Acessibilidade / Reportar erro

O Capital Humano na Filosofia Social de Marshall

Human capital in Marshall’s Social Philosophy

RESUMO

Como explicar os amplos e persistentes diferenciais da produtividade per capita na economia mundial? Do ponto de vista marshalliano, essas diferenças estão relacionadas a fatores microeconômicos (por exemplo, organização) e, em particular, ao investimento per capita em seres humanos como agentes de produção. Marshall acreditava que a importância relativa do trabalho mental em relação ao trabalho manual tendia a aumentar com o tempo; e sustentava que o capital humano - ou seja, os atributos físicos, morais e cognitivos de trabalhadores, profissionais e homens de negócios - é um dos mais importantes de todos os insumos na função de produção e um dos elementos-chave no processo de crescimento orgânico. O objetivo deste artigo é apresentar o pensamento teórico e normativo de Marshall sobre o papel econômico da educação e trazer sua contribuição pioneira à teoria moderna do capital humano.

PALAVRAS-CHAVE:
História do pensamento econômico; Marshall; capital humano; ­educação

ABSTRACT

How to account for the wide and persistent differentials in per capita productivity in the world economy? From a Marshallian perspective, these differences are related to microeconomic factors (e.g. organization) and in particular to per capita investment in human beings as agents of production. Marshall believed that the relative importance of mental vis-à-vis manual labour tended to increase through time; and he held the view that human capital - i.e. the physical, moral and cognitive attributes of workers, professionals and business men - is one of the most important of all inputs in the production function and one of the key elements in the process of organic growth. The aim of this paper is to present Marshall’s theoretical and normative thinking on the economic role of education and to bring out his pioneering contribution to the modern theory of human capital.

KEYWORDS:
History of economic thought; Marshall; human capital; education

The most valuable of all capital is that invested in human beings.

Alfred Marshall

I. INTRODUÇÃO

Embora sua formação como estudante de graduação tenha sido principalmente em matemática, foi através de seu interesse por metafísica, ética e filosofia política que Marshall acabou descobrindo a economia e estudando o tratado de J. S. Mill em 1866. Ao longo de toda a sua trajetória intelectual, o interesse de Marshall por questões morais e filosóficas foi uma nota constante. A cada passo de sua obra encontramos lado a lado, estreitamente ligados entre si, o pesquisador científico e o reformador social; o economista teórico pur sang e o crítico da sociedade; o investigador empírico e o filósofo do processo evolutivo humano; o observador frio e cuidadoso dos fatos e o incansável filantropo, moralista e pregador.

Não seria exagero afirmar que, a praticamente cada página dos Princípios de Economia (daqui em diante PEc}, nos deparamos com elementos de economia positiva entrelaçados a outros de caráter normativo. Em Marshall, o fotógrafo nunca se afasta do escultor. Ele busca capturar e retratar a realidade como ela é: fazer avançar o conhecimento objetivo do processo econômico. Mas persegue, com igual intensidade, a consecução prática de um ideal: moldar as instituições e o comportamento humano de acordo com aquilo que a realidade, a seus olhos, poderia e deveria ser.

No prefácio de Money, Credit and Commerce (MCC), Marshall, aos 81 anos, ainda afirmava que “embora a idade avançada me pressione, não abandonei a esperança de que algumas noções que formulei com relação às possibilidades de avanço social possam vir a ser publicadas”. De fato, ele vinha, havia vários anos, tomando notas para um tratado teórico cujo título provisório era “Progress: Its Economic ConditionsMARSHALL, A. “Progress: Its Economic Conditions”, manuscrito inédito, transcrito por H.-M. Neimeyer, Marshall Library, Universidade de Cambridge. ”. É Keynes, seu principal ex-aluno, quem relata como, apenas alguns dias antes de morrer, o próprio Marshall lhe contara que “estava indo olhar a República de Platão, pois gostaria de tentar escrever sobre o tipo de República que Platão desejaria caso estivesse vivo agora” (Keynes, 1972KEYNES, J. M., (1972) “Alfred Marshall, 1842-1924”. In: Collected Writings, ed. D. Moggridge, vol. 10 (Londres, 1972). : 231).

O objetivo deste artigo é explorar um ponto particular, porém a meu ver central, da filosofia social que permeia o sistema marshalliano. Mais precisamente, procurei destacar um aspecto específico das recomendações de política microeconômica de Marshall: sua análise e discussão do papel do investimento em capital humano na erradicação da pobreza em massa e no processo de desenvolvimento.

Marshall, como será visto abaixo, acreditava que “no longo prazo, a riqueza nacional é governada mais pelo caráter da população do que pela abundância de recursos naturais” (MCC: 100). Como assinala D. Reisman, Marshall via no “caráter nacional”, ou seja, nos atributos éticos e intelectuais da população, “um dos mais valiosos entre todos os insumos da função de produção, um dos ingredientes mais decisivos na receita do crescimento econômico” (Reisman, 1986REISMAN, D. (1986) The Economics of Alfred Marshall. Londres.: 174). Para ele, “objetos, organização, técnica eram acessórios: o que importava era a qualidade do homem” (Pigou, 1925PIGOU, A. C. (1925) “In Memoriam: Alfred Marshall”. In: Memorials of Alfred Marshall. Londres : 82). O objetivo deste artigo é examinar as razões que levaram Marshall a atribuir ao fator de produção homem - ao trabalho qualificado e à capacidade de iniciativa e inovação - um lugar tão proeminente na teoria do desenvolvimento.

O trabalho está dividido em três partes. A seção II situa, em linhas gerais, o contexto em que surgiram os PEc, descrevendo o projeto intelectual de Marshall e a estrutura lógica de sua obra máxima. Na seção III, apresento sua contribuição para a teoria do capital humano e as principais recomendações no tocante às relações entre Estado, mercado e infância. Finalmente, na parte final do trabalho procuro aplicar a análise e conclusões da seção III para um brevíssimo relance marshalliano de problemas atuais da economia brasileira. Ao fazer isso, vale notar, fujo ao tema principal do artigo, mas sigo à risca a recomendação de Marshall de que o objetivo maior da ciência econômica é “contribuir para a solução de problemas sociais” (PEc: 35).

II. O PROJETO MARSHALLIANO E A ESTRUTURA LÓGICA DOS PRINCÍPIOS

Marshall e a “Revolução Marginal”

Quando J. S. Mill morreu, em 1873, seu obituário na revista inglesa The Economist, escrito por W. Bagehot, afirmava: “Todos os estudantes [ ... ] veem a economia política com os olhos de Mill. Eles veem em Ricardo e Adam Smith o que ele recomendou que vissem e não é fácil induzi-los a ver qualquer outra coisa. Pode-se questionar até que ponto é saudável para a economia política que um único autor venha a exercer uma influência tão monárquica, mas nenhum testemunho poderia ser maior no que diz respeito à habilidade do autor e sua preeminência diante de seus contemporâneos” (Bagehot, 1880BAGEHOT, W. (1880) “John Stuart Mill” (1873), Economic Studies, ed. R. Hutton, Londres, 1880. : 215). Como observou o economista inglês H. Foxwell (colega e contemporâneo de Marshall no St. John’s College de Cambridge): “Depois do surgimento dos Princípios de Mill, os economistas ingleses, durante toda uma geração, foram homens de um único livro” (apud Keynes, 1972KEYNES, J. M., (1972) “Alfred Marshall, 1842-1924”. In: Collected Writings, ed. D. Moggridge, vol. 10 (Londres, 1972). : 280). Mas no último quarto do século XIX, o palácio monárquico milliano apresentava sérias rachaduras. A teoria econômica estava sob fogo cruzado e passava por mais uma de suas periódicas crises de credibilidade.

Fazendo um balanço da situação por ocasião do centenário da publicação da Riqueza das Nações, em 1876, W. S. Jevons insistia na necessidade de uma ruptura radical com o legado clássico. “Cem anos depois do surgimento da Riqueza das Nações”, afirmou, “nós encontramos a ciência econômica num estado que é quase caótico. Existe certamente menos acordo agora sobre o que é a economia política do que havia há trinta ou cinquenta anos atrás” (Jevons, 1905JEVONS, W. S. (1905[1876]) “The Future of Political Economy”. In: The Principies of Economies, ed. H. Higgs (Nova York, 1905). : 191). “Será uma tarefa laboriosa”, sustentava Jevons, “recolher os fragmentos de uma ciência despedaçada e recomeçar de novo, mas trata-se de uma tarefa da qual não podem esquivar-se aqueles que desejam ver qualquer avanço da ciência econômica” (Jevons, 1965JEVONS, W. S. (1965) The Theory of Political Economy (1871), ed. H. S. Jevons. Nova York. : 1ii; cf. Checkland, 1951CHECKLAND, S. C. (1951) “Economic Opinion in England as Jevons Found it”, Manchester School 19, pp. 143-169. ). Sua insatisfação com a economia clássica era sentida por muitos, dentro e fora do mundo acadêmico. A busca de um novo consenso acerca dos fundamentos da disciplina estava sendo feita em várias direções.

A essência do projeto marshalliano foi tentar resgatar o programa de pesquisa da economia clássica, principalmente através do argumento de que as críticas de Jevons não só não aniquilavam a teoria rival, como a alternativa proposta - a chamada “teoria marginalista” - não era necessariamente incompatível com aquela que pretendia desbancar. Desde que devidamente interpretadas - e é precisamente isso que Marshall se proporá a fazer ao introduzir a variável tempo em sua análise da formação de preços e equilíbrio parcial nos PEc -, ambas poderiam conviver sob o mesmo teto teórico, numa coexistência pacífica e sem dúvida interessante do ponto de vista das credenciais acadêmicas da ciência econômica.

A empreitada marshalliana começa com seu primeiro escrito publicado (tinha 30 anos de idade), uma resenha anônima e bastante ácida do recém-lançado Theory of Political Economy (1871) de Jevons. Já nessa resenha, posteriormente incluída nos Memoriais (M), Marshall questiona a validade da tese radical segundo a qual, nas palavras de Jevons, “o valor depende inteiramente da utilidade [marginal]” (M: 93). A preocupação de Marshall nesta resenha é, desde logo, mostrar que Jevons fora longe demais em sua tentativa de usar a teoria da utilidade marginal como um substituto da teoria do valor de Mill. Relembrando, anos mais tarde, esse episódio, Marshall comentou: “Li com grande entusiasmo o trabalho de Jevons, mas ele não me ajudou nas minhas dificuldades e acabou até me irritando”. Isso foi em parte, argumentou, devido ao fato de Jevons não ter sido justo em sua apreciação da teoria clássica: “Ele estava impressionado com o dano causado pela autoridade quase pontifical de Mill sobre os jovens estudantes e parecia distorcer de modo perverso suas próprias doutrinas para que parecessem ainda mais inconsistentes com as de Mill e Ricardo do que na realidade eram” (M: 99).

Como essa passagem revela, o problema para Marshall era mostrar que a proposta de Jevons, e a “revolução marginal” de um modo geral, eram de fato menos inconsistentes ou incompatíveis com a teoria clássica do que poderia parecer à primeira vista. Jevons interpretara erroneamente o significado do seu próprio trabalho. Em 1875, três anos depois de sua resenha bastante desfavorável (e anônima) da Theory of Political Economy, Marshall escreveria diretamente para seu autor, tentando aparar as arestas que existiam entre ambos. “Inclino-me a pensar”, afirmava na carta, “que a diferença substantiva entre nós é menor do que supunha. Parecemos estar separados, mais do que por qualquer outra causa, pela nossa divergência de opiniões com respeito a Mill. Admito, no entanto”, concedia agora, “que a teoria econômica está ainda em sua infância, que Mill não era um gênio construtivo de primeira ordem e que, de um modo geral, os mais importantes benefícios que ele conferiu à ciência foram devidos a seu caráter mais do que a sua inteligência” (apud Jevons, 1977JEVONS, W. S. (1977) Papers and Correspondence of W. S. Jevons, ed. R.D.C. Black, vol. 4. Londres.: 100).

No ano seguinte, em 1876, Marshall publica uma longa defesa da teoria do valor de Mill (“Mr. Mill’s theory of value”) tentando argumentar que ela consistia na expressão mais acabada de um ponto de vista originalmente aberto por Adam Smith: “Uma época [na evolução da economia] foi criada não por uma nova doutrina, mas pela aquisição do ponto de vista a partir do qual a doutrina se ergue. O ponto de vista foi conquistado para nós por Adam Smith, ao propor que a mercadoria deve ser vista como corporificando esforços e sacrifícios mensuráveis”. A medida desses esforços e sacrifícios, que é impossível comparar diretamente, seria seu “custo para a pessoa que a adquire” (M: 126). A “verdade central” da economia política clássica, formulada a partir desse ponto de vista, é sintetizada por Marshall na seguinte proposição:

Agindo sob o regime de livre competição e com base no cálculo de seu próprio interesse, os produtores irão regular a quantidade de cada mercadoria que é produzida para um dado mercado, durante um dado período, de tal modo que essa quantidade seja em média justamente capaz de encontrar compradores, nesse período, a um preço remunerador. Um preço remunerador sendo definido como o preço que é justamente o equivalente da soma das medidas de troca dos esforços e sacrifícios requeridos para a produção da mercadoria quando essa quantidade particular é produzida, isto é, a soma das despesas que precisariam ser contraídas por uma pessoa que adquirisse a performance desses esforços e sacrifícios. (M: 126-127)

O ponto a ser ressaltado é que Marshall, ao contrário de Jevons, não via o surgimento da economia neoclássica como uma ruptura com a tradição clássica, mas sim como um complemento necessário ao que havia de melhor na teoria econômica de Smith a Mill. Existe pouco espaço para a dúvida de que Marshall desejasse, tão ardentemente quanto Jevons, promover o conteúdo científico da economia e sua aceitação como disciplina autônoma no mundo acadêmico. A diferença básica era que, para ele, o caminho à frente não implicava, como Jevons propunha, “desvencilhar-se de uma vez por todas” do legado clássico e reconstruir a teoria econômica a partir do chão.

Num apêndice dos PEc dedicado a esclarecer sua posição com relação à contribuição de Jevons, Marshall concluiu: “Existem poucos autores dos tempos modernos que se aproximaram tanto da brilhante originalidade de Ricardo quanto Jevons o fez. Mas ele parece ter julgado a ambos, Ricardo e Mill, com exagerada má vontade, atribuindo a eles doutrinas mais estreitas e menos científicas do que as que eles de fato sustentavam” (PEc: 673). Referindo-se implicitamente, alguns parágrafos depois, a sua própria resenha da Theory of Political Economy, Marshall afirmou: “Há poucos pensadores que, como Jevons, merecem de nós uma gratidão tão alta. Mas isso não significa que devamos aceitar sumariamente suas críticas a seus grandes predecessores [ ... ]. Suas críticas a Ricardo obtiveram aparentemente alguns triunfos dialéticos injustos [unfair dialectical triumphs], ao assumirem que Ricardo concebia o valor como governado pelo custo de produção, sem qualquer referência à demanda. Esse entendimento defeituoso de Ricardo produziu muitos danos em 1872” (PEc: 675).

O que me parece interessante nessa divergência entre Jevons e Marshall com relação aos méritos da economia clássica inglesa é que ela traz à luz duas atitudes distintas diante de uma situação de crise na história do pensamento econômico. Mill havia morrido em 1873. O “mid-Victorian boom” acabara e os Estados Unidos e a Alemanha assumiam a liderança na inovação e crescimento industrial. A economia clássica estava sob fogo cruzado. Sua credibilidade estava seriamente afetada. A escola histórica, extremamente influente no meio acadêmico inglês e alemão, atacava-a pela falta de realismo e conteúdo empírico de suas teorias. Os economistas matemáticos da “revolução marginal” criticavam-na exatamente pelo motivo oposto: sua falta de rigor, de generalidade e de refinamento analítico.

Jevons, um pensador por natureza inquieto e iconoclasta, adota uma posição militante - a estratégia do confronto. Lançava sua Theory baseado na crença de que “a única esperança de atingirmos um verdadeiro sistema em economia é colocando de lado, de uma vez por todas, os pressupostos confusos e absurdos da escola ricardiana. Nossos economistas ingleses”, arrematou, “têm vivido num paraíso dos tolos” (Jevons, 1871JEVONS, W. S. (1965) The Theory of Political Economy (1871), ed. H. S. Jevons. Nova York. : xliv; cf. Paul, 1979PAUL, E. F. (1979) “Jevons: Economic Revolutionary, Political Utilitarian”, Journal of the History of Ideas 40, pp. 267-283. ). Marshall, no entanto, percebeu que a atitude militante não funcionaria. Adota uma postura, não de confronto, mas conciliadora. Sua ambição é promover um programa de síntese e integração.

Do ponto de vista teórico, tratava-se de mostrar que a “nova economia” (i.e., a marshalliana) completava, em vez de substituir, a economia clássica. E do ponto de vista institucional, era importante deixar claro o caráter cumulativo e progressivo do conhecimento econômico. Para restaurar a credibilidade da economia, dar-lhe um status científico no mundo acadêmico e renovar o senso de confiança dos estudantes no futuro da disciplina, era preciso não abolir o passado, mas sim articular uma nova síntese. Uma síntese na qual haveria lugar não apenas para (a) a economia clássica de Smith, Ricardo e Mill e (b) a teoria da utilidade marginal de Jevons, mas também para (c) o programa de pesquisa da escola histórica, com sua ênfase na investigação empírica e métodos indutivos, e ainda para (d) a filosofia de caráter evolucionista, inspirada nas contribuições científicas de Darwin e nas especulações de Hegel e Spencer.

Em suma, o movimento efetuado por Marshall em relação às correntes de pensamento do seu tempo é análogo ao de Mill na geração dos economistas clássicos. Nenhum dos dois foi ou pretendeu ser o teórico mais original de sua época. Ambos se propuseram a produzir um tratado que fosse além da teoria econômica em sentido estrito, abarcando também uma filosofia mais ampla da sociedade e do progresso humano, com forte conteúdo normativo. No caso de Marshall em particular, tratava-se igualmente de legitimar a economia como disciplina científica e autônoma dentro dos cânones de cientificidade vigentes. Em 1883, numa carta a Foxwell, um dos principais seguidores de Jevons na Inglaterra, Marshall escreveu: “Por favor não difame Mill. Acredito que alguns membros extravagantes da escola moderna, ao exagerarem em suas críticas a ele ao invés de ponderarem suas observações, como deveriam fazer, acabaram provocando mais mal à ciência econômica do que uma centena de inimigos declarados poderiam ter provocado” (apud Marshall, 1975MARSHALL, A. (1975) Early Economic Writing, 1867-1890, ed. J. K. Whitaker Londres. : 54; cf. Winch, 1983WINCH, D. (1983) “A Separate Science: Polity and Society in Marshall’s Economics”. ln: That Noble Science of Politics. Cambridge. ).

Evolução e arquitetura dos Princípios

Os PEc, assim como a Riqueza das Nações, mas em contraste com os Princípios de Mill (escrito em menos de dois anos), são o resultado de vários anos de trabalho dedicado e paciente. Durante pelo menos nove anos, Marshall trabalhou diretamente em sua composição. Três anos antes da publicação, em 1887, Marshall escreveu para uma editora comercial de Londres (Macmillan) - ele queria que o trabalho fosse lido também fora do meio acadêmico, por homens de negócio e líderes de opinião em geral - oferecendo o livro: “Estou escrevendo um livro sobre economia”, começava a carta, “que cobrirá aproximadamente o mesmo terreno coberto pelos Princípios de Mill, e cujo texto será provavelmente da mesma extensão, ou um pouco menor”. Numa passagem, depois cortada, da primeira versão desta carta, Marshall escrevera: “O maior propósito da minha vida nos últimos quinze anos tem sido, e será no futuro, escrever este livro e gradualmente aprimorá-lo de maneira que possa representar, para a atual geração, algo próximo do que o livro de Mill representou para a sua” (apud Marshall, 1975MARSHALL, A. (1975) Early Economic Writing, 1867-1890, ed. J. K. Whitaker Londres. : 88).

A primeira edição dos PEc apareceu em 1890. No mesmo ano é publicada a obra que reflete o projeto marshalliano na frente metodológica (The Scope and Method of Polítical Economy de J. N. KeynesKEYNES, J. M.(1891) The Scope and Method of Policial Economy. Londres. ), tem início o Economic Journal e começa a publicação do Palgrave’s Dictionary of Political Economy. É interessante observar ainda que, em 1893BONAR, J. (1893 [1922] Philosophy and Polítical Economy in some of their Historical Relations, Londres. , surge o trabalho de J. Bonar, Philosophy and Political Economy in Some of Their Historical Relations, um estudo abrangente do input filosófico da teoria econômica de Platão ao final do século XIX e que pode ser visto como expressando, em larga medida, o pensamento marshalliano na frente filosófica. O trabalho de Bonar inclui uma discussão sobre a filosofia inglesa e alemã e, no capítulo final, um estudo sobre as relações entre a teoria da evolução de Darwin, o princípio da continuidade e a teoria econômica.

A ideia original de Marshall era que os PEc viessem a constituir uma obra em três volumes. Na primeira edição o livro trazia na página de rosto a inscrição “Vol. 1 “. Mas na sexta edição, trinta anos depois, Marshall substituiu este “Vol. 1” por “Um Volume Introdutório”. Como explicou, planejara numa escala demasiadamente ambiciosa e agora, aos 70 anos, era obrigado a alterar seus planos. A ideia dos três volumes foi abandonada e os PEc, já um sucesso incomparável como livro-texto acadêmico, ficariam de pé por si mesmos como um trabalho sobre os fundamentos da teoria econômica. Entretanto, o material que Marshall vinha preparando para os dois outros volumes de seu projetado tratado seriam eventualmente publicados, como obras separadas. Um foi chamado Industry and Trade (IT)MARSHALL, A. (1919) Industry and Trade (IT). Londres. e o outro Money, Credit and CommerceMARSHALL, A. (1923) Money, Credit and Commerce (MCC). Londres. .

A versão final dos PEc (8ª. ed., 1920MARSHALL, A. (1979[1920]) Principles of Economics (PEc). Londres, , última revista pelo autor) compreende 6 livros e 14 apêndices. Cada apêndice constitui um pequeno ensaio, expandindo e aprofundando algum tópico particular discutido no texto principal. Diversos comentadores, entre eles Keynes, concordam em dizer que de alguma forma Marshall conseguiu soterrar boa parte do que produziu de mais interessante e original nesses apêndices que aparecem ao final dos PEc.

Mais do que todos os demais clássicos da história da economia, os PEc sofreram profundas alterações, tanto em nível de arquitetura como de substância, à medida que foram aparecendo novas edições. Marshall era um perfeccionista incansável, e jamais deixou de aproveitar qualquer oportunidade para polir, revisar, aprimorar, cortar ou tornar mais claro o texto da edição anterior. A evolução lenta, gradual e contínua dos PEc ao longo de mais de três décadas de constante aprimoramento constitui uma ilustração perfeita do que Marshall tinha em mente quando usava a expressão, que lhe era tão cara, de crescimento orgânico. Não é à toa que Keynes se referia aos PEc como “uma esfera polida e acabada de conhecimento” (cf. Pigou, 1925PIGOU, A. C. (1925) “In Memoriam: Alfred Marshall”. In: Memorials of Alfred Marshall. Londres : 86).

A estrutura lógica dos PEc difere bastante dos tratados que o precedem. Os livros 1 e 2 são claramente preparatórios. Neles, Marshall discute principalmente questões metodológicas e terminológicas ligadas ao estudo e escopo da economia; defende a norma aristotélica e baconiana de, no trabalho científico, buscar o máximo de clareza e inteligibilidade (‘’to speak as the common people do, to think as wise men do”); e faz considerações histórico-filosóficas sobre as características da sociedade moderna e o surgimento da teoria econômica, visto como associado à crescente racionalidade das ações e decisões econômicas.

A autonomia e a deliberação na conduta individual, e não competição ou o egoísmo, são destacados por Marshall como o principal traço distintivo da era moderna que se afirma com o Iluminismo do século XVIII (cf. PEc: 5). Marshall define o objeto da ciência econômica não como “a mecânica do auto interesse e da utilidade” (Jevons e Walras), mas “o estudo da humanidade nos assuntos práticos da vida” (“the study of mankind in the ordinary business of life”). Como observa com propriedade D. Winch, “esta definição aparentemente inócua e abrangente assinalava bem mais do que uma preocupação prática com a realidade do dia a dia. Ela marca uma rejeição decisiva do postulado do homem econômico, e como consequência com todas as conotações restritivas, abstratas, egoístas e declaradamente materialistas desse postulado. Marshall resistiu à ideia de que a economia como ciência estava confinada a lidar com indivíduos apenas preocupados consigo mesmos, e cujas ações, seja obtendo ou gastando uma renda, podiam ser vistas como imunes a influências éticas e altruístas, como se fossem motivadas somente pelo ganho pecuniário para a satisfação das carências materiais do homem” (Winch, 1983WINCH, D. (1983) “A Separate Science: Polity and Society in Marshall’s Economics”. ln: That Noble Science of Politics. Cambridge. : 314).

É importante observar que o tamanho dos livros 1 e 2 reduziu-se drasticamente em sucessivas edições dos PEc. O livro 1, por exemplo, que continha um longo ensaio sobre “O Crescimento da Livre-indústria e Iniciativa” e outro sobre “O Crescimento da Ciência Econômica”, passou de cerca de 120 para 50 páginas entre a primeira e a oitava edição. Ao mesmo tempo, Marshall recusou-se a abrir mão por completo desses livros. Discutindo a organização dos PEc no seu importante artigo de 1898 para o Economic Journal, Marshall defendeu a existência dos livros 1 e 2, rejeitando a crítica de que “mantinham o leitor por um tempo longo demais antes de entrar na parte principal do trabalho”. Sua supressão, argumentou, poderia conduzir a uma impressão enganosa sobre a orientação da obra e atrapalhar o entendimento do trabalho como um todo: “Seu propósito é enfatizar, como tema central do trabalho, a noção de que os problemas econômicos não são mecânicos, mas sim ligados a vida e crescimento orgânico” (Marshall, 1898MARSHALL, A. (1919 [1898]) “Distribution and Exchange”, Economic Journal 8, pp. 37-59. : 44).

Os livros 3 e 4 são simétricos: enquanto um lida com as “vontades e sua satisfação” (demanda & consumo), o outro lida com os “agentes de produção”, ou seja, a natureza e o trabalho ajudados pelo capital e a organização (produção & oferta). De acordo com o próprio Marshall, o livro 4 “corresponde, de uma forma geral, à discussão da produção, a qual recebeu um lugar bastante proeminente em quase todos os tratados ingleses de economia durante as duas últimas gerações, embora sua relação com o problema da oferta e procura ainda não tenha sido feita de maneira suficientemente clara” (PEc: 70).

Quanto à teoria das vontades ou necessidades humanas e sua satisfação, Marshall reconhece que o assunto fora até recentemente negligenciado e que, graças à aplicação de métodos matemáticos, fora possível determinar com maior rigor seu papel na determinação do valor-de-troca. “É duvidoso”, afirmou, “que muito tenha sido ganho através do uso de complexas fórmulas matemáticas. Mas a aplicação de hábitos matemáticos de pensamento tem prestado um grande serviço; pois ela leva as pessoas a se recusarem a considerar um problema até que tenham alguma certeza sobre qual é o problema e a insistirem em saber o que se está assumindo ou deixando de assumir antes de prosseguir” (PEc: 71).

Deve-se ressaltar, porém, que, embora Marshall reconhecesse a necessidade de analisar melhor o papel da demanda, isso não implicava atribuir-lhe uma importância que não tinha. No livro 3, ele rejeita frontalmente a proposição jevonsiana de que “a Teoria do Consumo é a base científica da economia”. Para Marshall, as teorias do consumo e da produção são complementares - uma requer a outra. “Mas”, argumenta, “se uma delas, mais do que a outra, pode ter a pretensão de ser a intérprete da história do homem, seja no aspecto econômico ou em qualquer outro, então esta é a ciência das atividades, e não a das vontades” (PEc: 76). A orientação de Marshall a esse respeito, favorável ao ponto de vista clássico, é absolutamente inequívoca. “É imperioso insistir nesse ponto agora’’, escreveu introduzindo o livro 3.

[ ... ] porque a reação contra o abandono relativo do estudo das vontades por Ricardo e seus seguidores dá mostras de estar sendo carregado para o extremo oposto. É importante, por isso, reafirmar a grande verdade na qual [os economistas clássicos] se concentraram, mesmo que em detrimento de tudo o mais, a saber: o fato de que enquanto, de um lado, as vontades governam a vida entre os animais inferiores, de outro são as mudanças nas formas dos esforços e atividades que precisamos investigar quando buscamos os fatores cruciais na história da humanidade. (PEc: 72)

Sua posição aqui, defendendo a “grande verdade” dos clássicos, é de certa forma análoga àquela que encontramos em Marx quando este afirma, no Capital, que “o que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz” (Marx, 1975MARX, K. (1975[1867]) O Capital: Critica da Economia Política, trad. R. Sant’ Anna, Rio de Janeiro. : 204). Mas, enquanto para Marx a ênfase claramente recai nos instrumentos materiais de produção, isto é, no desenvolvimento das forças produtivas e tecnológicas que submetem a natureza física à intencionalidade humana, já para Marshall o fator decisivo reside nas formas dos esforças e atividades humanas: nas características e desenvolvimento do próprio indivíduo humano enquanto agente produtivo dotado de iniciativa, valores morais e criatividade.

“O progresso da natureza humana”, sustentou Marshall, “é, na minha concepção, o núcleo do objetivo maior da investigação econômica” (Marshall, 1898MARSHALL, A. (1919 [1898]) “Distribution and Exchange”, Economic Journal 8, pp. 37-59. : 54). A atividade econômica - o trabalho, a inovação técnica e organizacional e a competição pela abertura de novas oportunidades de geração de renda - é o processo de autocriação e autotransformação do próprio caráter dos homens. “[A] força do homem nele mesmo, [sua] resolução, energia e auto comando, ou, em suma, [seu] vigor, é a fonte de todo o progresso: ele se revela em grandes ações, em grandes pensamentos e na capacidade para o verdadeiro sentimento religioso” (PEc: 162). São as atividades que levam à expansão das vontades e necessidades de consumo e não o contrário. Para Marshall, como para o Fausto de Goethe reescrevendo o Novo Testamento, “no princípio era a ação!”.

A análise bastante exaustiva das forças que regulam a demanda e a oferta nos livros 3 e 4 dos PEc tem como objetivo preparar o terreno para a análise do valor, formação de preços e equilíbrio parcial efetuada no livro 5, o núcleo teórico do tratado. O livro 5, tal como aparece hoje, é o resultado da fusão do que eram, na primeira edição, dois livros separados. É aí que Marshall desenvolve a análise temporal do processo de equilibração e explica a operação das “lâminas” que cortaram, senão o próprio enigma, pelo menos o grosso da controvérsia do valor. Sua centralidade no contexto da contribuição dos PEc para a teoria econômica era inequívoca aos olhos do próprio Marshall, como este iria frisar inúmeras vezes. Seria difícil encontrar melhor evidência sobre esse ponto do que a carta escrita por ele ao economista holandês N. G. Pierson em abril de 1891, menos de um ano após a primeira edição dos PEc. “O livro”, afirmou Marshall sintetizando a mensagem central dos PEc,

[ ... ] foi escrito para expressar uma ideia, e ela somente. Esta ideia é a de que, enquanto Ricardo & Cia. sustentaram que o valor é determinado pelo Custo de Produção [ ... ] e Jevons & Cia. que ele é determinado pela Utilidade, cada um estava correto naquilo que afirmava, mas errado no que negava. Nenhum deles prestou atenção suficiente no elemento do Tempo. É nele que encontramos a chave para todos os paradoxos que esta longa controvérsia tem levantado. Quando Ricardo falou do custo de produção como determinando o valor, ele tinha em mente períodos nos quais o custo de produção é a força determinante; quando Jevons enfatizou a utilidade, ele tinha em mente períodos mais curtos. A tentativa de, através de um estudo [ ... ] do elemento do Tempo, articular o conhecimento existente acerca do assunto do valor em um todo contínuo e harmonioso permeia cada parte, praticamente cada página do meu tratado. É a espinha dorsal de tudo aquilo que, de um ponto de vista científico, me importa dizer. (Apud Marshall, 1975MARSHALL, A. (1975) Early Economic Writing, 1867-1890, ed. J. K. Whitaker Londres. : 98)

No livro 6, finalmente, Marshall trata da “distribuição da renda e riqueza nacional”. Ele analisa as tendências de longo prazo dos salários reais, lucros e renda da terra no processo de crescimento e tece comentários sobre a natureza do progresso econômico e seus afeitos sobre o caráter e o padrão de vida da população. Uma das contribuições mais importantes e originais de Marshall para a economia moderna foi a inclusão e análise, no livro 4 dos PEc, do fator produtivo organização como agente - intangível, porém decisivo - de produção. No livro 6, ele retoma a análise do papel da organização no desempenho econômico das firmas e nações, relacionando agora seu desenvolvimento com a questão da distribuição de renda e a formação de competência e qualificação profissional na sociedade.

Marshall acreditava que “a aptidão de administrar problemas práticos difíceis com presciência e imaginação, com coragem, determinação e habilidade, jamais foi propriedade exclusiva de uma camada da população” (Marshall, no manuscrito inédito “Progress: Its Economic ConditionsMARSHALL, A. “Progress: Its Economic Conditions”, manuscrito inédito, transcrito por H.-M. Neimeyer, Marshall Library, Universidade de Cambridge. ”). Mas, por outro lado, as oportunidades para o desenvolvimento dessa aptidão estavam ainda restritas a uma minoria. Isso restringia fortemente a criação de riqueza. À luz desse fato, a questão distributiva ganhava uma dimensão inteiramente nova e que fora negligenciada pela economia clássica. Uma de suas colocações mais claras a esse respeito, e que já nos remete ao tema da seção III, ocorre no apêndice dos PEc dedicado à evolução da ciência econômica:

Quando comparamos a visão moderna do problema crucial da Distribuição de riqueza com a que prevalecia no começo do século XIX, notamos que, acima e além de todas as alterações em nível de debate e todos os aperfeiçoamentos quanto à precisão do raciocínio científico, há uma mudança fundamental no tratamento da questão. Pois enquanto os economistas [clássicos] desenvolveram seus argumentos como se o caráter e eficiência do homem devessem ser considerados como uma quantidade fixa, já os economistas modernos estão constantemente atentos para o fato de que o homem é um produto das circunstâncias nas quais tem vivido. (PEc: 631)

Dessa forma, ao enfatizar a grande variabilidade da contribuição propriamente humana para o processo econômico, tanto do lado da produção como do consumo, Marshall afastou-se: (1) do universo ricardiano; (2) do determinismo situacional de Marx; e (3) da “mecânica do auto interesse e da utilidade” jevonsiana.

Dos ricardianos porque, como nos lembra o próprio Marshall,

Eles consideravam o homem, por assim dizer, como uma quantidade constante, e quase não se deram ao trabalho de estudar suas variações. As pessoas que conheciam eram predominantemente gente da City [de Londres], e eles assumiram de forma tácita, e sem prestar muita atenção no que faziam, que os demais ingleses eram todos bastante parecidos com aqueles que haviam encontrado na City [ ... ] A mesma propensão mental que levou nossos juristas a impor o código civil inglês sobre os hindus, levou nossos economistas a construir suas teorias na suposição tácita de que o mundo era constituído de homens da City. (M: 154-155)

Do determinismo situacional de Marx porque, para Marshall, a autonomia e iniciativa individuais eram os traços distintivos da economia moderna. O trabalhador industrial não estava sendo crescentemente reduzido à condição de “uma atividade abstrata e um estômago”, como acreditara Marx, da mesma forma como o capitalista não era apenas um elo do “processo sem sujeito” que seria a dinâmica da acumulação de capital. A figura do capitalista em Marshall é o reverso exato do capitalista em Marx - aquela “engrenagem” cujo direito à existência se prenderia a sua condição de “personificador” da lógica de ferro da “autovalorização do capital” (cf. Marx, 1975MARX, K. (1975[1867]) O Capital: Critica da Economia Política, trad. R. Sant’ Anna, Rio de Janeiro. : 688).

E, por fim, Marshall se afasta da mecânica jevonsiana porque esta, ao adotar o “homem econômico” como hipótese comportamental, firmava-se na crença de que, nas palavras de Jevons, “as leis da economia política são tão simples no seu fundamento que elas se aplicariam, mais ou menos completamente, a todos os seres humanos sobre os quais possuímos algum conhecimento” (Jevons, 1905JEVONS, W. S. (1905[1876]) “The Future of Political Economy”. In: The Principies of Economies, ed. H. Higgs (Nova York, 1905). : 196).

III. FILOSOFIA SOCIAL: O PAPEL DO CAPITAL HUMANO

O sistema econômico como educador

Numa sociedade complexa, baseada na divisão social do trabalho, os indivíduos dependem dos bens e serviços produzidos por terceiros para satisfazer suas necessidades de consumo. Eles se especializam em determinadas atividades, com o intuito de aumentar sua produtividade, e assim elevam seu padrão de consumo, abrindo mão no processo de qualquer resquício de autossuficiência. O problema que se coloca - o problema da coordenação econômica - é saber como esses indivíduos irão ajustar-se uns aos outros, isto é, que tipo de regime irá disciplinar suas ações como produtores e consumidores, de modo que o resultado conjunto de seus esforços produtivos seja por fim compatível ou consistente com suas necessidades e prioridades de consumo.

Diferentes sistemas econômicos implicam diferentes modos de se ajustar reciprocamente e disciplinar as ações individuais. Numa economia de comando pura, por exemplo, os produtores recebem ordens da autoridade central definindo as tarefas a serem executadas e detalhando as metas e prazos a serem cumpridos. Como nem todos os indivíduos estarão dispostos a “cooperar” na execução do plano, o sistema requer uma boa dose de supervisão e vigilância. A sanção extrema, que paira sobre aqueles que se mostram mais recalcitrantes no cumprimento da função que lhes foi imputada, é tipicamente a punição através do confinamento penal (“campos de trabalho”) ou a internação psiquiátrica.

Na economia de mercado pura, o mecanismo disciplinador é o sistema de preços. Para sobreviver e usufruir a vida, o indivíduo precisa abrir um canal de acesso aos bens e serviços de que necessita. Ocorre, entretanto, que, assim como “palavras não pagam dívidas”, também suas necessidades e desejos insatisfeitos não compram aquilo de que ele precisa para viver. A maior ou menor intensidade do seu desejo de consumo de nada valerá, para fins práticos, caso ele não descubra, em algum lugar, uma demanda recíproca por alguma coisa que ele possua ou possa oferecer. O indivíduo vive sob a pressão do comando: “Se queres obter o que desejas, encontra então o que oferecer em troca”. Para abrir um canal de acesso ao que necessita - para adquirir os meios de compra reconhecidos pelo mercado - o indivíduo precisa oferecer em troca alguma coisa cujo valor o mercado reconhece e está disposto a pagar. A sanção extrema que paira sobre aqueles que, por qualquer motivo, estão incapacitados de adquirir poder sobre os bens e serviços produzidos por terceiros, não é a prisão ou o hospital psiquiátrico. É a mendicância, a fome e a privação.

Uma das preocupações centrais da filosofia social marshalliana é precisamente inquirir sobre os efeitos de diferentes sistemas de coordenação sobre o caráter e conduta dos indivíduos, e em particular sobre a oferta de iniciativa e esforço criativo na esfera econômica.

Na economia de comando, o incentivo para os indivíduos é a obediência. Os que obedecem às ordens e cumprem à risca as tarefas definidas pela autoridade central são premiados e promovidos. Os que falham nessa função são punidos e preteridos na carreira (ou transferidos). O sistema restringe a autonomia decisória dos agentes. Ele garante uma segurança medíocre para a grande maioria que, bem ou mal, se ajusta (daí o lamento do burocrata russo - “nós fingimos que trabalhamos e eles fingem que nos pagam”) e ameaça com o “campo de trabalho” e o hospital psiquiátrico os que, por qualquer motivo, não se ajustam.

Num regime como esse, acreditava Marshall, o grande risco é que a “mão morta da burocracia” sufoque a iniciativa a nível microeconômico, provocando uma “forte tendência à ossificação do organismo social” (M: 308) e “exercendo uma influência esterilizadora sobre as atividades mentais que gradualmente tiraram o mundo do barbarismo” (apud Reisman, 1987REISMAN, D. (1987) Alfred Marshall: Progress and Politics. Londres. : 125).

O progresso econômico depende da experimentação e da descoberta. Depende da propensão a assumir riscos e a assumir a responsabilidade pelas consequências do risco assumido. Os socialistas, sustentava Marshall, “parecem pensar excessivamente na competição como sendo a exploração do trabalho pelo capital, do pobre pelo rico, e muito pouco na competição como a constante experimentação efetuada pelos homens mais hábeis para suas diferentes tarefas, cada um buscando descobrir um novo meio pelo qual atingir algum importante objetivo” (M: 283). Seria difícil encontrar uma melhor confirmação da análise marshalliana do que o recente apelo feito pelo primeiro-ministro polonês ao governo norte-americano, solicitando um empréstimo de 125 milhões de dólares para contratar, nos países capitalistas, um pequeno batalhão de consultores empresariais que ensinem sua arte aos dirigentes industriais da Polônia.

Na economia de mercado, ao contrário, o incentivo para os indivíduos é a iniciativa. Os que detectam, antes dos demais, alguma oportunidade de ganho não explorada, ou alguma técnica mais eficiente de produção não experimentada, são recompensados e enriquecem. Os que falham - seja porque não resistem à competição, seja porque se revelam incapazes de se manterem adequadamente no mercado - são os perdedores. Para estes, resta o desafio de recomeçar ou procurar emprego ou, no limite, quando nada do que possam fazer ou oferecer tenha um valor de mercado suficiente, enfrentar as agruras da privação material.

O problema social numa economia de mercado torna-se grave no momento em que um grande número de indivíduos se descobre nesta última situação. Na Inglaterra de Marshall (como em boa parte do mundo em desenvolvimento hoje) existia um grande contingente de indivíduos nessas condições: trabalhando com um nível baixíssimo de produtividade, semi-ocupados, encostados ou até mesmo incapacitados de exercer qualquer tipo de atividade no mercado livre que lhes garantisse o mínimo necessário para um padrão de vida tolerável.

Os socialistas da época, assim como os de hoje, não hesitavam em dirigir o dedo acusador na direção do “sistema”, da “exploração do trabalho” pelos capitalistas e da má distribuição de renda. A perspectiva marshalliana, porém, privilegia a esfera da produção, e não a da distribuição, ao analisar as causas da pobreza em massa numa economia de mercado. A distribuição pode ser - e muitas vezes é de fato - uma variável importante do problema. Mas isso principalmente na medida em que afeta, positiva ou negativamente, a capacidade produtiva dos indivíduos e da economia. Se desejamos entender o motivo pelo qual as condições de vida de uma enorme parcela da população ficam abaixo do que seria aceitável, é para fatores microeconômicos, ligados à qualidade e à competência dos esforços produtivos da comunidade, que devemos dirigir nossa atenção.

Do ponto de vista analítico, essa abordagem baseia-se em dois pilares fundamentais: (1) a teoria malthusiana da população; e (2) o papel do capital humano na determinação do nível de renda dos indivíduos e do grau de produtividade da economia. As implicações práticas dessa perspectiva teórica já estão indicadas com muita clareza por Mill nos seus Princípios. Uma solução genuína e permanente do desafio da pobreza em massa, argumentou Mill, exige antes de mais nada a satisfação de duas condições básicas: “sem elas, nenhum [sistema econômico] ou conjunto de leis e instituições conseguirá emancipar a massa da humanidade da sua condição atual de miséria e degradação. Uma dessas condições é educação universal; e a outra, limitação adequada do número de habitantes da comunidade” (Mill, 1965MILL, J. S. (1965 [1848]) Principles of Political Economy with some of their Applications to Social Philosophy. lm: Works, org. J. Robson, vols. 2 e 3. Toronto. : 208).

Sobre a questão populacional (que não é o propósito deste artigo explorar) a posição de Marshall parece bem resumida na avaliação da economista inglesa Joan Robinson, em Filosofia Econômica, quando afirma:

Entre todas as doutrinas econômicas, a mais relevante para os países subdesenvolvidos é aquela associada a Malthus. E isso não porque sua teoria da população possa ser aplicada de qualquer forma direta a seus problemas, mas porque seu próprio nome chama a atenção para o simples e doloroso fato de que, quanto mais rápido for o crescimento da população, mais lento será o crescimento da renda per capita. (Robinson, 1962ROBINSON, J. (1962) Economic Philosophy. Harmondsworth. : 107)

Por mais absurdo que pareça, a aritmética elementar dessa proposição foi até muito recentemente negada pelos teóricos marxistas, com efeitos sociais extremamente nocivos, em particular na dolorosa experiência chinesa. Como observou Mill, “uma das mais sérias e forçosas entre todas as obrigações - que é a de não trazer crianças ao mundo a não ser que elas possam ser mantidas adequadamente durante a infância e criadas com a probabilidade de que possam manter-se a si próprias quando a idade chegar - é de tal forma negligenciada na vida prática e subestimada na teoria que chega a ser vergonhoso para a inteligência humana” (Mill, 1965MILL, J. S. (1965 [1848]) Principles of Political Economy with some of their Applications to Social Philosophy. lm: Works, org. J. Robson, vols. 2 e 3. Toronto. : 221).

Mas as consequências nefastas do crescimento populacional para as condições de vida dos trabalhadores não se resumem aos seus efeitos negativos sobre os salários. Uma oferta abundante de mão-de-obra no mercado, é verdade, tende a deprimir a remuneração dos trabalhos, aumentando a competição entre os trabalhadores pelos empregos disponíveis e permitindo aos capitalistas reduzir ao mínimo a taxa de salário. Mas ainda mais grave do que isso, do ponto de vista do bem-estar da maioria, são as consequências do crescimento populacional acelerado sobre o processo de formação de capital humano e o grau de produtividade da economia. Pois o rápido crescimento da população é também um dos principais obstáculos à quebra efetiva do elo entre pobreza e incompetência.

Capital humano e crescimento

A análise do papel do capital humano no processo econômico baseia-se na ideia de que, para aumentar a produção per capita e vencer o atraso econômico, é necessário investir no fator de produção homem. Existe uma estreita relação entre nutrição, saúde e educação, de um lado, e capacidade de trabalho, iniciativa e inovação de outro. A pobreza e a incompetência estão intimamente interligadas em nível microeconômico.

Isso ocorre porque, por um lado, a incompetência econômica do indivíduo resulta em privação material: sua demanda por bens e serviços não corresponde a uma demanda efetiva recíproca, no mercado, por aquilo que ele é capaz de oferecer. Mas, ao mesmo tempo, a pobreza de uma geração torna-se o berço da incompetência da geração seguinte: o ambiente de privação material e ignorância no qual nasce e se forma o indivíduo impede que ele, por sua vez, desenvolva as qualidades físicas, morais e intelectuais das quais dependerá sua competência na vida prática e sua sobrevivência no mercado. Fecha-se assim o elo entre pobreza e incompetência. Como quebrá-lo?

Entre os economistas do século XIX, foi sem dúvida Marshall aquele que melhor compreendeu a importância da formação de capital humano - do investimento na qualidade da força de trabalho - para um programa de reforma social eficaz, voltado para a erradicação da pobreza e a promoção do desenvolvimento.

A bandeira da educação compulsória e universal, financiada in totum, e pelo menos parcialmente provida pelo Estado, é uma tônica constante da economia clássica desde Adam Smith (cf. Robbins, 1965ROBBINS, L. (1965) The Theory of Economic Policy in English Classical Political Economy. Londres., e Blaug, 1975BLAUG, M. (1975) “The Economics of Education in English Classical Political Economy: a Re-examination”. In: Essays on Adam Smith, orgs. A. S. Skinner e T. Wilson. Oxford.). Malthus, para citar apenas um exemplo, sugeria que o investimento público maciço em educação popular seria uma resposta muito mais eficaz do que a Poor Law no combate ao pauperismo:

Temos dispendido somas imensas com os pobres, tendo toda a razão para crer que assim tendemos a agravar constantemente sua miséria. Mas na sua educação [ ... ], que é talvez o único modo ao nosso alcance de realmente melhorar sua condição, e de torná-los homens mais felizes e cidadãos mais pacíficos, temos sido miseravelmente deficientes [ ... ]. Na tentativa de melhorar a condição das classes trabalhadoras da sociedade nosso alvo deveria ser elevar esse padrão o mais alto possível, cultivando espírito de independência, orgulho sóbrio, e gosto pela limpeza e conforto. O efeito de um bom governo em estimular hábitos de prudência e respeitabilidade nas classes mais baixas da sociedade já foi enfatizado; mas certamente esse efeito sempre será incompleto na ausência de um bom sistema de educação; e, de fato, pode-se dizer que nenhum governo pode aproximar-se da perfeição enquanto deixar de prover a instrução do povo. Os benefícios derivados da educação estão entre aqueles que podem ser aproveitados sem restrições impostas pelo tamanho da população; e, como está ao alcance dos governos conferir esses benefícios, é indubitavelmente seu dever fazê-lo. (Malthus, 1973MALTHUS, T. R. (1973 [1803]) An Essay on the Principle of Population, ed. T.H. Hollingsworth, Londres. : 212 e 215)

O ponto crucial, contudo, é que os economistas clássicos ainda tendiam a abordar a questão da educação mais sob o ângulo do bem-estar social, e da mudança de atitudes e valores que acarretava, do que sob o ângulo do capital humano, isto é, como parte do esforço de investimento e formação de capital produtivo de uma nação (cf. Blaug, 1975BLAUG, M. (1975) “The Economics of Education in English Classical Political Economy: a Re-examination”. In: Essays on Adam Smith, orgs. A. S. Skinner e T. Wilson. Oxford.; Schultz, 1971SCHULTZ T. W. (1971) Investment in Human Capital. Nova York., e Becker, 1964BECKER, G. S. (1964) Human Capital. Nova York. ).

Foi apenas com os PEc que os economistas começaram a tratar educação, saúde, alimentação etc. - o investimento em seres humanos em suma -, não mais como uma questão simplesmente humanitária (embora, é claro, também o seja), mas sim como parte do esforço de acumulação de capital: como investimento na capacidade produtiva da população, entendida como função de sua saúde e educação básica, bem como de seu grau de competência profissional, empresarial, científica e tecnológica. Acredito que as ideias de Marshall sobre a importância do capital humano contêm uma mensagem relevante para um programa de reforma social no Brasil hoje e para os estudiosos do desenvolvimento econômico.

O núcleo do argumento marshalliano é a noção de que o verdadeiro gargalo com que se defrontam as economias menos desenvolvidas não é a escassez de capital em sentido físico (“equipamento”), ou mesmo de capital financeiro (“poupança”), mas sim a escassez de capital humano (“gente competente naquilo que faz para ganhar a vida”). É a falta de capacitação do conjunto da comunidade para integrar-se de forma competitiva e dinâmica à economia mundial - mais do que a escassez de meios adequados de financiamento ou de recursos naturais ou de equipamentos tecnologicamente avançados - que acaba comprometendo o esforço de crescimento numa economia atrasada. A escassez de capital humano é o fator limitativo operante.

Mas o que é, afinal, o capital humano? Alguns exemplos simples podem nos ajudar a visualizar a natureza do problema. Considere duas cozinheiras, uma francesa e a outra inglesa, cada uma dispondo de tempo, ingredientes, livros de receita e facilidades de preparo idênticos. Não é difícil imaginar que elas terminem produzindo pratos de qualidade tão distinta quanto, digamos, o resultado de uma corrida de automóvel entre Ayrton Senna e um aluno de autoescola. A diferença entre as duas cozinheiras (ou entre os dois pilotos) é o capital humano. Ou, na formulação do próprio Marshall:

Muito depende da preparação apropriada da comida; e uma dona-de-casa habilidosa com dez xelins por semana para gastar em alimentos frequentemente será capaz de fazer mais pela saúde e vigor de sua família do que uma outra, inapta, com vinte. A grande mortalidade infantil entre os pobres é em larga medida devido à falta de cuidados e juízo no preparo da sua alimentação; e aqueles que não sucumbem por completo a essa falta de cuidados maternos frequentemente crescem com uma constituição deficiente. (PEc: 163)

Considere agora o caso das duas Alemanhas. Ao fim da Segunda Guerra, ambas eram países derrotados, desmoralizados e arrasados. As fábricas e o equipamento que não haviam sido destruídos foram desmontados e retirados do país como parte da compensação devida aos aliados. No esforço de reconstrução, a parte ocidental seguiu as “regras do jogo” da economia de mercado e a parte oriental adotou a economia de comando mais rígida e centralizada de todo o Leste europeu. E no espaço de uma geração apenas eram ambas as economias mais prósperas, e com maior renda per capita, de seus respectivos blocos europeus (embora o lado ocidental ainda seja, é claro, bem mais afluente que o outro). Como se diz na Europa, “o alemão faz qualquer sistema funcionar”.

O capital humano representa o grau da capacitação da comunidade para o trabalho qualificado, a inovação científica e tecnológica, a liderança, a iniciativa e a organização em nível empresarial privado e na vida pública. Ele é constituído não somente pelo resultado. do investimento das famílias e da sociedade como um todo na competência produtiva das pessoas, mas também por elementos de natureza ética como, por exemplo, a capacidade dos indivíduos de perceber e agir consistentemente com base nos seus interesses comuns. Os indivíduos aumentam seu poder de ganho no mercado e aprendem que é de seu próprio interesse respeitar e fazer respeitar na prática as regras gerais de conduta - as “regras do jogo” - das quais todos os participantes se beneficiam, embora para isso precisem restringir alguns de seus interesses pessoais (ou de grupo) mais imediatos (cf. Axerold, 1984AXELROD, R. (1984) The Evolution of Cooperation. Nova York. ). Outros elementos do capital humano da comunidade são: pontualidade, confiabilidade, persistência, capacidade de concentração e de autoajuda, disciplina e senso de independência.

Em relação à teoria dos economistas clássicos, o argumento de Marshall mostra que a acumulação de capital não deve ser entendida apenas, ou mesmo principalmente, em sentido físico, em termos de industrialização e modernização dos centros urbanos. Uma oferta adequada de capital humano é um requisito indispensável. Discutindo criticamente a teoria clássica do crescimento, Marshall observou:

Os economistas [clássicos] não levaram suficientemente em conta o fato de que as aptidões humanas constituem meios de produção tão importantes quanto qualquer outro tipo de capital. Podemos concluir, em oposição a eles, que qualquer mudança na distribuição de riqueza que dê mais aos que recebem salário e menos ao capitalista irá provavelmente, tudo o mais não se alterando, acelerar o aumento da produção material [ ... ]. [Um] pequeno e temporário freio à acumulação de riqueza material não precisa ser necessariamente um mal, mesmo de um ponto de vista puramente econômico, desde que, sendo feito de modo sereno e sem grandes distúrbios, forneça melhores oportunidades para a grande maioria do povo, aumentando sua eficiência e desenvolvendo nele hábitos de autorrespeito, de modo que resulte numa estirpe de produtores muito mais eficientes na geração seguinte. Pois isso ajudaria mais, a longo prazo, a promover o crescimento, até mesmo da riqueza material, do que grandes acréscimos ao nosso parque industrial. (PEc: 191)

O ponto crucial aqui, como o próprio Marshall não deixa de frisar, é assegurar que a renda mais elevada dos que ganham menos seja efetivamente usada para aumentar sua eficiência produtiva e capacidade de autoajuda, e isso não apenas dos que a recebem diretamente (pais), mas também das gerações seguintes (filhos).

Do ponto de vista liberal, a desigualdade de rendimentos é até certo ponto desejável e jamais um mal por si mesma. “Se compararmos dois regimes econômicos, um baseado na livre-iniciativa e incentivo de lucro com taxa de crescimento de 4% ao ano, digamos, e outro de melhor distribuição de renda, com uma taxa de 2%, veremos, ao fim de alguns anos, que os pobres do primeiro sistema são mais ricos do que os remediados do segundo” (R. Solow, apud Gudin, 1978GUDIN, E. (1978) O Pensamento de Eugênio Gudin. Rio de Janeiro. : 83). É um lugar-comum, ao qual estamos acostumados no Brasil, afirmar a existência de um trade-off entre crescimento e distribuição de renda. Seria preciso “fazer o bolo crescer” para daí então distribuí-lo melhor, já que as transferências de renda para os mais pobres podem reduzir as taxas de crescimento do produto, devido a seu impacto negativo sobre a poupança interna e o investimento.

Mas como observa Marshall na passagem acima, isso é apenas um lado da moeda. O outro lado é captado pelo conceito de capital humano, segundo o qual uma economia pode fracassar na sua tentativa de “fazer o bolo crescer” devido à falta de investimento na competência do fator de produção homem. Assim como o crescimento acelerado da população, a má distribuição de renda dificulta a formação do capital humano necessário para o crescimento autossustentável.

O desafio para o economista do desenvolvimento é encontrar maneiras de ajudar a sociedade a romper o elo entre pobreza e incompetência. “As condições que cercam a extrema pobreza, especialmente em lugares densamente habitados, tendem a amortecer as faculdades mentais mais elevadas” (PEc: 2). “A miséria dos pobres”, assinala Marshall, “é a principal causa daquela fraqueza e ineficiência que são as causas da sua miséria” (M: 155). Seu trabalho prima facie “barato” acaba saindo caro para a sociedade, quando ele é também inefi­\ciente. O quadro de desperdício humano e econômico pintado por Marshall da sociedade inglesa no século passado retrata de forma eloquente a situação latino-americana e brasileira atual:

Nas camadas mais baixas da população o mal é grande. Pois os parcos meios e educação dos pais, e a sua relativa incapacidade de antever com um mínimo de realismo o futuro, impedem-nos de investir capital na educação e treinamento de seus filhos, com a mesma liberalidade e audácia com que o capital é aplicado no aprimoramento da maquinaria de qualquer fábrica bem administrada [ ... ]. Por fim, eles [os filhos de pais pobres] vão para o túmulo carregando consigo aptidões e habilidades que jamais foram despertas. [Aptidões] que, se tivessem podido dar frutos, teriam adicionado à riqueza material do país - para não falarmos em considerações mais elevadas - diversas vezes mais do que teria sido necessário para cobrir as despesas de prover oportunidades adequadas para o seu desenvolvimento [ ... ]. Mas o ponto sobre o qual devemos insistir agora é que o mal tem caráter cumulativo. Quanto pior a alimentação das crianças de uma geração, menos irão ganhar quando crescerem, e menores serão seus poderes de prover adequadamente às necessidades materiais de seus filhos, e assim por diante nas gerações seguintes. E, ainda, quanto menos suas próprias faculdades se desenvolvam, tanto menos compreenderão a importância de desenvolver as melhores faculdades de seus filhos, e menor será sua capacidade de fazê-lo. (PEc: 467-8)

É importante frisar que Marshall sustentou um argumento de caráter econômico quando defendeu uma distribuição menos desigual da riqueza e da renda, de modo que promovesse a formação de capital humano. Ao escândalo moral da pobreza, ele junta o escândalo econômico da infância abandonada. Sua posição aqui baseia-se na tese de que “qualquer aumento do consumo que seja estritamente necessário à eficiência paga-se por si mesmo, e adiciona à renda nacional pelo menos tanto quanto subtrai dela” (PEc: 440). Mas a sua principal recomendação de política social era no sentido de um esforço concentrado na frente educacional, com prioridade para a base do sistema. O argumento é de caráter econômico e chama a atenção para os ganhos a serem obtidos a partir de uma melhora na educação básica da massa da população.

Não existe extravagância mais prejudicial ao crescimento da riqueza nacional do que aquela negligência esbanjadora que permite que uma criança bem-dotada, que nasça de pais destituídos, consuma sua vida em trabalhos manuais de baixo nível. Nenhuma mudança favoreceria tanto um crescimento mais rápido da riqueza material quanto uma melhoria das nossas escolas, especialmente aquelas de grau médio, desde que possa ser combinada com um amplo sistema de bolsas de estudo, permitindo assim ao filho inteligente de um trabalhador simples que suba gradualmente, de escola em escola, até conseguir obter a melhor educação teórica e prática que nossa época pode oferecer. (PEc: 176)

Subjacente a essas colocações está a expectativa de que a importância relativa do capital humano aumente com a passagem do tempo. Marshall presenciou o surgimento, no último quarto do século XIX, da tecnologia baseada em pesquisa científica (“science-based technology”) nas indústrias química e elétrica (cf. Kuhn, 1977KUHN, T. S. (1977) “The Relations Between History and the History of Science”. In: The Essencial Tension. Chicago. ). Sua brilhante discussão em IT (livro 1, cap. 7) da ascensão econômica da Alemanha nesse período, graças a uma engenhosa integração da pesquisa científica e tecnológica nos setores industriais emergentes, ainda está por merecer alguma atenção pelos estudiosos do assunto.

No Capital, Marx prognosticara que “dentro do sistema capitalista [ ... ] todos os meios para desenvolver a produção sofrem uma inversão dialética de modo que redundam em meios de dominar e explorar o produtor, mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um fragmento de ser humano, degradam-no à categoria de peça de máquina, destroem o conteúdo de seu trabalho transformado em tormento [e] tornam-lhe estranhas as potências intelectuais do processo de trabalho na medida em que a este se incorpora a ciência como força independente” (1975: 748). Mas a previsão de Marshall era exatamente o contrário daquela feita por Marx. Com o avanço tecnológico, o trabalho mecânico e não qualificado tenderia a ser expulso do processo produtivo e desaparecer. Ao mesmo tempo, cresceria a demanda por capital humano, por trabalhadores qualificados, técnicos, engenheiros de produção, administradores e empreendedores:

Com o avanço da civilização, a importância relativa do trabalho mental vis-à-vis o manual se altera. A cada ano o trabalho mental se torna mais importante e o manual menos importante. A cada nova invenção de maquinaria, o trabalho é transferido dos músculos, ou força vital, para a força natural [ ... ]. A maquinaria complexa aumenta a demanda por capacidade de decisão independente e inteligência em geral [ ... ]. Não existe quase nenhuma atividade [atualmente] que não requeira algum esforço mental. Até mesmo na agricultura está se introduzindo maquinaria cujo manejo requer muita habilidade e inteligência. (Apud Reisman, 1987REISMAN, D. (1987) Alfred Marshall: Progress and Politics. Londres. : 22)

Estado, mercado e infância

Finalmente, cumpre notar que, para garantir a implementação prática dessas ideias, Marshall e seus seguidores não hesitavam em insistir que o Estado deveria desencadear e liderar o processo. O argumento aqui prende-se à importante questão da proteção dos interesses dos grupos sociais - no casos os menores de idade - que são incapazes de defender seus próprios interesses no mercado.

Os liberais rejeitam o paternalismo. Cada um sabe de si e a melhor sociedade é aquela que nos permite perseguir, à nossa maneira individual, nossos próprios valores e fins (cf. Thomas, 1988THOMAS, D. A. L. (1988) in Defence of Liberalism. Oxford. ). Mas e as crianças? Seria absurdo e inumano sugerir uma atitude livre de paternalismo para com elas. Evidentemente, crianças de pouca idade não podem ser tratadas como se fossem adultos, no que diz respeito a sua participação numa economia de mercado ou à liberdade de escolha de ocupação: “liberdade de contrato no caso de crianças pequenas não passa de um outro nome para liberdade de coerção” (Mill, apud IT: 763). O mesmo se aplica no tocante à responsabilidade pela sua própria educação. Não se pode esperar que elas defendam eficazmente seu interesse numa boa educação ou numa família reduzida. O problema surge, entretanto, quando também os pais deixam de resguardar, por qualquer motivo, os interesses de seus filhos menores.

A proteção desses interesses representa, na filosofia social marshalliana, o caso paradigmático de interferência legítima do Estado na economia, especialmente quando se trata de situações (como as descritas acima) em que os interesses da nova geração estão sendo claramente sacrificados pelos erros e omissões das gerações precedentes. Surge aqui a proposta da educação compulsória e do envolvimento direto do Estado no financiamento e oferta de educação. O economista inglês L. Robbins cita um relatório oficial apresentado ao Parlamento inglês em 1841 (“Report on the Condition of the Handloom Weavers”) onde essa posição é defendida de forma clara e contundente. Infelizmente, ela permanece atual no Brasil dos anos 90:

É igualmente óbvio que, se o Estado tem a obrigação de exigir dos pais que eduquem seus filhos, tem também a obrigação de garantir que tenham meios de fazê-lo. O sistema voluntário, portanto, o sistema que deixa por conta da ignorância, ou negligência, ou lassidão ou avareza dos pais de uma geração, decidir até que ponto a população da geração seguinte deverá, ou não deverá, ser constituída de seres instruídos, foi repudiada. E confiamos que, numa questão dessa importância - a mais importante talvez dos muitos assuntos que requerem a atenção do governo -, um sistema que foi repudiado na teoria não terá permissão para continuar vigente na prática. (Apud Robbins, 1965ROBBINS, L. (1965) The Theory of Economic Policy in English Classical Political Economy. Londres.: 93)

Como afirmou A. C. Pigou (o sucessor de Marshall na Faculdade de Economia da Universidade de Cambridge), expressando a posição de consenso entre os liberais ingleses: “Existe um amplo acordo de que o Estado deve proteger os interesses do futuro, em alguma medida, contra os efeitos do nosso desprezo irracional e da nossa preferência por nós mesmos em detrimento de nossos descendentes” (Pigou, 1932PIGOU, A. C (1932) The Economics of Welfare. Londres.: 29). Existem boas razões econômicas, além das razões humanitárias, para buscar compensar as desvantagens dos filhos de pais destituídos (ou imprevidentes), de modo que lhes permita descobrir o seu potencial para a comunidade e, ao mesmo tempo, o que podem fazer em seu próprio benefício numa economia de mercado:

O valor econômico de um único grande gênio industrial é suficiente para cobrir as despesas com educação de toda uma comunidade; pois uma nova ideia, como a invenção principal de Bessemer [processo de purificação do minério de ferro na siderurgia], acrescentou tanto ao poder produtivo da Inglaterra como o trabalho de cem mil homens. (PEc: 179)

“Um governo”, escreveu Marshall, “pode imprimir uma boa edição das obras de Shakespeare, mas não poderia conseguir que elas fossem escritas” (M: 339). Um governo jamais seria capaz de substituir a iniciativa privada enquanto força inovadora e propulsora da geração de riqueza. Nada disso, contudo, implica uma postura fatalista ou complacente diante da pobreza. É função do governo, na ótica marshalliana, concentrar esforços para evitar o desperdício humano e econômico do “Shakespeare analfabeto”, do “Bessemer pixote” e do “capitão de indústria trombadinha”. Do indivíduo que carrega para o túmulo, sem deixar rastros, talentos e habilidades sufocados pelo analfabetismo, ignorância e privação. O governo, é certo, é impotente para fazer com que obras como as de Shakespeare sejam criadas. Mas não há nada que o impeça de cuidar para que o maior número possível de membros da comunidade tenha ao menos a chance de lê-las.

IV. ECONOMIA BRASILEIRA: UM RELANCE MARSHALLIANO

Como explicar as formidáveis diferenças de produtividade e bem-estar material que se observam na economia mundial? Por que persistem - e até mesmo crescem - as enormes disparidades no nível de renda per capita das nações? Se o Brasil acordasse do pesadelo macroeconômico em que se meteu e conseguisse finalmente virar a página melancólica do ciclo dos planos de estabilização fracassados, poderíamos tentar recuperar o tempo perdido nos anos 80 e dedicar um pouco mais de atenção aos fatores microeconômicos que determinam o sucesso ou fracasso das nações na criação de riqueza. O Canadá e a Índia são, a esse respeito, exemplos extremos, com o Brasil ocupando uma posição intermediária.

Com uma população 5,5 vezes menor que a brasileira, o Canadá tem uma renda per capita de US$ 15.160 anuais (1987) e um Produto Nacional Bruto (PNB) 37,4% maior que o nosso. Já a Índia, com uma população 5,6 vezes maior que a brasileira, tem uma renda per capita de US$ 300 anuais e um PNB 16,4% menor que o nosso.

Assim, a perfeita igualdade de rendimentos na Índia apenas garantiria a pobreza absoluta para toda a população. Por outro lado, mesmo supondo que a distribuição de renda no Canadá fosse tão desigual quanto é no Brasil, de forma que os 20% mais pobres da população recebessem apenas 3,2 da renda nacional, ainda assim teríamos que cada um desses 20% mais pobres obteria uma renda de US$ 2.432 anuais em média, ou seja, um rendimento 20,4% maior que a renda per capita do conjunto dos brasileiros em 1987. Se a renda desses 20% mais pobres fosse razoavelmente bem distribuída entre eles, teríamos ainda uma sociedade profundamente desigual, mas que, graças a sua alta produção per capita, estaria inteiramente livre de carências materiais graves.

Diante desse quadro, a pergunta relevante é: por que a produção per capita dos brasileiros, mesmo incluindo as estimativas mais ousadas sobre o tamanho da economia informal, é tão reduzida? Como é que uma população pequena como a canadense consegue produzir um resultado global cujo valor é tão superior ao nosso? Como explicar a alta produção per capita das economias desenvolvidas e o fracasso dos países mais pobres (onde vivem 75% da população mundial) em quebrar o círculo vicioso da pobreza e da incompetência?

A experiência da economia mundial no pós-guerra e a ascensão econômica de países como o Japão, Alemanha e Coréia do Sul sugerem algumas lições importantes. O sucesso dessas economias mostra que o crescimento da produção per capita não se deve à existência de recursos naturais abundantes e mão-de-obra barata ou à exploração de parceiros comerciais. Ninguém precisou ficar pobre, dentro ou fora desses países, para que eles prosperassem. Tampouco se deve à política econômica de seus governos ou à genialidade de seus economistas. Os economistas japoneses e coreanos jamais se destacaram pelo requinte teórico e nenhum deles recebeu até hoje o Prêmio Nobel. Balançar a árvore não produz os frutos que caem. Nenhum governo do mundo tem o dom de gerar riqueza, embora certamente possa atrapalhar quem está tentando fazê-lo. Tudo o que pode fazer - além de não atrapalhar demais - é transferir renda de um lugar para outro no sistema.

Mas se nenhum desses fatores explica o aumento da produção per capita, então como explicá-lo? A causa básica dos diferenciais de produtividade no mundo chama-se eficiência microeconômica - a capacidade dos indivíduos e das empresas de descobrir e produzir bens e serviços para os quais existe um mercado genuíno, isto é, para os quais existem compradores dispostos a pagar pelo menos o que custou produzi-los. Do ponto de vista econômico pouco importa onde estão esses compradores, se no prédio ao lado, em Caracas, Helsinque ou na mais remota ilha do Pacífico. O importante é que, para adquirir o bem ou serviço em questão, esses compradores julgam que vale a pena pagar o seu custo de produção. Ao fazerem isso, eles estão não apenas pagando, com seu trabalho, pelos bens que desejam consumir, mas reconhecendo na prática o valor e a razão de ser da atividade produtiva da qual resultam.

Dentro do enfoque marshalliano, o capital humano - a capacidade de iniciativa, a competência profissional, a inventividade, a disciplina e o hábito de agir no presente tendo em vista o futuro - é um fator de produção pelo menos tão importante para a criação de riqueza quanto qualquer outro tipo de capital. A experiência da última década parece reforçar essa perspectiva. Ao contrário do que acreditavam os teóricos do “grande consenso desenvolvimentista” dos anos 60 e 70, para os quais a acumulação de capital físico no setor industrial era o principal fator do crescimento, a tendência no mundo moderno é clara no sentido de tornar o “cérebro humano”, cada vez mais, o fator decisivo para o sucesso econômico. Como argumentou recentemente o economista hindu Datta-Chaudhuri, apontando as falhas da teoria tradicional do desenvolvimento:

As pesquisas mais recentes sobre o crescimento minaram seriamente a importância atribuída à formação de capital para o processo de crescimento de uma economia [ ... ]. A maior parte do crescimento parece resultar do progresso técnico que é, por sua vez, basicamente a habilidade de uma organização econômica em utilizar os recursos produtivos que dispõe de forma mais efetiva ao longo do tempo. Muito dessa habilidade vem do aprendizado sobre como operar as facilidades de produção recém-criadas de forma mais produtiva ou, mais genericamente, do aprendizado em lidar com mudanças rápidas na estrutura de produção típicas do progresso industrial. A teoria do desenvolvimento tradicional prestou pouca atenção a esses processos de aprendizado, assumindo implicitamente que qualquer progresso técnico possível viria automaticamente com a acumulação de capital. A experiência de desenvolvimento das últimas três décadas mostra que as economias diferem de forma considerável quanto a sua habilidade em aprender como assimilar novas tecnologias e como ajustar-se rapidamente a novas linhas de produção. (Datta-Chaudhuri, 1990DATTA-CHAUDHURI, M. (1990) “Market Failure and Government Failure”, Journal of Economic Perspectives 4 pp. 25-39. : 28-9)

Infelizmente, contudo, também na economia Natura non facit saltum (como nos lembra a divisa aristotélica e darwiniana inscrita na abertura dos PEc). Não existe nenhuma fórmula mágica ou plano mirabolante que permita elevar da noite para o dia a eficiência dos esforços produtivos. O processo de formação de capital humano e crescimento orgânico descrito por Marshall é por natureza lento.

O esforço de acumulação capitalista no Brasil no pós-guerra padeceu de um grave desequilíbrio. Concentramos os recursos na montagem de um parque industrial e urbano sob muitos aspectos notável, mas acabamos deixando de investir em proporção adequada no principal fator de produção da economia que é o próprio homem. O Brasil ainda precisa construir uma fatia de seu capital para pertencer ao mundo moderno. Substituímos, com relativo sucesso, as importações de bens de consumo duráveis e bens de capital. Mas ficou faltando um esforço compatível de acumulação de capital humano, ou seja, de capacitação da comunidade para o trabalho qualificado, a inovação científica e tecnológica, a iniciativa e a organização em nível empresarial privado e na vida pública. “O mais valioso de todos os capitais é aquele investido em seres humanos” (Marshall). A experiência recente vem mostrando que essa afirmação é, antes de mais nada, uma verdade estritamente econômica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AXELROD, R. (1984) The Evolution of Cooperation. Nova York.
  • BECKER, G. S. (1964) Human Capital. Nova York.
  • BAGEHOT, W. (1880) “John Stuart Mill” (1873), Economic Studies, ed. R. Hutton, Londres, 1880.
  • BHARADW AJ, K. (1978) “The Subversion of Classical Analysis: Alfred Marshall’s Early Writing on Value”, Cambridge Journal of Economics 3, pp. 253-271.
  • BLAUG, M. (1975) “The Economics of Education in English Classical Political Economy: a Re-examination”. In: Essays on Adam Smith, orgs. A. S. Skinner e T. Wilson. Oxford.
  • BONAR, J. (1893 [1922] Philosophy and Polítical Economy in some of their Historical Relations, Londres.
  • CHECKLAND, S. C. (1951) “Economic Opinion in England as Jevons Found it”, Manchester School 19, pp. 143-169.
  • COASE, R. H. (1975)”Marshall on Method”, Journal of Law and Economics 18, pp. 25-32.
  • DATTA-CHAUDHURI, M. (1990) “Market Failure and Government Failure”, Journal of Economic Perspectives 4 pp. 25-39.
  • DEANE, P. (1983), “The Scope and Method of Economic Science”, Economic Journal 93 pp. 1-12.
  • DOOLEY, P. C. (1985) ”Alfred Marshall: Fitting the Theory to the Facts”, Cambridge Journal of Economics 9, pp. 245-255.
  • GROENEWEGEN, P. (1988), “Alfred Marshall and the Establishment of the Cambridge Economic Tripos”, History of Political Economy pp. 627-667.
  • GUDIN, E. (1978) O Pensamento de Eugênio Gudin. Rio de Janeiro.
  • JEVONS, W. S. (1965) The Theory of Political Economy (1871), ed. H. S. Jevons. Nova York.
  • JEVONS, W. S. (1905[1876]) “The Future of Political Economy”. In: The Principies of Economies, ed. H. Higgs (Nova York, 1905).
  • JEVONS, W. S. (1977) Papers and Correspondence of W. S. Jevons, ed. R.D.C. Black, vol. 4. Londres.
  • KEYNES, J. M., (1972) “Alfred Marshall, 1842-1924”. In: Collected Writings, ed. D. Moggridge, vol. 10 (Londres, 1972).
  • KEYNES, J. M.(1891) The Scope and Method of Policial Economy. Londres.
  • KUHN, T. S. (1977) “The Relations Between History and the History of Science”. In: The Essencial Tension. Chicago.
  • MALONEY, J. (1985) Marshall, Orthodoxy and the Professionalisation of Economics. Cambridge.
  • MALTHUS, T. R. (1973 [1803]) An Essay on the Principle of Population, ed. T.H. Hollingsworth, Londres.
  • MARSHALL, A. (1975) Early Economic Writing, 1867-1890, ed. J. K. Whitaker Londres.
  • MARSHALL, A. (1979[1920]) Principles of Economics (PEc). Londres,
  • MARSHALL, A. (1919 [1898]) “Distribution and Exchange”, Economic Journal 8, pp. 37-59.
  • MARSHALL, A. (1919) Industry and Trade (IT). Londres.
  • MARSHALL, A. (1923) Money, Credit and Commerce (MCC). Londres.
  • MARSHALL, A. (192) Memoriais of Alfred Marshall (M), org. A. C. Pigou. Londres.
  • MARSHALL, A. (1961) Principles of Economics, org. C.W. Guillebaud, ed. crít. Londres
  • MARSHALL, A. “Progress: Its Economic Conditions”, manuscrito inédito, transcrito por H.-M. Neimeyer, Marshall Library, Universidade de Cambridge.
  • MARX, K. (1975[1867]) O Capital: Critica da Economia Política, trad. R. Sant’ Anna, Rio de Janeiro.
  • MILL, J. S. (1965 [1848]) Principles of Political Economy with some of their Applications to Social Philosophy. lm: Works, org. J. Robson, vols. 2 e 3. Toronto.
  • O’BREIN, D. P. (1981) “Alfred Marshall”. In: Pioneers of Modern Economics in Britain. Londres.
  • PARSONS, T. (1931) “Wants and Activities in Marshall”, Quarterly Journal of Economics 46, pp. 101-140.
  • PAUL, E. F. (1979) “Jevons: Economic Revolutionary, Political Utilitarian”, Journal of the History of Ideas 40, pp. 267-283.
  • PIGOU, A. C. (1925) “In Memoriam: Alfred Marshall”. In: Memorials of Alfred Marshall. Londres
  • PIGOU, A. C (1932) The Economics of Welfare. Londres.
  • REISMAN, D. (1986) The Economics of Alfred Marshall. Londres.
  • REISMAN, D. (1987) Alfred Marshall: Progress and Politics. Londres.
  • ROBBINS, L. (1965) The Theory of Economic Policy in English Classical Political Economy. Londres.
  • ROBINSON, J. (1962) Economic Philosophy. Harmondsworth.
  • ROBINSON, J (1979 “Marx, Marshall e Keynes”. In: Contribuições à Economia Moderna, trad. W. Dutra. Rio de Janeiro.
  • SCHULTZ T. W. (1971) Investment in Human Capital. Nova York.
  • SCHUMPETER, J. (1951) “Marshall’s Principles: a Semi-centenial Appraisal”. In: Ten Great Economists. Londres..
  • SMITH, A. (1976)[1776]) An Inquiry into the Nature and the Causes of the Weath of Nations, orgs. R. H. Campbell e A. S. Skinner. Oxford.
  • STIGLER, G.J. de R. Coase, (1950) “Three Lectures on Progress and Poverty by Alfred Marshall”, Journal of Political Economy 58, pp. 181-226.
  • THOMAS, D. A. L. (1988) in Defence of Liberalism. Oxford.
  • VINER, J. (1941) “Marshall’s Economics in Relation to the Man and his Times”. American Economic Review 31, pp. 223-235.
  • WHITAKER, J. K. (1977) “Some Neglected Aspects of Alfred Marshall’s Economic and Social Thought”, History of Political Economy 9, pp. 161-197.
  • WINCH, D. (1983) “A Separate Science: Polity and Society in Marshall’s Economics”. ln: That Noble Science of Politics. Cambridge.
  • JEL Classification: B13; B31; I25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1992
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br