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Filtro de preços: um algoritmo de acompanhamento de lucro setorial

Price filter: a sectoral profit tracking algorithm

RESUMO

Este artigo retoma o doutorado do autor. principais aspectos e resultados da tese. Apresenta um algoritmo que permite medir variações de marcações setoriais sem usar dados contábeis das firmas. Esse instrumento tem a capacidade de descontar o impacto das variações nos preços relativos e na produtividade dos insumos, a partir da variação dos preços finais do setor. O teste do algoritmo revelou uma clara correlação positiva entre variações de marcação e grau de concentração industrial, maior e mais significativo no período de recessão (1980-1983) do que no período de crescimento (1977-1980).

PALAVRAS-CHAVE:
Preços relativos; determinação de preços; margem de lucro

ABSTRACT

This article resumes the author’s Ph.D. thesis main aspects and results. It presents an algorithm which enables one to measure sectorial mark-ups variations not using accounting data from firms. That instrument has the capability of discounting the impact of variations in relative prices and in productivity for inputs, from the variation of final prices of sector. The testing of the algorithm revealed a clear positive correlation between mark-up variations and degree of industrial concentration, higher and more significant in the recession period (1980-1983) than in the growth one (1977-1980).

KEYWORDS:
Relative prices; price determination; profit margins

1. INTRODUÇÃO

Um dos problemas relacionados com alterações de preços relativos na economia brasileira refere-se ao desgaste das autoridades públicas quando enfatizam a elevação de preços de determinados setores, “acima da média da taxa de inflação”, contra-argumentado com o repasse de aumentos de preços de insumos por parte dos setores visados. Há, entretanto, necessidade de um acompanhamento permanente dos preços em nível setorial, sem que isso implique controle ou fixação de margens e toda sorte de intervenções tópicas, muitas vezes inócuas e desgastantes para os condutores da política econômica.

Este artigo apresenta um algoritmo, baseado na matriz insumo-produto e em outros dados disponíveis para a indústria brasileira, de forma a se poder estudar a variação dos preços de setores industriais, filtradas as variações dos preços dos insumos e ganhos de produtividade. Num ambiente com tendências inflacionárias como o da economia brasileira, com tensões constantes na estrutura de preços relativos, esse “filtro” possibilitaria identificar setores que se beneficiam ou não desse ambiente, através do comportamento de suas margens de lucro, sem se recorrer aos dados contábeis das empresas do setor. A utilização de dados contábeis, mesmo em nível desagregado, tem prejudicado os resultados de diversos trabalhos empíricos que tentam correlacionar rentabilidade ou margem de lucro com variáveis estruturais na economia, segundo Weiss (1991WEISS, L. “The concentration-profits relationship and antitrust”. In Structure, conduct and performance, Nova York, Harvester Wheatsheaf, 1991. 437 p.p. 235-96.).

Por outro lado, em economias ainda em desenvolvimento, é útil a criação de instrumentos que possibilitem uma melhor transparência do comportamento dos setores na área de preços e margens de lucro, de forma que as disparidades entre eles sejam arbitradas pelos agentes econômicos e pela sociedade em geral.

O “filtro de preços” compõe-se das equações desenvolvidas na seção 2, a seguir. Um exercício de aplicação do algoritmo pode ser encontrado em Travassos (1994TRAVASSOS, F. C. “Margens de lucro, preços relativos e concentração num ambiente inflacionário”. Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 1994. 202 páginas. ).

Trata-se de verificar uma possível correlação entre concentração e variação de margens de lucro numa pesquisa inter setorial (cross-section). Embora não seja parte integrante deste artigo, as principais características da referida aplicação são transcritas na seção 3. As conclusões, tanto referentes ao algoritmo quanto aos resultados de sua aplicação, constam da seção 4.

2. EQUAÇÕES DE VARIAÇÃO DE LUCRO E DE MARGEM

2.1 Variação de lucro

Seja um setor industrial S e sua equação de lucro a seguir:

L t = P t · Q t - i = 1 n P i t · Q i t (2-1)

sendo:

P(t) = índice médio de preços dos produtos do setor S referente ao período t;

Q(t) = índice de produção física do setor S no período t;

Pi(t) = índice médio de preços dos produtos do setor i utilizados como insumos no processo de produção do setor S no período t, incluindo-se nessa categoria o fator trabalho;

Qi(t) = índice de quantidade física de insumos do setor i utilizados pelo setor S no período t;

L(t) = índice de lucro do setor S no período t, determinado por resíduo na equação (2-1).

Para facilidade operacional, dadas as elevadas taxas de inflação da economia brasileira diante das alterações de preços relativos, dividiremos todos os índices de preços, inclusive o de lucro, pelo índice médio de preços na economia, Pm, para termos a equação (2-2), seguinte, em que:

p i = P i / P m , h = L / P m e Σ = i = 1 n : h t = p t · Q t - Σ p i t · Q i t o u h = p · Q - Σ p i . Q i (2-2)

Tirando-se as primeiras diferenças entre dois períodos consecutivos teremos:

Δ h = Δ p Q - Σ Δ p i Q i ; Δ t = 1

Dividindo-se ambos os membros por p.Q, com as transformações indicadas vem:

h h · Δ h p Q = Δ p Q p Q - Σ Δ p i Q i p Q · p i Q i p i Q i

Levando-se em conta que (PiQi/PQ) = (piQi/pQ) é o coeficiente a; da matriz insumo-produto, (IBGE, 1989IBGE. Matriz de insumo-produto 1980. Rio de Janeiro, 1989 (Série Relatórios Metodológicos, 7). ), referente ao valor dos insumos do setor i que entram no processo de produção de uma unidade monetária no setor S, e que h/p.Q é o coeficiente “excedente operacional” ah da mesma matriz, vem:

h p Q · Δ h h = Δ p Q p Q - Σ p i Q i p Q · Δ p i Q i p i Q i a h · Δ h h = Δ p Q p Q - Σ a i · Δ p i Q i p i Q i fazendo-se h ^ = Δ h h , p ^ = Δ p p , Q ^ = Δ Q : Q a h h ^ = p Q ^ - Σ a i p i Q i ^ = p ^ + Q ^ + p ^ · Q ^ - Σ a i p ^ i + Q ^ i + p ^ i Q ^ i (2-3)

Hipótese 1

Suponhamos que, durante um determinado intervalo de tempo, entre os períodos Ta e Tb, o setor S opere sem alteração significativa de seus coeficientes técnicos, ou seja, que

Qit=kQt;tTa,Tb sendo k constante.

A função dessa hipótese é admitir que, num determinado intervalo de tempo (por exemplo, 4 a 6 anos), não tenha havido mudanças na função técnica de produção de setores agregados como os que serão considerados no exercício empírico. Realce-se que essa “constância” é admitida em face das variações das demais variáveis envolvidas, como preços relativos, quantidades produzidas etc. Essa hipótese será relaxada para o fator trabalho, quando será levada em consideração a variação no coeficiente técnico Q/N, que representa a produtividade da mão-de-obra.

Devido à hipótese 1, Q^t=Q^it, e a equação (3-3) para t entre Ta e Tb toma-se:

a h h ^ = p ^ + Q ^ + p ^ · Q ^ - Σ a i p ^ i + a i Q ^ + a i p ^ i Q ^ (2-4)

Fazendo-se as transformações indicadas e levando-se em conta que ah = 1 - Σ ai teremos,

a h · h ^ = p ^ - Σ a i p ^ i + Q ^ · p ^ - Σ a i p ^ i + Q ^ · 1 - Σ a i

h ^ = p ^ - Σ a i p ^ i 1 - Σ a i + Q ^ + Q ^ · p ^ - Σ a i p ^ i 1 - Σ a i (2-5)

Chamaremos de efeito preço: EP=p^-Σaip^i1-Σai

Efeito quantidade: EQ=Q^

Efeito cruzado: EPQ=Q^·p^-Σaip^i1-Σai

Dessa forma: h ^ = E P + E Q + E P Q (2-5A)

É considerado aqui o efeito de segunda ordem EPQ devido à magnitude das variações para o caso da economia brasileira, mesmo tratando-se de variações de preços relativos.

Hipótese 2

Uma das hipóteses subjacentes à equação de variação do lucro real h é a de que não haja alteração significativa de estoques/produção de cada um dos setores, entre os períodos Ta e Tb considerados. Se utilizarmos períodos anuais, além de se eliminarem efeitos sazonais, trabalharemos com uma média anual de estoques. A hipótese 2 significa admitir que o índice “estoque médio anual do setor/produção anual” é constante, o que consideramos razoável em face das outras variações, o que já foi mencionado no comentário da hipótese 1, anterior.

Em suma, a equação (2-5) nos diz, sempre em termos relativos, e referente a um intervalo de tempo Ta Tb, que a variação real do lucro do setor S é igual à variação da quantidade produzida , mais uma parcela que depende diretamente da diferença entre a variação de seus preços finais e a variação ponderada dos preços de seus insumos. Há ainda o efeito cruzado, de 2a. ordem, que no caso da economia brasileira poderá ser relevante, dependendo do período analisado.

2.2 Determinação da margem de lucro

Suponhamos que as empresas nos setores industriais determinem seus preços de acordo com a seguinte expressão:

p = M · c

sendo:

p = o preço unitário médio de seu produto;

c = o custo total unitário de produção, correspondente ao custo variável mais o custo fixo unitário médio - no intervalo da taxa de utilização de capacidade planejada pela empresa;

M = a margem de lucro planejada com a qual se irá trabalhar;

M será usada por conveniência de sua expressão em função dos coeficientes técnicos ai; ela corresponde ao fator 1 +m, sendo m a margem de lucro comumente utilizada.

Seguindo-se o mesmo tipo de transformação anterior teremos:

p = M · p i Q i Q + + p n Q n Q = M · p Σ a i

logo M = 1 Σ a i (2-6)

Levando-se em conta que ai=piQipQ, teremos:

  • para os insumos, exceto mão-de-obra:

a i t + 1 = a i t · 1 + p ^ i 1 + p ^ 1 + Q / ^ Q i (2-7)

Essa fórmula é geral. Se houvesse dados disponíveis sobre a variação dos coeficientes técnicos de produção (Q/Q) para os diversos setores da indústria brasileira, a hipótese 1 poderia ser dispensada. Atualmente, no entanto, tal hipótese é necessária (exceto para o fator mão-de-obra). Nesse caso (Q/Q) é constante, e, portanto, (Q/Qi)=0.

  • para mão-de-obra:

a w = W N P Q = W / P m N P / P m Q = w N p Q = w p · Q / N

sendo:

W = salário nominal;

w = salário real;

N = quantidade fisica de mão-de-obra ocupada;

P = índice médio nominal de preços dos produtos do setor S;

Q = índice de quantidade produzida;

Pm = índice médio de preços na economia;

Q/N = índice de produtividade de mão-de-obra.

Logo: a w t + 1 = a w t · 1 + w ^ 1 + p ^ 1 + Q / ^ N (2-8)

As equações 2-6, 2- 7 e 2-8 possibilitam a construção de um índice para a margem de lucro M (ou m = M-1), útil para o cálculo de variações de margem entre dois períodos de tempo, decorrentes de alterações nos preços relativos, levando-se em conta alterações nos coeficientes técnicos relativos ao fator mão-de-obra.

2.3 Análise do efeito preço

O objetivo desta seção é interpretar a relação (2-5A), que se refere ao chamado “efeito preço”:

E P = p ^ - Σ a i p ^ i 1 - Σ a i E P = h ^ quando Q ^ = 0 (2-9)

O denominador 1-Σai=1-1M de acordo com (2-6). Logo, 1-Σai=1-1M, ou seja, uma forma de margem de lucro, tendo como base o preço p.

Admitindo-se a hipótese 1, e que M^=p^-c^, pode-se demonstrar que:

c^=MΣaip^i, ou seja, Σaip^i=c^/M.

Dessa forma, c^=ΣaiΣaip^i, corroborando que c^ é igual à média ponderada das variações dos preços dos insumos p^.

O numerador de (2-9) é, portanto: p^-Σaip^i=p^-c^/M

A expressão (2-9) torna-se:

E P = h ^ Q ^ = 0 = p ^ + M ^ M - 1 (2-10)

que é uma forma alternativa para o cálculo da variação de lucro devido ao aumento de preços do setor, em relação aos preços de seus insumos, sem levar em consideração a variação na quantidade faturada.

Por exemplo, para p constante, ou seja, p^=0, um aumento de margem M de 6,6%, de 1,5 para 1,6, mantendo-se a produção (e vendas) constante, Q^=0, significaria para o setor um aumento real de lucro de 13,2%. O efeito quantidade, se houvesse, seria acrescido ao efeito preço, assim como o efeito cruzado.

Pode-se obter a mesma relação (2-10) anterior, diferenciando-se o lucro unitário h = p - c, levando-se em conta que p = M.c.

2.4 Lucro acumulado

Trata-se de deduzir uma expressão que possa servir para comparar, intersetorialmente, os lucros acumulados de cada setor analisado, levando-se em conta a variação nos preços relativos e nas quantidades produzidas ( ou vendidas, dada a hipótese 2).

Retomemos a equação (2-4) anterior sob a forma seguinte:

a h · Δ h h = Δ p Q p Q - Σ a i Δ p i Q p i Q

Levando-se em conta que ah=h / pQ , e rearranjando os termos, teremos:

Δ h = Δ p Q - Σ a i · p p i · Δ p i Q (2-11)

Todos os parâmetros sendo função do tempo t.

O lucro acumulado entre um período ta e um período tb será da forma:

h t a , t b = i = t a t b Δ h (2-12)

ou em forma contínua:

h t a , t b = i = t a t b Δ h (2-12A)

As equações 2-5, 2-6, 2-7, 2-8, 2-11 e 2-12 constituem o cerne do algoritmo proposto. No exercício empírico realizado, foram utilizadas as equações 2-6, 2- 7 e 2-8 relativas às variações de margens - e dos coeficientes ai’s - devido a alterações nos preços relativos e nas produtividades do fator mão-de-obra nos setores da indústria considerados.

Variação real de lucro:

h ^ = p ^ - Σ a i p ^ i 1 - Σ a i + Q ^ + Q ^ · p ^ - Σ a i p ^ i 1 - Σ a i (2-5)

Margem de lucro:

M = 1 Σ a i (2-6)

a i t + 1 = a i t · 1 + p ^ i 1 + p ^ 1 + Q / ^ Q i (2-7)

a w t + 1 = a w t · 1 + w ^ 1 + p ^ 1 + Q / ^ N (2-8)

Lucro real acumulado:

Δ h = Δ p Q - Σ a i · p p i · Δ p i Q (2-11)

h t a , t b = i = t b t b Δ h (2-12)

3. APLICAÇÃO DO ALGORITMO, METODOLOGIA E FONTES DE DADOS

A seguir reproduzimos, de Travassos (1994TRAVASSOS, F. C. “Margens de lucro, preços relativos e concentração num ambiente inflacionário”. Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 1994. 202 páginas. ), as principais características do exercício de aplicação do algoritmo, para que se possam relatar seus resultados gerais na próxima seção.

Uma vez dispondo de índices de margens de lucro, calculados segundo as relações (2-6), (2- 7) e (2-8), pode-se testar a correlação entre variação de margem e grau de concentração, para um determinado intervalo de tempo, como aplicação do “filtro de preços”.

A relação testada foi a seguinte:

M t + j M t = A 1 + A 2 C + A 3 Q t + j Q t + A 4 I t + j I t + j = 1 , 2 (3-1)

O pressuposto é o de que a amplitude de variação da margem de um determinado setor M(t+j)/M(t), entre os períodos t e t+j, através da dispersão dos preços relativos numa economia com tensões inflacionárias, deva ser função do grau de concentração do setor C, da variação nas condições da demanda Q(t+j)/Q(t) e da variação do investimento do setor no período analisado I(t+j)/I(t), além de vários outros fatores como grau de incerteza, políticas governamentais diferenciadas, etc. (veja-se fundamentação teórica na tese citada).

O exercício de aplicação refere-se ao período 1977 - 1983, por uma série de razões, quais sejam:

  • (i) o período é adequado para a utilização da matriz insumo-produto de 1980, a última disponível na época da pesquisa;

  • (ii) trata-se de um período com alguns choques exógenos, como o aumento dos preços do petróleo em 1979 e as maxidesvalorizações de 1979 e 1983, além da aceleração inflacionária, fatores que alteraram a estrutura de preços relativos. O período não inclui, no entanto, distorções decorrentes dos sucessivos congelamentos de preços ocorridos a partir de 1986, o que dificultaria a análise de dados (sobre preços, principalmente) e de resultados do exercício;

  • (iii) o período pode ser dividido em dois subperíodos simétricos que enriquecem a análise feita: 1977-1980, num regime de crescimento econômico, e 1980-1983, com recessão.

Da harmonização entre os níveis de desagregação da matriz, os índices de preços, os dados sobre mão-de-obra e produção disponíveis, resultou um conjunto de 22 setores da indústria de transformação, correspondendo a 88% do volume bruto da produção da indústria de transformação.

Para o cálculo das variações de preços dos setores foram utilizados os dados do IPA-OG (Índice de Preços no Atacado-Oferta Global) da Fundação Getúlio Vargas, por serem os mais desagregados.

Dados de produção física, mão-de-obra e investimento foram obtidos do IBGE (1990IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. 2. ed., Rio de Janeiro, 1990. (Séries Econômicas, Demográficas e Sociais). ). Todos referem-se à Pesquisa Industrial Anual, exceto produção fisica, que consiste na média dos índices mensais publicada por aquele instituto.

Os índices de concentração - CR4 - foram obtidos a partir de uma tabulação especial obtida do IBGE.

4. CONCLUSÃO

As conclusões possuem dois aspectos distintos, embora intimamente ligados:

Primeiro, o aspecto relacionado à utilidade do algoritmo, e o segundo aos resultados do exercício empírico realizado a partir de dados por ele gerados.

4.1 Do algoritmo ou “filtro de preços”

O algoritmo consiste num conjunto de equações que, a partir do comportamento dos preços dos produtos de determinado setor, vis-à-vis os preços dos insumos correspondentes (incluindo-se o fator mão-de-obra e variações na sua produtividade), possibilita avaliar a evolução do lucro e da margem de lucro do setor ao longo do tempo, dispensando, por conseguinte, a utilização de dados contábeis.

Numa economia com tendências inflacionárias e tensões na estrutura de preços relativos, o denominado “filtro de preços” pode ser útil, avaliando quais os setores que se beneficiam ou não desse ambiente, possibilitando uma análise quantitativa. Em termos prospectivos ele faculta a simulação de aumentos de preços com, por exemplo, margem constante. Essa análise pode ser tão desagregada quanto os dados permitirem; e tão mais precisa quanto maior a compatibilidade entre as divisões setoriais para os dados de preços, produção, dados relativos à utilização do fator trabalho, energia e outros fatores.

O instrumento desenvolvido poderá ter diversas aplicações, como, por exemplo:

  • (i) no rastreamento de oportunidades de investimento em setores que apresentem indícios de crescente lucratividade, aumento de margem de lucro e de patrimônio líquido (indicado pelo índice de lucro acumulado - item 2.4). Isso poderá ser de grande valia para investidores institucionais, como seguradoras e fundos de pensão, e administradoras de carteira, atuantes no mercado de capitais;

  • (ii) na identificação de nichos protegidos, para orientação da política governamental em câmaras setoriais, fixação de tarifas e ações compensatórias (antidumping, por exemplo) e mesmo no âmbito da ação antitruste e na área fiscal.

Tal instrumento, entretanto, poderá ser melhor utilizado, prospectivamente, se houver dados disponíveis atualizados. Basicamente, é necessária a atualização da matriz insumo-produto, bem como a uniformização de sua divisão setorial com os índices de preços dados relativos à produção física e ao fator mão-de-obra.

A aplicação do algoritmo, tendo algum nível de agregação, evitaria a reação direta dos agentes que pudessem ser afetados pelos resultados gerados, mesmo que estes viessem a ser divulgados. Tratar-se-ia de uma média setorial a partir da qual alguns setores seriam destacados para uma análise mais detalhada. Dessa forma, o sistema de coleta de informações (pesquisa de preços, de produção etc.) teria algum grau de imunidade contra vieses decorrentes de interesses particulares dos agentes pesquisados.

4.2 Da aplicação do algoritmo

A utilização do “filtro de preços” possibilitou estudar a variação de margens de lucro através de 22 setores industriais (nível 50 matriz IBGE-1980) nos períodos 1977-1980 e 1980-1983, e, mesmo de forma extremamente agregada, pôde evidenciar alguns pontos como os seguintes:

  • (i) setores nesse nível de agregação podem estar com seu preço médio variando abaixo da taxa média de inflação e mesmo assim podem estar aumentando sua margem média de lucro. Basta que haja aumento da relação entre o preço final e o preço médio dos insumos (inclusive mão-de-obra), acoplado ou não com aumentos de produtividade na sua utilização.

  • É o caso dos setores fabricantes de equipamentos eletroeletrônicos e de plásticos, no período 1977-1980, e do setor de papel e gráfica em ambos os períodos: 1977-1980 e 1980-1983;

  • (ii) os dados gerados evidenciam as discrepâncias entre variações reais de preços e de margens de lucro através dos setores. Dos setores analisados, observa-se que as variações das margens de lucro, em termos relativos, são menores que as respectivas variações de preços setoriais. As exceções referem-se aos seguintes setores, além dos citados no item anterior:

  • - o setor de laticínios, que logrou aumentos de margens ainda mais elevados que os seus aumentos reais de preços, em ambos os períodos 1977-1980 e 1980-1983; - os setores “outros produtos metálicos”, “eq. elétrico” e “eq. eletrônico”, que obtiveram reduções de margens mais acentuadas que as reduções reais de seus preços no período 1980-1983;

  • O objetivo do exercício de aplicação, no entanto, concentrou-se no comportamento geral dos setores - preponderantemente no tocante à correlação entre concentração e variação de margens de lucro -, do qual se extraem as seguintes conclusões:

  • (iii) há uma franca correlação positiva entre variação de margem e grau de concentração, no nível setorial e nos períodos referidos. Essa correlação é mais significante e mais acentuada no período de recessão 1980-1983, que no de expansão da economia, 1977-1980.

  • (iv) há correlação positiva entre aumento de margem e aumento de demanda; a correlação no período recessivo indica que, mesmo com queda de demanda, os setores com queda menos acentuada de demanda foram os que mais aumentaram (ou os que menos reduziram) suas margens de lucro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • IBGE. Matriz de insumo-produto 1980. Rio de Janeiro, 1989 (Série Relatórios Metodológicos, 7).
  • IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. 2. ed., Rio de Janeiro, 1990. (Séries Econômicas, Demográficas e Sociais).
  • TRAVASSOS, F. C. “Margens de lucro, preços relativos e concentração num ambiente inflacionário”. Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 1994. 202 páginas.
  • WEISS, L. “The concentration-profits relationship and antitrust”. In Structure, conduct and performance, Nova York, Harvester Wheatsheaf, 1991. 437 p.p. 235-96.
  • 1
    JEL Classification: E31; C67.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1995
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