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Transformações no mercado de trabalho no Brasil durante a crise: 1980-1983

Transformations in the labor market in Brazil during the crisis: 1980-1983

RESUMO

O emprego tornou-se uma das questões econômicas centrais no Brasil a partir de 1981. Neste artigo analisamos as transformações ocorridas no mercado de trabalho entre 1980 e 1983, incluindo, portanto, os anos de recessão mais intensa desta década. A partir de dados de pesquisas de orçamento familiar e outras informações oficiais, analisa-se a crise do mercado de trabalho formal e o crescimento do setor informal.

PALAVRAS-CHAVE:
Mercado de trabalho; emprego; crise; informalidade

ABSTRACT

Employment became one of the central economic questions in Brazil since 1981. ln this article we analyse the transformations that ocurred in the labour market between 1980 and 1983, including, therefore, the years of more intense recession of this decade. Using data from household budget surveys and other official information, the crisis in the formal labour market and the growth of the informal sector are analysed.

KEYWORDS:
Labor market; employment; crisis; informality

Durante o triênio 1981-1983 o Brasil passou por uma crise econômica sem precedentes, resultante da opção recessiva adotada pelo governo para combater os desequilíbrios externos. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,8% entre 1980 e 1983, ao mesmo tempo que o PIB per capita apresentava uma queda de 10,6%. A indústria foi o setor mais atingido, com uma redução de 11,4% no nível de produção.

Como consequência da recessão, o mercado de trabalho enfrentou enormes dificuldades. Ao mesmo tempo que as oportunidades de emprego diminuíam, a população em idade de trabalho continuava a crescer. A questão do emprego tornou-se assim, um dos temas centrais da discussão econômica.

Para compreender o funcionamento do mercado de trabalho no Brasil, convém dividir a economia em dois grandes segmentos: o setor formal e o informal. No formal, predominam relações de produção capitalistas, com a separação entre o capital e o trabalho. O assalariamento representa a forma padrão de remuneração dos trabalhadores. O nível de emprego depende diretamente do nível de produção.

O setor informal é constituído por organizações não (tipicamente) capitalistas, onde a separação entre o capital e o trabalho não é nítida ou não existe. O assalariamento ocorre com frequência, mas não é típico do chamado setor informal. Souza (1980) classifica como pertencentes a este segmento da economia as empresas familiares, os trabalhadores por conta própria subordinados, os pequenos vendedores de serviços, o serviço doméstico e as quase-empresas capitalistas.1 1 Ver Paulo Renato Souza, “A Determinação dos Salários e do Emprego nas Economias Atrasadas”, Tese de Doutoramento, Campinas, UNICAMP, 1980.

O setor informal é dependente do formal. Em períodos de crescimento econômico, os desempregados e os trabalhadores pertencentes ao setor informal fornecem a mão-de-obra necessária para o processo de acumulação no setor formal. Na recessão, por outro lado, os trabalhadores que perdem· seus empregos no setor formal passam a fazer parte das estatísticas de desemprego ou são absorvidos pelo setor informal da economia.

O funcionamento do mercado de trabalho é bastante complexo. A própria separação entre os setores formal e informal às vezes não é nítida. Como classificar, por exemplo, uma empresa de utiliza práticas “informais” e cuja produção é totalmente destinada a uma grande empresa capitalista? E o trabalho das costureiras autônomas que vendem suas peças a empresas regularmente registradas? É muito provável que leitores distintos deem resposta diferentes. Se for privilegiada a questão da legalidade das relações de trabalho, os trabalhadores acima serão classificados como pertencentes ao setor informal. Caso seja dada mais importância ao destino das mercadorias produzidas, os mesmos trabalhadores poderiam ser considerados como fazendo parte do setor formal. Existe, portanto, uma área nebulosa do mercado de trabalho com características tanto de setor formal quanto de informal.2 2 O dualismo setor formal/informal ou mercado formal/informal de trabalho é claramente insuficiente. O funcionamento do mercado de trabalho no Brasil é muito mais complexo do que o permitido por uma análise em termos de dois grandes segmentos. Esta é uma área que merece um aprofundamento teórico, o que foge aos objetivos deste trabalho. Portanto, nos restringiremos à classificação tradicional “formal/ informal”.

A passagem de um trabalhador do setor formal para o informal nem sempre é imediata e sem dificuldades. Normalmente, existe um período de desemprego antes da absorção pelo setor informal. Este período, entretanto, é normalmente curto. Isto deve-se à inexistência no Brasil do seguro-desemprego. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) cumpre esta tarefa de forma bastante precária.3 3 Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), os trabalhadores desligados no setor formal em 1983 possuíam, em média, cerca de dois anos de emprego. Assim, a FGTS permitiria uma sobrevivência, com o mesmo nível de renda, por aproximadamente dois meses. A recente criação do seguro-desemprego não traz grandes mudanças. Em primeiro lugar, ele atingirá um pequeno percentual de trabalhadores. Em segundo lugar, restringe-se a um período de apenas quatro meses. A entrada no setor informal, por outro lado, pode ser complexa. A transformação de um assalariado em trabalhador por conta própria, por exemplo, não é trivial, existindo, portanto, “barreiras à entrada” no setor informal da economia.4 4 Para uma discussão sobre as barreiras à entrada no setor informal, ver Maria Cristina Cacciamali, “Relações entre Desemprego Aberto, Subemprego e Setor Informal em uma Economia de Industrialização Intermediária ao Longo de Ciclo Econômico”, Anais do XII Encontro Nacional de Economia, São Paulo, ANPEC, dez. 1984. Há ainda a considerar que para muitos trabalhadores a permanência no setor informal é definitiva, seja porque não conseguem retornar ao setor formal, ou devido ao interesse em continuar no setor informal. Afinal de contas, nem sempre o setor informal é sinônimo de baixa remuneração e más condições de trabalho, havendo em seu interior situações bastante heterogêneas.

A Figura 1 apresenta uma esquematização do funcionamento do mercado de trabalho em uma economia como a brasileira. Fazem parte da População Economicamente Ativa (PEA) os trabalhadores dos setores formal e informal, além dos desempregados. Existe um movimento constante de passagem de trabalhadores entre os dois setores e entre estes e a situação de desemprego aberto. É ainda muito comum o caso de um trabalhador que possui um emprego regular no setor formal ao mesmo tempo que desenvolve atividades no setor informal, como recurso para aumentar sua renda. O sentido de passagem entre as diversas condições de ocupação/desocupação depende da fase do ciclo econômico. Em períodos de crescimento, o movimento principal dirige-se do setor informal ou do desemprego para o formal. Na recessão predomina o sentido inverso, com uma permanência normalmente transitória na condição de desempregado. Existe ainda um fluxo contínuo de entrada e de saída da PEA. As entradas correspondem basicamente à chegada ao mercado de trabalho de trabalhadores jovens ou de pessoas que, por qualquer razão, decidem procurar um emprego. As saídas são majoritariamente de trabalhadores velhos que morrem ou se aposentam, ou ainda dos desalentados que desistem de trabalhar.

Figura 1
Esquema de funcionamento do mercado de trabalho

A experiência brasileira durante a recessão mostra que a população ocupada (no setor formal e no informal) cresce segundo taxas “normais”, ao mesmo tempo que as taxas de desemprego permanecem relativamente baixas. O setor formal não conseguiu absorver essa mão-de-obra. Portanto, o setor informal constituiu-se no escoadouro para onde se dirigiram os novos trabalhadores que chegaram ao mercado de trabalho, assim como os desempregados do setor formal. Obviamente, as condições de sobrevivência no setor informal deterioraram-se bastante, devido a um maior número de pessoas disputando uma renda em queda na economia.

Na próxima seção serão discutidos os movimentos gerais do mercado de trabalho durante a recessão. As modificações na estrutura ocupacional da mão-de-obra e a questão da posse da carteira de trabalho assinada serão tratadas nas duas seções subsequentes. Na quinta seção são detalhadas as principais transformações ocorridas no setor formal. Finalmente, são apresentadas as principais conclusões do trabalho.

MOVIMENTOS GERAIS

A crise econômica não impediu a absorção da mão-de-obra no mercado de trabalho. A porcentagem da população ocupada relativamente à população com dez anos ou mais, que se situava em 52,3% em 1979, caiu para 51,1% em 1981, elevando-se novamente para 52,7% em 1982 e 52,2% em 1983.5 5 Nesta e nas duas próximas seções utilizaremos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Como em 1980 foi realizado o Censo Demográfico, que utiliza conceitos diferentes da PNAD, a base de comparação será o ano de 1979, excluindo-se os dados do Censo de 1980. Verifica-se, portanto, que apesar de uma pequena queda nos anos em que o choque recessivo foi mais intenso, não houve variações consideráveis na taxa de participação da população ocupada no período. Considerando-se a relação entre a população economicamente ativa (PEA) e a população com dez anos ou mais, observa-se uma ligeira tendência de crescimento da taxa de participação da PEA, que passou de 53,8% em 1979 para 53,4% em 1981, 54,9% em 1982 e 54,8% em 1983. Assim, houve uma tentativa de entrada de novas pessoas no mercado de trabalho, que possivelmente procuravam complementar as rendas familiares em declínio.

A taxa de participação masculina é consideravelmente superior à feminina. Cabe, entretanto, observar que o crescimento encontrado na taxa de participação da PEA deve-se, praticamente, ao sexo feminino. Enquanto para o sexo masculino ela correspondia a 74,7% em 1979, 74,6% em 1981, 75,6% em 1982 e 74,8% em 1983, no caso do sexo feminino passou de 33,6% em 1979 para 32,9% em 1981, 34,8% em 1982 e 35,6% em 1983. Verifica-se, portanto, que a crise econômica induziu parcela considerável das mulheres a procurarem o mercado de trabalho.6 6 É claro que a elevação da participação das mulheres no mercado de trabalho não se deve exclusivamente à crise econômica, constituindo-se uma tendência de longo prazo.

O crescimento da taxa de participação da PEA e a estabilização da taxa de participação da população ocupada provocaram uma elevação nas taxas globais de desemprego aberto. Enquanto esta última situava-se em apenas 2,8% em 1979, seu valor crescia para 4,3% em 1981, 3,9% em 1982 e 4,9% em 1983. O aumento das taxas de desemprego em 1981 e 1983 está, certamente, relacionado com os choques recessivos ocorridos nesses dois anos.

As taxas de desemprego nas áreas metropolitanas apresentam valores bastantes distintos entre si. Seu comportamento, entretanto, possui características comuns nas diversas regiões. Exemplificamos com os casos do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Nas três regiões houve uma elevação nas taxas de desemprego entre 1980 e 1981. A média anual passou de 7,50 para 8,61% no Rio de Janeiro, de 5,65 para 7,25% em São Paulo e de 6,81 para 8,56% em Recife. A comparação com o ano de 1982 fica dificultada em virtude de modificações metodológicas incluídas na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE a partir de abril daquele ano.7 7 Os questionários foram modificados pelo IBGE em abril de 1982, eliminando-se da população economicamente ativa os desocupados que não tivessem tomado qualquer providência para conseguir uma nova ocupação na semana de referência da pesquisa. Com isso, as taxas de desemprego caíram bastante. Apesar disso, nota-se que as taxas permaneceram elevadas durante o primeiro trimestre de 1982, tendo apresentado um movimento de queda ao longo do ano. Em 1983, as taxas de desemprego apresentaram valores maiores do que em 1982, embora a comparação esteja prejudicada no primeiro trimestre. Esse comportamento foi mais nítido durante o segundo semestre, quando mais uma vez as taxas mostraram-se em queda.8 8 As taxas de desemprego possuem um comportamento sazonal. As quedas observadas ao longo do segundo semestre repetem-se todos os anos.

Apesar do crescimento das taxas de desemprego em 1981 e 1983, tanto nas áreas metropolitanas quanto no conjunto do país, a elevação foi relativamente modesta quando comparada com a dimensão da crise econômica. Esses resultados não chegam a surpreender, na medida em que a situação de desemprego aberto em um país como o Brasil é obrigatoriamente transitória. A inexistência do seguro-desemprego no setor formal da economia obriga os trabalhadores desempregados a procurarem algum tipo de ocupação no setor informal, permanecendo por pouco tempo nas estatísticas de desemprego.9 9 Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego, o tempo médio de procura de um novo emprego situa-se em torno de quatro meses. Após este período, ou o trabalhador volta a se empregar, ou passa a ser considerado um desalentado pelo IBGE, deixando de fazer parte da população economicamente ativa. Estes dados mostram também a limitação das taxas de desemprego aberto, que não distinguem a situação de uma pessoa empregada no setor formal com aquela de um indivíduo que exerça qualquer tipo de atividade no setor informal da economia.

A distribuição regional da população ocupada no Brasil mostra que não houve grandes modificações ao longo do período 1981-1983.10 10 A principal modificação foi a queda na participação da região Sul no total da população ocupada, que passou de 21,7% em 1979 para 17,7% em 1983. Em termo setoriais, entretanto, ocorreram alguns movimentos interessantes. Como era de se esperar, a indústria de transformação perdeu participação no emprego, baixando de 15,5% em 1979 para 15,0% em 1981, 14,7% em 1982 e 14,0% em 1983. Também na agricultura ocorreu uma queda considerável - 32,5% em 1979 e 27,l% em 1983. O aparente crescimento da população ocupada na indústria de construção em 1983 deve-se à inclusão dos trabalhadores das “frentes de trabalho” do Nordeste neste ramo de atividade.11 11 O “crescimento” da população ocupada na indústria de construção no Nordeste entre 1982 e 1983 foi superior a 1,5 milhões de trabalhadores. A queda do emprego na indústria de transformação e agricultura foi compensada pela elevação da participação do comércio, prestação de serviços, atividades sociais, administração pública e outras atividades industriais. A redução do emprego na indústria de transformação pode ser notada com mais nitidez em São Paulo, onde o percentual da população no setor baixou de 28,7% em 1979 para 28,0% em 1981, 26,9% em 1982 e apenas 25,4% em 1983 (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição da população ocupada por ramo de atividade - Brasil e São Paulo 1979 - 1983

O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho pode ser comprovado através da distribuição da população ocupada segundo o sexo. Em 1979, 68,3% das pessoas ocupadas eram homens, enquanto as mulheres correspondiam aos restantes 31,7%. O percentual de pessoas ocupadas do sexo feminino elevou-se para 32,2% em 1982 e 33,0% em 1983. Estes dados confirmam a tendência já apontada acima.

As dificuldades de entrada no mercado de trabalho enfrentadas pelos jovens sobressaem quando analisadas as diversas faixas etárias. Aqueles entre 10 e 14 anos representavam 6,7% da população ocupada em 1979 e 5,2% em 1983. Na faixa 15-19 anos o percentual baixou de 15,4 para 14,2% no mesmo período, ocorrendo um comportamento similar para a faixa 20-24 anos. Para todas as outras faixas etárias houve crescimento no percentual da população ocupada. O envelhecimento da pirâmide etária da população ocupada reflete não apenas a dificuldade de entrada dos mais jovens, mas a própria luta pela permanência no emprego por parte daqueles que se encontravam empregados no início da crise (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição da população ocupada por faixa etaria - Brasil 1979 - 1983

A maior disputa por uma vaga no mercado de trabalho provocou uma diminuição no número de horas trabalhadas por pessoa. Assim, em 1979, 15,4% da população ocupada trabalhava menos de 40 horas. Este percentual subiu para 18,4% em 1981, 19,3% em 1982 e 21,0% em 1983. Em compensação, diminuiu o percentual de pessoas ocupadas trabalhando entre 40 e 48 horas - 51,4% em 1979 e 48,7% em 1983 -, assim como daquelas com 49 ou mais horas semanais - 32,2% em 1979 e 30,3% em 1983.

MODIFICAÇÕES NA ESTRUTURA OCUPACIONAL

O fato mais marcante a ser destacado nos dados agregados da estrutura ocupacional é a diminuição da participação dos empregados com carteira de trabalho assinada, simultaneamente com o crescimento dos empregados sem carteira. Este comportamento corresponde a uma mudança qualitativa no mercado de trabalho, refletindo uma deterioração das condições de trabalho.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o contingente mais numeroso da população ocupada é constituído por empregados com carteira assinada.12 12 Para a definição das ocupações utilizadas nesta seção, consultar qualquer publicação da PNAD/IBGE. Em 1979, eles correspondiam a 37,3% da população ocupada, tendo baixado para 36,1% em 1982 e 34,3% em 1983. Os empregados sem carteira assinada tiveram sua participação elevada de 25,0% em 1979 para 27,0% em 1982 e 30,7% em 1983. Os trabalhadores por conta própria representavam 21,8% em 1979, 23,3% em 1982 e 22,2% em 1983. Os trabalhadores não-remunerados caíram de 12,1% em 1979 para 9,7% em 1983. Também os empregadores se reduziram de 3,8% em 1979 para 3,1% em 1983. Havia no país 48.466.493 pessoas ocupadas em 1983, dentre as quais 16.628.754 empregados com carteira assinada, 14.878.154 empregados sem carteira assinada, 10.775.076 trabalhadores por conta própria, 4.681.980 trabalhadores não-remunerados e 1.507.529 empregadores (Tabela 3).

Tabela 3
População ocupada segundo a posição na ocupação - Brasil 1979 - 1983

Analisando-se as atividades agrícolas, observa-se um certo equilíbrio entre empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e trabalhadores não-remunerados. Os trabalhadores com carteira assinada, assim como os empregadores, representam um percentual reduzido da população agrícola ocupada. Houve algumas modificações no período. Os empregados sem carteira assinada tiveram sua participação elevada de 29,0% em 1979 para 33,8% em 1983. Em contrapartida, os trabalhadores não-remunerados caíram de 32,7% para 28,7%. Para as outras categorias ocorreram pequenas alterações, com os trabalhadores por conta própria situando-se em 30,3% em 1983. Poder-se-ia especular sobre a transformação de trabalhadores não-remunerados em empregados sem carteira assinada, ou mesmo trabalhadores por conta própria, como forma de complementação da renda familiar durante o período de crise econômica (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição da população ocupada segundo a posição na ocupação atividades agricolas e não agricolas - Brasil 1979 - 1983

A distribuição é completamente distinta nas atividades não-agrícolas. O principal contingente é representado pelos empregados com carteira assinada, que correspondiam a 53,2% em 1979, 50,7% em 1981, 49,1% em 1982 e 45,5% em 1983. Os empregados sem carteira assinada passaram de 23,0% em 1979 para 24,9% em 1981, 25,2% em 1982 e 29,5% em 1983. Quanto aos trabalhadores por conta própria, apresentaram uma pequena elevação, passando de 17,9% em 1979 para 19,8% em 1983. Os empregadores baixaram de 3,8% em 1979 para 3,1% em 1983. Finalmente, os trabalhadores não-remunerados nas atividades não-agrícolas são muito pouco numerosos, permanecendo com uma participação irrisória no período. Verifica-se, assim, que cerca de três quartos da população ocupada em atividades não-agrícolas são constituídos por empregados, tendo ocorrido, a partir de 1981, um sensível crescimento daqueles sem carteira assinada e uma queda da participação dos que possuem carteira assinada. Houve, portanto, uma grande piora no mercado de trabalho urbano no início da década de 80, consequência direta da recessão econômica.

Analisando-se separadamente o Estado de São Paulo, confirma-se a tendência apontada acima. A participação dos empregados com carteira assinada reduz-se de 57,3% em 1979 para 51,1% em 1983. Ocorre uma elevação no percentual de empregados sem carteira assinada, que passam de 22,2% em 1979 para 25,7% em 1983. Também a porcentagem de trabalhadores por conta própria cresce no período - 12,9% em 1979 e 15,5% em 1983. Os trabalhadores não-remunerados e os empregados são pouco numerosos, não tendo apresentado grandes modificações (Tabela 5).

Tabela 5
Distribuição da população ocupada segundo a posição na ocupação - São paulo e nordeste 1979 - 1983

A situação na região Nordeste mostra um enorme crescimento dos trabalhadores sem carteira assinada, que passaram de 28,1% em 1979 para 32,2% em 1981 e 39,1 % em 1983. O grande aumento ocorrido em 1983 deve-se às “frentes de trabalho”, fato este já mencionado anteriormente. Houve uma queda na participação dos trabalhadores por conta própria - 32,2% em 1979 e 27,6% em 1983. Os empregados com carteira assinada mantiveram-se em torno de 20% no período, ocorrendo uma redução na participação dos trabalhadores não-remunerados e dos empregadores.

Resumindo, nota-se um quadro extremamente diferenciado na distribuição da população ocupada segundo a posição na ocupação, dependendo de tratar-se de atividades urbanas ou rurais, ou de regiões com diferentes graus de desenvolvimento. O fato mais marcante foi a perda da carteira assinada para parcela importante dos empregados, que constituem o principal segmento do mercado de trabalho urbano. Houve ainda uma elevação na participação dos trabalhadores por conta própria e uma queda dos empregadores e dos trabalhadores não-remunerados. Esta tendência sugere a transformação de parcela dos pequenos empresários e dos trabalhadores não-remunerados em empregados ou trabalhadores por conta própria, refletindo as dificuldades inerentes a um período de crise econômica.

A POSSE DA CARTEIRA DE TRABALHO ASSINADA

Os diversos tipos de ocupação analisados na última seção permitem o estabelecimento de uma associação com os setores formal e informal da economia brasileira. Assim, os empregados com carteira assinada, em sua imensa maioria, pertencem ao setor formal. Estariam excluídos apenas alguns poucos empregados de pequenas empresas não-capitalistas (quase-empresas), que eventualmente possuam carteira assinada, assim como uma minoria de empregadas domésticas.

Quanto aos empregados sem carteira assinada; pertencem basicamente ao setor informal. A principal exceção são os trabalhadores estatutários do governo, submetidos a uma legislação especial, que não inclui a posse da carteira de trabalho. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), os estatuários representavam, em 1983, cerca de dois milhões de trabalhadores, dentro de um total de quase 15 milhões de empregados sem carteira assinada levantados pelos PNAD. Portanto, os empregados sem carteira assinada são típicos do setor informal da economia.

A maioria dos trabalhadores por conta própria pertence ao setor informal. Excluem-se, obviamente, os profissionais liberais independentes e outros trabalhadores autônomos não subordinados,13 13 Estamos considerando aqui os profissionais liberais independentes e o conjunto de trabalhadores autônomos não subordinados, seguindo a tipologia de Souza (1980), no sentido de diferenciá-los dos trabalhadores autônomos subordinados. os quais, muitas vezes, são donos de seus próprios negócios, ou até mesmo empregadores.

Os trabalhadores não-remunerados são encontrados basicamente no setor agrícola, fazendo parte de empresas familiares e pertencendo ao setor informal.

No caso dos empregadores, existem tanto aqueles que são proprietários de empresas tipicamente capitalistas, como também de quase-empresas. Assim, uma parcela pertencente ao setor formal, enquanto outros fazem parte do setor informal.

Dentre as cinco categoria analisadas, aquela que mais nitidamente pertence ao setor formal são os empregados com carteira assinada. Além disso, eles correspondem ao contingente mais numeroso da população ocupada. Por outro lado, excluindo-se os trabalhadores estatutários, os empregados sem carteira assinada fazem parte do setor informal. O conjunto de todos os empregados (com ou sem carteira assinada) representa cerca de 65% da população ocupada (75% para as atividades não-agrícolas), justificando seu acompanhamento durante os anos de recessão econômica. Um crescimento dos empregados com carteira assinada pode ser associado a um aumento do grau de formalização da economia, enquanto o oposto ocorre quando cresce o número de empregados sem carteira assinada.

A tendência generalizada entre os empregados foi de crescimento da parcela sem carteira assinada, associada a uma diminuição daqueles com posse da carteira de trabalho. Isto pode ser verificado, tanto ao nível regional, quanto setorial, por sexo e faixa etária. Para o conjunto de empregados do país, 59,9% possuíam carteira assinada em 1979, 58,l% em 1981, 57,3% em 1982 e apenas 52,8% em 1983. Em valores absolutos, existiam 16.492.157 empregados com carteira assinada em 1979 e 16.628.754 em 1983.14 14 Comparado com o ano de 1980, certamente haveria uma queda no total de empregados com carteira assinada em 1983. A informação sobre a posse da carteira assinada, entretanto, não foi levantada pelo Censo de 1980. Ver nota 4.

Em termos regionais, a posse da carteira assinada é relativamente frequente nos centros mais desenvolvidos do país - São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e região Sul. Todas as regiões foram atingidas pela queda do percentual de empregados com carteira assinada. Em São Paulo, por exemplo, 72,0% dos empregados possuíam carteira assinada em 1979, e apenas 66,6% em 1983. No Rio de Janeiro a queda foi também elevada, baixando de 73,5% para 63,8% no período. Mesmo nas regiões onde a posse da carteira assinada era baixa antes da crise econômica também houve queda. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, 51,4% dos empregados possuíam carteira assinada em 1979 e apenas 45,0% em 1983.15 15 A queda exagerada encontrada para o percentual de empregados com carteira assinada no Nordeste entre 1982 e 1983 deve-se às “frentes de trabalho”, que empregavam trabalhadores com remuneração abaixo da mínima legal e sem carteira assinada. Estes dados mostram uma diminuição relativa do setor formal no período, atingindo todas as regiões, independentemente de seu nível de desenvolvimento econômico (Tabela 6).

Tabela 6
Porcentagem dos empregados com carteira assinada por região - Brasil 1979 - 1983

Todos os ramos de atividade analisados mostram uma queda no percentual de empregados com carteira assinada. Este fato ocorre, inclusive, naqueles setoresonde expressiva parcela dos empregados possui carteira de trabalho assinada. Na indústria de transformação, por exemplo, 87,3% possuíam carteira em 1979 e 84,2% em 1983. Até mesmo na agricultura, onde parcela irrisória dos empregados possui carteira de trabalho assinada pelos empregador, houve queda no período. Os percentuais relativamente baixos encontrados na administração pública devem-se aos trabalhadores estatutários, enquanto na prestação de serviços estão incluídas as empregadas domésticas (sem carteira)16 16 Mais uma vez lembramos que os trabalhadores nas ‘’frentes de trabalho” no Nordeste foram incluídos na indústria de construção, justificando a queda acentuada de trabalhadores com carteira assinada neste setor. Ver nota 11. (Tabela 7).

Tabela 7
Porcentagem dos empregados com carteira assinada por ramo de atividade - Brasil. 1979 - 1983

Tanto os empregados homens quanto as mulheres foram prejudicados através da elevação do percentual daqueles sem carteira assinada. A posse da carteira é mais comum entre os homens do que entre as mulheres. Enquanto, em 1979, 62,4% dos empregados e 54,6% das empregadas possuíam carteira assinada, em 1983 estes percentuais haviam-se reduzido para 54,5 e 49,3% respectivamente.

Finalmente, todas as faixas etárias sofreram o mesmo efeito, embora os mais jovens tenham apresentado maiores quedas. Entre os empregados na faixa 10/14 anos, 12,5% possuíam carteira assinada em 1979 e apenas 5,9% em 1983. Na faixa 15/19 anos, os percentuais foram respectivamente 42,4% em 1979 e 32,1% em 1983. Mesmo na faixa entre 25 e 29 anos, onde a posse da carteira é mais frequente, o percentual baixou de 70,5% para 65,2% no período (Tabela 8).

Tabela 8
porcentagem dos empregados com carteira assinada por faixa etaria - Brasil 1979 - 1983

Verifica-se, portanto, um crescimento generalizado do grau de informalização entre os empregados, com uma elevação do percentual daqueles que não possuem carteira de trabalho assinada. Este comportamento é uma evidência do aumento do setor informal vis-à-vis o formal. Cabe, entretanto, salientar, que parte do setor formal pode estar assumindo atitudes típicas do setor informal, como estratégia de sobrevivência durante a crise. Assim, pode ser mais conveniente para uma firma deixar de assinar a carteira de trabalho de uma parcela de seus empregados e transformar o assalariamento permanente em prestação de serviços. De qualquer forma, a tendência encontrada nesta seção parece suficientemente clara para se concluir que o setor informal foi o principal responsável pela absorção da mão-de-obra durante a recessão do início da década de 80.

O COMPORTAMENTO DO SETOR FORMAL

O setor formal representa o núcleo dinâmico do mercado de trabalho. Aí estão localizados os melhores empregos, que exigem um nível de qualificação mais elevado e que pagam os maiores salários. A legislação trabalhista é razoavelmente respeitada. É nele também que existe uma estrutura sindical organizada. Por outro lado, o fato de o nível de emprego do setor formal estar diretamente associado ao nível de produção leva a crer que houve modificações importantes em sua estrutura ocupacional ao longo do início da década de 80.

A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) constitui-se, possivelmente, na melhor fonte de dados sobre o mercado formal de trabalho do Brasil, cobrindo os trabalhadores com carteira assinada, além dos servidores públicos estatuários.17 17 Para uma discussão sobre a abrangência dos dados da RAIS, ver João Sabóia e Ricardo Tolipan, “A RAIS e o Mercado Formal de Trabalho no Brasil”. trabalho aceito para publicação, PPE, 1985. Diferentemente da PNAD, a RAIS fornece informações sobre “emprego” em vez de “população ocupada”. Embora uma pessoas possa, eventualmente, ocupar mais de um emprego, não faremos qualquer diferenciação entre os dois conceitos neste trabalho. É a partir dos dados da RAIS que desenvolveremos nossa análise sobre o mercado formal de trabalho.

Em 1983, mais de um milhão de estabelecimentos haviam fornecido informações à RAIS. Enquanto em 1980 foram levantados 17.086.650 empregos, em 1981 o total elevou-se a 17.215.283, em 1982 atingiu 17.958.684, baixando para 17.766.009 em 1983. Antes de prosseguir, é preciso ressaltar o fato de que houve um aumento de cobertura de RAIS no período. O número de estabelecimentos informantes cresceu cerca de 12% entre 1980 e 1983, especialmente no setor agrícola e na administração pública nas regiões menos desenvolvidas do país. Portanto, parte do crescimento do emprego deve-se simplesmente a uma melhoria do sistema RAIS.18 18 A RAIS tem mostrado uma tendência de aumento de cobertura. Assim, uma pequena parcela dos informantes de cada ano é constituída por estabelecimentos que já existiam, mas que não preenchiam a RAIS. Portanto, o crescimento do emprego entre 1980 e 1982 está superestimado, enquanto a queda em 1983 está subestimada.

Os dois choques recessivos de 1981 e 1983 provocaram uma queda no nível absoluto do emprego em São Paulo e no Rio de Janeiro. A participação de São Paulo no emprego baixou de 35,5% em 1980 para 33,3% em 1983. Apenas nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste e no Distrito Federal não houve queda no total de empregos levantados pela RAIS em 1983.19 19 O melhor comportamento da evolução do emprego nas regiões menos desenvolvidas deve-se, em parte, ao aumento de cobertura da RAIS nessas regiões.

O comportamento setorial do emprego mostrou-se diferenciado. A indústria, por exemplo, baixou de 6.265.360 em 1980 para 5.330.596 em 1983, correspondendo a uma redução de 15%. A maior queda ocorreu entre 1982 e 1983, tendo sido superior a 600 mil empregos. Os ramos industriais mais atingidos durante a recessão foram o conjunto de metal-mecânica (metalúrgica, mecânica, material elétrico e de comunicação e material de transporte) e a indústria de construção. Os ramos produtores de bens de consumo não duráveis foram pouco afetados. O setor de serviços também apresentou queda no emprego entre 1982 e 1983. O crescimento de quase um milhão de empregos no governo deve-se, principalmente, a um aumento de quase 50% no número de estabelecimentos governamentais levantados pela RAIS entre 1980 e 1983.

A distribuição do emprego segundo o setor modificou-se consideravelmente entre 1980 e 1983. Enquanto a indústria representava 38,7% em 1980, sua participação havia baixado para 35,7% em 1981, 34,4% em 1982 e apenas 31,7% em 1983, correspondendo ao setor mais atingido durante a recessão. A participação de serviços permanecem aproximadamente estável no período - 24,4% em 1980 e 24,8% em 1983. O governo apresentou um crescimento percentual, em parte pelos motivos já citados acima. Quanto ao comércio, mostrou uma pequena elevação em sua participação - 12,6% em 1980 e 13,3% em 1983. Os outros setores representavam uma parcela reduzida do emprego no setor formal.20 20 Para um estudo detalhado sobre as transformações ocorridas no emprego industrial durante o período analisado, ver João Sabóia e Ricardo Tolipan, “A Estrutura do Emprego Industrial no Brasil e a Recessão dos Anos 80”, IEI/UFRJ, julho de 1985, mimeo. (Tabela 9).

Tabela 9
Emprego por setor - Brasil 1980 - 1983

A tendência na evolução do tamanho médio dos estabelecimentos foi de queda. Este fato é especialmente verdadeiro na indústria, onde a média encontrada em 1980 correspondia a 41 empregados por estabelecimento, baixando para 38 em 1981 e apenas 34 empregados por estabelecimento em 1983. Para o conjunto dos estabelecimentos levantados pela RAIS houve uma redução de 19 para 18 empregados por estabelecimento no período.

Também no setor formal houve uma elevação na participação feminina no emprego. Em 1980, 29,7% dos empregos eram ocupados por mulheres. Em 1982, sua participação elevava-se para 31,2%, atingindo 32,l% em 1983.

A RAIS mostra um percentual mínimo de trabalhadores analfabetos - apenas 3,7% em 1983. Com o primário incompleto eram encontrados 15,3% e com primário completo 22,4%. No extremo superior da pirâmide de escolaridade existiam 9,0% com o superior completo. Ao longo da década de 80, nota-se uma clara tendência de diminuição das oportunidades de empregos para os trabalhadores com o menor nível de instrução (qualificação). Em 1980, 48,3% dos empregos eram ocupados por trabalhadores com no máximo o curso primário completo. O percentual baixou para 46,2% em 1981, 44,l% em 1982 e 41,4% em 1983. A queda na participação dos trabalhadores com menor grau de instrução repete-se em maior ou menor escala pelos diferentes setores e regiões. Este fato está diretamente associado à recessão, quando os trabalhadores não-qualificados são os primeiros a terem o vínculo empregatício rompido, encontrado sérias dificuldades em retornar ao mercado formal de trabalho (Tabela 10).

Tabela 10
Emprego por grau de instrução - Brasil 1980 - 1983

Embora cerca da metade dos trabalhadores tenham 30 anos ou menos, sua participação decresceu bastante a partir de 1980, especialmente para os trabalhadores mais jovens. Aqueles com até 18 anos, respondiam por 7,5% do emprego em 1980, 6,6% em 1981, e 6,1% em 1982 e 5,4% em 1983. Com 30 anos ou menos eram encontrados 53,l% dos trabalhadores em 1980 e 50,4% em 1983. A tendência de envelhecimento dos trabalhadores empregados no setor formal é observada na indústria, serviços e comércio. Estes dados refletem o fechamento do mercado de trabalho para os trabalhadores mais jovens (Tabela 11).

Tabela 11
Emprego por faixa etaria - Brasil 1980 - 1983

O ajuste no nível de emprego durante a recessão deu-se, basicamente, através de uma queda nas novas admissões em vez de uma elevação nos desligamentos. Entre 1980 e 1981 houve uma diminuição de mais de 800 mil admissões, enquanto os desligamentos permaneceram praticamente inalterados. Em 1982, as admissões voltaram a elevar-se, enquanto os desligamentos apresentaram uma pequena queda. Em 1983, as admissões reduziram-se em quase um milhão e 400 mil; ao mesmo tempo que os desligamentos diminuíam em cerca de 400 mil. Verifica-se, portanto, que, diferentemente do senso comum, não foi a elevação dos desligamentos, mas a queda nas admissões que ajustou o nível de emprego.

Uma das consequências da recessão foi a queda na rotação da mão-de-obra. A taxa global de vínculos (rotatividade) baixou de 1,55 em 1980 para 1,51 em 1981, 1,50 em 1982 e 1,44 em 1983.21 21 A taxa de vínculos é definida pelo quociente entre o número total de vínculos ocorridos em cada ano e o emprego médio, onde este último é calculado pela média entre o emprego em 1º. de janeiro e 31 de dezembro do respectivo ano. Ela pode ser utilizada como taxa de rotatividade, mostrando o “excedente” de empregados relativamente ao emprego médio no ano. Quanto mais próxima da unidade, menor é a rotatividade. A rotatividade pode ainda ser medida pelo menor valor entre a taxa de admissão e de desligamento, onde a primeira é obtida pela relação entre as admissões e o emprego médio, e a segunda pela relação entre os desligamentos e o emprego médio. Simultaneamente, houve uma elevação no tempo de permanência no emprego, que passou de 4,6 anos em 1980 para 5,0 anos em 1983. A média para os em pregados desligados é bem inferior, tendo, entretanto, subido de 17 para 23 meses no período. Apesar da queda da rotatividade, ela ainda permanecia bastante elevada em 1983, significando a rotação de cerca de 44% da mão-de-obra durante aquele ano (Tabela 12).

Tabela 12
Taxas de rotatividade e tempo médio no emprego - Brasil 1980 - 1983

A rotatividade mostra-se bastante diferenciada segundo o setor considerado. Ela é baixa apenas no governo, sendo muito alta na maioria dos setores. Excluindose o governo e a agricultura, onde a taxa de vínculos permaneceu estável, em todos os setores houve uma acentuada redução. Na indústria, por exemplo, ela reduziu-se de 1,72 em 1980 para 1,67 em 1981, 1,66 em 1982 e 1,56 em 1983 (Tabela 13).

Tabela 13
Taxa de vinculos por setor - Brasil 1980 - 1983

A explicação para a queda da rotatividade durante a crise pode ser buscada tanto no comportamento dos empregados quanto dos empregadores. Nos casos dos primeiros, não há dúvida de que procuram permanecer no emprego, na medida em que novas oportunidades de trabalho são escassas. Quanto aos empregadores - que se constituem nos principais responsáveis pela rotatividade -, ao reduzirem o fluxo de novas admissões terminam criando condições para uma diminuição do processo de rotatividade da mão-de-obra.

Passando-se às causas da rotatividade, houve uma aumento da participação das rescisões motivadas por iniciativa do empregador. Em 1980, 58,1% eram de iniciativa do empregador sem justa causa, enquanto aquelas de iniciativa do empregado sem justa causa correspondiam a apenas 19,7%. O percentual das rescisões por iniciativa do empregador sem justa causa elevou-se para 64,4% cm 1983, ao mesmo tempo que aquelas motivadas pelo empregado sem justa causa caíram para 17,3%.

Houve, portanto, uma mudança qualitativa nas causas das rescisões no período. No total, 71,8% das rescisões ocorridas em 1983 eram de iniciativa do empregador (com ou sem justa causa), 18,9% de iniciativa do empregado (com ou sem justa causa), e as restantes por outras razões (aposentadoria, transferência, morte, etc.) (Tabela 14).

Tabela 14
Distribuição das rescisões segundo as causas - Brasil 1980 - 1983

A remuneração média no setor formal elevou-se entre 1980 e 1982, caindo em 1983. Este resultado não chega a surpreender, uma vez que, até o início de 1983, a legislação salarial permitia reajustes salariais superiores ao INPC para importante parcela dos trabalhadores. Além disso, a queda no nível de emprego dos trabalhadores jovens e dos não-qualificados tende a elevar a remuneração média, na medida em que estes trabalhadores recebem os menores salários. A queda da remuneração média em 1983 está associada às modificações na política salarial naquele ano, além do recrudescimento do processo inflacionário.22 22 Entre 1980 e 1982 estiveram em vigor as Leis ns 6.708 e 6.886, com reajustes semestrais equivalentes a 110% do INPC para os salários inferiores a 3 SM. Ao longo de 1983 a legislação salarial foi modificada quatro vezes - Decretos-Leis ns 2.012, 2.024, 2.045 e 2.065 -, todos eles com forte capacidade de compressão dos salários.

Em 1980, a remuneração média global situava-se em 3,4 salários-mínimos (SM), elevando-se para 3,5 SM em 1981, 3,6 SM em 1982 e baixando para 3,5 SM em 1983. À primeira vista, as modificações parecem pouco importantes. Quando analisado o valor real do salário-mínimo ao longo do período, observa-se um aumento de 1,7% em 1981, l,0% em 1982 e uma queda de 8,8% em 1983. Portanto, a queda real na remuneração média entre 1982 e 1983 foi de 11,3%.23 23 O salário-mínimo utilizado é a média anual do maior salário-mínimo do país, incluindo o 13º. salário. Para o cálculo do salário-mínimo real é utilizado o INPC como deflator.

O quadro setorial apresenta modificações. Na indústria, por exemplo, a remuneração média passou de 3,5 para 3,8 SM entre 1980 e 1983. No governo o comportamento foi bastante desfavorável, baixando de 3,5 para 3,2 SM no período. Houve, portanto; uma queda real para cerca de 14% na remuneração média dos trabalhadores do governo, que está associada à política de reajuste do funcionalismo público. No comércio a remuneração média fixou-se em torno 2,5 SM, enquanto no setor de serviços passou de 4,1 para 4,2 SM entre 1980 e 1983. Em termos reais, a remuneração média decresceu em todos os setores, com exceção da indústria, onde, após um crescimento até 1982, ela encontrava-se em 1983 em nível semelhante ao de 1980 (Tabela 15).

Tabela 15
remuneração media por setor - Brasil 1980 - 1983 (em salários mínimos)

Houve uma pequena melhoria na distribuição da remuneração entre 1980 e 1983. O índice de Gini baixou de 0,491 para 0,483. Em 1983, entretanto, as desigualdades permaneciam elevadas. Pouco menos de 10% dos trabalhadores recebiam até 1 SM, participando de apenas 2% da remuneração. Cerca de dois terços não ultrapassavam 3 SM mensais, limitando-se a pouco mais de 30% da remuneração total. Em compensação, os 6% dos trabalhadores recebendo mais de 10 SM participavam de quase 30% da remuneração, isto é, o equivalente ao recebido pelos dois terços até 3 SM. Em 1983, existiam ainda 243.364 empregos com remuneração superior a 20 SM e 66.272 acima de 30 SM. Estes dados mostram a limitação da política salarial como instrumento de melhoria da distribuição dos salários durante a recessão.24 24 Para o leitor interessado em mais dados relativos às transformações ocorridas no mercado formal de trabalho entre 1980 e 1983, sugerimos consultar as publicações anuais do Ministério do Trabalho - RAIS 80, RAIS 81, RAIS 82 e RAIS 83.

CONCLUSÃO

Apesar da crise econômica que atingiu a economia brasileira no início da década de 80, o mercado de trabalho mostrou uma elevada capacidade de absorção da mão-de-obra, impedindo assim que houvesse um crescimento brutal das taxas de desemprego aberto. Essa absorção deu-se basicamente através do mercado informal de trabalho, em condições, portanto, extremamente precárias.

Os principais indícios de crescimento do setor informal podem ser encontrados tanto na diminuição da porcentagem de empregados com carteira de trabalho assinada, quanto no crescimento da participação de trabalhadores autônomos na população ocupada, como ainda na diminuição das horas trabalhadas.

A indústria foi o setor que sofreu os maiores impactos da crise. Os trabalhadores mais atingidos foram os mais jovens, assim como aqueles com menor nível de escolaridade (menos qualificados). A participação da mão-de-obra feminina elevou-se no período.

Notou-se uma estagnação no mercado formal de trabalho, especialmente nos centros mais desenvolvidos do país. O ajuste no nível de emprego foi efetuado através de uma acentuada redução no número de novas admissões por parte das empresas. Consequentemente, baixaram as taxas de rotatividade da mão-de-obra. Apesar disso, elas ainda se encontravam em níveis bastante elevados em 1983, sendo os empregadores os principais responsáveis pela rotatividade. A remuneração média apresentou-se favorável até 1982, caindo muito em 1983. Esse comportamento pode ser explicado pela política salarial do período e pelas modificações importantes ocorridas na composição da mão-de-obra. As desigualdades na distribuição da remuneração continuavam acentuadas em 1983.

O quadro aqui discutido mostra a importância da reativação da economia. Os primeiro dados pós-crise apontam, todavia, para um crescimento do emprego inferior ao da atividade econômica. Em outras palavras, o aumento da produtividade que tem acompanhado a recuperação econômica pode criar sérios obstáculos ao crescimento do nível de emprego. As relações de trabalho, por seu lado, continuam tão precárias quanto antes. Assim, a superação das atuais dificuldades no mercado de trabalho pressupõe, não apenas um crescimento vigoroso da economia, como, principalmente, profundas transformações nas relações entre o capital e o trabalho.

  • 1
    Ver Paulo Renato Souza, “A Determinação dos Salários e do Emprego nas Economias Atrasadas”, Tese de Doutoramento, Campinas, UNICAMP, 1980.
  • 2
    O dualismo setor formal/informal ou mercado formal/informal de trabalho é claramente insuficiente. O funcionamento do mercado de trabalho no Brasil é muito mais complexo do que o permitido por uma análise em termos de dois grandes segmentos. Esta é uma área que merece um aprofundamento teórico, o que foge aos objetivos deste trabalho. Portanto, nos restringiremos à classificação tradicional “formal/ informal”.
  • 3
    Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), os trabalhadores desligados no setor formal em 1983 possuíam, em média, cerca de dois anos de emprego. Assim, a FGTS permitiria uma sobrevivência, com o mesmo nível de renda, por aproximadamente dois meses. A recente criação do seguro-desemprego não traz grandes mudanças. Em primeiro lugar, ele atingirá um pequeno percentual de trabalhadores. Em segundo lugar, restringe-se a um período de apenas quatro meses.
  • 4
    Para uma discussão sobre as barreiras à entrada no setor informal, ver Maria Cristina Cacciamali, “Relações entre Desemprego Aberto, Subemprego e Setor Informal em uma Economia de Industrialização Intermediária ao Longo de Ciclo Econômico”, Anais do XII Encontro Nacional de Economia, São Paulo, ANPEC, dez. 1984.
  • 5
    Nesta e nas duas próximas seções utilizaremos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Como em 1980 foi realizado o Censo Demográfico, que utiliza conceitos diferentes da PNAD, a base de comparação será o ano de 1979, excluindo-se os dados do Censo de 1980.
  • 6
    É claro que a elevação da participação das mulheres no mercado de trabalho não se deve exclusivamente à crise econômica, constituindo-se uma tendência de longo prazo.
  • 7
    Os questionários foram modificados pelo IBGE em abril de 1982, eliminando-se da população economicamente ativa os desocupados que não tivessem tomado qualquer providência para conseguir uma nova ocupação na semana de referência da pesquisa. Com isso, as taxas de desemprego caíram bastante.
  • 8
    As taxas de desemprego possuem um comportamento sazonal. As quedas observadas ao longo do segundo semestre repetem-se todos os anos.
  • 9
    Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego, o tempo médio de procura de um novo emprego situa-se em torno de quatro meses. Após este período, ou o trabalhador volta a se empregar, ou passa a ser considerado um desalentado pelo IBGE, deixando de fazer parte da população economicamente ativa.
  • 10
    A principal modificação foi a queda na participação da região Sul no total da população ocupada, que passou de 21,7% em 1979 para 17,7% em 1983.
  • 11
    O “crescimento” da população ocupada na indústria de construção no Nordeste entre 1982 e 1983 foi superior a 1,5 milhões de trabalhadores.
  • 12
    Para a definição das ocupações utilizadas nesta seção, consultar qualquer publicação da PNAD/IBGE.
  • 13
    Estamos considerando aqui os profissionais liberais independentes e o conjunto de trabalhadores autônomos não subordinados, seguindo a tipologia de Souza (1980), no sentido de diferenciá-los dos trabalhadores autônomos subordinados.
  • 14
    Comparado com o ano de 1980, certamente haveria uma queda no total de empregados com carteira assinada em 1983. A informação sobre a posse da carteira assinada, entretanto, não foi levantada pelo Censo de 1980. Ver nota 4.
  • 15
    A queda exagerada encontrada para o percentual de empregados com carteira assinada no Nordeste entre 1982 e 1983 deve-se às “frentes de trabalho”, que empregavam trabalhadores com remuneração abaixo da mínima legal e sem carteira assinada.
  • 16
    Mais uma vez lembramos que os trabalhadores nas ‘’frentes de trabalho” no Nordeste foram incluídos na indústria de construção, justificando a queda acentuada de trabalhadores com carteira assinada neste setor. Ver nota 11.
  • 17
    Para uma discussão sobre a abrangência dos dados da RAIS, ver João Sabóia e Ricardo Tolipan, “A RAIS e o Mercado Formal de Trabalho no Brasil”. trabalho aceito para publicação, PPE, 1985. Diferentemente da PNAD, a RAIS fornece informações sobre “emprego” em vez de “população ocupada”. Embora uma pessoas possa, eventualmente, ocupar mais de um emprego, não faremos qualquer diferenciação entre os dois conceitos neste trabalho.
  • 18
    A RAIS tem mostrado uma tendência de aumento de cobertura. Assim, uma pequena parcela dos informantes de cada ano é constituída por estabelecimentos que já existiam, mas que não preenchiam a RAIS. Portanto, o crescimento do emprego entre 1980 e 1982 está superestimado, enquanto a queda em 1983 está subestimada.
  • 19
    O melhor comportamento da evolução do emprego nas regiões menos desenvolvidas deve-se, em parte, ao aumento de cobertura da RAIS nessas regiões.
  • 20
    Para um estudo detalhado sobre as transformações ocorridas no emprego industrial durante o período analisado, ver João Sabóia e Ricardo Tolipan, “A Estrutura do Emprego Industrial no Brasil e a Recessão dos Anos 80”, IEI/UFRJ, julho de 1985, mimeo.
  • 21
    A taxa de vínculos é definida pelo quociente entre o número total de vínculos ocorridos em cada ano e o emprego médio, onde este último é calculado pela média entre o emprego em 1º. de janeiro e 31 de dezembro do respectivo ano. Ela pode ser utilizada como taxa de rotatividade, mostrando o “excedente” de empregados relativamente ao emprego médio no ano. Quanto mais próxima da unidade, menor é a rotatividade. A rotatividade pode ainda ser medida pelo menor valor entre a taxa de admissão e de desligamento, onde a primeira é obtida pela relação entre as admissões e o emprego médio, e a segunda pela relação entre os desligamentos e o emprego médio.
  • 22
    Entre 1980 e 1982 estiveram em vigor as Leis ns 6.708 e 6.886, com reajustes semestrais equivalentes a 110% do INPC para os salários inferiores a 3 SM. Ao longo de 1983 a legislação salarial foi modificada quatro vezes - Decretos-Leis ns 2.012, 2.024, 2.045 e 2.065 -, todos eles com forte capacidade de compressão dos salários.
  • 23
    O salário-mínimo utilizado é a média anual do maior salário-mínimo do país, incluindo o 13º. salário. Para o cálculo do salário-mínimo real é utilizado o INPC como deflator.
  • 24
    Para o leitor interessado em mais dados relativos às transformações ocorridas no mercado formal de trabalho entre 1980 e 1983, sugerimos consultar as publicações anuais do Ministério do Trabalho - RAIS 80, RAIS 81, RAIS 82 e RAIS 83.
  • 25
    JEL Classification: J21; J31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1986
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