do IPHAN, 17-T-SPHAN/38, doc. 443-3, arm. 1, gav. 6, pasta 27, p. 2, fl. 32-3.
  • 19
    Ofício nº 423-1, 29 de dezembro de 1942, 17-T-SPHAN/38, doc. 449-2, arm. 1, gav. 6, pasta 27, fl. 41-2.
  • 20
    Iphan, 017-T-38, Doc. 442-2, armário 1, gaveta 6, pasta 27, 28 de maio de 1941, fl. 30-1.
  • 21
    Iphan, Of. 1.145, 017-T-38, doc. 450, armário 1, gaveta 6, pasta 27, 21 de novembro de 1942, fl. 43.
  • 22
    Iphan, Of. 4.231, 017-T-38, doc. 449-2, armário 1, gaveta 6, pasta 27, 29 de dezembro de 1942, fl. 41-2.
  • 23
  • 24
    Iphan, 017-T-38, Parecer Lucio Costa, 1943.
  • 25
  • 26
    IPHAN, 17-T-SPHAN/38, Doc. 408-6, arquivo 1, gaveta 6, pasta 26, fl. 67-71, Processo 9.142/1943.
  • 27
  • 28
  • 29
  • 30
    Diário de Notícias, E na hipótese do velho templo desmoronar? 01/12/1943.
  • 31
  • 32
  • 33
    A Manhã, 14/12/1943.
  • 34
    Diário da Noite. Desaparecem mais duas velhas igrejas da cidade. 18 de maio de 1943.
  • 35
    Embora o livro nunca tenha sido lançado, mais de 600 fotografias foram feitas. A arquitetura de monumentos "modernos e antigos” era um dos principais itens desses registros. Dessa forma, chama atenção o fato de uma igreja, mesmo em vias de demolição, ser retratada pelos fotógrafos que estavam encarregados de apresentar um retrato definitivo do país.
  • 36
    Deixamos nosso agradecimento à Daniele Thomaz, pesquisadora de Iniciação Científica que colaborou especialmente na busca dos fragmentos dispersos da Igreja de São Pedro dos Clérigos.
  • 37
    Em nossa pesquisa identificamos inúmeras situações semelhantes envolvendo outras igrejas, demolidas e não demolidas, nas quais os objetos são deslocados e são inscritos noutros espaços. O sino da Igreja de São Domingos, por exemplo, um objeto com mais de três séculos de história, foi do alto da antiga igreja para o chão da garagem de um templo também localizado na Tijuca.
  • 38
    Vale sublinhar que Giumbelli (2008), assim como outros autores (Sansi 2003; De Morais 2018), desenvolve suas reflexões sobre a culturalização da religião a partir de casos relativos às religiões afro-brasileiras. De modo que o caso aqui mencionado abre um novo horizonte de reflexões sobre como isso também ocorre no catolicismo.
  • 39
    A noção de Patrimônio Perturbador foi desenvolvida em comunicação pessoal no âmbito das discussões do grupo de pesquisa Religious Matters - in an Entangled World, coordenado por Birgit Meyer na Universidade de Utrecht.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2023
  • Aceito
    05 Dez 2023
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