Open-access O governo Rousseff e o populismo econômico: uma interpretação

Rousseff’s administration and the economic populism: an interpretation

RESUMO

O artigo tem por objeto a política econômica do governo Rousseff. Partindo-se dos principais modelos teóricos sobre o fenômeno do populismo econômico, analisam-se as principais medidas de política instrumental (fiscal, monetária e cambial) adotadas no período. Assim, refuta-se a hipótese de que a sua gestão se enquadre no referido conceito como entendido pela literatura.

PALAVRAS-CHAVE: Populismo; governo Dilma Rousseff; economia brasileira

ABSTRACT

The article analyzes the economic policy of Rousseff administration. Based on the main economic populism theoretical models, we analyze the economic measures (fiscal, monetary and exchange rate) adopted in that period. Thus, we refuse the hypothesis that its government could be classified as economic populist as understood in the literature.

KEYWORDS: Populism; Dilma Rousseff’s administration; Brazilian economy

1. INTRODUÇÃO

A história do Brasil republicano tem se mostrado pródiga em descontinuidades eleitorais que, se não chegam a caracterizar rupturas institucionais, depõem diretamente contra a tão propalada estabilidade política de que depende o processo de desenvolvimento econômico. Desde a sua proclamação (1889), ela mesma, um golpe militar, observaram-se conflitos políticos insuperáveis a cada quarto de século, cujos desfechos foram, inevitavelmente, a sucumbência do incumbente constitucionalmente eleito.

Da chamada Revolução de 1930, passando pelo golpe militar de 1964 ao impeachment do presidente Fernando Collor (1992), a democracia brasileira vem sendo aprimorada ao mesmo tempo que o esgarçamento de seu tecido político põe à prova a funcionalidade de suas instituições. Em comum, a precedência de uma grave crise econômica que, inexoravelmente, concorreu diretamente para o desfecho não natural dos imbróglios políticos.

O recente afastamento da presidente Dilma Rousseff (2016) enseja controvérsias tão polêmicas quanto legítimas, mais facilmente dirimíveis pelo distanciamento inerente ao transcorrer histórico. Objeto de análise de estudiosos das mais distintas áreas das ciências sociais, seu governo vem sendo escrutinado sob os mais diferentes ângulos. Do ponto de vista econômico, diversas são as categorias utilizadas para (des)qualificar a sua gestão: intervencionista, desenvolvimentista, socialista etc.

Os equívocos cometidos na condução das políticas macro e microeconômica durante o primeiro lustro da década de 2010 já se encontram devida e amplamente registrados na literatura. A contribuição que este trabalho procura oferecer ao debate refere-se à pertinência de se classificar o governo Rousseff com um atributo de substância pouco conhecida, ainda que lhe seja recorrentemente imputado por economistas, politólogos e, sobretudo, pela mídia: tratou-se, afinal, de um típico caso de populismo econômico?

Conceito inevitavelmente envolto em carga pejorativa, a pecha de populista tem sido frequentemente utilizada para caracterizar governos supostamente lenientes com a questão fiscal e a inflação. Empregado para macular determinada política ou agente, o populismo, quando utilizado de modo simplista e fortuito, acaba por homogeneizar experiências nem sempre equiparáveis, contribuindo para um esvaziamento de sentido do termo que acaba não apenas por obscurecer o debate, mas também impedir que se avance no entendimento do evento que se pretende analisar.

A primeira distinção a que se deve ater diz respeito ao sentido do fenômeno, uma vez que o populismo pode ser de natureza política ou econômica. O primeiro geralmente envolve a atuação de uma liderança carismática que procura estabelecer uma relação direta com os governados dispensando os canais de intermediação institucional. Já o populismo econômico pode ser entendido como uma forma degenerada, no sentido aristotélico do termo, de um regime econômico considerado funcional.

Consagrou-se na literatura a existência de pelo menos três tipos de populismo econômico: fiscal, cambial e salarial. De acordo com Bresser-Pereira (2017), os dois primeiros associam-se, respectivamente, a recorrentes déficits fiscal e em conta-corrente. Já o salarial caracteriza-se por aumentos salariais descasados da produtividade, originalmente embasados na tentativa de dirimir situações de clara desigualdade de renda, mas que, sem o compromisso de equacionamento de problemas estruturais, acabam por agravar o quadro inflacionário.

Isto posto, este artigo tem por objetivo analisar a condução da política sob Dilma Rousseff (2011-2016) para, à luz dos modelos consagrados na literatura, testar a plausibilidade de se caracterizar tal período como populista. Assim, além desta breve introdução, o trabalho está dividido em outras três seções. Na segunda, apresentam-se os conceitos de populismo político e econômico. A seguir, examinam-se as medidas econômicas adotadas no período em voga. Por fim, tecem-se as considerações finais.

2. POPULISMO: DEFINIÇÃO DO CONCEITO

Termo polissêmico por natureza, o populismo tem sido empregado para definir fenômenos os mais díspares possíveis; do socialismo ao fascismo, do político ao econômico (Bresser-Pereira, 1991). Ao extrapolar a simples conceituação de um evento social, o emprego do vocábulo procura, ainda que subliminarmente, estereotipar o antagonista como um governante demagógico, irresponsável e manipulador. Como categoria analítica, porém, o populismo encerra particularidades que obriga o pesquisador a desvencilhar-se de premissas pré-concebidas, uma vez que, apesar dos supostos indícios, nem sempre o objeto em estudo pode ser classificado como tal.

Dessa forma, baseando-se nas definições consagradas pela literatura especializada, analisar-se-ão os dados da economia brasileira no período em voga para testar a hipótese de a política econômica do governo Rousseff se enquadrar ou não no núcleo duro do conceito de populismo econômico.

Populismo político

Conforme se pode extrair da pesquisa de Fonseca (2010), os estudos sobre populismo encontraram na América Latina um terreno fértil para a proliferação de teses a partir dos anos 1970. De forma geral, ressaltavam-se o autoritarismo historicamente enraizado na região, a demagogia de líderes carismáticos e a manipulação política das massas urbanas como instrumentos de cooptação de líderes sindicais pouco comprometidos com seus representados para, assim, dificultar a ação dos trabalhadores em defesa de seus interesses próprios.

Se na Argentina tal programa de pesquisa auferiu maior relevância a partir dos trabalhos de Gino Germani, Torcuato di Tella e Ernesto Laclau, na academia brasileira autores como Francisco Weffort, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni foram os principais analistas a se debruçar sobre o tema. A já clássica obra de Cardoso e Faletto ([1977]) 1969 traduz o fenômeno com base na transição de uma sociedade tradicional/agrária para a urbana/industrial, ilustrando as formatações políticas a que essa nova realidade teve que se dobrar. A política de massas tenderia a limitar a participação dos trabalhadores baseada em uma estrutura sindical vulnerável e incapaz de representar tanto a peonagem rural quanto o operariado urbano.

Nesse sentido, fatores econômicos e sociais, como a industrialização e a decorrente urbanização, viabilizam o surgimento de lideranças populistas. A terminologia empregada pelos autores - massas, limitação, debilidade etc. - realça a adoção de medidas políticas verticalizadas e praticadas a partir de cima. No entendimento de Acemoglu et al., (2013), ainda que se valham de uma retórica pró-classe operária, os populistas acabam por beneficiar frações da elite que estejam dispostas a apoiar seus projetos político-eleitorais. Por outro lado, Weffort (2003) entende que o jogo de manipulação não é absoluto nem livre de contradições, uma vez que se observam lócus específicos para a manifestação de seus interesses por meio de canais institucionalizados.

O conceito vem sendo revisitado por cientistas políticos de diferentes matizes teóricas. Permanece, entretanto, a centralidade da relação de controle entre o governante populista e os trabalhadores - massa passiva, desprovida de racionalidade e de consciência de classe. Cooptados pelo líder carismático, a classe operária vê-se esvaziada de sua subjetividade, “transformando-o em objeto que é, por definição, incapaz de negociação” (Gomes, 2001, p. 47). O elitismo inerente ao conceito reside na desconsideração das aptidões de uma classe que se entende manipulada. Do que se destituiria, em última análise, o próprio significado da democracia, diminuída à escolha de atores “intelectualmente superiores” e não cooptáveis - os únicos capazes de vislumbrar as reais necessidades do povo.

Independentemente da característica que se queira realçar, o termo populista encerra uma das pechas mais pejorativas com que se possa tachar um governo adversário. Permeado de valoração ideológica, “depende do lugar político em que o personagem que acusa se encontra”; mas, inevitavelmente, populista é sempre “o outro” (Ferreira, 2001, p. 124). Dessa forma, os dois extremos do leque ideológico recorrem ao mesmo expediente retórico para, em última análise, justificar a suposta inviabilidade da democracia em países atrasados, legitimando, assim, o rompimento da ordem constitucional tão recorrentemente observado na América Latina: afinal, o autoritarismo populista só poderia ser combatido por outro autoritarismo. Apenas uma elite esclarecida e destinada à salvação nacional poderia impedir a tragédia de que as massas manipuladas não conseguem se libertar.

De modo que a presença do populismo no cotidiano social - dos meios políticos à grande imprensa - tem permeado o debate público nos últimos anos em todas as democracias consolidadas. Ao abarcar uma série de componentes valorativos, como a demagogia, a manipulação e a inobservância de regramentos constitucionais, o populismo também desponta em controvérsias na seara econômica.

Populismo econômico

Os modelos de populismo econômico estão tradicionalmente baseados em um padrão de política econômica que se expressa por meio de ciclos1. A despeito das particularidades realçadas pelos diversos autores que se dedicaram ao tema, observa-se determinado consenso acerca do método usual que caracterizaria os governos considerados populistas: a busca pelo crescimento do produto no curto prazo que ignoraria ou, pelo menos, subestimaria as restrições monetárias e orçamentárias (Sturzenegger, 1989). Diante do primeiro revés, agentes populistas tendem a culpabilizar governos anteriores pelos problemas por eles não enfrentados, sugerindo novos estímulos à demanda agregada como solução para a crise econômica.

O modelo de O’Donnell (1991) parte de uma economia dual, sendo um setor avançado voltado para fora e outro destinado à produção de bens de consumo. Embora não se utilize explicitamente do termo “populista”, o autor argumenta que tal dualidade tende a favorecer alianças políticas instáveis e que não se sustentariam com o passar do tempo, levando à adoção de políticas econômicas “pendulares”, ora favorecendo o setor primário-exportador, ora o voltado para o mercado interno.

A contribuição de Sachs (1991) para o entendimento do fenômeno se aproxima ao proposto por O’Donnell (1991) ao conceber um modelo igualmente dual. Sua principal distinção consiste na centralidade da política cambial, instrumento-chave para arbitrar conflitos distributivos entre os setores - o exportador de bens primários e o de bens não comercializáveis e trabalho-intensivo, voltado para dentro.

Corroborando a hipótese da ciclicidade do fenômeno, o autor sintetiza a política econômica populista em 5 etapas: (1) valorização cambial por meio da fixação da taxa nominal; (2) elevação do salário real e, consequentemente, da procura por bens de consumo; (3) aumento da demanda por trabalho no setor de não comercializáveis; (4) queda relativa no preço e na produção dos bens exportáveis, ao mesmo tempo que se eleva a demanda por insumos importados; e (5) por fim, a inevitável crise do balanço de pagamentos, que reflete a impertinência das políticas adotadas bem como o principal gargalo do modelo de populismo (cambial) teorizado por Sachs (1991).

A análise de Díaz-Alejandro (1991) se baseia em experiências históricas para reforçar a hipótese da repetição sequencial de fases inerentes à política econômica populista. O gatilho do processo ocorre quando da opção pelo crescimento de curto prazo em detrimento de políticas de estabilização monetária. O resultado dessa opção se manifesta pelo recrudescimento inflacionário, déficit fiscal e estrangulamento do balanço de pagamentos.

Seu modelo também prevê uma dinâmica etapista, ressaltando as consequências da adoção de uma política fiscal desregrada: (1) elevação de salários e dos gastos públicos não coberta por aumento de impostos, mas por emissão monetária; (2) tais recursos são primordialmente canalizados para consumo, e não na formação de capital; (3) o aumento inicial da renda gera pressão na demanda por bens de consumo nacionais e importados; (4) o descasamento entre oferta e demanda pressiona os preços; (5) a recusa pelo ajuste fiscal resulta em déficit público e do balanço de pagamentos; (6) a consequente recessão gera queda na renda e desemprego; e (7) o acirramento dos conflitos político-sociais catalisa rupturas institucionais que acabam por implementar o ajuste contracionista de forma autoritária (Díaz-Alejandro, 1991).

Em que pesem as expressivas similaridades com os demais, foi no modelo de Dornbusch e Edwards (1989) que o populismo econômico ganhou sua mais conhecida interpretação. Confiantes de que a eventual capacidade produtiva ociosa poderia mitigar possíveis pressões altistas, os gestores da política econômica veem-se incentivados a adotar medidas de expansão da demanda agregada combinadas a ações distributivistas. Novamente, a crença de que o voluntarismo político pode endereçar problemas históricos e estruturais estaria na base dos problemas que tais políticas populistas acarretam.

A partir daí, as fases por que passam as economias submetidas a esse padrão de política se assemelham àquelas supradescritas: (1) concessão de aumento salarial acima da produtividade; (2) o aquecimento da demanda subsequente é geralmente contemplado por importações, que, por sua vez, mitigam o equilíbrio do balanço de pagamentos em transações correntes; (3) ao rejeitar medidas estabilizadoras de curto prazo, o governo opta por medidas de controle e desvalorização cambial ou de proteção alfandegária; (4) com o acirramento da crise externa, ocorre fuga de capital, queda da atividade econômica e da arrecadação, prejudicando o ajuste fiscal; (5) a pressão inflacionária reduz salários reais, desestabilizando a conjuntura política e ensejando algum tipo de ruptura institucional; e, por fim, (6) o governo que assume, sob influência do Fundo Monetário Internacional (FMI), adota um plano contracionista de estabilização macroeconômica (Dornbusch; Edwards, 1989).

Entre os autores brasileiros, foi Bresser-Pereira (1991) quem apresentou a mais importante contribuição para o entendimento do fenômeno ao alargar a sequência dos fatos em pelo menos três aspectos. Acompanhando o entendimento de Sachs (1991), Bresser-Pereira também vislumbra na taxa de câmbio um dos elementos--chave do populismo econômico. Em primeiro lugar, o autor aponta a existência de diferentes gatilhos para o desencadeamento do ciclo. Uma consequência política para essa constatação simples, porém não trivial, é o fato de o populismo econômico vicejar tanto num projeto de esquerda - baseado no “distributivismo ingênuo via salários e com a recusa de ajustamento” - quanto no de direita, cujo foco repousa sobre o ajuste das contas públicas e a moralidade das finanças sadias (Bres­ser-Pereira, 1991, p. 111).

O modelo de Bresser-Pereira (1991) também recorre às etapas pelas quais o ciclo político-econômico deve obrigatoriamente passar para ser qualificado como populista: (1) partindo de uma conjuntura de expansão da demanda com baixa inflação, o câmbio se valoriza e o salário real se eleva; (2) passado esse “paraíso momentâneo”, incorre-se em restrição do balanço de pagamentos e em descontrole das contas públicas; (3) a desvalorização cambial torna-se inevitável, a inflação dispara e as crises econômica e política se avolumam; (4) o resultado inevitável reflete-se na desestabilização do governo, cuja sucessão de seu líder dá-se, não raro, “por um golpe de Estado” (Bresser-Pereira, 1991, p. 111).

Muito embora se observem diferenças não desprezíveis, é possível apontar convergências entre os distintos modelos que formariam, na sumarização de Fonseca (2010), um “núcleo duro” do populismo econômico: (1) política salarial demasiada e irresponsavelmente condescendente, com ganhos superiores à produtividade; (2) aumento de gastos públicos não cobertos por impostos; (3) apreciação do câmbio. O autor nota que, de forma geral, os modelos partem de políticas de natureza expansionista e que rejeitam medidas de estabilização. Dessa forma, entende-se que é nessa primeira fase de “opulência” que o populismo econômico se revela: convencido de que pode suplantar crises conjunturais com medidas pró-crescimento e de distribuição de renda, o governante de plantão se exime de estabilizar o ciclo e ajustar as finanças públicas.

Trata-se de comportamento recorrente e culturalmente arraigado entre os formuladores de política econômica populistas, os quais, incapazes (ou desinteressados em) de promover a estabilização requerida pelo crescimento sustentável, sucumbiriam diante da promessa de proveitos eleitorais de curto prazo. Eis o espírito do populismo econômico, fenômeno que teria na América Latina seu palco por excelência.

3. A POLÍTICA ECONÔMICA E A ECONOMIA POLÍTICA DOS GOVERNOS DILMA ROUSSEFF (2011-2016)

Ainda que desprovida dos instrumentos necessários para tanto, a contemporaneidade dos fatos permite que a política econômica de Dilma Rousseff seja vulgarmente escrutinada por qualquer testemunha ocular da história. O curto distanciamento temporal do objeto em análise, entretanto, acaba por enviesar interpretações das quais se exige o devido apartamento, o que, não raro, enseja a cristalização popular de opiniões nem sempre embasadas nos fatos (e nos dados) estilizados na literatura especializada.

Conquanto não se possa responsabilizar apenas as incorreções de sua estratégia econômica pela recessão do triênio 2014-2016, tampouco se pode eximi-la pela eclosão da mais grave crise da história econômica brasileira estatisticamente documentada. O desfecho conturbado de seu governo contribui ainda mais para que as qualificações com que se aprecia sua gestão sejam oferecidas à luz das premissas do julgador.

A censura mais comumente dirigida à economia dilmista é a de que teria se tratado de um resgate do projeto desenvolvimentista do século XX. Adotadas por analistas de convicções liberais, como Lisboa (2014), Pessoa (2014), Barbosa Filho e Pessoa (2014) e Giambiagi e Schwarstman (2014), tais críticas enfatizam o intervencionismo do governo no domínio econômico e a ele delegam as causas dos infortúnios que acometem a vida nacional desde então. De posse de raciocínio metonímico, esse conjunto de autores toma a parte pelo todo ao considerar, aprioristicamente, toda e qualquer intervenção como necessariamente desenvolvimentista. Se por desconhecimento do estado da arte do debate ou por emprego consciente de instrumento retórico, tal equívoco foi didaticamente explicado, e descartado, por Fonseca (2016). Ademais, ao desconsiderarem as diferenças entre intencionalidade das medidas adotadas e os resultados delas extraídos, tais economistas incorrem em um segundo deslize metodológico: qualificar um fenômeno específico apenas pelos outputs gerados. O silogismo que toma políticas instrumentais de curto prazo para classificar projetos de desenvolvimento de longo alcance desconsidera a não linearidade, bem como a não univocidade, da relação entre estrutura e conjuntura (Fonseca, 2010).

Partindo de premissas distintas e com argumentos diferentes, um segundo grupo de acadêmicos julga que, se não logrou, o governo ao menos tentou adotar políticas com esse viés em um suposto “experimento desenvolvimentista” (Carneiro, 2018, p. 50, grifo nosso). Compartilham dessa opinião autores como Bastos (2012), Biancarelli e Rossi (2014), Singer (2015) e Boito Junior e Saad-Filho (2016). E ainda no campo heterodoxo, mas por uma série de motivos diversos, negam ao governo Dilma a distinção de desenvolvimentista analistas como Serrano e Summa (2015), Fonseca (2016), Bresser-Pereira (2017), Medeiros (2017), Curado (2017) e Fonseca et al., (2020)2. Ainda que de forma oblíqua, Dweck e Teixeira (2018) e, especialmente, Borges (2017)3 também corroboram esse entendimento ao cotejar as inversões estatais realizadas durante o II PND (1975-1979) com as patrocinadas no decorrer dos governos petistas.

Inobstante a polêmica acerca do suposto ensaio desenvolvimentista, o foco deste trabalho é analisar o governo Rousseff à luz do populismo econômico, categoria analítica própria e que encerra motivações e consequências de natureza distinta. Para tanto, cabe avaliar em detalhes as medidas adotadas, assim como seus objetivos e resultados a fim de se melhor enquadrar a política econômica do governo em tela.

Crise externa, política anticíclica e intervenção: a Nova Matriz Econômica

A exitosa resposta anticíclica oferecida à crise internacional iniciada em 2008 e, sobretudo, a vitória na eleição presidencial de 2010 contribuíram para o fortalecimento de um ambiente político favorável à implementação de um novo projeto de desenvolvimento. Com efeito, o início de 2011 apresentava desafios econômicos de ordem conjuntural e estrutural, uma vez que o ciclo de crescimento dos anos anteriores se caracterizara pela expansão das estruturas de demanda sem que o tecido produtivo se modernizasse à mesma altura. Ademais, o acirramento da concorrência industrial internacional, o recrudescimento do processo de desindustrialização e a consequente reprimarização da pauta de exportações encerravam os desafios de longo prazo.

Diante desse cenário, vislumbrou-se a oportunidade de redirecionar a condução da política econômica com vistas a um novo modelo de desenvolvimento: a assim denominada Nova Matriz Econômica (doravante, NME). De forma sumarizada, Bastos (2017) entende que o plano envolvia o manejo de três preços macroeconômicos: as taxas de juros, de câmbio e de lucro (esta, sobretudo, na infraestrutura). Para tanto, haveria de se utilizar necessariamente de instrumentos estatais para coordenar tais objetivos; a imoderação com que foram operados, contudo, levou Pessoa (2013) a apontar precocemente para a “visão mais intervencionista e protecionista da política econômica e um realce do papel do Estado” quando aqueles ainda se consolidavam.

A análise crítica formada a partir desse entendimento levou Barbosa Filho e Pessoa (2014, p. 25) a arrolarem nada aquém de 12 características da NME: (1) alteração no regime de câmbio flutuante para fortemente administrado; (2) maior tolerância com inflação; (3) adoção recorrente de artifícios para atingir a meta de superávit primário; (4) controle de preços para tentar conter a inflação; (5) intervenção na política de formação dos juros reais; (6) expansão do papel do BNDES na intermediação do investimento com forte discricionariedade com relação aos favorecidos; (7) tendência ao fechamento da economia ao comércio internacional; (8) direcionamento da política de desoneração tributária a alguns setores ou bens; (9) aumento do papel do Estado e da Petrobras no setor de petróleo; (10) uso dos bancos públicos com vistas a baixar ‘na marra’ o spread bancário; (11) preterimento do setor privado na oferta de serviços de utilidade pública e infraestrutura; e (12) adoção indiscriminada da política de conteúdo nacional e de estímulo à produção local.

Diante dessa breve caracterização dos novos rumos da economia brasileira a partir de 2011, analisam-se as políticas instrumentais à luz do referencial teórico apresentado na primeira seção para testar a hipótese de que o governo Rousseff teria satisfeito, de fato, as condições para ser enquadrado como populista.

A política fiscal

Cerne das críticas dirigidas à política econômica adotada a partir da crise do subprime, a questão fiscal responde, com efeito, pelo principal problema a acometer a economia brasileira desde meados da década de 2010. As causas, consequências e condicionalidades dessa situação, no entanto, dividem os autores que se dispuseram a analisar os fatos com a devida detença.

O senso comum sugere que, daquele ano em diante, o governo teria adotado uma política fiscal expansionista, cuja extensão para além do recomendável inviabilizou a geração de resultado primário positivo e deteriorou as relações dívida (bruta e líquida) sobre o PIB4. Trata-se, como veremos, de meia-verdade, uma vez que, se a situação fiscal se debilitou sobremaneira no período, não é menos genuíno atentar para as nuances e matizes desse processo.

Devido ao superaquecimento da demanda agregada verificado em 2010, a nova administração viu-se obrigada a ajustar a política fiscal em seu primeiro ano de mandato. Ciente de que a economia girava a um ritmo superior ao seu produto potencial - positivando, portanto, seu hiato -, o governo entregou, em 2011, um resultado primário (R$ 128 bilhões) superior à meta estabelecida para aquele ano (3,1% do PIB) (Mello; Rossi, 2018, p. 255). Se comparado ao ano anterior, tal cifra representou um aumento de 1,28 pontos percentuais (Bastos, 2017, p. 19). Uma das principais consequências benéficas desse esforço foi a queda de 2,7% da dívida líquida do setor público sobre o PIB (Biasoto Junior; Afonso, 2014, p. 264).

A partir de 2012, porém, a mudança progressiva na condução da política econômica instrumental contribuiu para a deterioração desse cenário inicialmente promissor. De acordo com Barbosa Filho (2015, p. 415), daquele ano em diante o go­verno promoveu uma “expansão fiscal desbalanceada”, condicionando as dificuldades que passou a sofrer para cumprir suas metas fiscais devido, entre outros fatores, ao “custo fiscal dos incentivos produtivos”.

Um primeiro elemento relevante para a análise concerne à rubrica de custeio do aparelho estatal, cuja taxa média de crescimento entre 2011 e 2014 foi 4,5% a.a. - partindo de 7,6% para 8,6% do PIB (Gentil; Hermann, 2017, p. 800). Parcela expressiva dessa expansão destinou-se ao financiamento de programas sociais, como Saúde da Família, Mais Médicos e Ciência sem Fronteiras. Em termos agregados, a despesa primária no período (2011-2014) apresentou crescimento tímido - de 16,8% para 18,1% do PIB (Dweck; Teixeira, 2018, p. 310) - elevação inferior ao observado no segundo mandato de FHC5.

Ainda assim, o aumento da relação dívida pública/PIB observado a partir de 2014 (bruta) e 2015 (líquida) não mantem relação direta com o resultado primário do governo central6. De acordo com Dweck e Teixeira (2018), os principais motivos para essa deterioração respondem ao pagamento de juros (incluindo os resultados das operações de swap cambial promovidas pelo Banco Central) e ao crescimento real negativo do PIB. Trata-se de mais um argumento a demonstrar a insusten­tabilidade da hipótese da chamada “gastança”, uma vez que a redução do resultado primário decorreu da queda da receita e não exatamente do aumento do ritmo de crescimento da despesa. Indo além, mostra-se infundada a crítica de que o governo teria ignorado as restrições fiscais para financiar as inversões públicas requeridas pelo suposto resgate desenvolvimentista de que é acusado7. O investimento público mostrou comportamento errático no quadriênio, com retração e expansão em anos alternados, resultando em queda de 0,7% a.a. da taxa média de crescimento entre 2011 e 20148 (Gentil; Hermann, 2017).

Tais inovações na política fiscal inauguraram uma segunda fase na condução da política econômica no Brasil do século XXI; diferentemente do que sugere o senso comum, entretanto, ela não se caracterizou por uma expansão fiscal descomedida. De acordo com a periodização oferecida por Gobetti e Orair (2015) e Orair e Gobetti (2017) - responsáveis pela mais acurada análise sobre a política fiscal brasileira do século XXI - poder-se-ia dividi-la em três subperíodos: (1) 1999-2005 (contracionista); (2) 2006-2014 (expansionista), no qual a média de crescimento real da despesa primária pouco variou (2015, p. 419); (3) 2015-atualidade (“austeridade expansionista”) (2017, p. 59).

Posto em números, a expansão da despesa primária no governo FHC II foi de 1,2 ponto percentual, mesma taxa do governo Lula I, mas superior ao Lula II (0,5) e inferior ao Dilma I (2,3) (Gobetti, 2015, p. 26). Se levado em consideração os gastos primários em relação ao PIB, contudo, o ritmo de crescimento real das despesas, no agregado, pouco se alterou entre os governos Lula II e Dilma I, tendo inclusive se desacelerado neste último: de 4,9% para 4,2%9. O que, de fato, fez a diferença nos indicadores fiscais foi a desaceleração do crescimento do produto, de 4,5% para 2,1% no referido período de oito anos (Gobetti; Orair, 2015, p. 436).

As conclusões a que se pode chegar por meio da observação dos dados são menos unívocas do que sugere a narrativa trivializada10. Em primeiro lugar, a expansão dos gastos sob Rousseff não apresentou, em grau, diferenças substanciais se comparada à observada nas gestões anteriores. O que, de fato, ocorreu foi uma alteração expressiva em sua composição.

Já pelo lado da arrecadação, a responsabilidade do governo não pode ser, de fato, atenuada. A ampla, casuística e ineficaz estratégia de isenção tributária e de concessão de subsídios11 responde, em grande medida, pela deterioração do resultado primário do ente central. Isso porque, de acordo com Dweck e Teixeira (2018), o comportamento do resultado primário no Brasil guarda relação mais próxima do desempenho da arrecadação do que dos dispêndios. De forma contraintuitiva, a evolução destes apresenta relação invertida com a poupança pública: seu crescimento seria menor em períodos de queda do resultado primário do que em momentos de superávit primário elevado.

Iniciada em abril de 2012, a estratégia buscava reestruturar as dívidas, recuperar as margens de lucro e incentivar o investimento privado; em contrapartida, o governo exigia a manutenção dos empregos dos trabalhadores. As medidas mais relevantes foram as desonerações tributárias e isenções de encargos sociais sobre a folha de pagamento de empresas em diversos setores, em clara conversão para uma estratégia supply side. Em paralelo, buscando reativar o consumo privado - motor do crescimento da demanda agregada na década anterior -, isentou-se de IPI o consumo de determinados bens duráveis. Por fim, desobrigou-se de direitos a importação de bens de capital como forma de incentivar a inovação produtiva (Serrano et al., 2015).

De acordo com os cálculos de Orair e Gobetti (2017, p. 56), o montante tributário abdicado pelo governo foi expressivo: de R$ 44 bilhões (2010) para R$ 122 bilhões (2014), enquanto os subsídios passaram de R$ 31 bilhões para R$ 73 bilhões, e o total de empréstimos do Tesouro ao BNDES chegou a R$ 500 bilhões12. A resposta dos empresários, contudo, mostrou-se muito aquém do imaginado pelos policymakers que formularam o plano13. Capitalistas de riquezas finaceirizadas, os industriais brasileiros do século XXI parecem não reagir a incentivos produtivos como sugere a teoria neoclássica (Paulani, 2017).

Ou seja, antes de uma expansão real imoderada, o que de fato se observou a partir de 2011 foi uma alteração na composição da política fiscal: no primeiro subperíodo expansionista (2006-2010), o foco dos dispêndios foram os investimentos públicos e as transferências redistributivas; no quadriênio subsequente (2011--2014), preteriram-se as inversões em benefício dos subsídios e das desonerações - o que não se pode tomar, em definitivo, por uma política industrial clara e consciente. Tratou-se, em larga medida, de medidas que respondiam à tentativa de satisfazer interesses setoriais localizados, o que denota a erosão paulatina da credibilidade no manejo da política econômica. E se o primeiro governo Rousseff apresentou tais características, o breve segundo mandato depõe ainda mais contra a hipótese de populismo econômico tal qual consagrada na literatura. A nova equipe do Ministério da Fazenda promoveu forte ajuste fiscal em 2015, reduzindo o ritmo de crescimento dos gastos públicos de 12,8% em 2014 para 2,1% em 2015, com foco, novamente, nas inversões públicas (Orair; Gobetti, 2017).

Diante da tentativa de induzir a produção nacional, faz-se digno de nota o fato de o empresariado ter capitaneado a frente de oposição ao governo a partir de 2014. Politólogos têm debatido os motivos do derretimento do amplo apoio político de que gozava uma presidente cujos índices de aprovação superava o de qualquer outro mandatário brasileiro desde a redemocratização. Como todo fenômeno social, entretanto, não houve apenas um, mas uma confluência de fatores que levaram à reversão desse quadro.

Como pano de fundo, a perda do dinamismo do crescimento econômico observado até 2012 ensejou questionamentos, sempre rechaçados pelo governo, acerca da correção da política econômica. Em adição, o crescimento dos salários acima da produtividade depôs contra a rentabilidade do capital, uma vez que a chamada “revolução indesejada” a que se referem Serrano e Summa (2018), em uma situação de pleno emprego, acabou por aumentar o poder de barganha dos trabalhadores, robustecendo a tal “musculatura dos sindicatos” à qual alude Singer (2015).

Apesar de a política econômica dilmista ter acirrado as já antigas contradições internas à burguesia, procurando (sem êxito) beneficiar seu segmento produtivo em detrimento dos proveitos do bancário, a ameaça comum atuou para reunificar as referidas frações de classe. É nesse sentido que Boito Junior (2017) argumenta que os interesses gerais do capital se sobrepujam a eventuais disputas internas. Demandas como a desregulamentação das relações de trabalho e de redução dos direitos sociais robusteceram a necessidade de formação de uma frente única de oposição.

Se parcimonioso em relação aos gastos públicos, não se pode minimizar, contudo, o erro cometido pelo governo contra a transparência na divulgação oficial dos dados fiscais. Para além da polêmica jurídica envolvendo as chamadas “pedaladas fiscais”, caracterizou o “pecado original” que levou à tramitação extraorçamentária de bilhões de reais o fato de o ressarcimento aos bancos ter sido feito por meio de títulos públicos - e não em moeda -, caracterizando uma simples troca de ativos14 (Biasoto Junior; Afonso, 2014).

Assim sendo, observa-se que o ajuste promovido no início de 2011 já descartaria, per se, a hipótese de ter se tratado de uma política fiscal populista. De acordo os modelos anteriormente apresentados, a primeira fase de gestões populistas ca­racteriza-se, obrigatoriamente, pela adoção de medidas abertamente pró-crescimento e de cunho redistributivas, ignorando restrições intertemporais - orçamentárias e inflacionárias - a que economias de mercado estão inexoravelmente sujeitas. Ademais, Bresser-Pereira (1991) realça o caráter intencional do aumento dos gastos governamentais em administrações populistas, fato tampouco verificado no caso em tela. Ao contrário do que sugere o senso comum, o período em análise fornece evidência empírica robusta em sentido oposto. Sugere algo mais grave: o descontrole da economia.

A política cambial

O segundo elemento medular dos modelos de populismo econômico é a política cambial. Considerada por Bresser-Pereira (2012) um dos principais preços macroeconômicos, a taxa de câmbio não apenas afere a inserção da economia no cenário internacional bem como nele (in)viabiliza a operação das empresas nacionais. Instrumento tradicionalmente utilizado pelos gestores de política econômica desde a criação de uma moeda eminentemente nacional, a política cambial inaugurou um novo capítulo na história econômica do Brasil em 1999, quando se inauguraram o regime de metas para a inflação e o de câmbio flutuante.

De modo sumarizado, pode-se afirmar que a relação entre o real e a moeda de transação internacional passou por pelo menos três fases no decorrer dos cinco anos do governo Rousseff: apreciação (2011-2013); estabilidade (2013-2015); depreciação (2015-2016).

O novo governo herdou uma taxa de câmbio sobreapreciada desde pelo menos 2007. Reflexo das condições financeiras internacionais - como o afrouxamento monetário nos EUA e o consequente aumento de liquidez global -, o cenário de 2011 não oferecia alternativas de grande alcance às autoridades monetárias dos países em desenvolvimento. Nesse sentido, a declaração da chamada “guerra cambial” pelo ministro Guida Mantega (e, posteriormente, o “tsunami monetário”, cunhado pela própria presidente) entoava um discurso um tanto estéril. Isso porque, conforme argumenta Barbosa Filho (2015, p. 407), “a tendência de longo prazo da taxa de câmbio brasileira depende muito mais das condições financeiras internacionais do que da atuação do Banco Central ou do Ministério da Fazenda”.

O real era, naquele momento, a moeda relevante na comunidade internacional que sofrera a maior valorização ante o dólar norte-americano (Rossi, 2016), situação que levou Bresser-Pereira (2017, p. 16) a classificar a situação cambial de 2011 como uma “terrível herança” que a nova mandatária havia recebido de seu antecessor. Nos termos do autor, a presidente fora “vítima do populismo cambial do Lula, assim como Lula foi beneficiário do populismo cambial do FHC” (Bresser-Pereira, 2013). De modo que se houve presidente que gozou propositadamente dos benefícios do câmbio nos últimos vinte e cinco anos, Dilma Rousseff talvez não tenha sido uma delas. Ainda assim, denota-se o já citado descontrole da economia que impediu que o governo - ou, especificamente, a autoridade monetária - conduzisse a política cambial autônoma de forma autônoma.

Conquanto tenha se mostrado uma ferramenta eficaz, ainda que discutível, de combate à inflação, o câmbio apreciado depunha contra a viabilidade de setores importantes da indústria nacional. Condizente com a agenda industrialista supradescrita, o governo passou a atuar deliberadamente para desvalorizar a taxa de câmbio, que, entre maio e julho de 2011 chegou a oscilar ao redor de R$ 1,50, taxa real efetiva mais baixa desde o lançamento do Plano Real.

Dentre as principais medidas adotadas naquele momento estavam a aquisição eventual de divisas e, sobretudo, a utilização de instrumentos tributários com vistas ao encarecimento das operações cambiais. Além da imposição de recolhimentos compulsórios em algumas transações, o governo utilizou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para regular os fluxos de capitais de curto prazo e a especulação no mercado futuro de derivativo cambial (Prates, 2015). Tratou-se do expediente oportunamente classificado por Barbosa Filho (2015, p. 404) como “desvalorização fiscal”.

A própria redução da taxa básica de juros iniciada no segundo semestre de 2011 contribuiu para a depreciação paulatina do câmbio ao reduzir o diferencial internacional de taxas de juros. Por fim, a desaceleração do crescimento econômico mundial e a consequente deterioração dos termos de troca, bem como a expectativa de reversão dos estímulos monetários por parte do Federal Reserve - o chamado tapering talk do chairman Ben Bernanke - reforçou ainda mais a tendência altista. Se tais medidas não lograram desvalorizar o câmbio real a fim de afetar os termos de troca (em moeda nacional), o conjunto da obra logrou atenuar as indesejadas oscilações no mercado.

Uma segunda etapa da política cambial se deu a partir do início do segundo semestre de 2013, quando a autoridade monetária norte-americana concretizou as expectativas de elevar a prime rate. A partir de então, o governo brasileiro viu-se incentivado a atuar contra a desvalorização considerada perniciosa para a manutenção dos níveis de preços, uma vez que a política monetária passiva resultara no recrudescimento inflacionário. Para tanto, zerou-se o IOF sobre aplicações de renda fixa por não residentes (antes em 6%) e reduziu-se a alíquota sobre os contratos futuros para 1% (Mello; Rossi, 2018).

A mais importante alteração na política cambial naquele período, contudo, concretizou-se na intervenção no mercado de derivativos por meio de swaps cambiais, que, diferentemente das outras medidas regulatórias e de controle de capital, são consideradas market friendly. Assim, a partir de agosto de 2013, o Banco Central inaugurou uma nova ferramenta de política cambial, cujo programa diário de leilões de câmbio girava, inicialmente, ao redor de US$ 500 milhões (Mello; Rossi, 2018).

Por fim, já no segundo mandato, a autoridade monetária passou a sinalizar que não mais interviria no mercado de câmbio, abdicando de seu poder de market maker. Assim, “permitiu” que o dólar se depreciasse de R$ 2,60 no final de 2014 para R$ 3,90 doze meses depois, resultando em custos fiscais significativos para o setor público.

Diante dessa descrição um tanto reducionista, entende-se que, do ponto de vista cambial, a política dilmista tampouco condiz com o que propõem os modelos de populismo econômico. As medidas com vistas à desvalorização no início do mandato e a tentativa de estabilizar as oscilações a partir de 2013 sugerem clara intenção em não permitir a excessiva valorização do câmbio com vistas ao aumento do salário real - objetivo último de governos entre cujos objetivos está o de angariar o apoio da classe média.

Se o resultado se mostrou, de fato, aquém do que requeria a indústria nacional - uma vez que não se atingiu a taxa de câmbio de equilíbrio industrial15 -, tampouco se pode afirmar que o governo se utilizou de tal expediente para granjear o bônus político que aquela situação eventualmente lhe rendesse.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fonte de controvérsias (e consequências) que se arrastam até a atualidade, o governo Rousseff enseja análise as quais obrigatoriamente extrapolam a seara econômica. Responsável por erros que certamente emolduraram a crise que eclodiu em 2014 - e que, sete anos depois, ainda assombra a sociedade brasileira -, faz-se oportuno perscrutar os meandros da política econômica daquele período não apenas para aprofundar o entendimento da realidade que os fatos inexoravelmente impõem, mas, se possível, para também afastar o espectro da já afamada máxima que abre O 18 de Brumário de Luís Bonaparte.

Com efeito, diversos foram os motivos que, conjugados, desaguaram na mais grave e profunda crise econômica da história republicana do país. Em primeiro lugar - e menos relevante -, o choque exógeno decorrente da deterioração dos termos de troca, cujos efeitos sobre o balanço de pagamentos depuseram contra a estabilidade da condução da política econômica instrumental. Em segundo, o clima de conflagração política que se instaurou no país após a campanha eleitoral de 2014, cujas fraturas racharam as bases do sistema político vigente desde o início da Nova República. Diretamente a este relacionado, o profundo impacto que as polêmicas, porém necessárias operações de combate à corrupção impuseram sobre os investimentos público e privado16. Por fim, e mais importante, os diversos equívocos de políticas micro e macroeconômica, cuja análise extrapolariam o escopo deste artigo, cujo objetivo é, essencialmente, testar a hipótese de se enquadrar o governo Rousseff como populista.

Corroborando parte desse diagnóstico, Krugman (2018) elenca mais dois elementos relevantes17: o descuido com o consumo privado, afetado diretamente pelo nível de endividamento das famílias, e uma reversão abrupta das expectativas decorrente da adoção de “medidas de austeridade fiscal e aperto da política monetária no momento em que a economia entrava em queda”. Ao condenar os “fortes cortes de gastos no meio de uma desaceleração econômica”, o economista norte-americano, que não pode ser propriamente chamado de desenvolvimentista, se questiona: “O que eles estavam pensando? É incrível, mas eles parecem ter aceitado a teoria da austeridade expansiva”.

Isto posto, parece não haver espaço para dúvida: erros foram cometidos. Mas, se tratou, de fato, de um governo populista?

Baseado em raciocínio um tanto labiríntico, Mesquita (2014) entende e afirma, explícita e reiteradamente, que sim. A fim de se promover a combinação “reativação com redistribuição” - demanda, a priori, legítima em qualquer sociedade -, o go­verno Rousseff lançou “mão de reservas externas (e protecionismo) para conter os efeitos do excesso de demanda doméstica sobre a taxa de câmbio”. Aqui, equivoca-se duplamente o economista-chefe do Itaú, uma vez que não só a taxa de câmbio operou, na maior parte do lustro, sob tendência baixista - o que levou o Ministério da Fazenda a agir deliberadamente pela sua depreciação -, como o protecionismo da política comercial respondeu a lobby da maior federação industrial do país, e não exatamente a excesso de absorção interna.

Indo além, o autor censura a “política de intervenção cambial típica do populismo latino-americano tradicional, visto que contribui para evitar depreciação da moeda”. A crítica carece de embasamento factual, dado que, conforme descrito, o governo atuou deliberadamente para desvalorizar o real. Por fim, ao indicar a resistência do governo “à ideia de que a taxa de câmbio deve ser determinada pelo mercado”, Mesquita apresenta certa indignação seletiva, uma vez que se trata de prática adotada em todas as economias monetárias modernas - inclusive naquelas por ele consideradas não populistas, como o governo FHC.

Diante dos elementos e evidências apresentados no decorrer do trabalho, refuta--se a hipótese de que a política econômica sob Dilma Rousseff se tratou de um caso de populismo econômico. Conclusão que não atenua as já citadas graves contradições de sua política econômica, cuja principal consequência pode ser aferida pela mais grave e profunda crise econômica da história republicana brasileira. A incapacidade de conter a deterioração da indústria nacional, aliada ao avanço da reprimarização da pauta de exportações revela parte do fracasso de sua estratégia para o lado da oferta. A discricionariedade e o voluntarismo, por sua vez, resultaram na desorganização de setores relevantes - como o energético - e na carestia; elementos que, conjugados, contribuíram para a queda de mais de 7,5% do PIB entre 2015 e 2016 e, consequentemente, para a inviabilização política de seu governo.

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  • 1
    Faz-se oportuno salientar que a política econômica prevista pelos modelos de populismo se restringe aos instrumentos macroeconômicos de estabilização de curto prazo, também conhecidos como políticas-meio: as políticas monetária, cambial e fiscal.
  • 2
    Por carecerem de uma “estratégia de longo prazo para reverter a desindustrialização do país e avançar para um novo paradigma tecnológico”, Fonseca et al., (2020) descartam, entre outros motivos, a possibilidade de se classificar o governo como desenvolvimentista. Já para Medeiros (2017, p. 3), “se considerarmos o desenvolvimentismo como uma estratégia formada por um conjunto articulado de políticas e de instituições voltadas à industrialização, modernização tecnológica e à aceleração do crescimento, dificilmente o período 2011-2014 poderia ser descrito como desenvolvimentista”. No entendimento de Bresser-Pereira (2017, p. 16), “a presidente Dilma Rousseff tentou voltar ao regime desenvolvimentista de política econômica”, muito embora não o tenha levado adiante. E de acordo com Curado (2017), a política cambial e de controle de preços administrados, entre outros fatores, impedem que se classifique o governo Dilma como desenvolvimentista.
  • 3
    Ao demonstrar que a intervenção contemporânea foi substantivamente inferior à observada no período militar, o autor defende que, em termos microeconômicos, considerar “esses dois períodos (Geisel e Lula II / Dilma I) como ‘idênticos’ é claramente um exagero retórico” (Borges, 2017).
  • 4
    Corroboram esse entendimento autores como Barbosa Filho e Pessoa (2014), Mesquita (2014), Biasoto Junior e Afonso (2014) e Barbosa (2015). A despeito das diferenças substantivas em relação a este grupo liberal, economistas novo-desenvolvimentistas, como Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2016) e Oreiro e Marconi (2016) também creditam à política fiscal expansionista, ainda que parcialmente, os problemas das contas públicas nacionais. Por fim, há autores que delegam o desencadeamento da crise em 2014 justamente à suposta moderação da política econômica (fiscal incluída), que teria deixado de exercer sua função dinamizadora da demanda agregada (Serrano; Summa, 2015; Bastos et al., 2015; Gentil; Hermann, 2017).
  • 5
    A apuração dos dados fiscais enseja alguma controvérsia de fundo metodológico. De acordo com Mesquita (2014, p. 7), o gasto público primário a partir da eclosão da crise financeira internacional entrou em trajetória de forte expansão, “saltando de 16% do PIB em 2008 para 19% em 2013”. Já para Pessoa (2018), as taxas de crescimento real do gasto primário entre 2012 e 2016 foram, respectivamente, de 5,8%, 7,7%, 6,0%, -3,2% e 2,1%. Em ambos os casos, não há citação da fonte de onde foram retiradas as informações veiculadas.
  • 6
    Tomando por base os números apresentados por Mello e Rossi (2018, p. 258), no período 2011-2014 a dívida bruta girou entre 50% e 56% do PIB, enquanto a líquida apresentou queda (38% para 33% do PIB) no referido quadriênio. Corrobora o entendimento de que a deterioração das condições fiscais decorreu mais da abdicação de receita do que da expansão dos gastos o fato de a carga tributária, após duas décadas de crescimento constante, ter se mantido praticamente estável (ao redor de 33% do PIB) entre 2005 e 2015 (Orair; Gobetti, 2017).
  • 7
    Delegada à iniciativa privada, pretendia-se incentivar a formação de capital por meio de leilões de concessões para oferta de infraestrutura - projetos de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e energéticos -, como os contidos, por exemplo, no Plano Nacional de Logística Integrada, de 2012 (Summa et al., 2015, p. 24). Segundo Orair e Gobetti (2017, p. 55), tratou-se de estratégia pragmática do ponto de vista fiscal, uma vez que tais estímulos não afetariam o superavit primário, pois os subsídios creditícios eram operados por fora do orçamento via empréstimos do Tesouro ao BNDES.
  • 8
    De acordo com Gentil e Hermann (2017, p. 802), o investimento público federal expandiu-se significativamente apenas em 2014 (16%) devido às obras requeridas pela organização da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas (2016).
  • 9
    Segundo a metodologia empregada pelo Grupo de Trabalho de Macroeconomia da Sociedade de Economia Política, as taxas médias de crescimento real do gasto público dos quatro governos foram: FHC II (3,9%), Lula I (5,2%), Lula II (5,5%) e Dilma I (3,8%) (SEP, 2016, p. 40). Apesar da diferença numérica, os dados apontam para o mesmo sentido argumentado neste trabalho.
  • 10
    Faz-se imperioso pormenorizar o quadro fiscal durante os primeiros quatro anos da década de 2010. Isso porque a condução desse instrumento de política econômica não foi - como tradicionalmente não o é - exatamente homogênea no primeiro governo Rousseff. Se o início de seu mandato foi caracterizado por uma tentativa, ainda que fugaz, de manutenção da dinâmica fiscal que se desenhava havia mais de cinco anos, observou-se, a partir de 2012, a deterioração da dinâmica da dívida pública devido, mormente, às desonerações fiscais com as quais se imaginava incitar o consumo privado e, consequentemente, a taxa de inversão agregada.
  • 11
    Consoante Carvalho (2018, p. 69) as desonerações tributárias não se pretendiam provisórias, uma vez que responderam por “um dos principais eixos das políticas fiscal e industrial do governo”.
  • 12
    A depender do método de cálculo, os valores podem apresentar discrepâncias substantivas. Com base em dados divulgados pela Receita Federal, Gentil e Hermann (2017, p. 809) estimaram que o governo renunciou aproximadamente R$ 181 bilhões (2011), R$ 268 bilhões (2013) e cerca de R$ 250 bilhões (2014) em tributos federais - algo equivalente a 4,5% do PIB. Já na contabilidade de Pessoa (2013), o governo federal concedeu, apenas em 2014, R$ 104 bilhões em incentivos fiscais e desonerações tributárias ao setor produtivo, um aumento R$ 26 bilhões em relação ao ano anterior.
  • 13
    O Programa de Sustentação do Investimento fora criado em julho de 2009 como resposta anticíclica à crise internacional, oferecendo linhas de crédito para investimentos com juros subsidiados pelo Tesouro Nacional. De acordo com Ellery Júnior et al., (2018, p. 10), “no período anterior ao PSI, a média de desembolsos do BNDES, acumulados em doze meses, foi de R$ 83 bilhões; no período posterior ao PSI, essa média foi de R$ 97 bilhões; e, no período do PSI, a média foi de R$ 234 bilhões”.
  • 14
    A engenharia contábil (fiscal e financeira) acabou, na prática, por transformar os bancos públicos em “uma espécie de Banco do Tesouro Nacional, custeado pelo aumento do seu endividamento bruto e que resultou na concessão de créditos especiais a bancos federais, quitados pela entrega de papéis, e não pelo pagamento em dinheiro” (Biasoto Junior; Afonso, 2014, p. 278). Nos cálculos de Barros e Afonso (2013), o volume de crédito fornecido por tais instituições financeiras era da ordem de 0,5% do PIB em fevereiro de 2008; em junho de 2013, atingiu 9,6%. Tais mudanças não foram debatidas com a sociedade, de modo que esse emaranhado de operações só foi paulatinamente descoberto pela imprensa especializada.
  • 15
    De acordo com a definição oferecida por Bresser-Pereira (2012), a taxa de câmbio de equilíbrio industrial é o patamar em que as empresas nacionais que operam na fronteira tecnológica tornam-se competitivas no mercado internacional. Trata-se, portanto, da taxa de câmbio necessária para neutralizar a chamada “doença holandesa”, por ele definida como “a sobreapreciação crônica ou permanente da taxa de câmbio de um país causada por rendas ricardianas oriundas de recursos abundantes e baratos, cuja produção é compatível com uma taxa de câmbio de equilíbrio corrente claramente mais apreciada do que a taxa de câmbio de equilíbrio industrial” (Bresser-Pereira, 2012, p. 12, grifos no original).
  • 16
    Apesar das limitações imanentes a esse tipo de análise, o exercício estatístico de Borges (2017) ratifica os não negligenciáveis efeitos deletérios do cenário externo e da devassa sobre a Petrobras. Para o autor, “pelo menos 38% da desaceleração (1,3 pp. dividido por 3,3 p.) do PIB per capita brasileiro observada em 2012-2017 versus 1999-2011 adveio de fatores exógenos internacionais”. Se considerados efeitos climáticos e da operação judicial sobre a Petrobras, o autor credita de “55% a 60% da desaceleração do crescimento em 2012-2017” a fatores exógenos. E apenas algo entre 10% e 30% poderia ser atribuído a erros de política e a outros fatores não identificados claramente.
  • 17
    Buscando contrapor-se à análise do Nobel de 2008, Pessoa (2018) oferece quatro argumentos de lógica diametralmente oposta para explicar a recessão. Para ele, a crise externa pouco afetou outras economias parecidas; a política fiscal não foi contracionista; e a política monetária tampouco o foi. Insatisfeito com a hipótese de insuficiência da demanda efetiva, afirma que uma crise cujos “serviços rodando a 9% até o fim de 2016, se deve à carência de demanda agregada é verdadeira estultice”.
  • 18
    JEL Classification: E0; E5; H2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    09 Fev 2022
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